Processo n.º 639/2010
(Recurso Cível)
Data: 14/Abril/2011
ASSUNTOS:
- Contrato-promessa; incumprimento
- Anulabilidade por viciação da vontade negocial
- Erro negocial; dolo
- Nulidade negocial
- Bons costumes e ordem pública
- Princípio da igualdade e autonomia privada
- Patologia do negócio e patologia do cumprimento
- Termo essencial
- Resolução contratual
-Culpa pelo incumprimento; culpa repartida
SUMÁRIO:
1. Se uma nulidade do contrato pode oficiosamente ser conhecida, os factos em que ela assenta devem vir alegados na acção, sendo certo que são eles que hão-de enformar a causa de pedir que não pode em princípio ser modificada - artigos 216º, 217º, 564º, n.º 1 e 567º do CPC.
2. A nulidade é intrínseca ao próprio negócio que ab initio não produz quaisquer efeitos; respeita a uma falta ou irregularidade no tocante aos elementos internos ou essenciais do contrato.
Se o recorrente alega vicissitudes post contractum, pretensamente relativas à autonomia e a liberdade contratuais em sede do cumprimento é nesse âmbito que as condutas devem ser apreciadas e já não em sede da validade do contrato..
Não valorar em termos sancionatórios eventual inadimplemento da contraparte, nada disso tem a ver com a consideração ou não de uma invalidade contratual absoluta.
3. Se não se descortina, em dado contrato, qualquer violação dos superiores interesses da comunidade, violação dos princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico e prevalecentes sobre as convenções privadas, ou do conjunto de princípios injuntivos edificados a partir de normas injuntivas, não haverá violação da ordem pública.
4. Como não haverá violação dos bons costumes, se não ocorrer violação das regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa-fé, num dado momento e num certo ambiente.
5. Não cai no âmbito do cumprimento do contrato o apuramento sobre o compromisso de o promitente vendedor garantir uma dada qualidade no objecto do negócio. Mas já cai no âmbito da viciação da vontade negocial saber se o A. agiu em erro, se para ele terá contribuído ou se o podia ter evitado, ou foi nele dolosamente induzido; se esse erro foi essencial, tudo para efeitos do disposto no artigo 240º, 241º e 246º do CC.
E sendo assim, se esse factor era decisivo para o A. sempre importaria saber da possibilidade de nele não incorrer o declarante.
Estando essa questão, por declaração de caducidade de alegação do vício, decidida no Saneador, com trânsito em julgado, dessa questão não se pode conhecer a final.
6. O sinal vale como cláusula penal compensatória, que impõe a rescisão do contrato-promessa por incumprimento definitivo, não valendo como cláusula penal moratória, se não convertida naquele incumprimento nos termos do artigo 797º.
7. O incumprimento definitivo do contrato-promessa encontra-se pela verificação de situações (declaração antecipada de não cumprir, termo essencial, cláusula resolutiva expressa, impossibilidade da prestação e perda de interesse na prestação) que a induzam.
8. Não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa; há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse ou de utilidade corresponde à realidade das coisas.
9. Termo essencial é aquele em que, não havendo satisfação até ocorrer, se cai no incumprimento definitivo; não essencial, aquele que conduz à mora do devedor. Há que interpretar o contrato celebrado e indagar se as partes quiseram sujeitar o negócio a um termo essencial, ou seja a um termo peremptório e se esse termo corresponde à data prevista para a celebração da escritura, não descurando a eventualidade de ponderar o incumprimento e a sua conversão em definitivo, face ainda às razões relativas à perda de interesse contratual, independentemente da subordinação de um contrato a um prazo certo.
10. Em princípio, a venda da coisa a terceiros configura uma situação de claro incumprimento definitivo.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 639/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 14/Abril/2011
Recorrentes: A
Companhia de Fomento Imobiliário B, Limitada
Recorridos: Os mesmos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, intentou acção em que pedia a condenação da Ré, Companhia de Fomento Imobiliário B, Limitada,
na sequência de um contrato-promessa entre ambos celebrados e em que o A. se comprometia a comprar os imóveis adiante identificados e a Ré a vendê-los,
a pagar-lhe o dobro do sinal por incumprimento, ou a restituir-lhe o sinal em singelo por anulação do contrato por viciação da sua vontade negocial induzida por dolo do promitente vendedor, ou por via do enriquecimento sem causa.
