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Processo nº 763/2007
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Abril de 2011


ASSUNTO:
- Embargo de obra nova
- Legalização da obra embargada
- Indemnização dos danos não patrimoniais

SUMÁRIO:
- O embargo de obra nova, tanto judicial como extrajudicial, é uma providência cautelar especificada que consiste em suspender imediatamente a obra ilegal, e que não obsta ao dono da obra proceder à legalização da mesma.
- Nos termos do nº 1 do artº 489º do C.C. de Macau, só há lugar a indemnização dos danos não patrimoniais quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
- Se não haver factos que permitem apurar a gravidade dos danos morais, nunca pode haver lugar a respectiva indemnização.

O Relator,



Processo nº 763/2007
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Abril de 2011
Recorrente: A
Recorridos: B e C

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
  Por sentença de 13/07/2007, decidiu-se condenar o Réu A, melhor identificado nos autos, o seguinte :
  “a) a destruir a obra que efectuou e repor a parede no estado em que se encontram antes da realização daquela obra e,
  b) a indemnizar os autores de todos os prejuízos sofridos em resultado da efectuação da obra do Réu, a liquidar na execução da sentença. ” 
  Dessa decisão vem recorrer o Réu, alegando, em sede de conclusão, que:
“1. Por requerimento de 8 de Novembro de 2004, o ora Recorrente apresentou reclamação contra a selecção da matéria de facto alegando, além do mais, que determinados factos importantes para a boa decisão da lide - e desde logo decisivos para a sua defesa, e nela articulados - deveriam ter sido incluídos nos factos assentes, como especificados, o que não se verificara na despacho que fizera a selecção da matéria de facto de fls, 76 e seguintes;
2. Os factos que o ora Recorrente pretendia ver incluídos nos Factos Assentes eram relativos às autorizações administrativas que obtivera junto da DSSOPT, no âmbito da Licença de Obra n° 170/2003, documento constante a fls. 58 e 59 dos autos;
3. NA reclamação Reputava-se tal matéria de primordial importância pois na sequência de um ofício do Tribunal o Senhor Director da DSSOPT veio informar que a nova entrada principal da habitação do ora Recorrente, estava, efectivamente, conforme com o projecto aprovado por aquela Direcção de Serviços, sendo a legalidade dessa obra, como é consabido, a questão fundamental que se discute nesta lide;
4. Sucede que tal reclamação foi indeferida com fundamento no facto de se tratar de matéria não articulada pelas partes;
5. No entanto, a legalidade da obra em questão sempre foi alegada pelo Réu;
6. Por outro lado, foi o próprio Julgador quem requereu, e bem, que fosse oficiado à DSSOPT se as obras eram ou não conforme à lei de Macau;
7. O que significa que despacho de indeferimento, de fls. 104, é manifestamente ilegal e até absurdo, quer porque lhe subjaz a ideia de que o despacho do Senhor Director da DSSOPT de Macau não é relevante, quer porque diz expressamente que os factos não foram alegados, o que não é correcto, quando até foi o Julgador que solicitou expressamente à DSSOPT o esclarecimento da questão, certamente por a mesma ser não só controvertida / alegada na lide mas também de decisiva relevância;
8. Ao indeferir-se a inclusão desse facto na Matéria de Facto Assente violou-se o disposto nos artigos 5.°, n.° 2,436.°,442.° e 566.° , todos do CPC;
9. O despacho de fls. 104 é nulo, na parte em que indeferiu a Reclamação apresentada pelo ora Recorrente quanto à Selecção da Matéria de Facto, vício que alastra à sentença por força do disposto no n.°3 do artigo 430.° do CPC, pelo que deverá ser ordenada a sua substituição e, em consequência, ordenar-se a repetição da audiência de discussão e julgamento da causa;
10. A sentença ora recorrida padece ainda de manifesto erro na sua fundamentação de facto, violando o caso julgado formal que constitui o Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo em 18 de Julho de 2005;
11. Os factos que na Sentença recorrida se elencaram como factos provados nos parágrafos 4.° e 7.°, correspondentes, respectivamente, às respostas dadas aos quesitos 4.° e 9. ° da Base Instrutória, não correspondem à resposta que o Tribunal Colectivo deu a tais quesitos, resposta essa que se consolidou e formou caso julgado no processo no Acórdão proferido em 18 de Julho de 2005, proferido na sequência de uma reclamação apresentada pelo Recorrente em relação ao Acórdão que julgou a matéria de facto;
