Processo nº 117/2011 Data: 31.03.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Despacho de arquivamento.
Reclamação.
Prazo para o pedido de abertura da instrução.
SUMÁRIO
1. Perante um “despacho de arquivamento” do Ministério Público pode o interessado reagir de duas formas: ou requer a abertura da instrução no prazo de 15 dias a contar da sua notificação, (cfr., art. 270°, n.° 2), ou opta pelo “controlo hierárquico” de tal decisão, reclamando (nos termos do art. 259°, n.° 4) para o superior hierárquico imediato do autor do dito despacho de arquivamento, podendo ainda, após indeferimento desta sua reclamação, e no mesmo prazo de 15 dias a contar da sua notificação pedir a abertura da instrução; (cfr., o cit. art. 270°, n.° 2).
2. Sendo o pedido extemporâneo, é o mesmo de rejeitar.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 117/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, vem recorrer do despacho pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal proferido que lhe rejeitou o pedido de abertura de instrução por o considerar extemporâneo.
Conclui a sua motivação de recurso afirmando que:
“A. Tendo o Procurador ordenado à Polícia Judiciária que prosseguisse a investigação criminal antes de proferir o despacho de 14/12/2010, afigura-se que o inquérito nunca se poderia considerar como encerrado para nenhum efeito, antes dessa data, designadamente para efeitos do disposto no art.° 245.°, n.° 1 do CPP.
B. A decisão ora recorrida ao rejeitar por extemporâneo e legalmente inadmissível o requerimento da A apresentado em 21/1212010, violou o disposto nos art.°s 270.°, n.° 2 e 271.°, n.° 2, ambos do CPP, dado ter sido observado o prazo de 15 dias contado desde a notificação, em 1811212010, do despacho de arquivamento do processo proferido em 14/12/2010.
C. Por outro lado, a decisão ora recorrida ao rejeitar por legalmente inadmissível requerimento da A para a abertura da instrução, violou o disposto no art.° 271.°, n.° 2, do CPP.
D. Isto porque, mesmo que do próprio requerimento para abertura de instrução resultasse falta de tipicidade da conduta, ausência de queixa, prescrição do procedimento, imputabilidade do arguido, etc., a instrução não poderia ser liminarmente rejeitada por inadmissibilidade, dado, ela própria, servir também para analisar essas questões.
E. Daí não se verificar no caso “sub júdice” nenhuma das três situações configuráveis na hipótese do referido normativo (art.° 271.°, n.° 2, do CPP”; (cfr., fls 432 a 439).
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Em resposta, considera o Exmo. Magistrado do Ministério Público que:
“1. A impugnação deduzida em 4 de Agosto de 2010 pela recorrente ao Digno Procurador não pertence à situação da intervenção hierárquica prevista no art.° 260° do Código de Processo Penal;
2. A resposta elaborada em 14 de Dezembro de 2010 pelo Procurador-Adjunto, em representação do Procurador, não é um despacho de arquivamento definitivo, e o verdadeiro despacho de arquivamento definitivo é a decisão proferida em 26 de Julho de 2010 pelo Procurador-Adjunto perante a reclamação apresentada pela recorrente;
3. O requerimento de abertura de instrução apresentado em 21 de Dezembro de 2010 pela recorrente contra a resposta elaborada em 14 de Dezembro de 2010 pelo Procurador-Adjunto, em representação do Procurador, não conforma com os pressupostos previstos na lei e é extemporâneo por ter ultrapassado o prazo para apresentação do requerimento de abertura de instrução previsto no art.° 270°, n.° 2 do Código de Processo Penal”;
Pugna assim pela improcedência o recurso; (cfr., fls. 450 a 453).
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Neste T.S.I. e em sede de vista , juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“A nossa Exma. Colega demonstra, cabalmente, a sem razão do recorrente.
E nada temos a acrescentar, de facto, às suas judiciosas e desenvolvidas considerações.
A possibilidade de um pedido de abertura da instrução, subsequente a um pedido de intervenção hierárquica - do tipo do referido no art. 260° do C. P. Penal de Macau - chegou a suscitar algumas dúvidas na Jurisprudência portuguesa, na falta de uma norma paralela à do n°. 4 do art. 259° do mesmo Diploma .