Citada, a Ré oportunamente contestou, invocou excepção e impugnou os factos alegados pelo Autor, além de deduzir pedido reconvencional.
No despacho saneador o Mmo Juiz titular do processo julgou procedente a excepção peremptória nos termos do artigo 280.º do CCM por o Autor ter intentado acção da anulação do contrato promessa fora do prazo e indeferiu o pedido de anulação do contrato-promessa do Autor.(ou seja, o 1.º pedido subsidiário).
Veio a ser proferida sentença, tendo sido, a final, julgada a improcedência da acção deduzida pelo Autor A, e improcedentes todos os pedidos contra a Ré.
Em relação à reconvenção deduzida pela Ré, foi julgada parcialmente procedente e declarada a resolução do contrato promessa celebrado entre o Autor e Ré e declarada a perda do sinal entregue pelo Autor a favor da Ré no valor de HKD688.540,00, além de rejeitados os outros pedidos do reconvinte .
Inconformados recorrem ambas as partes.
O A. A, alega, em síntese conclusiva:
Não obstante o recorrente invocou a anulabilidade (dolo) do contrato promessa de compra e venda celebrado com a recorrida, apesar disso, isto não impede que aquele acto seja nulo nos termos legais, cabe ao Tribunal declarar oficiosamente a sua nulidade.
Os factos articulados na petição inicial não se reportam apenas à anulabilidade pelo dolo, mas à nulidade por ser contrário à ordem pública e bons costumes.
O Tribunal a quo nunca decidiu quanto à invalidade do acto em causa, sobretudo se se trata do acto nulo ou não. Pelo que tem sempre entendido que se trata da anulabilidade, e absteve-se do conhecimento oficioso da nulidade. Isto pelo menos violou o disposto do artigo 279.º e 273.º n.º 2 do CCM. Assim sendo, o acórdão recorrido enfermou do vício referido do artigo 571.º n.º 1 alíneas b) e d), primeira parte do CPCM, à luz do qual, o acórdão recorrido deve ser nulo.
O prazo de 1 ano seguinte à cessação do vício prescrito no número 1 do artigo 280.º do CPM, foi excepcionado no número 2. Além disso, é de considerar as normas especiais a respeito da prescrição, isto é, o artigo 320.º do CCM e ss. No entanto, o Tribunal a quo não analisou se, na verdade, suscitou tal situação. Em primeiro lugar, o artigo 280.º n.º 2 do CCM dispõe que, enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção. Não tendo decorrido o prazo, não se deve negar o direito de anulação ao recorrente.
A estipulação do contrato promessa consubstancia um acto usual mas não necessário da compra e venda. Trata-se do acto de natureza transitória, o negócio só é cumprido com a escritura. Assim, suscitou uma questão jurídica que reclama solução do Tribunal a quo e que consiste em saber porquê o caso do recorrente não se enquadra no artigo 280.º n.º 2 do CCM, ou seja, a situação de “o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo”.
O Tribunal a quo nem avaliou o facto de o recorrente, após o conhecimento, manifestou o seu desejo de concluir o negócio com base no princípio de igualdade até ao momento da interposição da acção, ou seja no período entre 11 de Junho de 2004 e 26 de Maio de 2006. Tal vontade manifesta-se nomeadamente através dos factos articulados nos artigos 13.º, 15.º, 16.º, 18.º, 20.º, 22.º, 23.º da petição inicial. Portanto, a decisão que consta das fls. 253 a 254 dos autos, violou o artigo 280.º, 320.º e ss do Código Civil, assim sendo, como a sentença recorrida aceitou na íntegra e invocou tal decisão, desta forma padeceu do vício previsto no artigo 571.º n.º 1 alínea b) e alínea d), primeira parte do CPCM, à luz do qual a sentença recorrida deve ser nula.