12. Na fundamentação da sentença ora recorrida, o Mmo. Juiz a quo não tomou em consideração os factos que efectivamente foram dados como provados pelo Tribunal Colectivo, tendo-se reportado a uma factualidade errada, porque modificada por decisão tomada no processo que formou caso julgado, assim violado;
13. Tal erro na fundamentação de facto foi decerto extremamente prejudicial nas decisões tomadas pelo Mmo. Juiz a quo na Sentença ora recorrida, feita com o Julgador a laborar na ideia, errada, de que a porta que o Réu abriu dá directamente, de forma frontal, para a entrada principal da casa dos Autores;
14. Este decisivo lapso do Julgador é um manifesto erro na fundamentação de facto da sentença e a violação total do Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo em 18 de Julho de 2005 - violando o caso julgado formal _ pelo que a sentença deverá ser anulada;
15. A decisão proferida nos embargos apensos à acção principal assentou no pressuposto essencial da falta de licenciamento da obra levada a cabo pelo Réu, que determinava a ilegalidade, à altura, da mesma;
16. Sucede que, supervenientemente, a obra foi legalizada pela DSSOPT de Macau, como está provado nos autos, ficando o pedido dos Autores prejudicado;
17. Na própria sentença ora recorrida se refere que a partir de 11 de Junho de 2003 "o Réu estava munido da autorização legal para realizar da obra, isto é, a licença de obras emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes. ";
18. A partir do licenciamento da obra os pressupostos em que assentou a decisão do procedimento cautelar deixaram de verificar;
19. O procedimento cautelar apenas tem força de caso julgado formal, isto é, apenas tem força obrigatória dentro do processo, e a sua decisão pode ou não ser confirmada na decisão a proferir na acção principal;
20. Assim parece não entender o Julgador a quo, quando diz que a licença de obras sub judice não pode licenciar obras que o Tribunal, em momento anterior, considerava não estarem licenciadas ... ;
21. Ora, o facto da supra referida licença de obras ter sido concedida em data posterior à da ratificação judicial dos embargos de obra nova não determina, obviamente, a alteração da decisão judicial dos embargos de obra nova;
22. Mas sendo esse licenciamento um facto extintivo do direito alegado pelos Autores - o direito de ver declarada a obra como ilegal - não poderá deixar de ter influência sobre a decisão judicial da presente acção ordinária;
23. Ao não se atender a esse facto superveniente de primordial importância para a boa e judiciosa decisão da causa incorreu-se em erro de julgamento;
24. Acresce que, a matéria do licenciamento de obras é da competência exclusiva de uma única entidade, a DSSOPT, e cabe à DSSOPT verificar se estão ou não preenchidos todos os pressupostos necessários ao licenciamento da obra;
25. Ora, os trabalhos levados a cabo pelo Réu, ora Recorrente, foram autorizados pelos serviços competentes, a DSSOPT, na sequência da aprovação da memória descritiva e justificativa que, para efeitos de obras, foi submetida àquela Direcção;
26. A supra referida licença de obra autorizou especificamente a "alteração da posição da porta" principal de acesso à fracção sub judice;
27. Pelo que não se pode dizer, como se diz na fundamentação da Sentença ora recorrida, que a "licença legaliza as restantes obras e não legaliza a obra de demolição da parede e da abertura de uma nova porta";
28. Na verdade, as obras foram vistoriadas e aprovadas pela DSSOPT que não assinalou qualquer irregularidade relacionada com os trabalhos levados a cabo pelo ora Recorrente;
29. Mais, foram efectuadas no estrito e rigoroso cumprimento das pertinentes disposições legais vigentes na RAEM;
30. O acto administrativo de licenciamento da obra é um acto constitutivo de direitos para o particular, in casu, o ora Recorrente;
31. Esse acto administrativo, irrecorrível, definitivo e executório, criador de direitos para o particular, não poderia, salvo o devido respeito por opinião diversa, ser revogado pela sentença ora recorrida;
