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Processo nº 603/2010
(Recurso Cível)

Data: 24/Março/2011

   
   Assuntos:

- Revogação unilateral no arrendamento comercial

- Pagamento das rendas até final do contrato

    
    SUMÁRIO :
    
    1. Nos casos de arrendamento comercial não se prevê a possibilidade de revogação unilateral do arrendamento comercial nos mesmos termos dos previstos para o arrendamento para habitação, devendo ela sujeitar-se às regras que foram contratualmente aceites pelas partes.
    
    2. Nos casos de revogação unilateral do arrendamento comercial por parte do locatário deve este pagar ao senhorio as rendas até final do contrato.
    
O Relator,




Processo n.º 603/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 24/Março/2011

Recorrentes: A
B
Recorrida: C Limitada (C有限公司)

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    Numa acção em que a C Limitada intentou contra A e B, todos melhor identificados nos autos, na sequência de uma revogação unilateral dos contratos de arrendamento para fins comerciais de diversas fracções e em que estes foram condenados a pagar diversas quantias à A., - rendas vencidas, indemnização prevista nos termos do artigo 996º do Código Civil, despesas de condomínio vencidas, indemnização compensatória pela cessação antecipada dos contratos -, inconformados com a decisão, vêm os RR. recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
    Os recorrentes não aceitam a decisão condenatória no que respeita a sua condenação pelo pagamento da quantia global de MOP$1,077,313.00 (Contrato I – MOP4653,344.00 + Contrato II – MOP$209,412.00 + Contrato III – MOP$214,557.00), a titulo de indemnização compensatória pela cessação antecipada dos contratos.
    Na decisão recorrida, salvo o devido respeito, houve uma errada aplicação das normas legais vigentes aos contratos de arrendamento comercial.
    Nos autos ficou provado que o arrendamento em questão é comercial e assim deve ser aplicado as disposições especiais previstas na subsecção IV – Disposições especiais dos arrendamentos comerciais – artigos 1045º a 1047º do Código Civil.
    Da análise das disposições especiais dos arrendamentos comerciais constata-se que só regula a noção de arrendamento comercial (artigo 1045º do CC), as consequências pela morte do arrendatário (artigo 1046º do CC) e as consequências da alienação da empresa comercial (artigo 1047º do CC).
    No caso dos autos foram os Réus que revogaram unilateralmente os contratos de arrendamento I, II e III dentro do prazo acordado, e, salvo o devido respeito, deveriam ter que pagar somente a indemnização fixada no artigo 1044º do Código Civil.
    Nos contratos de arrendamento I, II e III deve ser considerada nula cláusula penal que estabeleça o pagamento de uma compensação superior pela a 2 meses de renda por violar a norma imperativa do art. 1044º do Código Civil.
    Tal normativo estabelece um critério especial de quantificação do montante da correspondente obrigação de indemnização, impendente sobre o arrendatário, coincidente com o valor da renda praticada, no momento revogação do contrato por parte do arrendatário, assim afastando a aplicação das regras gerais previstas nos artigos 556 e segs. Do Código Civil.
    A admissão da referida cláusula penal compensatória conduziria, a uma verdadeira duplicação da respectiva indemnização, uma vez que o citado art. 1044º já funciona como cláusula penal, de natureza, simultaneamente, compensatória e moratória, contra o arrendatário e em benefício do senhorio.
    Os recorrentes, salvo o devido respeito por opinião diversa, entendem que o acórdão recorrido interpretou erradamente o entendimento do legislador, violando os artigos 8º, 9º e 1044º,ambos do C. Civil.
    Nem se diga que o Código Civil não prevê a denuncia por parte do arrendatário no caso dos arrendamentos comerciais porque sempre se dirá que a interpretação do regime do arrendamento com recurso a integração de eventual lacuna, leva-nos a concluir que é de inteira justiça que seja feita a aplicação do artigo 1044º do Código Civil, sob pena de uma situação abusiva ser concedida ao senhorio.
    Senhorio que logo de inicio assume posição de vantagem em relação ao arrendatário que, apesar de não transparecer no contrato de arrendamento, fica obrigado sempre a aceitar as condições abusivas sob pena de não poder concretizar o seu negócio.
    É totalmente abusivo a clausula penal compensatório dos contratos, I, II e III se tivermos em conta que estamos perante um contrato de arrendamento de curta duração (2 anos).
    O Tribunal recorrido ao permitir que seja paga a quantia global de MOP$1,077,313.00 como indemnização compensatória está a conceder à Autora um enriquecimento abusivo, não prevista pelo legislador e sem causa justificativa.
    Concluindo, entendem que o acórdão recorrido errou porque deveria, no seu caso concreto, ser aplicado o artigo 1044º do Código Civil e serem os recorrentes unicamente condenados ao pagamento da indemnização compensatório pela cessação antecipada dos contratos I, II e III no valor global de MOP$234,484.00, calculada nos seguintes termos : A) contrato I – 2 meses x MOP$76,864.00 (renda) = 153,728.00; B) contrato II – 2 meses x MOP$19,944.00 (renda) = MOP$39,888.00 e C) contrato III – 2 meses x MOP$20,434.00 (renda) = MOP$40,868.00.
    Pelo que, nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser considerado procedente, devendo a decisão do Mmo Juiz a quo ser alterada e serem os recorrentes unicamente condenados ao pagamento da indemnização compensatória pela cessação antecipada dos contratos I, II e III, no valor global de MOP$234,484.00, calculada nos seguintes termos : A) contrato I – 2 meses x MOP$76,864.00 (renda) = 153,728.00; B) contrato II – 2 meses x MOP$19,944.00 (renda) = MOP$39,888.00 e C) contrato III – 2 meses x MOP$20,434.00 (renda) = MOP$40,868.00.
    
