Processo nº 63/2011 Data: 17.03.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Julgamento à revelia.
Consentimento do arguido.
Trânsito em julgado.
Prescrição.
SUMÁRIO
1. A decisão proferida em sessão de Leitura à qual assistiu o defensor do arguido que foi pessoalmente notificado da data da audiência de julgamento com a advertência que se à mesma faltasse e nada dissesse seria por aquele representado nos termos do art.° 315°, n.°2 e 3 do C.P.P.M. produz todos os efeitos, nomeadamente quanto ao prazo para o seu recurso e para o seu trânsito em julgado.
O relator,
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Processo nº 63/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, como os sinais dos autos, vem recorrer do despacho proferido pelo Mmo Juiz do T.J.B. que indeferiu um pedido pelo mesmo apresentado no sentido de se declarar prescrito o procedimento criminal que lhe foi movido no âmbito do Processo n.° CR1-05-0277-PCC.
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Na sua motivação produziu as seguintes conclusões:
“1. Nas fls. 2400 a 2401 dos autos, a recorrente A pede que o Tribunal a quo declare que a parte relativa a ela seja arquivada por ter decorrido a prescrição.
2. O Tribunal a quo indeferiu o pedido da declaração da extinção da prescrição criminal apresentado pela recorrente A por entender que a parte de crime dela já tinha sido transitada em julgado, devia ca1cular-se a prescrição da pena mas não a do procedimento criminal.
3. O Tribunal a quo reconheceu que a decisão da recorrente já tinha sido transitada em julgado porque a mesma já consentiu na realização da audiência na sua ausência nos termos do art.° 315° do Código de Processo Penal e representados todos os efeitos pelo defensor.
4. No entanto, a recorrente sublinha que nunca requereu ou consentiu com a realização da audiência na sua ausência.
5. A Certificação constante da fls. 2042 é formada por duas partes: a notificação de audiência de julgamento e a cominação sobre a falta à audiência.
6. A segunda parte deve ser apresentada pela recorrente de forma activa e voluntária em termos jurídicos, a recorrente tem direito de não a assinar.
7. O art° 315° do Código de Processo Penal compreende dois princípios: o princípio contraditório e o princípio valenti non fit injúria (A quem consente não é feita injúria), enquanto o último princípio é o mais importante.
8. A segunda parte do teor da fls. 2042 dos autos: “Por força do art° 315° do Código de Processo Penal, a audiência tenha lugar na sua ausência” não é o acto feito voluntariamente pela recorrente, mas sim imposto pelo tribunal nos termos do art° 315° do Código de Processo Penal, sem ter em consideração a vontade da recorrente.
9. Sendo assim, o texto acima referido viola evidentemente o princípio valenti non fit injúria, acto esse não corresponde com as disposições previstas no art° 315° do Código de Processo Penal e em consequência não produz efeito designado no n.° 3 do art° 315°.
10. A recorrente não requereu ou consentir de forma explícita que iria faltar à audiência na dita certificação, mas só manifestou que estava ciente e recebeu a notificação.
11. Em termos de 1ógica jurídica, a recorrente manifestou silêncio perante a referida cominação mas isso não implica o seu consentimento nisso, “o silêncio é, em si mesmo, insignificativo”, quer dizer, não produz qualquer efeito.
12. Mesmo que a recorrente assinasse no referido documento, não declarou a sua vontade de requerer ou consentir na falta à audiência, razão pela qual não produz qualquer efeito o referido documento; ou pelo menos não tinha qualquer vontade de acção e por isso não produz efeito de acordo com a alínea a) do n.°1 do art° 239° do Código Civil de Macau.
13. O Tribunal a quo reconheceu que a parte de crimes já tinha sido transitada em julgado em 16 de Abril de 2007, razão pela qual não se calculou a prescrição do procedimento criminal, violando evidentemente os artigos 110° e 315° do Código de Processo Penal.