32. Assim, a revogação operada pela Sentença ora recorrida é ilegal e consequentemente, deverá ser anulada para todos os efeitos legais, sob pena de violação de lei, do princípio da separação dos poderes e dos direitos adquiridos pelo ora Recorrente;
33. Os Autores não provaram que a obra foi realizada numa parte comum do prédio, que envolveu prejuízo estético, arquitectónico e segurança do edificio; que constitui uma inovação no edifício e que, em consequência, era ilegal porque carecia da autorização da Assembleia de Condóminos;
34. Tão-pouco provaram que, consequentemente, não se encontrava licenciada pelos Serviços competentes e pelo contrário, o Réu provou a legalidade da obra, facto extintivo do direito invocado pelos Autores;
35. Ora a parede onde o Réu realizou as obras está afecta apenas à fracção de que o Réu é proprietário, e que dá acesso exclusivo à sua fracção, logo não é nem imperativamente, nem presuntivamente comum, pelo contrário, é uma parte indissociável e intrinsecamente conectada à sobredita fracção, logo da exclusiva propriedade do Réu;
36. Não obstante, sempre se dirá que ao ter sido emitida a licença de obras pela DSSOPT a questão de saber se a obra realizada pelo Réu, ora Recorrente foi realizada numa parte comum ou numa parede afecta única e exclusivamente à fracção de que o mesmo é proprietário fica desde logo resolvida;
37. Isto porque, os trabalhos levados a cabo pelo Réu, ora Recorrente, foram autorizados pelos serviços competentes, a DSSOPT, na sequência da aprovação da memória descritiva e justificativa que, para efeitos de obras, foi submetida àquela Direcção;
38. E a supra referida licença de obra autorizou a "alteração da posição da porta" principal de acesso à fracção sub judice;
39. Não é possível conceber que a DSSOPT possa ter considerado legal uma obra feita por um particular, de além do mais demolição parcial de parede, tapagem de uma porta, abertura de outra porta, se a parede em questão fosse uma parte comum do prédio;
40. Se a DSSOPT entendesse que essa parede na qual se procedia a alterações de posição da portas, era uma parte comum do prédio, certamente que não licenciava a obra e não autorizaria o particular a fazer a obra, nem diria que tudo esta dentro da legalidade;
41. Só assim seria se estivéssemos perante um acto administrativo ilegal, o que não é o caso, nem foi alegado pelo Autores;
42. Ao considerar-se, salvo o devido respeito, incompreensivelmente, que a obra foi realizada numa parte comum, decidiu-se contra a matéria de facto provada nos autos, o que acarreta nulidade da decisão, e incorreu-se em manifesto erro de julgamento, por errada interpretação da lei pertinente;
43. Por sua vez, a prejudicialidade da obra à segurança do prédio está sujeita à fiscalização da autoridade administrativa competente, a DSSOPT;
44. O Réu requereu a necessária licença para a realização da obra à DSSOPT, a qual, depois de analisar o projecto e fazer as vistorias necessárias, a deferiu, considerando, evidentemente, que a dita obra em nada prejudicava a segurança do prédio;
45. À mesma conclusão se chega quando nos referimos à linha arquitectónica e arranjo estético do Edifício;
46. No entanto, sempre se dirá que, tem sido considerado que as limitações impostas à estética do prédio só se aplicam aos elementos da fracção autónoma visíveis do exterior;
47. Ainda que assim não se entendesse, não ficou provado nos autos que a obra prejudica a segurança, nem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio;
48. Acresce que, não foi alegado, nem ficou provado nos autos, que a obra realizada pelo Réu seja susceptível de prejudicar o bem-estar dos outros condóminos no uso do corredor que dá acesso às fracções do Réu e dos Autores;
49. Nem se vislumbra de que forma tal pudesse acontecer, pois as obras levadas a cabo pelo ora Recorrente consistiram tão-somente na abertura de uma porta de entrada e saída, numa parede pertencente à fracção de que é proprietário;
50. Os Autores também não lograram provar que a obra realizada pelo Réu é uma inovação;