Os factos provados a fls. 342 v dos autos são seguintes: No dia da celebração do contrato promessa, a Ré alegou ao Autor que no referido terreno, poder-se-ia construir prédio com altura até 22 metros. Após a celebração do contrato promessa, o Autor veio a conhecer que o limite para pé direito da construção era 20,5 metros. O Autor mandou a carta à DSSOPT, pedindo informação a esta. O Autor pediu para renegociar o referido contrato com a Ré. A Ré recusou o pedido do Autor. Pode-se concluir que a recorrida de propósito enganou o recorrente.
A sentença recorrida invocou a fls. 342. v do auto o princípio de pontualidade consagrado no artigo 400.º do CCM (eficácia de contrato). Porém, esta norma devia ser interpretada e aplicada em conjugação com os princípios fundamentais do Direito Civil – autonomia privada e igualdade.
Trata-se do facto relevante o recorrente só veio a conhecer que o limite do pé direito do prédio era 20,5 metros, não 22 metros, depois da celebração do contrato. Enquanto comerciante, o recorrente visa o fim lucrativo. Não podemos impor que o recorrente conformasse com esta situação sem modificação do preço contratual. Neste caso, será posta em causa a liberdade na celebração de contrato e na conformação com o conteúdo contratual no quadro do princípio de igualdade.
A sentença recorrida referiu que na data designada, o Autor desistiu de aparecer na data designada ao escritório de advocacia para celebrar a escritura de compra e venda nos termos prescritos do contrato. Na verdade, o mencionado “desistiu” não é correcto porque não há facto nenhum que apoie esta afirmação do Tribunal a quo. Pelo contrário, o recorrente, despeito do seu conhecimento do respectivo facto, realizou vários actos com o propósito de concluir o negócio. Apesar de tudo, a ele é inexigível realizar a troca injusta.
O artigo 431.º do CCM atribui ao recorrente a faculdade de resolver e modificar o contrato. Do facto constante da fls. 342.v da sentença recorrida, o recorrente pediu para renegociar o contrato com a recorrida, foi por ela recusado. Em suma, a ausência à escritura naquele dia significa necessariamente que o recorrente “desistiu” do cumprimento do contrato?
A sentença recorrida persistiu na aplicação do artigo 400.º n.º 1 do CCM, contudo olvidou o princípio de igualdade que transcende o artigo 400.º com base nos factos provados, nem considerou a situação prevista no artigo 431.º, razão pela qual a sentença recorrida violou o princípio de autonomia privada do direito civil – princípio de igualdade e o artigo 431.º, daí suscitou o vício regulado no artigo 571.º n.º 1 alíneas b) e d) do CPCM que conduz à nulidade da sentença recorrida.
O dolo gera o dever de indemnização, que existe independentemente do direito de anulação. Assim, ainda que seja indeferido o pedido de anulação, não se deve excluir o conhecimento do dolo do recorrente. Nem se deve afastar o direito à indemnização do recorrente contra a recorrida. A apontada questão jurídica deve ser conhecida pelo Tribunal a quo, e o Tribunal não devia tentar resolver tudo através da simples invocação da “prescrição”. Porque o tratamento justo do litígio entre o recorrente e a recorrida mostra-se essencial para a questão de aplicação da lei, até uma sentença justa. Porém. a sentença recorrida nunca devolveu ao recorrente a justiça, isto é, comprovar se a conduta do recorrente constitui dolo.
O contrato é nulo por violar o princípio de autonomia privada - igualdade e o disposto do artigo 273.º n.º 2 do CCM. Portanto, o Tribunal a quo confirmou o contrato como válido, o que violou as referidas normas e o princípio, por forma a originar o vício regulado no artigo 571.º n.º 1 alíneas b) e d) do CPCM, que dá início à nulidade da sentença recorrida.
Dos factos dados por assentes na sentença recorrida, consta o seguinte: não há referência se o limite do pé direito da construção no terreno em causa terá efeito decisivo sobre a opção do Autor na celebração do contrato promessa. Pelo que o Autor, de igual modo, não tem direito para recusar unilateralmente a celebração do contrato prometido. No entanto, duma série de actos do recorrente subsequentes do conhecimento do facto de se poder ser construído prédio com altura até 20,5 metros, depreende-se que tal altura tem direito decisivo na celebração do contrato por parte do recorrente.