    C Limitada, apresentou as suas contra alegações, o que fez, dizendo fundamentalmente:
    Vem o presente recurso interposto pelos Réus da Sentença proferida em 12 de Março de 2010 a fls. 302 e seguintes dos autos da parte em que estes foram condenados a pagar à Autora a “quantia global de MOP$1.077.313,00 (Contrato I - MOP$653.334,00 + Contrato II - MOP$209.412,00 + Contrato III - MOP$214.557,00, a título de indemnização compensatória pela cessação antecipada dos contratos.";
    Ao contrário do defendido pelos Réus, ora Recorrentes - a douta sentença recorrida é uma decisão acertada e fez uma correcta e inatacável aplicação do Direito à matéria de facto que resultou provada;
    Porquanto, a lei de Macau não permite, nos contratos de arrendamento para fins comerciais, a revogação unilateral por parte do arrendatário, ou seja, os arrendatários ora RR. não gozam do direito de pôr fim ao arrendamento antes dos respectivos termos;
    O artigo 1044.° do CC não é aplicável aos contratos de arrendamento para fins comerciais, logo, não pode ser aplicável ao caso sub judice;
    Na falta de disposição especial que permita a cessação antecipada dos contratos de arrendamento para fins comerciais, sempre ter-se-ia que aplicar o regime geral previsto para a extinção dos contratos de locação;
    Ao tentarem proceder à revogação unilateral dos Contratos nos termos em que o fizeram, os Réus violaram as normas que disciplinam a cessação da locação, que têm natureza imperativa, atento o disposto no n.º 3 do artigo 1013.° do Código Civil.;
    Acresce que, as partes estipularam voluntariamente consequências vinculativas às duas partes para o caso de cessação antecipada dos Contratos;
    Mas, mesmo que não houvesse a citada cláusula contratual que estipula o valor indemnizatório, sempre os Réus deveriam indemnizar a Autora por todos os prejuízos causados, que in casu, como se provou, correspondem precisamente às rendas que a Autora deixou de receber pela revogação unilateral e antecipada dos respectivos contratos;
    Por todo o exposto, de tal forma é evidente o desacerto da pretensão dos Recorrentes forçoso será concluir que a sentença posta em crise ao condenar os Réus a pagar à Autora a quantia global de MOP$1.077.313,00 a título de indemnização compensatória pela cessação antecipada dos Contratos I, II e III, não merece qualquer censura, antes pelo contrário, aí se tendo feita uma correctíssima e inatacável interpretação e aplicação da lei e da vontade das partes.
    TERMOS EM QUE, ao recurso sub judice deverá ser negado provimento, mantendo-se a sentença de fls. 247 e seguintes dos autos nos seus precisos termos.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
     II - FACTOS
    
