Processo n.º 203/2011 Data do acórdão: 2011-04-28
(Autos de recurso em processo penal)
Assuntos:
– furto de valor elevado
– furto qualificado
– art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal
– atenuação especial da pena
– confissão parcial dos factos
– art.o 66.o, n.o 2, alínea c), do Código Penal
– detenção em flagrante delito
– suspensão da execução da pena
S U M Á R I O
1. Sendo muito prementes as necessidades de prevenção geral do crime de furto de valor elevado praticado por pessoas estrangeiras em Macau em co-autoria, não é de dar preferência à pena de multa em detrimento da pena de prisão, embora esse tipo legal de furto qualificado seja punível nos termos do art.o 198.o, n.o 1, alinea a), do Código Penal de Macau (CP) com multa ou prisão.
2. Se não confessaram sequer integralmente os factos, os arguidos não conseguem demonstrar convincentemente que já estão a sentir autêntico remorso da prática do crime, pelo que independentemente do consabido carácter não automático da activação do mecanismo de atenuação especial da pena a que allude o n.o 1 do art.o 66.o do CP, não se mostra plausível a tese deles de existência da circunstância da alínea c) do n.o 2 desse artigo.
3. A confissão parcial dos factos por parte dos arguidos então detidos em flagrante delito, não releva muito para efeitos de redução da sua pena.
4. Não é de suspender a execução da pena aplicada ao crime de furto qualificado referido, cometido por pessoas estrangeiras em co-autoria.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 203/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
1.a arguida A
2.o arguido B
3.o arguido C
4.o arguido D
5.o arguido E
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Em 15 de Fevereiro de 2011, foi proferido acórdão em primeira instância no âmbito do Processo Comum Colectivo n.° CR1-10-0153-PCC do Tribunal Judicial de Base, por força do qual a 1.a arguida A, o 2.o arguido B, o 3.o arguido C, o 4.o arguido D e o 5.o arguido E, todos aí melhor identificados e inicialmente acusados pelo Ministério Público como co-autores de dois crimes consumados de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal de Macau (CP), ficaram todos condenados em pena de prisão, tendo os dois primeiros arguidos sido absolvidos da co-autoria de um dos dois crimes imputados e assim apenas condenados como co-autores de um furto qualificado consumado, igualmente na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e os restantes três arguidos condenados como co-autores efectivamente de dois furtos qualificados consumados, igualmente na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um desses delitos, e, em cúmulo jurídico, identicamente na pena única de 3 (três) anos de prisão (cfr. o teor desse acórdão, a fls. 340 a 351 dos presentes autos correspondentes).
Inconformados, vieram os cinco arguidos recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), peticionando os dois primeiros, na sua motivação una apresentada a fls. 368 a 371, a devida aplicação a eles da pena de multa em detrimento da pena de prisão, e, subsidiariamente, a redução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão imposta pelo Tribunal Colectivo a quo, para a pena somente de 1 ano e 6 meses de prisão, e rogando os restantes três arguidos, na motivação una de fls. 373 a 375, a atenuação especial da sua pena ou, pelo menos, a redução da duração da pena parcelar de 2 anos de prisão aplicada para cada um dos dois crimes para 1 ano e 6 meses apenas, e a redução da pena única de 3 anos de prisão para 2 anos.
Aos recursos respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal recorrido no sentido de manutenção do julgado (cfr. o teor da resposta de fls. 387 a 392).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 411 a 414, no sentido de que os dois primeiros arguidos deveriam passar a ser condenados em pena de prisão não superior a 2 anos, e os três restantes arguidos em prisão parcelar não superior a 1 ano e 9 meses, e em pena única de prisão não superior a 2 anos e 6 meses.
Feito subsequentemente o exame preliminar e corridos os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento.
Cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como ponto de partida para o trabalho, é de relembrar aqui todo o acervo dos factos já dados como provados pelo Tribunal a quo, e descritos na Parte II do texto do acórdão recorrido, a fls. 344v a 348v dos autos, que se dão por aqui integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, de acordo com os quais, e com pertinência à solução dos recursos em causa:
– o primeiro dos dois furtos provados nos autos foi praticado em 8 de Março de 2010 pelos 3.o, 4.o e 5.o arguidos em conjunto com outros três indivíduos de identidade desconhecida, no valor de trinta e seis mil dólares de Hong Kong;
– todos os cinco arguidos foram apanhados pela Polícia logo após a prática do segundo furto dos autos ocorrido em 10 de Março de 2010, no valor de cinquenta mil dólares de Hong Kong, em conjunto com outros três indivíduos de identidade desconhecida;
– os cinco arguidos são estrangeiros e delinquentes primários em Macau;
– os dois primeiros arguidos não confessaram os factos;
– os restantes três confessaram parcialmente os factos;
– a 1.a arguida era desempregada, solteira, e com um filho a cargo;
– o 2.o arguido era comerciante com rendimento mensal de quatro mil patacas, casado e com a mulher e três filhos a cargo;
– o 3.o arguido era vendilhão com rendimento mensal de três mil patacas, casado e sem pessoa a cargo;
– o 4.o arguido era vendilhão com rendimento mensal de mil e duzentas patacas, casado e sem pessoa a cargo;
– e o 5.o arguido era comerciante com rendimento mensal de três mil patacas, casado e com dois filhos a cargo.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Os dois primeiros arguidos imputam à decisão recorrida a violação do art.o 64.o do CP, por um lado, e, por outro lado, e subsidiariamente, dos art.os 40.o, n.o 2, e 65.o , n.o 2, do mesmo Código.
Quanto à primeira questão, dita principal, dos recursos desses dois arguidos, é entendimento do presente Tribunal ad quem que atendendo a que são muito prementes as necessidades de prevenção geral do crime de furto de valor elevado praticado por pessoas estrangeiras em Macau em co-autoria, bem andou o Colectivo a quo ao não ter dado preferência à pena de multa em detrimento da pena de prisão, embora esse tipo legal seja punível nos termos do art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do CP, com multa ou prisão.
E agora no concernente ao subsidiariamente assacado excesso da pena de 2 anos e 6 meses imposta no acórdão recorrido a esses dois primeiros arguidos pela co-autoria, em 10 de Março de 2010, do segundo dos furtos no valor de cinquenta mil dólares de Hong Kong, já se afigura a este Tribunal ad quem mais equilibrado fixar, nos termos do art.o 40.o, n.os 1 e 2, e do art.o 65.o do CP, a pena em 2 anos, dentro da moldura de 1 mês a 5 anos de prisão, tendo sobretudo em conta que não obstante serem delinquentes primários em Macau, com condições sócio-económicas modestas, esses dois primeiros arguidos nem estiveram dispostos a confessar integralmente os factos, mesmo que tenham sido apanhados de flagrante delito pela Polícia, com a agravante de que eles estavam a praticar esse furto em conjugação de esforços previamente combinada com os restantes três arguidos e outros três indivíduos de identidade desconhecida.
Com o que acabam por proceder parcialmente os recursos da 1.a e do 2.o arguidos.