Se isto não for revelado nos factos provados, é imputável ao Tribunal a quo que omitiu uns factos constantes da petição inicial e que têm efeito decisivo para a decisão.
É verdade que o facto constante de fls. 342.v dos autos, isto é, o recorrente pediu informações à DSSOPT, e pediu à recorrida para renegociar o contrato, é suficiente para nos levar a concluir que tal altura tem efeito decisivo sobre o recorrente.
Resumindo e concluindo, o Tribunal Colectivo a quo homologou o contrato como válido no acórdão recorrido, decidiu pela prescrição do direito de anulação, incumprimento definitivo do recorrente, rejeitou os seus pedidos e por outro lado, deu provimento à recorrida, e reconheceu-lhe o direito ao sinal, ignorou de todo o modo a situação real do caso, e violou o princípio de legalidade, igualdade, justiça, transacção justa, por modo a cometer lacunas, erros, para além de violar os preceitos legais atrás referidos, os quais incluem, não só, o artigo 7.º do CCM que se prende com a interpretação do artigo 4900.º do mesmo artigo, o artigo 209.º n.º 1 do CCM que diz respeito à desistência do contrato pelo recorrente sem declaração de vontade; o artigo 219.º do CCM que diz respeito à ausência da avaliação da culpa da recorrida na fase pré-contratual, o artigo 246.º do CCM que se reporta ao acto doloso da recorrida; o artigo 273.º n.º 2 e artigo 279.º do CCM que respeita à nulidade do acto por ser contrário ao bom costume e ordem pública; os artigos 280.º, 320.º e ss do CCM sobre a aplicabilidade do regime de anulabilidade, artigo 431. º do CCM quanto ao direito do recorrente de resolver e modificar o contrato; o artigo 436.º do CCM a respeito da decisão errada de que o recorrente é imputável, etc…bem como o artigo 571.º n.º1 alíneas b) e d), segundo o qual a sentença recorrida continha os vícios acima referidos.
Pedidos:
i. Pede se declare a nulidade da sentença recorrida sem efeito jurídico, salvo entendimento diferente,
ii. Pede se revogue ou anule a sentença recorrida e se ordene novo julgamento.
A Companhia de Fomento Imobiliário B responde, dizendo, a título de conclusões:
O recorrente interpôs recurso com base nos fundamentos expostos na motiva do recurso referida que é principalmente contra a sentença a quo que indeferiu os pedidos do autor, invocando os seguintes fundamentos:
I. A sentença recorrida violou os artigos 279º e 273º, nº 2, do Código Civil (vide as alíneas a) a c) da conclusão da motivação do recurso);
II. violou os artigos 280º, nºs 1 e 2, e 320º e seguintes do CC relativos ao regime especial sobre caducidade (vide as alíneas d) a f) da motivação do recurso);
III. violou o artigo 400º, o princípio da igualdade e artigo 431º do CC (vide as alíneas g) a nº 1 da conclusão da motivação do recurso); e
IV. violou o artigo 273º, nº 2, do CC e o princípio de igualdade (vide as alíneas m) a q) da conclusão da motivação do recurso).
V. Concluiu-se que a sentença recorrida padece do vício de nulidade indicado no artigo 571º, nº 1, als. b) e d) (1ª parte), do CPC por ter violado as normas jurídicas acima mencionadas (vide as alíneas a) a r) da conclusão da motivação do recurso).
Salvo o devido respeito, a recorrida não se conforma com os fundamentos invocados pelo recorrente. Pelo exposto, solicita ao Tribunal de Segunda Instância que mantenha a sentença a quo contra o recorrente (ou seja, o autor).
A fim de facilitar ao tribunal de recurso o julgamento do recurso do recorrente, a recorrida apresenta os seguintes fundamentos e interpretações jurídicas.