Vêm provados os factos seguintes:

A. A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada. (Doc. n.º 1 junto com a p.i.) (E1)
A. A. é a dona e legítima proprietária e possuidora das fracções autónomas designadas por “A1”, “B1”, “C1”, “D1”, “E1”, “AL1”, “N1”, “O1” e “Z1”, do 1º andar, para comércio, do prédio denominado Centro Comercial “XX”, sito em Macau, com os n.ºs XX a XX, da Rua do XX, n.º XX a XX, da Avenida XX, n.º XX a XX, da Avenida XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXX, a folhas 132 do Livro B41. (Doc. n.º 2 junto com a p.i.) (E2)
A propriedade das supra referidas fracções autónomas encontram-se registadas a favor da A., sob a inscrição n.º XXX, do Livro G. (Doc. n.º 2 junto com a p.i.) (E3)
Por escrito particular, assinado em 23 de Março de 2006, a A. deu de arrendamento aos RR., que por sua vez aceitaram esse arrendamento, as fracções autónomas designadas por “A1”, “B1”, “C1”, “D1”, “E1”, “AL1” melhor identificadas na alínea E2) da matéria de factos assentes (doravante o Contrato I), de cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. (Doc. n.º 3 junto com a p.i.) (E4)
O Contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 16 de Março de 2006 e termo em 15 de Março de 2008, conforme consta da Cláusula Quarta do “Contrato I”. (E5)
Nos termos estipulados na mesma cláusula, no caso de os RR. pretenderem antecipar a cessação do Contrato antes do seu respectivo termo, teriam que comunicar, por escrito, à A. essa intenção, com a antecedência mínima de 3 meses. (E6)
Pagando ainda à A. uma compensação equivalente ao valor das rendas remanescentes, devidas até ao termo do Contrato I. (E7)
Nos termos da Cláusula Terceira do Contrato I as fracções arrendadas destinavam-se ao exercício do comércio por parte dos RR. (E8)
Os RR. instalaram nas fracções arrendadas um estabelecimento de venda a retalho e pronto-a-vestir, denominado “XX”. (E9)
A renda mensal, estipulada na Cláusula Sexta do Contrato I foi de HKD$74.480,00 (setenta e quatro mil, quatrocentos e oitenta dólares de Hong Kong), equivalentes a MOP$76.864,00 (setenta e seis mil, oitocentas e sessenta e quatro patacas). (E10)
Dado que era necessário proceder a obras de adaptação e decoração foi estipulado entre as partes, na Cláusula Quinta do Contrato I, que as rendas relativas aos meses de Março e Abril de 2006 não seriam devidas. (E11)
Nos termos estipulados na Cláusula Sexta do Contrato I, os RR. comprometeram-se ainda perante a A., a pagar, a título de despesas de condomínio, a quantia mensal de MOP$8.708,00 (oito mil, setecentas e oito patacas), equivalentes a HKD$8.455,00 (oito mil, quatrocentos e cinquenta e cinco dólares de Hong Kong). (E12)
Nos termos estipulados na mesma Cláusula Sexta do Contrato I, a renda, bem como as despesas de condomínio, deveriam ser pagas adiantadamente, até ao dia 8 de mês a que respeitam, em local indicado pela A. (situando-se actualmente esse local na Secretaria do fracção modelo do edifício “XX”, sita em Macau, na Avenida XX, Lote XX), ou mediante depósito na conta bancária, em Patacas, com o número XXX, ou na conta bancária, em dólares de Hong Kong, com o número XXX, de que a Companhia de XX, Limitada é titular junto do Banco XX de Macau. (E13)
Por escrito particular, assinado em 23 de Março de 2006, a A. deu de arrendamento aos RR., que por sua vez aceitaram esse arrendamento, as fracções autónomas designadas por “N1” e “O1”, melhor identificadas na alínea E2) da matéria de factos assentes (doravante o Contrato II), de cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. (Doc. n.º 4 junto com a p.i.) (E14)
O Contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 16 de Março de 2006 e termo em 15 de Março de 2008, conforme consta da Cláusula Quarta do Contrato II. (E15)
Nos termos estipulados na mesma cláusula, no caso de os RR. pretenderem antecipar a cessação do Contrato antes do seu respectivo termo, teriam que comunicar, por escrito, à A. essa intenção, com a antecedência mínima de 3 meses. (E16)
Pagando ainda à A. uma compensação equivalente ao valor das rendas remanescentes, devidas até ao termo do Contrato II. (E17)
Nos termos da Cláusula Terceira do Contrato II as fracções arrendadas destinavam-se ao exercício do comércio por parte dos RR. (E18)
Os RR. instalaram nas fracções arrendadas um estabelecimento de venda a retalho e pronto-a-vestir, denominado “ac:dc”. (E19)
A renda mensal, estipulada na Cláusula Sexta do Contrato II foi de HKD$19.325,00 (dezanove mil, trezentos e vinte e cinco dólares de Hong Kong), equivalentes a MOP$19.944,00 (dezanove mil, novecentas e quarenta e quatro patacas). (E20)