Mesmo nesse quadro, entretanto, gerou-se um entendimento - pelo menos, largamente maioritário - no sentido de deverem ter-se como alternativos os pedidos em apreço (cfr., a propósito, Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 553).
No nosso sistema, de qualquer forma, face à reclamação prevista no aludido normativo, a questão colocada na motivação não pode, a nosso ver, suscitar qualquer controvérsia.
Deve, em conformidade, ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 477 a 478).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
2. Inconformado com a decisão que rejeitou o seu pedido de abertura de instrução vem A do mesmo recorrer, concluindo como atrás se deixou relatado.
Tem o despacho recorrido o teor seguinte:
“Em 21 de Dezembro de 2010, a requerente A pediu ao Ministério Público, mediante o requerimento escrito, que lhe seja nomeado um advogado, bem como seja aberta a instrução (vide fls. 412 dos autos).
Nos termos do art.° 270° do Código de Processo Penal:
1. Se o procedimento não depender de acusação particular e o inquérito tiver sido arquivado, apenas o assistente, ou quem no acto se constitua como tal, pode requerer a instrução.
2. O requerimento previsto no número anterior deve ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento, do despacho que recusar a abertura do inquérito ou do despacho do superior hierárquico que indeferir a reclamação que recaia sobre os mencionados despachos.
3. Se o requerente não tiver sido notificado do despacho de arquivamento, a abertura da instrução pode ser requerida no prazo de 15 dias a contar da data em que o requerente dele tiver conhecimento.
Pelas informações constantes dos autos, investigam-se neste processo os factos relacionados com o crime de falsificação de documento, sendo este um crime público.
A Digna Delegada do Procurador do processo Leong Vai Cheng arquivou o processo em 10 de Junho de 2010 por razão de insuficiência de provas (vide despacho de arquivamento de fls. 379 dos autos).
Do referido despacho de arquivamento foi notificado pessoalmente em 15 de Junho de 2010 a A (vide mandado de notificação de fls. 381 dos autos).
A deduziu reclamação em 18 de Junho de 2010 (vide requerimento de reclamação de fls. 382 dos autos).
O superior hierárquico da Delegada do Procurador do processo, ora Digno Procurador-Adjunto Vong Vai Va, proferiu decisão em 26 de Julho de 2010 perante o aludido requerimento de reclamação, onde concordou com o despacho de arquivamento da Delegada do Procurador do processo, ao abrigo do art.° 110° do Código Penal (vide despacho de reclamação de fls. 396 a 397 dos autos).
Do referido despacho de reclamação foi notificado pessoalmente em 28 de Julho de 2010 a A (vide mandado de notificação de fls. 399 dos autos).
Em 7 de Outubro de 2010, A voltou a impugnar perante o Digno Procurador Ho Chio Meng (vide fls. 400 dos autos).
Face à impugnação deduzida em 4 de Agosto de 2010 por A ao Procurador do Ministério Público, em 14 de Dezembro de 2010, o Digno Procurador-Adjunto Vong Vai Va elaborou a resposta (vide fls. 410 dos autos).
Em 21 de Dezembro de 2010, A requereu abertura de instrução (vide fls. 412 dos autos).
Pelos factos acima expostos, verifica-se que o requerimento da
instrução, apresentado tanto contra o despacho de arquivamento de fls. 379 como contra o despacho de reclamação de fls. 396 a 397, ultrapassou manifestamente o prazo de 15 dias a contar da notificação, previsto no n.° 2 do art.° 270° do Código de Processo Penal.
A resposta de fls. 410 dos autos, elaborada pelo Digno Procurador-Adjunto, não é compreendida como “despacho que recusar a abertura do inquérito” ou “despacho do superior hierárquico que indeferir a reclamação que recaia sobre o despacho de arquivamento ou o despacho que recusar a abertura do inquérito” previstos no n.° 2 do art.° 270° do Código de Processo Penal, a par disso, a lei não concede a possibilidade de requerer abertura de instrução contra a resposta elaborada após a dedução da reclamação.
Assim sendo, nos termos do art.° 271°, n.° 2 e art.° 270° do Código de Processo Penal, este Juízo de Instrução Criminal rejeita o requerimento de abertura de instrução por ser extemporâneo e proibido por lei”; (cfr., fls. 416 a 417 e 461 a 464).