Primeiro, quanto aos vícios indicados nas als. b) e d) (1ª parte), nº 1 do artigo 571º do CPC,
a jurisprudência geral exige que a fundamentação seja expressa, coerente e suficiente.
No entanto, verificado de qualquer ângulo a sentença recorrida não padece dos vícios referidos.
Embora o recorrente levantasse no seu recurso uma série de questões sobre “nulidade” – lamentavelmente, tais questões não foram apresentadas ao Tribunal a quo.
O regime de recursos em Macau destina-se, em princípio, a alterar a decisão recorrida, não para conhecer das novas questões que não foram julgadas pelo tribunal recorrido e fazer uma nova sentença, salvo se a lei lhe impuser o conhecimento oficioso de outras. Ademais, o recorrente não explicou como é que a sentença recorrida violou o artigo 571º, nº 1, ALD. b) E d), do CPC,
Só com a afirmação no número anterior já é suficiente para indeferir o recurso interposto pelo recorrente.
Segundo, o recorrente acusou a sentença recorrida de violar os artigos 279º e 273º, nº 2, do CC.
Isso quer dizer que o Tribunal a quo não ponderou suficientemente alguns factos invocados na petição inicial aquando da prolação do despacho saneador, alegando ainda que, caso houvesse os factos indicados, podia ser declarada a anulação e nulidade.
Conforme o artigo 430º, nºs 2 e 3, do CPC, o recorrente não recorreu tempestivamente do despacho seneador, até não recorreu do mencionado despacho neste recurso. Por outras palavras, o despacho seneador nestes autos já foi transitado em julgado.
Pelo exposto, qualquer recurso interposto contra o despacho saneador deve ser indeferido.
Só neste recurso é que o recorrente alegou pela primeira vez que a matéria de facto na petição inicial não só reuniu os requisitos da anulabilidade mas também da nulidade, o que leva as pessoas a pensar que o recorrente está a fugir das situações indicadas no artigo 430º, nºs 2 e 3 do CPC.
Apenas os fundamentos acima mencionados são suficientes para indeferir esta parte do recurso interposto pelo recorrente.
Relativamente aos artigos 279º e 273º, nº 2, do CC, apresentamos os seguintes fundamentos:
Mesmo que seja necessário examinar a matéria de facto na petição inicial – insistimos que não é preciso fazer isso porque o despacho saneador já foi transitado em julgado – ainda não conseguimos ver quais são os factos que satisfazem os requisitos de “ordem pública e bons costumes”. O recorrente também não indicou expressamente quais são os factos que satisfazem os requisitos de “ordem pública e bons costumes”.
De acordo com a jurisprudência geral, o tribunal deve indeferir o recurso que é vazio e não indica expressamente os vícios. Só assim é que se satisfaz o espírito do regime jurídico de recursos de Macau.
Nos termos exposto, deve o Tribunal indeferir o recurso quanto a esta parte.
Terceiro, no que concerne à violação dos artigos 280º, nºs 1 e 2, e 320º e seguintes do CC sobre o regime especial de caducidade,
entendemos que não existe nenhuma situação de caducidade na sentença recorrida, nem o recorrente referiu quais são as situações de caducidade. Mais uma vez, deve ser indeferido qualquer recurso que é vazio e não indica os vícios.
Neste recurso, o recorrente falou-se outra vez do artigo 280º, nºs 1 e 2, do CC. Se se ver com cuidado o teor do despacho saneador nos autos, o Tribunal a quo proferiu a sentença, a qual já foi transitada em julgado, pelo que é improcedente este fundamento indicado pelo recorrente.
A motivação do recurso falam do cumprimento de contrato-promessa, indicando que caso ainda não seja necessário cumprir o contrato-promessa (sic), pode-se pedir a sua anulação através de uma acção ou excepção, sem dependência de prazo.
Salvo o devido respeito pela opinião distinta, temos que dizer que não concordamos com o referido entendimento.
O artigo 404º do CC dispõe que o objecto da assinatura do contrato-promessa é a celebração de certo contrato. O acto jurídico de assinatura de contrato de compra e venda de imóveis é o objecto do contrato-promessa.
