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Processo nº 797/2010(() Data: 17.03.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Prova testemunhal.
Inquirição de agentes da P.S.P. que recolheram declarações do arguido; (art.° 337°, n.° 7 do C.P.P.M.).
Nulidade.



SUMÁRIO

1. Os agentes da P.S.P. estão proibidos de depor como testemunhas sobre o conteúdo das declarações que tenham recebido e cuja leitura não seja permitida.

2. Tendo o Tribunal formado a sua convicção com base em tal depoimento, incorre (não em erro notório na apreciação da prova mas) em nulidade geradora da anulação do julgamento.
O relator,

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José Maria Dias Azedo
















Processo nº 797/2010(()
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por acórdão do T.J.B., decidiu-se condenar o arguido A como autor de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n° 3/2007, na pena de 90 dias de prisão convertida em multa à taxa diária de MOP$100.00, perfazendo o total de MOP$9,000.00, e na de inibição de condução por um período de 6 meses; (cfr., fls. 91 a 91-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, assacando ao acórdão recorrido o vício de erro notório na apreciação da prova e excesso na pena (principal) que lhe foi aplicada; (cfr., fls. 101 a 107).

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Em Resposta, e posterior Parecer é o Ministério Público de opinião que o recurso merece provimento; (cfr., fls. 110 a 112 e 120 a 121-v).
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Após audiência de julgamento do recurso, e mantendo-se a validade da instância passa-se a decidir.
Fundamentação

Dos factos

2. Dão-se aqui como integralmente reproduzidos os factos dados como provados na sentença recorrida e que constam a fls. 89 a 89-v.

Do direito

3. Inconformado com a decisão que o condenou como autor de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n° 3/2007, na pena de 90 dias de prisão convertida em multa à taxa diária de MOP$100.00, perfazendo o total de MOP$9,000.00, (e na inibição de condução por um período de 6 meses), vem o arguido recorrer, imputando àquela o vício de “erro notório na apreciação da prova” e considerando ainda que excessiva é a dita pena principal.

Vejamos se tem o ora recorrente razão.

— Comecemos pelo assacado “erro notório na apreciação da prova”.
Repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.

Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).

Na situação dos presentes autos, e em síntese, deu o Mm° Juiz a quo como provado que no dia 15.03.2008, o arguido ora recorrente, conduziu o veículo com a matrícula MM 39-XX, vindo a embater num cone de sinalização colocado na via pública que danificou, e que, não obstante tal, abandonou (intencionalmente) o local para fugir a eventual responsabilidade criminal e civil, agindo livre, voluntária e conscientemente.

E tanto quanto nos é possível perceber, cremos que o entendimento de que incorreu o Tribunal a quo no vício em questão assenta no facto de o arguido ora recorrente ter ficado silente na audiência de julgamento e de o depoimento da 2ª testemunha (B) ter incidido sobre factos que, na opinião do recorrente, vieram ao seu conhecimento em sede da sua tomada de declarações aquando do Inquérito, em violação ao art. 337°, n° 7 do C.P.P.M..

Ora, cremos haver equívoco por parte do recorrente, pois que a ser assim, como parece ser, inexiste o vício de “erro” em questão, podendo é haver violação ao mencionado preceito legal.

   De facto, e como bem se vê, o Tribunal não deu como provado (ou não provado) um facto que assim não estava, ou resultava da prova produzida.
   
Nesta conformidade, e porque vem também pelo recorrente invocada a “violação do dito art. 337°, n.° 7, do C.P.P.M.”, vejamos.

Nos termos do referido art. 337°:
“1. Só é permitida a leitura em audiência de autos:
a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 300.º e 301.º; ou
b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, da parte civil ou de testemunhas.
2. A leitura de declarações do assistente, da parte civil e de testemunhas só é permitida, tendo sido prestadas perante o juiz, nos casos seguintes:

a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 253.º e 276.º;
b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura; ou
c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias legalmente permitidas.
3. É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz ou o Ministério Público:
a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis que não possam ser esclarecidas de outro modo.
4. É ainda permitida a leitura de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura.
5. Verificando-se o pressuposto da alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou órgão de polícia criminal.
6. É proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
7. Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8. A permissão de uma leitura e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade”; (sublinhado nosso).

Referindo-se ao n.° 7 do transcrito preceito, afirmam L. Henriques e S. Santos que “por força do n.° 7, não é permitida a reprodução do conteúdo das declarações cuja leitura não é autorizada, com recurso a quem as tiver recolhido”; (cfr., “C.P.P.M. Anotado”, página 707 e no mesmo sentido, cfr., ainda P. Pinto de Albuquerque in “Comentário ao C.P.P.”, pág. 880, nota 18 e pág. 884, nota 11, e os Acórdãos do S.T.J. de 13.05.1992, Recurso n.° 42546, de 20.05.1992, Recurso n.° 42720, de 29.03.1995, Recurso n.° 46393 e de 11.06.2001).

De facto, bem se compreende a “proibição” em questão, pois que, de outro modo, gorar-se-ia o direito legalmente reconhecido ao arguido de silenciar sobre factos ilícitos que lhe são imputados.

Na verdade, permitindo-se que os agentes policiais depusessem sobre o conteúdo das declarações que no exercício das suas funções receberam do arguido, fazer-se-ia entrar pela janela aquilo que a Lei fez sair pela porta, ou seja, o secretismo das declarações por este último prestadas.

No caso, o arguido, ora recorrente, esteve presente na audiência, e fez uso do seu direito ao silêncio, constando da acta de julgamento que duas foram as testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, (os guardas com o n.° 347051 e n.°201860 – cfr., fls. 87-v).

E , por sua vez, verifica-se que este último (n.°201860), em sede de Inquérito, tomou declarações ao arguido ora recorrente (cfr., fls. 38), certo sendo também que, na sentença recorrida, em sede de fundamentação, invoca o Mmo Juiz a quo o testemunho do mesmo como elemento probatório para a sua convicção sobre a matéria de facto provada.

Nesta conformidade, (e verificada não estando a situação do art. 338° do C.P.P.M. para que possível fosse a leitura das declarações do arguido), evidente nos parece que valorou o Colectivo a quo uma “prova proibida”, (o depoimento do agente n.°201860), o que não pode deixar de acarretar a nulidade do julgamento efectuado.

Assim, e nestes termos se nos mostra de julgar procedente o recurso para que, com a devolução dos autos ao T.J.B., se proceda a novo julgamento e profira nova decisão.

Decisão

4. Em face do exposto, acordam conceder provimento ao recurso, determinando-se a devolução dos autos ao T.J.B. para novo julgamento.

Sem custas.

Macau, aos 17 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
T Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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