14. Face ao expendido, pede-se que o MM.° juiz do TSI julgue que a fls. 2042 dos autos não preenche as disposições definidas no art. 315° do Código de Processo Penal, e julgue que a parte de crime da recorrente ainda não é transmitida em julgado, revogue o despacho constante da fls. 2404 proferido pelo Tribunal a quo, e, em harmonia com o requerimento constante das fls. 2400 a 2401 dos autos, declare extinta a prescrição e mande fazer o arquivamento da parte da recorrente”; (cfr., fls. 2421 a 2426 e 2442 a 2445 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
Respondendo assim conclui o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
“1. A recorrente sublinhou que nunca requereu ou consentiu na realização da audiência na sua ausência. A parte relativamente a ela constante do acórdão ainda não é transitada em julgado, deve-se portanto declarar extinta e arquivada a parte relativa a ela conforme o seu requerimento.
2. Face à fundamentação interposta pela recorrente, este Ministério Público entende que os pontos cruciais residem em: 1°, se o regime de ausência à audiência definido no n.° 2 do art.° 315° do Código de Processo Penal deve ser apresentado activa e voluntariamente pela arguida própria; 2°, se não for necessariamente apresentado por iniciativa da arguida, a assinatura da notificação pela recorrente inclui ou não o seu consentimento de realizar a audiência na sua ausência e forem representados pelo defensor todos os efeitos.
3. Em primeiro lugar, o Código de Processo Penal dispõe no seu n.° 2 do art.° 315° que: “pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência”, quer dizer, a audiência pode ser realizada na ausência da arguida com o requerimento e consentimento desta.
4. Nesse sentido, constatamo-nos que o regime de ausência à audiência fixado no n.° 2 do art.° 315° do Código de Processo Penal não é necessário ser apresentado activa e voluntariamente pela arguida, mas também pode ser realizado mediante o pedido apresentado por uma das partes e com o consentimento da arguida.
5. Por outro lado, a recorrente assinou a notificação constante da fls. 2042 dos autos, o teor desta compreende a data e a hora da audiência de julgamento e que o Tribunal a quo realizaria a audiência em ausência da recorrente.
6. Os Juízes a quo mandaram que a Secretária procedesse ao assunto supramencionado mediante o despacho, quer dizer, o referido assunto compreende duas partes, mas a segunda parte não constitui a consequência de não observação da primeira parte e portanto não dotada da natureza de cominação.
7. De facto, este Ministério Público entende que como a recorrente estava ciente do teor da notificação antes da assinatura desta e, mesmo assim, ainda decidiu de assiná-la, o acto dessa mostra, de forma expressa, que ela tomou conhecimento de toda a notificação.
8. O regime de ausência à audiência definido no n.° 2 do art.° 315° do Código de Processo Penal pode ser realizado com a interposição de uma parte e com o consentimento da arguida; para além disso, a notificação assinada pela recorrente e que está constante da fls. 2042 dos autos implica o consentimento da mesma de realização da audiência na sua ausência e forem representados pelo defensor todos os efeitos.
9. Mesmo que a recorrente não compareceu na audiência realizada em 27 de Março de 2007 pelo Tribunal a quo, é considerado que ela também recebeu o dito acórdão em 27 de Março de 2007 por estar presente o seu defensor e recebido o acórdão pelo mesmo. Sendo assim, o respectivo acórdão já foi transitado em julgado em 16 de Abril de 2007.
10. Pelo exposto, é evidentemente improcedente o recurso interposto pela recorrente e deve ser indeferido”; (cfr., fls. 2428 a 2431 e 2457 a 2466).
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Em sede de vista, emitiu o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:
“O n.° 2 do art. 315° CPP comporta, de facto, duas realidades diferentes : a do requerimento e a do consentimento de que a audiência de julgamento tenha lugar na ausência do arguido.
Pugna a recorrente, no caso, pela necessidade, para o efeito, de intervenção activa sua, após a notificação que lhe foi efectuada, no sentido de tal requerimento ou consentimento válidos.
Ora, se tal é verdade em relação à 13 realidade apontada (requerimento), já não o será no que concerne à 2ª : é que, ao assinar a notificação que lhe foi presente (fls 2042), a mesma, implicitamente, consentiu na realização da audiência, na sua ausência.
O que equivale por dizer que, se a tal desejasse opor-se, das duas uma : ou não assinava essa notificação, ou, tendo-o feito, deveria, em tempo útil, ter expresso vontade contrária. Ou seja: a tal “actividade” a que a mesma se reporta deveria efectivamente ter tido lugar, da sua parte, caso não concordasse com o que lhe fora submetido, sob pena de, como aconteceu, tal “silêncio” ter como inevitável significado a anuência, o consentimento para os termos em que era notificada.