No respeitante aos recursos dos 3.o, 4.o e 5.o arguidos, que entendem que está verificada, em relação a eles próprios, a circunstância de atenuação especial da pena prevista na alínea c) do n.o 2 do art.o 66.o do CP, por terem confessado espontaneamente os factos e revelado arrependimento, por um lado, e, por outro, que merecem a diminuição das suas penas parcelares e única:
– realiza este Tribunal ad quem que esses três arguidos, como nem sequer tenham confessado integralmente os factos, não conseguem demonstrar convincentemente que eles já estão a sentir autêntico remorso da prática dos dois crimes de furto de valor elevado por que vinham condenados em primeira instância, pelo que, independentemente do consabido carácter não automático da activação do mecanismo de atenuação especial da pena a que alude o n.o 1 do referido art.o 66.o (cfr., de entre muitos outros, o recente acórdão do TSI, de 24 de Março de 2001, no Processo n.o 84/2011), não se mostra plausível a tese deles de existência da circunstância da alínea c) do n.o 2 desse artigo;
– não se vislumbra possível reduzir a pena de 2 anos de prisão já achada no acórdão recorrido para o segundo furto praticado por esses três arguidos em 10 de Março de 2010, em conjugação de esforços previamente combinada com aqueles dois primeiros arguidos e ainda com outros três indivíduos de identidade desconhecida, visto que, para já, a circunstância de confissão parcial dos factos por esses 3.o, 4.o e 5.o arguidos não releva muito para fazer baixar essa pena parcelar (porquanto logo após o cometimento desse furto, todos os arguidos foram apanhados pela Polícia de flagrante delito), com a agravante de que a ter essa confissão parcial algum valor atenuativo da pena, esse valor já fica deveras neutralizado pelo maior grau de culpa manifestado por esses três arguidos na prática desse segundo furto (por esse furto ter sido cometido dois dias depois da prática do primeiro furto), daí que tudo visto e ponderado, mormente em sede de justiça relativa, é de impor-lhes materialmente, em sede de punição do segundo furto, a mesma pena de 2 anos de prisão, em pé de igualdade com a 1.a e o 2.o arguidos, que são co-autores deles nesse furto de 10 de Março de 2010;
– outrossim, já se mostra possível reduzir para 1 ano e 9 meses, a duração da pena concreta de 2 anos de prisão achada no acórdão recorrido para o primeiro dos furtos no valor de trinta e seis mil dólares de Hong Kong, praticado em 8 de Março de 2010 pelos mesmos 3.o, 4.o e 5.o arguidos (em conjugação de esforços previamente combinada com outros três indivíduos de identidade desconhecida), atendendo precisamente à circunstância de esse montante furtado ser inferior ao de cinquenta mil dólares de Hong Kong em causa no segundo furto acima referido;
– e assim, em sede de cúmulo jurídico dessa nova pena parcelar de 1 ano e 9 meses, aqui achada para o primeiro furto cometido pelos 3.o, 4.o e 5.o arguidos, com a pena parcelar de 2 anos de prisão já aplicada aos três no acórdão recorrido pelo segundo furto, e ora mantida, devem os mesmos três ser condenados na nova pena única de 2 anos, 10 meses e 15 dias de prisão, fixada nos termos do art.o 71.o , n.os 1 e 2, do CP;
– dest’arte, não deixam de proceder também parcialmente os recursos dos 3.o, 4.o e 5.o arguidos.
Por último, há que notar que todas as penas de prisão a impor finalmente aos cinco arguidos não podem ver suspensas na sua execução, dado que não se crê que a mera ameaça da sua execução já possa realizar, de forma suficiente, as necessidades de prevenção geral do crime de furto de valor elevado praticado por pessoas estrangeiras em co-autoria.
Por outro lado, fica intacta a decisão constante do acórdão recorrido no referente à indemnização arbitrada a favor das duas pessoas ofendidas.
IV – DECISÃO
Nos termos expendidos, acordam em conceder parcial provimento aos recursos dos cinco arguidos, passando, por conseguinte, a condenar finalmente, sem prejuízo da decisão feita no acórdão recorrido em matéria de indemnização pecuniária das duas pessoas ofendidas:
– a 1.a arguida A e o 2.o arguido B, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva, pela co-autoria de um crime consumado de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do CP, praticado em 10 de Março de 2010;
– e o 3.o arguido C, o 4.o arguido D, e o 5.o arguido E, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, como co-autores de um crime consumado de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do CP, praticado em 8 de Março de 2010, e na pena de 2 (dois) anos de prisão, como co-autores de um outro crime de furto qualificado, p. e p. nos mesmos termos legais, cometido em 10 de Março de 2010, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de prisão efectiva.
Pagarão os cinco arguidos as custas dos respectivos recursos na parte que ora decaíram, cada um deles igualmente com três UC de taxa de justiça correspondente e mil patacas de honorários a favor do seu Exm.o Defensor Oficioso, honorários todos esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 28 de Abril de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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