Dado que era necessário proceder a obras de adaptação e decoração foi estipulado entre as partes, na Cláusula Quinta do Contrato II, que as rendas relativas aos meses de Março e Abril de 2006 não seriam devidas. (E21)
Nos termos estipulados na Cláusula Sexta do Contrato II, os RR. comprometeram-se ainda perante a A., a pagar, a título de despesas de condomínio, a quantia mensal de MOP$3.092,00 (três mil, e noventa e duas patacas), equivalentes a HKD$3.002,00 (três mil e dois dólares de Hong Kong). (E22)
Nos termos estipulados na mesma Cláusula Sexta do Contrato II, a renda, bem como as despesas de condomínio, deveriam ser pagas adiantadamente, até ao dia 8 de mês a que respeitam, em local indicado pela A. (situando-se actualmente esse local na Secretaria do fracção modelo do edifício “XX”, sita em Macau, na Avenida do XX, Lote XX), ou mediante depósito na conta bancária, em Patacas, com o número XXX, ou na conta bancária, em dólares de Hong Kong, com o número XXX, de que a Companhia de XX, Limitada é titular junto do Banco XX de Macau. (E23)
Por escrito particular, assinado em 23 de Março de 2006, a A. deu de arrendamento aos RR., que por sua vez aceitaram esse arrendamento, a fracção autónoma designada por “Z1” melhor identificada na alínea E2) da matéria de factos assentes (doravante o Contrato III), de cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. (Doc. n.º 5 junto com a p.i.) (E24)
O Contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 16 de Março de 2006 e termo em 15 de Março de 2008, conforme consta da Cláusula Quarta do Contrato III. (E25)
Nos termos estipulados na mesma cláusula, no caso de os RR. pretenderem antecipar a cessação do Contrato antes do seu respectivo termo, teriam que comunicar, por escrito, à A. essa intenção, com a antecedência mínima de 3 meses. (E26)
Pagando ainda à A. uma compensação equivalente ao valor das rendas remanescentes, devidas até ao termo do Contrato III. (E27)
Nos termos da Cláusula Terceira do Contrato III a fracção arrendada destinava-se ao exercício do comércio por parte dos RR. (E28)
Os RR. instalaram na fracção arrendada um estabelecimento de venda a retalho e pronto-a-vestir, denominado “12:00AM”. (E29)
A renda mensal, estipulada na Cláusula Sexta do Contrato III foi de HKD$19.800,00 (dezanove mil e oitocentas dólares de Hong Kong), equivalentes a MOP$20.434,00 (vinte mil, quatrocentas e trinta e quatro patacas). (E30)
Dado que era necessário proceder a obras de adaptação e decoração foi estipulado entre as partes, na Cláusula Quinta do Contrato III, que as rendas relativas aos meses de Março e Abril de 2006 não seriam devidas. (E31)
Nos termos estipulados na Cláusula Sexta do Contrato III, os RR. comprometeram-se ainda perante a A., a pagar, a título de despesas de condomínio, a quantia mensal de MOP$3.200,00 (três mil e duzentas patacas), equivalentes a HKD$3.107,00 (três mil, cento e sete dólares de Hong Kong). (E32)
Nos termos estipulados na mesma Cláusula Sexta do Contrato III, a renda, bem como as despesas de condomínio, deveriam ser pagas adiantadamente, até ao dia 8 de mês a que respeitam, em local indicado pela A. (situando-se actualmente esse local na Secretaria do fracção modelo do edifício “XX”, sita em Macau, na Avenida do XX, Lote XX), ou mediante depósito na conta bancária, em Patacas, com o número XXX, ou na conta bancária, em dólares de Hong Kong, com o número XXX, de que a Companhia de XX, Limitada é titular junto do Banco Comercial de Macau. (E33)
Os RR. procederam ao pagamento das rendas e despesas de condomínio relativas aos meses de Maio e Junho de 2006, devidas nos termos da Cláusula Sexta dos Contratos I, II e III, respectivamente. (Doc. 3, 4 e 5 juntos com a p.i.) (E34)
Por carta de 10 de Novembro de 2006, os RR. manifestaram a intenção de pôr termos aos Contratos I, II e III a partir do dia 15 de Março de 2007 e informaram a A. que iriam desocupar todas as fracções arrendadas nesse dia. (E35)
Os RR. enviaram posteriormente, uma nova missiva à A., desta vez informando que iriam desocupar as fracções arrendadas “N1”, “O1” e “Z1” no dia 15 de Abril de 2007. (E36)
Por carta datada de 23 de Junho de 2007, os RR. informaram a A. que iriam desocupar as fracções arrendadas “A1”, “B1”, “C1”, “D1”, “E1”, “AL1” nesse mesmo dia 23 de Junho de 2007. (E37)
Os RR. deixaram de ocupar as fracções autónomas objecto do Contrato II e III em 15 de Abril de 2007, e as fracções objecto do Contrato I em 23 de Junho de 2007. (E38)
Até à presente data, a A. despendeu MOP$77.000,00 para pagamento dos serviços dos seus mandatários judiciais a título de honorários. (E39)
A A. em virtude da cobrança do seu crédito, até à presente data, gastou MOP$3.000,00, referentes a traduções e gastos administrativos em geral. (E40)
