打印全文
Processo nº 657/2008
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Abril de 2011

ASSUNTO:
- Benfeitorias
- Equidade
SUMÁRIO:
- Por definição legal (artº 208º, nº 3 do C.C.), são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
- Para as benfeitorias úteis em caso de não haver lugar o seu levantamento com vista evitar o detrimento da coisa, a lei manda calcular o valor da indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa (nº 2 do artº 1198º), em que o enriquecido só é obrigado a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou.
- Daí que há de apurar o valor concreto com que o senhorio se locupletou injustificadamente, não podendo portanto fixar segundo as regras de equidade.
O Relator
Ho Wai Neng

Processo nº 657/2008
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Abril de 2011
Recorrentes: A, B e C (os Autores)
      D (o Réu)
Recorridas: Os mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 29/04/2009, decidiu-se, entre outras, condenar os Autores A, B e C, melhores identificados nos autos, a pagar ao Réu D a quantia de MOP$72.000,00 (setenta e duas mil patacas), a título de benfeitorias.
Dessa decisão vêm recorrer, quer os Autores, quer o Réu, mas com pontos de vista diferentes.
Na motivação do recurso, os Autores concluíram pela forma seguinte:
    “a) O arrendatário aceitou contratualmente não pedir indemnização pelas benfeitorias necessárias que viessem a ser realizadas no imóvel, bem como pelas benfeitorias úteis cujo levantamento não se pudesse fazer sem detrimento daquele.
    b) Daí que esteja afastada a aplicação do artigo 1028° do Código Civil.
    c) Apenas provou-se nos autos que o investimento do réu traduziu-se na realização de muitas obras de decoração.
    d) Por natureza, não se tratam, portanto, de obras que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa.
    e) O que o réu fez não foi conservar o imóvel mas sim adaptálo ao fim para que ele se destinava.
    f) Não estamos, como tal, perante benfeitorias necessárias.
    g) Não tendo o réu alegado ou provado nos autos que obras em causa aumentaram o valor do locado, não é legítimo concluir que a mesmas consubstanciam benfeitorias úteis.
    h) O réu não alegou ou provou que, do levantamento das benfeitorias, resultaria detrimento para o locado.
    i) Não ficou demonstrado que as obras realizadas pelo réu tenham aumentado o valor do locado ou que dele possam ser retiradas, sem detrimento para a coisa onde se radicaram.
    j) A sentença recorrida, ao condenar os autores a indemnizar o réu no que respeita às benfeitorias realizadas no locado, violou o disposto nos artigos 208°, 1028° e 1198° do Código Civil de Macau.”
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida nesta parte, absolvendo-os do pedido reconvencional.
  São conclusões do Réu:
“- Os AA. acordaram ficar consagradas no acordo as cláusulas constantes das alíneas D) e E) da matéria de faco assente em virtude de o Réu necessitar de realizar no local arrendado um forte investimento para explorar o seu negócio de comes e bebes.
- Investimento que se traduzia na realização de muitas obrast em virtude do péssimo estado em que se encontrava o imóvel.
- Obras de pavimentação em mosaico de todo o chão do imóvelt em virtude de o mesmo se encontrar completamente deterioradot sem condições ser utilizado.
- Obras de colocação de canalização para águas e esgotos t em todo o imóvelt em virtude de a existente ser já muito antiga e em muito mau estadot grande parte rebentada e a verter água.
- Obras de instalação de todo o quadro eléctricot fiost de tornadas e fixas eléctricast pois que as existentes muito antigas e deterioradast não ofereciam qualquer segurança e seu uso.
- De colocação de azulejos e de tijolost massa e reboco nas paredes de todo o imóvel a cair aos bocados e os tijólos à vista.
- De instalação de uma cozinha com seus apetrechos, que não existia.
- De renovação de toda a casa de banho, de instalação de nova canalização e na aquisição de nova loiça.
- A feitura dessas obras, custaram ao R., cerca de MOP$350,000.00.
- É verdade que o valor a reclamar pelo ora recorrente Réu não tem que corresponder necessáriamente ao valor das despesas pelo mesmo realizadas no imóvel arrendado cerca de MOP$350,000.00”
- E que, na determinação do valor não pode o interessado receber mais do que o investido, correspondendo afinal ao seu empobrecimento.
- Por outro lado, o valor a receber não deve superar o enriquecimento que tiver investido que aliás pode ser inferior ao valor do investimento feito.
- Como explica Antunes Varela, a medida da retribuição está sujeita a dois limites: ao do custo correspondente ao empobrecimento e ao enriquecimento do titular ...
- E conclui, dizendo que deve ser restituido aquilo que efectivamente o beneficiário se acha enriquecido.
Por conseguinte, com o limite máximo de MOP$350,000.00 correspondente ao montante dispendido pelo Réu, este terá direito a receber dos autores, pelo menos MOP$300,000.00”.
*
  Devidamente notificados, apenas os Autores é que responderam à motivação do recurso do Réu, pugnando pela improcedência do mesmo.
  *
Foram colhidos os vistos legais.