O facto provado (I): “No dia 29 de Maio de 2004, ou seja, o dia para a assinatura de escritura pública de compra e venda, o autor não compareceu.” Tal acto já preencheu os requisitos dispostos nos artigos 794º e 797º do CC – Recusa do cumprimento.
Face ao exposto, o acto não reúne o elemento constitutivo previsto no artigo 280º, nº 2, devendo o Tribunal indeferir o recurso quanto a esta parte.
Quatro, relativamente à alegada violação do artigo 400º, princípio da igualdade e artigo 431º do CC pela sentença recorrida (vide as alíneas g) a nº 1 da conclusão da motivo do recurso),
igualmente, salvo o devido respeito pela opinião distinta, temos que dizer que não concordamos com o referido entendimento.
Não é que “o recorrente ainda não precisa de cumprir” mas é “não cumpriu”. Portanto, só o recorrente é que violou a norma.
Quanto ao artigo 431º do CC, devem-se reunir todos os requisitos constitutivos. Porém, o recorrente não aludiu quais os factos provados que preenchem suficientemente os requisitos constitutivos mencionados.
Entendemos que o Tribunal deve indeferir o recurso quanto a esta parte porque não basta mostrar a inconformidade com a sentença e invocar normas jurídicas, mas também deve indicar os factos provados que se enquadram na legislação aplicável.
Ademais, temos que salientar que não há aumento ou redução na área dos imóveis em causa que possa aumentar ou diminuir os interesses previstos.
A recorrida já falou disso nos articulados e anexos que se encontram nos autos, dos quais pode concluir-se que caso o recorrente cumprisse o contrato, não iria perder nada conforme os preços do mercado daquela altura.
Na realidade, de acordo com as normas jurídicas mencionadas e as orientações da DSSOPT, nos lotes em causa podem-se construir prédios com o respectivo número de pisos (sic). Por isso, devem ser declarado improcedentes os fundamentos do recorrente quanto a esta parte.
No que diz respeito à alegada violação do princípio da igualdade pela sentença recorrida, o que quer dizer que a sentença recorrida violou o artigo 431º do CC.
De facto, o recorrente quer manifestar que a construção de um prédio com altura de 20,5 metros “não traz lucro nenhum”. No entanto, ambas as partes tomaram decisão livre e voluntariamente quer na celebração do contrata, quer na fixação da data para o cumprimento do contrato. Nesta situação, como se violou o princípio da igualdade?
Pelo dito, o Tribunal deve também julgar improcedente este fundamento.
Cinco, quanto à alegada violação do artigo 273º, nº 2, do CC e do princípio de igualdade por parte da sentença recorrida (vide as alíneas m) a q) da conclusão e os nºs 55 a 75 da motivação do recurso),
o recorrente já responder na parte anterior desta resposta, por isso não falamos mais disso, mas temos que referir-nos a uma parte do teor.
O recorrente invocou acto de “fraude” na petição inicial, exigindo a restituição da quantia paga. Mas naquela altura, o recorrente não mencionou qualquer causa de pedir ou pedido que tinha a ver com “nulidade”, nomeadamente o que diz o artigo 273º, nº 2 do CC.
Caso o recorrente tivesse tido este entendimento jurídico, ao nosso ver, ele devia ter indicado na petição inicial a causa de pedir e pedido e não invocou os fundamentos novos na petição de recurso depois de ser julgada improcedente a acção intentada pela sentença recorrida, ainda por cima, os fundamentos novos foram repetidamente mencionados.
O regime jurídico sobre fraude na lei civil encontra-se nos artigos 246º, 247º e 280º do CC. Pode-se intentar acção baseando-se nos termos dos artigos 407º e seguintes do CPC, em particular o artigo 412º.
Acreditamos que qualquer jurista em Macau compreenda as normas jurídicas supraditas, não se confundindo com os conceitos e procedimentos. Também sabe que a situação que pode ser anulada não se abrange ao mesmo tempo no regime de nulidade.
Pode-se pedir indemnização por danos por um facto que talvez seja uma “fraude”. Quanto a esta pergunta, os artigos 246º e 247º do CC já estipulam as respectivas normas.