51. No entanto, sempre se dirá que, se a DSSOPT emitiu a respectiva licença de obra, foi porque entendeu que estavam reunidos todos os pressupostos legais necessários para o referido licenciamento e se não requereu nenhuma autorização da Assembleia-Geral de condóminos para a realização da obra, foi porque entendeu que essa formalidade não tinha aplicação ao caso sub judice, caso contrário a preterição dessa fomlalidade constituiria um ilegalidade do acto administrativo, o que, uma vez mais, não foi alegado pelos autores, nem nunca poderia sê-lo na presente acção;
52. Está documentalmente provado nos autos que o ora Recorrente obteve junto da DSSOPT a Licença de Obra n.° 170/2003, constante a fls. 58 e 59 dos autos, para realizar na sua habitação os trabalhos melhor descriminados nessa licença de obra, pelo que também é forçoso concluir que os Autores não lograram provar que a obra realizada pelo Réu era ilegal ou que não estava devidamente licenciada;
53. Na petição inicial requereram ainda os Autores a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização por todos os prejuízos sofridos em resultado da sua perda de privacidade;
54. Ora, a Sentença recorrida condenou o Réu nesse pedido com base na errada fundamentação de facto - vide supra, capítulo II destas alegações - de que "a obra efectuada pelo Réu, ao criar uma porta virada de frente para a fracção dos autores, retira-lhes a privacidade";
55. Já referimos em capítulo autónomo o enorme erro de fundamentação de facto cometido na sentença, quando se laborou no quadro mental, totalmente equivoco, de a obra ter resultado em as portas ficarem directamente viradas uma para a outra;
56. Quando efectivamente, a obra resultou em que as portas ficaram a fazer um ângulo de 90.° entre si;
57. Foi o facto provado no parágrafo 7.° da sentença, corresponde ao quesito 9.° da Base Instrutória, que serviu de base para a fundamentação da condenação do Réu a pagar uma indemnização aos Autores;
58. E como vimos, o Julgador equivocou-se por completo no que toca à correcta resposta que foi dada a esse facto ... ;
59. Ora, a deslocação da porta de acesso da fracção nunca poderia, de todo o modo, significar uma diminuição da privacidade dos Autores, pois a porta actual do ora Recorrente está ao lado, de forma perpendicular, em relação à porta de entrada e saída da casa dos Autores;
60. A ter-se verificado uma alteração da privacidade dos ora Recorridos por força das obras sub judice, essa alteração sempre terá sido no sentido de aumento da dita privacidade;
61. À cautela, sempre se dirá que ainda que se verificasse uma diminuição da privacidade dos Autores, o que não se verifica, ainda assim, nunca tais obras poderiam ser causa de qualquer responsabilidade civil imputável ao ora Recorrente;
62. Isto porque, como resulta do disposto no artigo 477.° do CC "só aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação" (sublinhado nosso);
63. Ora, os Autores alegaram que a obra realizada pelo Réu lhes causou os prejuízos melhor descriminados nos artigos 17.° e 18. ° da sua petição inicial;
64. Tais prejuízos foram quesitados, respectivamente, nos artigos 10.° e 11. ° da Base Instrutória;
65. Sucede que essa factualidade não ficou provada nos autos;
66. Pelo que, não tendo os Autores logrado provar quaisquer danos ou prejuízos não se compreende que prejuízos e de que forma é que os mesmos poderão vir a ser liquidados em sede de execução de sentença;
67. É que, sem a prova dos danos não é possível qualquer condenação;
68. A existência dos danos tinha de ser provada na presente acção declarativa e só na falta de quantificação desses danos é que se deve condenar no que vier a ser liquidado em execução de sentença (vide Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 07/08/2004);
69. Acresce que, encontrando-se a obra efectuada pelo Réu, ora Recorrente, devidamente licenciada pelas autoridades competentes, não se vislumbra de que forma é que um acto lícito e legal poderá constitui-lo na obrigação de indemnizar seja quem for;
70. Do exposto resulta que a Sentença ora recorrida padece de manifesto erro na fundamentação de facto e consequentemente, deverá ser rectificada, por outro lado, deverá ainda ser revogada e substituída por outra que absolva o Réu do pedido de condenação no pagamento dos alegados prejuízos dos Autores.”
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida, absolvendo o Réu do pedido.
*
  A Autora, ora recorrida, vem defender a bondade do decidido.
  *
Foram colhidos os vistos legais.