Nesta conformidade, tendo-se efectivado essa audiência, com notificação devida ao defensor da decisão respectiva, a mesma deverá considerar-se transitada, razão por que nunca poderá assistir razão à recorrente na pretensão da prescrição do procedimento criminal ”; (cfr., fls 2468 a 2469).
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Fundamentação
2. Cabe apreciar e decidir se prescrito está o procedimento criminal em relação à ora recorrente, adiantando-se desde já que não lhe assiste razão.
Importa desde já atentar no que segue:
–– em 01.11.2006, foi a recorrente pessoalmente notificada da data designada para a audiência de julgamento (12.03.2007), e que se à mesma faltasse e nada dissesse, seria o julgamento realizado na sua ausência, sendo representada para todos os efeitos pelo seu Defensor, nos termos do art. 315° do C.P.P.M.; (cfr., fls. 2042).
–– em 12.03.2007 e 13.03.2007, teve lugar a audiência de julgamento na ausência e silêncio da ora recorrente, estando a mesma representada pelo seu Defensor, e, em 22.03.2007, procedeu o Colectivo do T.J.B. à leitura do Acórdão, também com o seu Defensor presente, no qual foi a ora recorrente condenada pela prática em concurso real de 1 crime de “corrupção no recenseamento”, p. e p. pelo art. 41°, n.°1 da Lei n.° 12/2000, e 1 outro de “retenção do cartão de eleitor” p. e p. pelo art. 44°, n.°1 da mesma Lei, na pena única de 4 anos de prisão; (cfr., fls. 2180 e seguintes).
–– em 11.05.2007, e na ausência de recurso do assim decidido, lavrou-se cota consignando-se que a decisão ínsita no referido Acórdão tinha transitado em julgado em relação à ora recorrente (e outros co-arguidos); (cfr., fls. 2279).
–– em 11.10.2010, requereu a ora recorrente que se declarasse prescrito o procedimento criminal dos autos, (cfr., fls. 2400 a 2402), o que veio a ser indeferido pelo despacho objecto do presente recurso.
Tendo agora em atenção o que se deixou consignado, vejamos.
Nos termos do art. 315° do C.P.P.M.:
“1. Se ao caso couber processo sumaríssimo mas o procedimento tiver sido reenviado para a forma comum e se o arguido não puder ser notificado do despacho que designa dia para a audiência ou faltar a esta injustificadamente, o tribunal pode determinar que a audiência tenha lugar na ausência do arguido.
2. Sempre que o arguido se encontrar impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência fora de Macau, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.
3. Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.
4. Se o tribunal vier a considerar absolutamente indispensável a comparência do arguido, ordena-a, interrompendo ou adiando a audiência se isso for necessário”.
In casu, e como se referiu, em 01.11.2006, foi a ora recorrente notificada da data do julgamento e que se à mesma faltasse e nada dissesse, seria representada, para todos os efeitos legais, pelo seu Defensor, nos termos do transcrito art. 315° do C.P.P.M. ; (cfr., fls. 2042).
Perante isso, dúvidas cremos que não há que, como sucedeu, nada dizendo, e faltando a audiência, “consentiu” que a mesma audiência de julgamento tivesse lugar sem a sua presença, (cfr., n.° 2 do transcrito art. 315° do C.P.P.M.), passando assim a ficar representada, “para todos os efeitos, pelo defensor”; (cfr., n.° 3).
Nesta conformidade, (e representada que foi, para “todos os efeitos legais” pelo seu Defensor), evidente é também que a leitura do Acórdão, efectuada em 22.03.2007, produziu todos os efeitos legais em relação à ora recorrente, nomeadamente, quanto ao início do prazo para o recurso, e, como sucedeu, quanto ao seu trânsito em julgado, o que, por sua vez, afasta, irremediavelmente, qualquer pretensão no sentido da prescrição do procedimento criminal por efeito do decurso do período de tempo entretanto decorrido.
Dest’arte, e censura não merecendo a decisão recorrida que assim decidiu, improcede o recurso.
Decisão
3. Em face do que se expôs, e em conferência, acordam negar o provimento ao recurso.
Pagará a recorrente a taxa de justiça de 5UCs.
Macau, aos 17 de Março de 2011
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
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