Os Contratos de arrendamento a que aludem as alíneas E4), E14) e E24) da matéria dos factos assentes foram promovidos pela sociedade comercial denominada em chinês “XX地產代理有限公司”, que se dedica à mediação imobiliária. (E41)
Mediante colaboração de vários agentes imobiliários, entre os quais, D e E. (E42)
A partir de Julho de 2006, os Réus deixaram de pagar à Autora as rendas e as despesas de condomínio devidas pelo arrendamento das fracções autónomas “A1”, “B1”, “C1”, “D1”, “E1”, “AL1”, “N1”, “O1” e “Z1”. (1º)
Não obstante, os Réus terem sido, por diversas vezes, instados pela Autora a fazê-lo. (2º)
A Autora advertiu-os para o pagamento, por carta registada em 15 de Novembro de 2006 e bem assim, da situação de mora em que se encontravam relativamente ao pagamento das rendas e despesas de condomínio devidas. (3º)
As rendas e despesas de condomínio, correspondentes aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2006 (Contrato I) e Julho e Agosto de 2006 (Contrato II), foram pagas voluntariamente pelos Réus após admonições da Autora. (4º)
Os Réus nunca chegaram a pagar as rendas e as despesas de condomínio, relativas aos meses seguintes:
i) Contrato I: 8 meses (desde 8 de Novembro de 2006 a 23 de Junho de 2007);
ii) Contrato II: 8 meses (desde 8 de Setembro de 2006 a 15 de Abril de 2007);
iii) Contrato III: 10 meses (desde 8 de Julho de 2006 a 15 Abril de 2007). (5º)
A Autora sempre se opôs à cessação antecipada dos contratos I, II e III, porquanto tencionava manter esses contratos em vigor até aos seus respectivos termos. (7º)
Não obstante a oposição da Autora, os Réus abandonaram as supra mencionadas fracções autónomas. (8º)
A Autora reaveu as fracções “A1”, “B1”, “C1”, “D1”, “E1” e “AL1” no dia 23 de Junho de 2007, e as fracções “N1”, “O1” e “Z1” no dia 15 de Abril de 2007. (10º)
Até à data da propositura da acção, não foi possível dar novamente de arrendamento as fracções autónomas objecto dos presentes autos. (12º)
As informações relativas ao ambiente e às condições de comércio do Centro Comercial “XX” foram prestadas pelos agentes imobiliários referidos em E42) da matéria de factos assentes. (13º)
Estes agentes, na fase preliminar da celebração dos três referidos Contratos de Arrendamento, informaram aos Réus que já foram arrendados certos espaços no mezzanine, nomeadamente o restaurante de massa japonesa (XX) e “XX”. (14º)
Mostraram aos Réus a planta das lojas do mezzanine do referido Centro Comercial. (15º)
Informaram aos Réus que no 1º andar serão instaladas lojas de pronto-a-vestir. (16º)
Foram fornecidos aos Réus documentos de publicidade e plantas das lojas conforme doc. 1 a 3 juntos com a contestação que se dão por integralmente reproduzidos. (18º e 19º)
Da planta do 1º andar onde se situam as fracções em causa consta a divisão de variadas secções de actividades comerciais, nomeadamente, secção de sapatarias, secção de fashion europeu, secção de lojas de pronto-a-vestir, secção de artigos decorativos e produtos cosméticos, e secção de produtos electrónicos e digitais. (20º)
Não foram instaladas restaurantes de grande fama no referido Centro comercial até à presente data. (23º e 37º)
As lojas de pronto-a-vestir de renome internacional (XX, XX, etc.) não foram abertas no referido Centro Comercial até à presentes data. (24º e 38º)
Na secção inicialmente prevista para venda de artigos decorativos e produtos cosméticos, foram estabelecidas lojas de comidas de tipo “fast food”, que se denomina “Food Court”. (26º)
O fluxo e os movimento de pessoas num centro comercial é factor preponderante e determinante da clientela para as lojas de pronto-a-vestir. (30º)
Os Réus aceitaram o valor de renda. (34º)
A Autora isentou às Réus um mês de condomínio. (40º)
Provado o que consta da resposta dada ao quesito 5º. (44º e 45º)
Os Réus pediram à Senhoria para que as rendas e despesas de condomínio dos meses em falta fossem deduzidas da caução prestada no âmbito de cada contrato. (46º)
Os Réus juntaram aos autos recibos que a Autora emitiu, como contrapartida do recebimento dos cheques que supunha terem provisão. (53º)
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa, em suma, por saber se é devida a indemnização ao senhorio correspondente ao pagamento das rendas até ao fim do contrato, por revogação unilateral do arrendamento por banda do inquilino.
    O Mmo Juiz entendeu no sentido afirmativo, defendendo os recorrentes ser abusivo tal direito e pugnando pela aplicação analógica aos arrendamentos comerciais do regime dos arrendamentos habitacionais, enquanto a recorrida defende a bondade do que foi decidido.
    