II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
   Dos Factos Assentes:
   - A). Os autores são legítimos proprietários da fracção autónoma designada por "XX", do XX° andar "XX", para habitação, do prédio urbano sito em Macau com o n°.s XX a XX da Avenida XX, n°s XX a XX da Rua XX, n.°s XX a XX da Rua XX e n.°s XX a XX da XX, inscrito na matriz predial sob o artigo n.° XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° XXX do Livro XXX, com o regime de propriedade horizontal registado sob o n.° XXX, inscrita a favor dos requerentes sob o n.°XXX (cfr. doe. 1 junto com a petição inicial).
   - B). O réu é proprietário da fracção autónoma designada por "XX", do XX° andar "XX", para habitação, sito no prédio acima descrito, sendo, portanto, vizinho dos autores( cfr. doe. 2 junto com a petição inicial).
   Da Base Instrutória:
   1. Em princípios de Maio de 2003, o Réu, por sua livre iniciativa, resolveu demolir uma parede no fundo do corredor do XX° andar do prédio já identificado e onde também se localiza a habitação dos autores.
   2. Os autores tiveram conhecimento do referido facto pelo barulho das obras.
   3. Após terem tomado conhecimento da referida obra, os autores solicitaram a sua paralisação mas o réu persistiu na sua realização.
   4. O Réu estava a remover a primitiva entrada da sua fracção e construir uma nova porta de entrada na referida fracção, numa parede na qual não está prevista nenhuma entrada ou saída, cujo arco de abertura está directamente voltada para a habitação dos autores.
   5. A obra realizada pelo Réu altera a disposição das portas das entradas das fracções autónomas do prédio.
   6. O Réu concluiu a obra.
   7. A obra efectuada pelo Réu, ao criar uma porta cujo arco de abertura está virado de frente para a fracção dos autores, retira-lhes a sua privacidade.
   8. A parir de 11-06-03, o Réu estava munido da autorização legal para realizar a obra, isto é, a licença de obras emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Dos provados documentalmente em sede do presente recurso:
- Por despacho judicial de 11/12/2003, foi declarada a caducidade do embargo com efeitos reportados ao dia 19/03/2003 (fls. 157 dos autos de Ratificação do Embargo).
- Antes da alteração da posição da porta entrada, a porta do Réu estava em frente da porta da entrada da fracção autónoma dos Autores (resulta do confronto das plantas de fls. 146 e 147 dos autos principais e do doc. nº 1 de fls. 67 dos autos de Ratificação do Embargo).
- Após a referida alteração, as portas dos Autores e do Réu ficaram a fazer um ângulo de 90º entre si (doc. nº 1 de fls. 67 dos autos de Ratificação do Embargo).