Caso o recorrente entenda que o facto ilícito resulta em obrigação de indemnização,
lamentavelmente, não vimos na petição inicial do recorrente a respectiva causa de pedir (factos, ilicitude, culpa, danos, nexo de causalidade) e pedido (a quantia da indemnização por danos).
O recorrente invocou mais nova questão que não foi apreciada pelo Tribunal a quo. Isso já excede à competência de julgamento no regime jurídico de recurso de Macau.
Por fim,
a recorrida não respondeu a cada um dos pontos enunciados na motivação do recurso e na conclusão porquanto achamos que não é necessário, não querendo dizer que concordamos ou concordamos tacitamente com os aludidos.
Também concordamos com as doutrinas e jurisprudências gerais de que devem-se apreciar os vícios na sentença recorrida na acção de recurso e não as questões que não foram julgadas pelo Tribunal a quo. Senão o recurso podia tornar-se num procedimento para apreciar a causa de pedir ou pedido omitidos na petição inicial.
Além disso, na motivação de recurso o recorrente não pediu que seja ilidido qualquer um dos factos provados. Assim, de qualquer ponto de vista, os factos provados devem ser considerados como já transitados em julgado.
A recorrida solicita ao Tribunal que julgue improcedentes os fundamentos do recurso aludidos pelo recorrente (autor) e indefira todo o pedido do mesmo com base nos fundamentos acima invocados e condene o recorrente (autor) no pagamento das custas processuais.
Pedido
Face a todo o exposto, solicita ao Tribunal que:
(1) admita a presente resposta;
(2) indefira o recurso do recorrente (autor) e
(3) condene o recorrente (autor) no pagamento das custas processuais.
A Companhia de Fomento Imobilário B, no seu recurso, alega, em síntese:
O Tribunal Judicial de Base julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo recorrente na contestação, nomeadamente o pedido de condenação do autor na litigância má fé e o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais. (cfr.340 a 345 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzido, em diante designado por sentença recorrida).
Para além do devido respeito, inconformado com a sentença recorrida, a recorrente interpôs recurso.
O autor, tanto na petição inicial como na réplica, sempre insistiu que tomou conhecimento do facto fraudulento em 11 de Junho de 2005; Todavia , o autor referiu que tinha conhecido o vício de dolo em 11 de Junho de 2005.
Pelo que, quanto a esta parte, o autor na verdade encobriu e distorceu o facto que se afigura relevante para a decisão. Portanto, o Tribunal devia quanto a esta parte declarar que o autor praticou o acto de litigância má-fé previsto no artigo 385.º do CPCM, e julgar procedente o pedido reconvencional de indemnização da Ré.
Por outro lado, o autor tomou conhecimento há muito tempo quanto à questão da altura do prédio assinalada na petição inicial. Pelo que, o autor intentou acção com base nos aludidos fundamentos, e no fundo estava a deduzir pretensão sabendo que não tinha fundamento para isso.
Portanto, o Tribunal devia, quanto a esta parte, declarar que o autor exerceu os actos de litigância má fé regulado no artigo 385.º do CPCM, e julgar procedente o pedido reconvencional de indemnização da Ré. Porém, a sentença recorrida não assim entendeu.
A sentença recorrida, quanto à parte da litigância de má fé violou o disposto do artigo 385.º do CPCM, por forma a enfermar do vício emergente do entendimento erróneo da lei. Assim, deve ser revogada.
Na opinião do recorrente, na aplicação correcta do disposto do artigo 385.º do CPCM, devia condenar o autor na litigância de má fé e no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais bem com juros a taxa legal referidos na alínea 8) da contestação do réu.
Depois, a respeito da indemnização pelos danos morais, do articulado de contestação e todos os documentos apresentados pela recorrente, e constantes dos autos, vê-se que de qualquer forma, o acto de litigância má fé do autor necessariamente causa prejuízo à reputação comercial da recorrente.
Pelo que, a Ré pediu a indemnização ao autor pelos danos não patrimoniais causados à sua reputação comercial, em razão da litigância má fé do autor.