    2. Importa desde logo atentar que foi expressamente previsto e clausulado pelas partes esse pagamento, em tal hipótese, donde importar na análise a que se procederá indagar se essa cláusula contende com algum regime imperativo da lei ou se se deve ter como configurando algum abuso de direito.
    
    3. Atentemos nas normas legais pertinentes:
    Em sede de locação dispõe o artigo 1013º do CC:
(Cessação da locação)
1. O aluguer pode cessar por:
a) Revogação por acordo entre as partes;
b) Resolução;
c) Caducidade; ou
d) Revogação unilateral.
2. O arrendamento pode cessar através dos meios indicados no número anterior e ainda através de denúncia, sujeita ao regime dos artigos 1038º e 1039º
3. O disposto neste capítulo sobre a resolução, a caducidade, a revogação unilateral e a denúncia tem natureza imperativa.
E quanto à revogação unilateral do locatário, em termos gerais, o artigo 1024º do CC preceitua:
(Regime)
1. O locatário tem a faculdade de revogar unilateralmente o contrato quando as obras de beneficiação feitas pelo locador nas circunstâncias referidas na alínea b) do nº 1 do artigo 999º importem alteração sensível no modo de utilização da coisa por parte do locatário ou quando este se não conforme com o acréscimo da renda ou aluguer.
2. O direito à revogação previsto no número anterior é exercido mediante comunicação escrita ao locador com a antecedência mínima de 30 dias sobre a data em que opere os seus efeitos.
3. No arrendamento para fins habitacionais, o arrendatário goza sempre do direito à revogação unilateral de acordo com o disposto no artigo 1044º
    