II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
   無爭議之既證事實:
A) -原告是位於澳門馬統領圍XX號大廈地下“FO" 獨立單位的所有權 人,該大廈的物業登記局物業標示編號為XXX。
B) 根據2003年10月15日訂立的、自2003年10月14日生效的合同, 原告A及C給予被告暫時享用上述不動產。
C) 雙方之合同於2005年12月3日終止。
D) 根據上述合同的第七條款a) 項,合同協議如下:“於租賃期將屆滿前, 不論續租與否,雙方都必須提前三個月以書面及致電通知對方,乙方享有優先續租權,甲方必須同意再續租一次予乙方,為期三年,屆時再另訂新租約及條款"。
E) 合同第七條b) 項列明: “若雙方協議續租,則甲方有權按當時通漲調整租金,加租幅度不超過15%"。
F) 原告A及C在2005年8月23日透過電話及信件,通知被告有意終止上述合同的效力,該信件由被告於同一日收妥。
G) 2005年12月3日之後,被告拒絕交還不動產,並在2005年12月7日 以存款至原告銀行帳戶內的方式,向原告支付港幣9,750圓。
H) 被告直至今日,一直佔用該單位。
I) 原告可以給予第三人暫時享用該單位,根據不動產市場新的情況,回報不會低於港幣14,000圓/每月。
   經庭審後獲證實之事實:
i. 原告之所以同意定下既證事實第D)及第E)項所述的合同條款內容,是由於被告需要在租賃單位進行大規模投資以經營其飲食業務。
ii. 被告的投資包括實施了很多項裝修工程。
iii. 該等裝修工程耗用了被告約澳門幣350,000圓。
iv. 被告在取得原告同意下,在不動產中實施了裝修工程。
v. 既證事實B)項所指合同的合同雙方在合同第9條及第11條中約定,在不動產內實施裝修工程的費用全部由被告負責。
   Em português (tradução de fls. 215 a 217):
   Factos provados não controvertidos:
A). Os autores são proprietários da fracção autónoma designada por FOR/C, do rés-do-chão "FO" , do sita no "FO-R/C" do prédio sito em Macau, no Pátio do Comandante Mata e Oliveira n.º XX, descrita na Conservatória de Registo Predial de Macau sob o n.º XXX .
B). Por contrato celebrado em 15 de Outubro de 2003 que teve início em 14 de Outubro de 2003, os autores A e C cederam ao réu o gozo temporário do imóvel acima referido.
C). O contrato celebrado por ambas as partes terminou em 3 de Dezembro de 2005.
D). Nos termos da cláusula 7ª alínea a) do contrato, ambas as partes acordaram o seguinte: "Aproximando-se o fim do presente contrato de querer ou não a renovação, deverá comunicar a outro, por telefone e carta, com a antecedência de três meses, a sua intenção. O segundo outorgante terá direito de prioridade na renovação do contrato e o primeiro outorgante deverá aceitar a renovação , por mais um período de três anos, e naquele momento, ambas as partes estabelecerão novamente as cláusulas e celebrarão novo contrato de arrendamento".
E). Na cláusula 7ª alínea b) do contrato: "No caso de ambas as partes acordarem a renovação do contrato, o primeiro outorgante terá direito de actualizar a renda conforme a taxa de inflação, cujo aumento não será superior a 15%".
F). Os autores A e C comunicaram ao réu a sua intenção de denunciar o referido contrato por telefone e carta em 23 de Agosto de 2005, carta essa foi recebida pelo réu no mesmo dia.
G). Desde 3 de Dezembro de 2005, o réu recusou restituir o imóvel ao autores e pagou, em 7 de Dezembro de 2005, o valor de HKD$9,750.00 aos autores, através do depósito na conta bancária dos autores.
H). O réu tem vindo a ocupar a referida fracção até agora.
I). Os autores poderiam ceder o gozo temporário da referida fracção a terceiro e receber, segundo a actual situação do mercado imob.iliário, a contrapartida que nunca seria inferior a HKD$14,000.00/ mês.
Factos provados após a audiência de julgamento:
1. Os autores acordaram estabelecer no contrato as cláusulas contratuais constantes das alíneas D) e E) dos factos provados em virtude de o réu necessitar de efectuar grande investimento para explorar a sua actividade de restauração.
2. O investimento do réu inclui a realização de muitas obras de decoração.
3. O réu gastou cerca de MOP$350,000.00 na realização de tais obras de decoração.
4. Com o consentimento dos autores, o réu realizou obras de decoração no referido imóvel.
5. A alínea B) dos factos provados refere que ambas as partes acordaram is cláusulas 9.ª e 11.ª do contrato que todas as despesas com as obras de decoração realizadas no referido imóvel ficariam a cargo exclusivo do réu.

