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Processo n.º 778/2009 Data do acórdão: 2011-04-14
(Autos de recurso em processo penal)
  Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– regime de prova
– relatórios periódicos
– pena suspensa
– falta de colaboração
– plano de acompanhamento



S U M Á R I O
1. Não se divisa qualquer erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido, se o facto dado por provado no seu acórdão ora impugnado não está incompatível com a imagem global da situação do condenado recorrente relatada nos relatórios periódicos do regime de prova então submetidos pela entidade responsável à consideração do Tribunal até antes da emissão desse aresto.
2. A provada imensa falta de colaboração pelo recorrente ao plano de acompanhamento traçado por pessoal técnico responsável no período do regime de prova constitui motivo para a não manutenção da suspensão da execução da pena de prisão então aplicada na decisão condenatória.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 778/2009
(Recurso em processo penal)
Recorrente: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão operador de cúmulo jurídico proferido em 23 de Julho de 2009 a 155 a 156v dos autos de Processo Comum Singular n.o CR3-07-0518-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe fixou em 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de prisão efectiva a pena única resultante do cúmulo jurídico da pena aplicada nesses autos com a pena outrora imposta no Processo Comum Colectivo n.o CR3-07-0172-PCC do TJB, veio o arguido condenado A, ali já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir – com fundamento, principalmente, no alegado vício de erro notório na apreciação da prova e, subsidiariamente, na assacada não observância pelo Tribunal Colectivo autor desse aresto, ao contrário do que era devido, do disposto no art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal de Macau (CP) – que se passasse a decretar a suspensão da execução da dita pena de prisão única (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 171 a 175 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de manutenção do julgado (cfr. o teor da resposta de fls. 177 a 179).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 191 a 192v, no sentido de não provimento do recurso.
Realizado o novo exame preliminar e corridos os novos vistos legais na sequência da recente especialização deste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
No acórdão ora recorrido, de 23 de Julho de 2009, foi aplicada ao ora recorrente, nascido em 28 de Agosto de 1990, a pena única de 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de prisão, como resultante do cúmulo jurídico da pena de 1 (um) mês de prisão, a ele aplicada (por decisão de 20 de Março de 2009, transitada em julgado em 30 de Março de 2009) no Processo Comum Singular n.o CR3-07-0518-PCS subjacente à presente lide recursória (pena parcelar essa então suspensa na sua execução por um ano, sob a condição de o condenado não voltar a consumir droga, e com regime de prova do art.o 51.o do CP), pela autoria, em 30 de Outubro de 2007, de um crime consumado de detenção de estupefaciente para consumo pessoal, p. e p. pelo art.o 23.o, alínea a), do anterior Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro (cfr. o teor da sentença de 20 de Março de 2009 proferida a fls. 110 a 112 dos presentes autos recursórios), com a pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, a ele imposta (por decisão de 29 de Janeiro de 2008, transitada em 15 de Fevereiro de 2008) no Processo Comum Colectivo n.o CR3-07-0172-PCC pela autoria material, em 18 de Dezembro de 2006, de um crime consumado de roubo, p. e p. pelo art.o 204.o, n.o 1, do CP (pena essa na altura suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova) (cfr. o teor da certidão do respectivo acórdão de 29 de Janeiro de 2008 a que aludem as fls. 54 a 64 dos presentes autos recursórios).
E nesse acórdão operador de cúmulo jurídicas das penas, foi descrito como provado que o ora recorrente ainda tem actos de abuso de droga, e não se dedica seriamente à questão de tirar o vício de droga, e a vida dele também não é estável, e foi sobretudo por entender que o ora recorrente ainda tinha actos de abuso de droga, com vida não estável e com imensa falta de colaboração ao plano de acompanhamento traçado por pessoal assistente social que o Tribunal Colectivo autor desse acórdão decidiu em não suspender a execução da pena única aí achada ao ora recorrente (cfr. a fundamentação da decisão desse acórdão, na parte concretamente constante da fl. 155v dos presentes autos recursórios).
Segundo o relatório periódico elaborado em 25 de Setembro de 2008 e apresentado na mesma data pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (através do seu Departamento de Reinserção Social) à consideração do Juízo titular do Processo n.o CR3-07-0172-PCC (a que se referem as fls. 134 a 137 dos presentes autos recursórios): o ora recorrente trabalhava nessa altura em locais de clube nocturno, com vida em situação não estável, e com amigos com vício de abuso de droga, pelo que lhe foram organizados testes periódicos de urina, mas ao longo dos últimos meses, só apareceu o recorrente uma vez, daí que se suspeitava da existência ainda, por parte do recorrente, do vício de abuso de droga.
Segundo o relatório periódico elaborado em 25 de Março de 2009 e apresentado na mesma data pela mesma Direcção de Serviços (através do mesmo Departamento) à consideração do Juízo titular do mesmo Processo n.o CR3-07-0172-PCC (a que se referem as fls. 143 a 146 dos presentes autos recursórios): o ora recorrente faltou aos testes de urina organizados nos meses de Junho a Outubro de 2008, e obteve aprovação nos testes de urina dos meses de Novembro de 2008 a Janeiro de 2009; e quanto aos quatro dias de testes de urina organizados em Fevereiro de 2009, faltou a um dia, enquanto não conseguiu ser aprovado nos restantes três dias; e como o recorrente pretendeu ver aplicada também a pena suspensa no novo processo penal com audiência de julgamento marcada para o dia 30 de Março de 2009, veio aceitar tão-só na véspera dessa data o tratamento das formalidades respeitantes ao internamento para tratamento da toxicodependência, mas ao saber depois que não precisava de cumprir pena de prisão nesse novo processo penal, voltou a telefonar logo para recusar o internamento para tratamento da toxicodependência, o que demonstrou uma baixa vontade, por parte do recorrente, de tirar o vício de droga; em Dezembro de 2008, o recorrente foi despedido do seu trabalho em campo de construção civil, e desde então ficou desempregado, e desde 24 de Março de 2009, foi trabalhar numa loja de venda de bolos sita na zona da Porta do Cerco, com salário de 20 patacas por hora.