Sendo o despacho acabado de transcrever o despacho objecto do presente recurso, e tendo presente as questões pelo ora recorrente colocadas, vejamos então se merece o recurso provimento.
Pois bem, nos termos do art. 259° do C.P.P.M.:
“1. O Ministério Público procede ao arquivamento do inquérito logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento.
2. O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes.
3. O despacho de arquivamento é comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com legitimidade para se constituir assistente, ao ofendido, à parte civil e a quem, no processo, tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil.
4. Do despacho de arquivamento há reclamação para o superior hierárquico imediato”; (sublinhado nosso).
E nos termos do art. 270° do mesmo Código:
“1. Se o procedimento não depender de acusação particular e o inquérito tiver sido arquivado, apenas o assistente, ou quem no acto se constitua como tal, pode requerer a instrução.
2. O requerimento previsto no número anterior deve ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento, do despacho que recusar a abertura do inquérito ou do despacho do superior hierárquico que indeferir a reclamação que recaia sobre os mencionados despachos.
3. Se o requerente não tiver sido notificado do despacho de arquivamento, a abertura da instrução pode ser requerida no prazo de 15 dias a contar da data em que o requerente dele tiver conhecimento”; (sublinhado nosso).
Face ao assim estatuído, e certo sendo que atenta a natureza do crime em questão podia o ora recorrente requerer a abertura de instrução, que dizer?
Cremos que censura não merece a decisão recorrida.
De facto, somos (também) de opinião que perante um “despacho de arquivamento” do Ministério Público pode o interessado reagir de duas formas: ou requer a abertura da instrução no prazo de 15 dias a contar da sua notificação, (cfr., art. 270°, n.° 2), ou opta pelo “controlo hierárquico” de tal decisão, reclamando, (nos termos do art. 259°, n.° 4), para o superior hierárquico imediato do autor do dito despacho de arquivamento, (podendo ainda, após indeferimento desta sua reclamação, e no mesmo prazo de 15 dias, pedir a abertura de instrução; cfr., o cit. art. 270°, n.° 2).
No caso, optou (inicialmente) o ora recorrente por esta “segunda via”, reclamando para o Exmo. Procurador Adjunto, (superior hierárquico imediato do autor do despacho de arquivamento), e, após ver desatendida esta sua reclamação, voltou a “reclamar” de tal decisão para o Exmo. Procurador, apenas apresentando pedido de abertura da instrução depois de notificado da decisão que recaiu sobre esta sua última “reclamação”.
Ora, constatando-se que o seu pedido de abertura de instrução apenas deu entrada depois de decorrido o prazo previsto no art. 270°, n.° 2 do C.P.P.M., de 15 dias, a contar da sua notificação do despacho que indeferiu a sua (1ª) reclamação apresentada ao Exmo. Procurador Adjunto, (superior hierárquico imediato do autor do despacho de arquivamento), evidente é que extemporâneo é o mencionado pedido.
Entende porém o ora recorrente que o prazo de 15 dias para o pedido de instrução devia ser contado da data da sua notificação da decisão que apreciou a (2ª) reclamação que apresentou ao Exmo. Procurador.
Todavia, acertado não nos parece este entendimento.
Na verdade, como se consignou, e cremos resultar claramente do n.° 2 do art. 270° do C.P.P.M., o requerimento de abertura de instrução deve ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da notificação do “despacho de arquivamento” ou do “despacho do superior hierárquico que indeferiu a reclamação que recaia sobre o mencionado despacho”.
No caso, o “despacho do superior hierárquico que indeferiu a reclamação” é o despacho proferido pelo Exmo. Procurador Adjunto datado de 26.07.2010 e que ao recorrente foi notificado em 28.07.2010, e não o que no âmbito da (2ª) reclamação que apresentou ao Exmo. Procurador, confirmou aquele.
Pretender que se considere tempestivo o pedido de abertura de instrução apresentado (após a decisão de uma 2ª reclamação e) fora do prazo de 15 dias a contar da notificação da decisão do superior hierárquico imediato do autor do despacho de arquivamento é ir além do pretendido pelo legislador, e assim, por falta de cobertura legal, à vista está a solução, pois que no art. 271°, n.° 2 se prevê expressamente que “o pedido de abertura da instrução pode ser rejeitado por extemporaneidade…”.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente as custas do recurso com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Macau, aos 31 de Maço de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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