III – Fundamentos
Apreciaremos em conjunto ambos os recursos, na medida em que abordam a mesma matéria, embora sob diferentes pontos de vista.
Dispõe o nº 1 do artº 1028º do C.C. que “sem prejuízo do disposto nos artigos 990º e 992 e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de boa fé para efeito do direito a indemnização e do direito ao levantamento das benfeitorias que haja feito na coisa locada ”.
E nos termos artº 1198º do mesmo Código, o possuidor de boa fé tem direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento da mesma. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias úteis, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
O possuidor de boa fé tem ainda direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas (cfr. nº 1 do artº 1200º do C.C.).
Por definição legal (artº 208º, nº 3 do C.C.), são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o Réu renunciou o seu direito às benfeitorias, com a cláusula segunda do contrato de arrendamento.
A referida cláusula tem o seguinte teor:
“二. 本租約為定期租約,按照澳門都市不動產租賃制度115條訂定。租賃期由二零零三年十月十四日起租至二零零五年十二月叁日止,屆時本約即告失效,不作自動續期。乙方需如期遷出,將舖位原整交還甲方,無權要求任何搬遷補償或索取任何搬遷期。 ”
Em português:
“O presente contrato de arrendamento tem duração limitada, celebrado ao abrigo do disposto do artº 115º do Regime do Arrendamento Urbano, cujo prazo é de 14/10/2003 a 03/12/2005. Findo o prazo, o contrato caduca e a parte B tem de saír da fracção autónoma e restituí-la à parte A, sem direito de pedir qualquer indemnização da sua saída nem prazo para o efeito. ”
Nos termos do nº 1 do artº 228º do Códio Civil de Macau, a declaração negocial vale com o sentido de que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se não puder razoavelmente contar com ele.
E nos negócios formais, que é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (nº 1 do artº 230º do CCM).
Ora, com a expressão “無權要求任何搬遷補償”, em português, “sem direito de pedir qualquer indemnização da sua saída ”, entendemos que o Réu renunciou, aquando da celebração do contrato de arrendamento em causa, todas as indemnizações a que eventualmente tem direito na cessação do contrato, abrangendo portanto todas as benfeitorias feitas na fracção autónoma em causa.
A sua renúncia é válida, por não estarem em causa direitos indisponíveis.
Aliás, mesmo que entendesse no sentido oposto, também não poderia ter lugar a condenação dos Autores na indemnização das benfeitorias, por insuficiência da matéria de facto provada.
Vejamos
O Réu, para sustentar o seu pedido reconvencional, alegou os seguintes factos, os quais foram objecto dos quesitos 3º a 9º da Base Instrutória:
“3º
Investimento que se traduzia na realização de muitas obras, em virtude do péssimo estado em que se encontrava o imóvel?

