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Processo n.º 870/2010 Data do acórdão: 2011-04-14
(Autos de recurso em processo penal)
  Assuntos:
– art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal
– revogação da pena suspensa
– arguida toxicodependente
– internamento voluntário para tratamento de toxicodependência
– violação grosseira da promessa de internamento


S U M Á R I O
A violação, de modo grosseiro, no período de manutenção da suspensão da execução da pena de prisão, do dever então assumido pela própria arguida em tom de promessa perante o Juiz a quo, de ficar internada voluntariamente em estabelecimento próprio para tirar a sua toxicodependência, já revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, pelo que deve ser revogada a suspensão nos termos do art.o 54.o , n.o 1, alínea a), do Código Penal de Macau.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 870/2010
(Recurso em processo penal)
Recorrente: A (A)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido a fls. 111v a 112 dos autos de Processo Sumário n.o CR1-09-0391-PSM do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou a suspensão da execução da pena de dois meses de prisão, veio a arguida condenada A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir – com fundamento nuclear na alegada violação, cometida pelo Mm.o Juiz autor desse despacho, do disposto na alínea d) do art.o 53.o do Código Penal de Macau (CP) – a revogação da mesma decisão, e a sua substituição por outra que passasse a determinar a prorrogação do período da pena suspensa (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 119 a 125 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal recorrido no sentido de manutenção do julgado (cfr. o teor da resposta de fls. 127 a 130v).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer a fls. 216 a 217, no sentido de não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença constante da acta de audiência de julgamento de 11 de Dezembro de 2009, do Processo Sumário n.o CR1-09-0391-PSM do TJB, subjacente à presente lide recursória, a arguida ora recorrente A foi condenada como autora material, na forma consumada, de um crime, praticado em 10 de Dezembro de 2009, de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de dois meses de prisão, suspensa – à luz do art.o 19.o, n.o 1, dessa Lei, em face da vontade, declarada pela própria arguida (que confessou de modo integral e sem reservas os factos a ela imputados), de aceitação voluntária do tratamento de toxicodependência – na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova, a ser acompanhado pelo Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSJ), e com tratamento da toxicodependência a ser fornecido pelo Instituto de Acção Social de Macau (IASM) (cfr. o teor da sentença de fls. 31 a 32v dos presentes autos correspondentes);
– Prazo inicial de suspensão de execução da pena de prisão esse que ante a ainda situação de toxicodependência da ora recorrente, veio entretanto, nos termos do art.o 53.o, alínea d), do CP, a ser prorrogado por mais um ano (sob a condição de internamento voluntário da ora recorrente, por seis meses, em estabelecimento próprio para tirar a toxicodependência, em termos a definir concretamente pelo Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça), por força do despacho judicial emitido em 24 de Junho de 2010, após ouvida pessoalmente a ora recorrente que tinha pedido ao Mm.o Juiz titular do processo subjacente a concessão de uma última oportunidade para ser internada voluntariamente em estabelecimento próprio para tirar a toxicodependência (cfr. o teor da acta de fls. 85 a 86);
– Entretanto, por despacho judicial proferido em 24 de Setembro de 2010 depois de ouvida a própria ora recorrente que ainda não tinha entrado voluntariamente em estabelecimento próprio para tirar a toxicodependência, foi decidido revogar a suspensão de execução da pena de prisão nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP, com fundamento na violação grosseira e repetida, por parte da mesma recorrente, do dever então condicionante da concessão da pena suspensa (cfr. o teor da acta de fls. 111 a 112);
– Por sentença proferida em 10 de Março de 2011 no Processo Comum Singular n.o CR3-09-0179-PCS do TJB, veio a ora recorrente a ser condenada, como autora material, na forma consumada, de um crime de furto, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do CP, cometido em 15 de Janeiro de 2008, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, com regime de prova (cfr. o teor da certidão dessa sentença, ora constante de fls. 235 a 239);
– Por ofício de 24 de Março de 2011, a DSJ informou o TJB de que a ora recorrente já ficou internada, em 11 de Março de 2011, para receber, por um ano, o tratamento de toxicodependência (cfr. o teor de fls. 243 a 245);
– E conforme o conteúdo do certificado de registo criminal (constante de fls. 11 a 24), a ora recorrente, antes de ser condenada por sentença de 11 de Dezembro de 2009 no âmbito do Processo Sumário subjacente à presente lide recursória, já chegou a cumprir, no passado, penas efectivas de prisão de curta duração, por cometimento de crimes de detenção de estupefaciente para consumo pessoal, p. e p. pelo art.o 23.o, alínea a), do anterior Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação de recurso, a condenada A assaca concreta e materialmente ao impugnado despacho judicial de 24 de Setembro de 2010, revogatório da pena suspensa, a violação do disposto no art.o 53.o, alínea d), do CP, e pede a revogação dessa decisão para pretender a ainda prorrogação do prazo da pena suspensa, nos termos conjugados do art.o 19.o da Lei n.o 17/2009, e dos art.os 48.o, n.o 5, e 53.o, alínea d), do CP.