    Já em sede das disposições especiais dos arrendamentos para habitação, o artigo 1044ª do CC dispõe:
    (Revogação unilateral por parte do arrendatário)
    1. O arrendatário goza sempre do direito a pôr termo ao arrendamento antes do fim do prazo do contrato ou das suas renovações, mediante comunicação escrita ao senhorio com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que opere os seus efeitos, sem prejuízo de prazo mais curto estabelecido no contrato.
2. Salvo estipulação em contrário, o direito à revogação unilateral efectuada nos termos do número anterior dá ao senhorio direito, a título de compensação, a 1 mês de renda; a indemnização nunca pode ser estipulada em montante superior a 2 meses de renda, sob pena de redução a este valor.
    Quanto aos arrendamentos comerciais nada se prevê quanto à revogação unilateral.
    
    4. Começaremos por abordar as regras-base relativas ao arrendamento

Arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição (artigos 969º e 970º do CC).
Da leitura de tais normativos, resulta claro ser o contrato de arrendamento um contrato temporário, sinalagmático, de execução temporária ou periódica e oneroso, sendo, assim, três os seus elementos essenciais:

- A obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa imóvel;
- Assumida por prazo determinado;
- A obrigação de retribuição.

A obrigação de proporcionar o gozo cabe, naturalmente, ao locador e a obrigação de pagar a retribuição, designada renda, ao locatário (artigos 977º e 983º, alínea a), do CC).

Trata-se, como se vê destas disposições, de um contrato sinalagmático ou bilateral; não só gera obrigações para ambas as partes, como essas obrigações se encontram unidas uma à outra por um vínculo de reciprocidade ou interdependência: à obrigação do locador de proporcionar o gozo do prédio corresponde a obrigação de o locatário pagar a renda1

O pagamento da renda, caso outra coisa não seja estipulada, deve ser efectuado no momento da celebração do contrato (a primeira) e as restantes no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito (artigo 993º).

5. Na parte do regime que ora nos interessa releva o facto de a lei prever as formas de cessação do contrato, estabelecendo um regime de imperatividade no que concerne às disposições de cessação unilateral do contrato, como resulta do artigo 1013º, n.º 3 acima citado.
    Temos assim que ou as partes convencionam, dentro dos limites da liberdade contratual, uma forma de revogação por acordo do contrato (a lei anteriormente chamava-lhe denúncia) ou então só é possível a cessação do contrato em vigor nos termos da lei.
    E não será despiciendo atentar que, se por um lado as partes celebram um contrato que deve obrigar as partes durante um certo período a cumpri-lo pontualmente, tal como ressalta do artigo 400º, n.º 1 do CC, é ponto de honra, com expressão, na lei que o contrato só por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei se possa modificar ou extinguir.
    É discutível que se abra a possibilidade de cessação unilateral nos contratos de arrendamento, mesmo habitacional, ainda que por prazo certo, mas compreende-se essa derrogação daquele princípio decorrente da liberdade negocial numa situação em que está em causa um núcleo de interesses tão vital para o indivíduo, qual seja o da sua habitação, compreendendo-se até que se permita em nome daqueles interesses uma situação de privilégio em relação à contra parte e que o arrendatário possa fazer cessar, com um mínimo de prejuízo, por uma série de motivos, insondáveis até, uma situação de desconforto, material ou imaterial, com a qual por inerência não pode deixar de conviver.
    Tal cessação unilateral, se resulta em seu benefício, não deixará de ser imposta à outra parte, portanto, naturalmente em sacrifício do locador.
    O que parece porventura injusto e desequilibrado é que num contrato com prazo certo, em que livremente o arrendatário se vinculou a um dado prazo, possa, passado algum pouco tempo, dar o dito por não dito, beneficiando assim de uma prebenda desproporcionada e ferindo, porventura, algum sentido de justiça, defendendo-se até que essa possibilidade de revogação só devesse ocorrer passado um período mínimo.2
    Ora, se ainda se admite esta desigualdade de tratamento para as partes, considerando que os interesses habitacionais do arrendatário se sobrepõem aos interesse comerciais do locador, já não assim para os arrendamentos comerciais.
    Aí estamos no domínio dos negócios, a que não deixa de ser inerente o respectivo risco do comércio em que os interesses do locador e do locatário se equilibram.
    Daí que o legislador não tenha previsto em termos gerais uma possibilidade livre de revogação unilateral.
    