Obras de pavimentação em mosaico de todo o chão do imóvel, em virtude de o mesmo se encontrar completamente deteriorado, sem condições de se utilizado?

De colocação de canalização para água e esgotos, em todo o imóvel, em virtude de a existente ser já muito antiga e em muito mau estado, grande parte rebentadas e a verter água?

Obras de instalação de todo o quadro eléctrico, de fios, de tomadas e fixas eléctricas, pois que as existentes muito antigas e deterioradas, não ofereciam qualquer segurança e seu uso?

De colocação de azulejos e de tijolos, massa e reboco nas paredes de todo o imóvel, em virtude de as mesmas se encontrarem em péssimo estado, com o reboco a cair aos bocados e os tijolos à vista?

De instalação de uma cozinha com seus apetrechos, que não existia?

De renovação de toda a casa de banho, de instalação de nova canalização e na aquisição e instalação de nova loiça?”
Estes quesitos foram aprovados em conjunto e apenas que “investimento que se traduzia na realização de muitas obras de decoração”.
Ficamos portanto sem saber em que consistem estas obras de decoração; quais podem ser levantadas sem detrimento da fracção autónoma.
Então como é que o tribunal vai determinar a natureza jurídica destas “obras de decoração”, se bem que as diversas benfeitorias têm regimes jurídicos diferentes.
Houve aumento de valor para a fracção autónoma dos Autores por causa destas “obras de decoração”?
Em caso afirmativo, que valor?
O tribunal a quo considerou que “o imóvel dos autores valoriza-se devido às obras efectuadas pelo réu, razões pelas quais, segundo a disposição da lei, o réu tem direito à devida indemnização referente às benfeitorias da coisa locada” (tradução da sentença de fls. 227).
E com base na equidade, fixou o quantum indemnizatório em MOP$72.000,00.
Salvo o devido respeito e como já referimos anteriormente, não há factos, quer assentes, quer provados, que permitem concluir o aumento do valor do imóvel locada por causa das obras de decoração do Réu.
Por outro lado, nos termos do artº 3º do CCM, os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
a) Quando haja disposição legal que o permita;
b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível; ou
c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória.
No caso em apreço, não se verifica alguma destas situações. Pelo contrário, para as benfeitorias úteis em caso de não haver lugar o seu levantamento com vista evitar o detrimento da coisa, a lei manda calcular o valor da indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa (nº 2 do artº 1198º), em que o enriquecido só é obrigado a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou.
Daí que há de apurar o valor concreto com que o senhorio se locupletou injustificadamente, o que não foi provado no caso sub justice.
Nesta conformidade, procede o recurso dos Autores e, em consequência, improcede o recurso do Réu.

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso do Réu e conceder provimento ao recurso dos Autores, revogando a sentença recorrida na parte em que condenaram os Autores no pagamento da quantia de MOP$72.000,00 e absolvendo os Autores do pedido reconvencional.

Custas pelo Réu em ambas as instâncias nesta parte.
Notifique e registe.

RAEM, aos 14 de Abril de 2011.

Ho Wai Neng (Relator)
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong

1


657/2008 p.1/13