Assim sendo, é de aquilatar da rectidão, ou não, da decisão de revogação da pena suspensa, como resposta em concreto àquela única questão objecto do recurso.
Ora, dos dados acima coligidos dos autos, resulta claro que:
– a decisão de suspensão de execução da pena de dois meses de prisão constante da sentença condenatória de 11 de Dezembro de 2009, foi tomada com o pressuposto fáctico de que a própria ora recorrente declarou aceitar voluntariamente o tratamento da sua toxicodependência, e que a decisão judicial de 24 de Junho de 2010, que prorrogou por mais um ano o prazo inicial de pena suspensa não obstante o incumprimento pela recorrente da sua promessa de recebimento voluntário do tratamento da toxicodependência, também foi proferida sob o pressuposto fáctico de que a ora recorrente pediu ao Mm.o Juiz titular do processo subjacente a concessão de uma última oportunidade para ser internada voluntariamente em estabelecimento próprio para tirar a toxicodependência;
– porém, até antes da emissão do ora recorrido despacho de 24 de Setembro de 2010, revogatório da pena suspensa, nunca honrou a recorrente a sua promessa de tirar o vício de consumo de droga, e só ficou voluntariamente internada em 11 de Março de 2011 em estabelecimento próprio para tirar a toxicodependência.
Perante essa postura de não honrar efectivamente, por duas vezes acima referidas, a sua promessa então feita ao Mm.o Juiz titular do processo subjacente em troca da suspensão de execução da pena de dois meses de prisão, é entendimento do presente Tribunal ad quem que bem andou o Mm.o Juiz titular do processo subjacente ao ter revogado a pena suspensa então decretada e depois prorrogada, visto que também se vislumbra a este Tribunal que a ora recorrente, ao ter infringido, na segunda vez acima mencionada, e ainda durante o período de suspensão de execução da pena de prisão, de modo grosseiro o seu dever – assumido aliás por ela em tom de promessa perante o Mm.o Juiz a quo em troca de “uma última oportunidade – de ficar internada voluntariamente em estabelecimento próprio para tirar a toxicodependência, já fez cair totalmente por terra a última expectativa do Tribunal em ver honrada tal promessa da própria recorrente, tendo ela assim revelado que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
E nem se diga que a recorrente, afinal das contas, acabou por ficar voluntariamente internada para receber tratamento da sua toxicodependência, e que a execução imediata da pena de prisão pode prejudicar o processo de tratamento da toxicodependência agora já em curso. Não vale este argumento em abono da recorrente, porquanto esse superveniente internamento também só ocorreu depois de decorridos mais de cinco meses contados da data de emissão do ora recorrido despacho revogatório da pena suspensa, o que demonstra a falta de seriedade por parte da recorrente na questão de internamento voluntário, por um lado, e, por outro, nunca está excluída a hipótese de tratamento da toxicodependência dentro do Estabelecimento Prisional.
Por fim, não repugna a este Tribunal ad quem a necessidade de execução imediata da pena de prisão de dois meses como decorrente dos efeitos próprios do despacho ora recorrido, posto que no passado, a recorrente também chegou a cumprir penas curtas de prisão por causa do cometimento de actos de detenção de estupefaciente para consumo pessoal, e mesmo assim voltou a praticar acto deste tipo em 10 de Dezembro de 2009 pelo qual vinha condenada na sentença de 11 de Dezembro de 2009 constante do processo subjacente.
Desta feita, realmente não se pode satisfazer a pretensão da recorrente em ver outra vez prorrogado o prazo de suspensão de execução da pena de dois meses de prisão em causa, uma vez que “a última oportunidade” então rogada já foi judicialmente dada em 24 de Junho de 2010.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela recorrente, com duas UC de taxa de justiça, e mil patacas de honorários ao seu Exm.o Defensor Oficioso, a adiantar, por ora, pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Passe mandados de detenção e condução contra a recorrente, para efeitos de execução da pena de prisão.
Comunique ao Processo Comum Singular n.o CR3-09-0179-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, para os efeitos tidos por convenientes.
E comunique também à Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 14 de Abril de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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