    6. Estamos assim em condições de concluir no sentido de que foi correcta a interpretação do Mmo Juiz recorrido, enquanto entendeu que nos casos de arrendamento comercial não se prevê a possibilidade de revogação unilateral do arrendamento comercial nos mesmos termos dos previstos para o arrendamento para habitação, devendo ela sujeitar-se às regras que foram contratualmente aceites pelas partes, não havendo qualquer lacuna ou situação de abuso de direito, entendido este como o exercício do poder conferido a certa pessoa em aberta contradição com o seu fim económico ou social ou com o condicionalismo ético-jurídico da comunidade jurídica.3
    Não só não se vislumbra uma actuação no sentido de se prejudicar a contraparte, como a indemnização arbitrada foi a contratada e se encaixa na liberdade e riscos comerciais próprios da vida negocial, ainda dentro de um condicionalismo normal e expectável.
    
    6. Aqui chegados, poder-nos-íamos interrogar sobre a utilidade de uma cláusula de comunicação prévia de três meses para fins de cessação do contrato.
    Certos de que a cláusula bem podia ter sido estipulada como reguladora da actuação do arrendatário sem ser passível, por não prevista, de uma cláusula sancionatória, em caso de incumprimento, não é menos verdade que a manutenção de um contrato, ainda que sem aproveitamento económico por parte do arrendatário lhe pode trazer determinados custos, podendo ter ele todo o interesse em fazer cessar o contrato antes do seu termo.
    E só o conseguirá se o fizer nos termos regulados para essa actuação concreta.
    Não respeitando os prazos, o contrato manter-se-á em vigor e o locatário terá de arrostar com todas as despesas e encargos contratuais e legais inerentes. Ora, no nosso caso, basta pensar por exemplo, nas despesas de condomínio, pelo que interessaria ao arrendatário fazer cessar em termos de relevância jurídica o contrato de arrendamento com a devida antecedência, tal como fez. Só que, não obstante, não ficava eximido do pagamento das rendas devidas até ao final do contrato.
    
    7. Por fim, há ainda um outro ponto que não se deixará de referir.
    Não podemos esquecer que, pelo menos até à data da propositura da acção, o senhorio, ora A., não logrou arrendar as ditas fracções, o que não terá deixado de se traduzir num dano autónomo resultante da cessação do contrato, se as rendas não fossem pagas. Isto é, a A. celebrou um contrato de arrendamento com os RR., por um dado prazo, estes incumprem, entregando as fracções antes do termo do contrato, e caberá perguntar se não seria legítimo, até independetemento do que foi acordado, ressarcir o senhorio pelo não aproveitamento da coisa, por razões a que se mostra estranho.
    Ainda aqui, esta vertente não deixou ainda de ser assinalada na sentença recorrida.
    Por tudo o que ficou exposto, o recurso não deixará de ser julgado procedente.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes.
Macau, 24 de Março de 2011,


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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, pp. 378/379
2 -cfr. Pinto Furtado, Manual do Dto do Arrendamento, II, 2008, 908
3 - A. Varela, RLJ 114, 75
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603/2010-S 1/6