III – Fundamentos
i) Da negação da legalidade da obra:
Para o Réu, ora recorrente, a alteração da entrada principal da sua fracção autónoma é uma obra legal, por ter sido aprovada pela DSSOPT, entidade competente para o efeito.
O tribunal a quo não a considerou como legal por entender que a licença da legalidade da obra foi concedida em data posterior a da ratificação judicial do embargo de obra nova, pelo que a licença “não pode alterar a decisão judicial, a mesma licença legaliza as restantes obras e não legaliza obra de demolição da parede e da abertura de uma nova porta ora em sub judice”.
Salvo o devido respeito, cremos que a solução deve ser outra.
O embargo de obra nova, tanto judicial como extrajudicial, é uma providência cautelar especificada que consiste em suspender imediatamente a obra ilegal.
Daí que nele não se decide, duma forma definitiva, a legalidade ou ilegalidade da obra.
Por outro lado, é o próprio legislador que permite o dono da obra, legalizar uma obra já embargada (v. artºs 52º e 53º do DL nº 79/85/M, de 21 de Agosto).
Nesta conformidade, não se pode dizer que a decisão da legalização da obra da DSSOPT alterou a decisão judicial, visto que uma coisa é suspender a obra ilegal, outra é a sua legalização.
Nestes termos, se conclui que a sentença recorrida merece reparação nesta parte, em virtude de que a obra em causa já se encontra legalizada, não podendo ordenar a demolição da mesma com fundamento na sua ilegalidade.
ii) Da condenação da indemnização dos danos morais:
Nesta sede, o Réu assaca à sentença recorrida o vício da errada fundamentação de facto, pois factos levados a cabo da sua condenação de pagar indemnização aos Autores não correspondem aos mesmos dados como provados por acórdão de 18/07/2005, em consequência da reclamação por si apresentada.
Antes de mais, cumpre dizer que não obstante a legalização posterior da obra, nada impede os AA. recorrem directamente ao tribunal comum para defesa de direitos privados eventualmente violados com a obra, sem necessidade de prévia impugnação ou anulação do acto administrativo que concedeu a legalização.
No mesmo sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação da Évora, de 06/07/1995, publicado no BMJ, pág. 449-463.
Vamos agora analisar se o Réu tem razão.
Os factos que o tribunal a quo serviu para a condenação do Réu nesta parte são os seguintes:
- “O Réu estava a remover a primitiva entrada da sua fracção e construir uma nova porta de entrada na referida fracção, numa parede na qual não está prevista nenhuma entrada ou saída, directamente voltada para a habitação dos autores.”
- “A obra efectuada pelo Réu, ao criar uma porta virada de frente para a fracção dos autores, retira-lhes a sua privacidade.”
Estes factos correspondem aos factos inicialmente dados como provados (v. acórdão de fls. 152 e verso dos autos).
Contudo, na consequência da reclamação apresentada pelo Réu, foram alterados para o seguinte (v. fls. 153 a 154 dos autos):
- “O Réu estava a remover a primitiva entrada da sua fracção e construir uma nova porta de entrada na referida fracção, numa parede na qual não está prevista nenhuma entrada ou saída, cujo arco de abertura está directamente voltada para a habitação dos autores.”
    - “A obra efectuada pelo Réu, ao criar uma porta cujo arco de abertura está virado de frente para a fracção dos autores, retira-lhes a sua privacidade.”
Falhou, de facto, o tribunal a quo nesta parte, que também merece da reparação.
Independentemente qual a relevância desta falha, entendemos que, apesar ficar provado que o Réu, ao criar uma porta cujo arco de abertura está virado de frente para a fracção dos autores, retira-lhes a sua privacidade, não é suficiente para justificar a sua condenação na indemnização de danos morais.
Vejamos.
Nos termos do nº 1 do artº 489º do C.C. de Macau, só há lugar a indemnização dos danos não patrimoniais quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Dos autos não resulta qualquer facto assente que permite avaliar objectivamente o grau da ofensa da privacidade.
Por outro lado, tendo em conta a realidade social da RAEM, uma cidade pequena com poucos recursos de terreno mas com elevado número de habitantes, quer permanentes, quer não permanentes, a situação dos autos, isto é, duas portas fazem entre si um ângulo de 90º, é bastante vulgar nesta Região Administrativa Especial para os prédios compostos por várias fracções autónomas.
Quem vive num edifício composto por várias fracções autónomas, deve estar ciente de que há-de conviver com outros condóminos, devendo ceder mutuamente na medida do necessário para um bom ambiente de habitação.
Sendo o corredor parte comum do edifício cujo acesso não está condicionado para os condóminos, é inevitável alguém que nele passa dá um olhar para dentro duma fracção autónoma se a porta de entrada da mesma se encontra aberta.
Se querem manter a privacidade, podem fechar a porta de entrada da fracção autónoma.
Aliás, as portas de entrada das fracções autónomas encontram-se normalmente fechadas, só se abrem quando alguém precisa de entrar.
De qualquer forma, como não há factos assentes que permitem apurar a gravidade dos danos morais, nunca pode haver lugar a respectiva indemnização.
Torna-se desnecessário apreciar outros fundamentos do recurso.
Impõe-se assim a absolvição do Réu dos pedidos.

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e absolvendo o Réu dos pedidos.

  Custas em ambas as instâncias pelos AA., ora recorridos.
  Notifique e registe.
  
  RAEM, aos 14 de Abril de 2011.


_________________________
Ho Wai Neng
(Relator)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
(Com declaração de voto)

Processo nº 763/2007
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à não condenação da ora recorrente por não apuramento da gravidade dos danos morais, por entender que os autores, ora recorridos não merecem indemnização pura e simplesmente por falta da ilicitude dos factos que sustenta a reparação civil.

RAEM, 14ABR2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

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763/2007 p.1/18