Segundo o relatório periódico subsequente, de 25 de Junho de 2009 (a que aludem as fls. 147 a 150 dos presentes autos recursórios), o recorrente faltou à metade dos testes de urina organizados nos meses de Março a Maio, e só compareceu em dois testes de urina desse mês de Junho.
Segundo o relatório da mesma entidade de 21 de Dezembro de 2009 (a que se referem as fls. 203 a 206), o recorrente obteve sempre aprovação em testes de urina dos meses de Agosto a Novembro de 2009, e com vida estável, pelo que se crê que o recorrente tem capacidade para se controlar.
Segundo o relatório de 9 de Fevereiro de 2010 (a que aludem as fls. 213 a 216), o recorrente obteve aprovação em testes organizados a partir de Agosto de 2009, pelo que se crê que é pequena a oportunidade de vir ele a abusar a droga.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Analisado o teor da sua motivação, sabe-se que o ora recorrente apenas pretende, ao fim e ao cabo, que lhe possa passar a ser decretada a suspensão da execução da pena única de 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de prisão, achada no acórdão ora impugnado, como resultante do cúmulo jurídico da pena de 1 (um) mês de prisão, a ele aplicada no Processo Comum Singular n.o CR3-07-0518-PCS subjacente à presente lide recursória (então suspensa na sua execução por um ano, sob a condição de não voltar a consumir droga, e com regime de prova do art.o 51.o do CP), com a pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, a ele imposta no Processo Comum Colectivo n.o CR3-07-0172-PCC (pena essa então também suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova).
E para o efeito, imputou o recorrente ao Tribunal Colectivo autor desse acórdão de cúmulo das penas o vício de erro notório na apreciação da prova, na parte em que se concluiu que ele “ainda tem actos de abuso de droga, e não se dedica seriamente à questão de tirar o vício de droga, e a vida dele também não é estável”.
Entretanto, para este Tribunal ad quem, esse facto tido por provado no acórdão recorrido não está incompatível com a imagem global da situação do recorrente relatada nos acima referidos relatórios periódicos então submetidos pela entidade responsável à consideração do Tribunal até antes da data da emissão do aresto impugnado, pelo que não se divisa qualquer erro notório na apreciação da prova nos termos suscitados pelo recorrente.
E agora no respeitante à esgrimida inobservância no acórdão recorrido do disposto no art.o 48.o, n.o 1, do CP, também não assiste razão ao recorrente, porquanto mesmo que ele só tenha tido 16 anos e 17 anos aquando da prática dos crimes de roubo e de detenção de estupefaciente para consumo pessoal, respectivamente, e que este ultimo delito não tenha sido cometido no período de suspensão de execução da pena daquele crime de roubo, e que ele tenha confessado integralmente e sem reservas os factos no processo relativo ao crime de detenção de estupefaciente, e que no momento da apresentação da motivação do presente recurso se dedique activamente à procura do emprego, e que tenha obtido aprovação em testes de urina em que compareceu no período de Março a Maio de 2009, tudo isto não tem ainda a pretendida virtude de fazer abalar a bondade do juízo de valor já sensatamente formado pelo Colectivo a quo com base nos elementos então carreados aos autos, aquando da tomada de decisão de não suspensão da execução da pena única de prisão em causa, fundada na falta de seriedade por parte do recorrente na questão de tratamento da sua toxicodependência e na imensa falta de colaboração ao plano de acompanhamento traçado por pessoal técnico responsável.
E nem se diga que faltou a muitos testes, por estar ocupado em trabalho e não por estar ainda com o vício de droga: é que se assim fosse, então por quê é que não compareceu o recorrente num dos quatro dias de testes de urina organizados em Fevereiro de 2009, em que se encontrou desempregado? E por quê é que não conseguiu ser aprovado nos testes de urina feitos nos outros três dias desse mês?
E por fim, como uma nota à parte, se é certo que nos últimos dois relatórios acima referidos na Parte II do presente acórdão de recurso, mas elaborados depois da emissão do acórdão recorrido, já consta que o recorrente obteve aprovação em testes de urina feitos a partir de Agosto de 2009, esse bom aproveitamento do recorrente apenas nos testes de urina realizados nesse período de Agosto de 2009 a Fevereiro de 2010 é demasiado curto, se comparado com o período anterior muito mais longo (contado do trânsito em julgado, em 15 de Fevereiro de 2008, da decisão condenatória pelo crime de roubo na pena de prisão então suspensa por dois anos), para se ajuizar da capacidade de ele levar uma vida nova sem abusar mesmo da droga ou sem voltar a cometer novos delitos.
Em suma, realmente não se pode satisfazer a pretensão do recorrente em ver suspensa a execução da pena única aplicada no acórdão recorrido.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça, e mil e oitocentas patacas de honorários totais devidos à sua defesa oficiosa, cabendo mil e quatrocentas patacas à Exm.a Defensora que minutou o recurso, e as remanescentas quatocentas patacas ao seu actual Exm.o Defensor, honorários todos esses a adiantar, por ora, pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Passe mandados de detenção e condução contra o recorrente, para efeitos de execução da pena de prisão.
Comunique à Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 14 de Abril de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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