Assim é que mostra da forma mais completa a protecção da vítima contra o acto de litigância de má fé regulado no artigo 385.º do CPCM. Porém, a sentença recorrida não assim entendeu.
A sentença recorrida, quanto à litigância má fé, violou o artigo 385.º do CPCM, por forma a enfermar do vício emergente do entendimento erróneo da lei. Deve ser revogada.
Julgou a recorrente que na aplicação correcta do disposto do artigo 385.º do CPCM, devia condenar o autor na litigância de má fé e no pagamento de indemnização pelos danos não patrimoniais bem com juros a taxa legal referidos na alínea 8) da contestação da ré.
Pede se revogue a sentença recorrida por violar o artigo 385.º do CPCM em razão do vício de entendimento errado da lei quanto à parte da litigância má fé invocada pela recorrente contra o autor, e
Se condene o autor nos honorários ao advogado no valor de MOP20.000,00, custas processuais, administrativas, e indemnização pelo dano não patrimonial no valor de MOP$250.000,00, mais juros à taxa legal desde a citação até o seu integral pagamento, pela litigância má fé do autor.
A responde, no essencial, rejeitando a alegada má-fé invocada pela recorrente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Os bem imóveis localizados na Travessa ...... n.ºs …, …, …, …,e … Macau, descritos na Conservatória de Registo Predial foram registados em nome da Ré, sob o número 13555, no Livro B…-107; o número 13556, no Livro B…-107V; o número 13558, no Livro B…-108V; o número 13559, no Livro B…-109; e número 13560, no Livro B…-109V (A);
Em 29 de Janeiro de 2004, a Ré prometeu vender e o Autor prometeu comprar cinco parcelas de terrenos indicados na alínea A), cujos dados constam de fls. 108 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido. (B)
No mesmo dia, o Autor pagou à Ré HKD$688.540,00. (C)
Em 24 de Maio de 2004, a Ré mandou ao Autor a carta constante de fls.111 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzida. (D)
Em 27 de Maio de 2004, o Autor mandou à Ré a carta constante de fls. 115 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzida. (E)
Em 28 de Maio de 2004, a Ré enviou ao Autor a carta constante de fls. 117 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzida (F).
Em 28 de Julho de 2004, a Ré declarou vender os terrenos referidos na alínea a) que tinha adquirido a XXX, identificado a fls. 131 a 133 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzido. (G)
Em 27 de Outubro de 2004, XXX mais declarou vender os terrenos referidos na alínea a) que tinha adquirido a XXX, identificado a fls. 135 a 136 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzido. (H)
Em 29 de Maio de 2004, isto é, no dia de celebração da escritura, o Autor não apareceu. (I)
No dia da celebração do contrato promessa, a Ré alegou ao Autor que no referido terreno, pode-se construir prédio com altura até 22 metros. (1.º)
Após a celebração do contrato promessa, o Autor veio a conhecer que o limite do pé direito da construção era 20,5 metros (5.º).
O Autor mandou a carta para a DSSOPT, pedindo informação a esta. (6.º)
O Autor pediu para renegociar o referido contrato com a Ré (8.º).
A Ré recusou o pedido do Autor (9.º).
Foi apenas provado o facto determinado referido na alínea I) (14.º).
III - FUNDAMENTOS
A - Recurso do A. A
1. Vista a confusão do recorrente nas sua alegações, seja nas questões colocadas, seja na respectiva fundamentação, seja na delimitação do objecto de recurso, seja naquilo que pede, misturando factos e Direito, impugnando decisões que se mostram transitadas, impugnando a fixação da matéria de facto sem ter oportunamente reclamado ou sem respeitar as regras processuais aplicáveis, é evidente que a apreciação por parte deste Tribunal se mostra mais dificultada.
Mas não sendo isso que conta, tendo este Tribunal o dever de esmiuçar, mesmo que tentando adivinhar toda a argumentação expendida, não se deixa de censurar uma actuação que por erro, ignorância ou desleixo pode porventura deixar de acautelar os interesses das partes, não sendo aí legítimo reclamar que os Tribunais não fizeram Justiça.
A Justiça que os Tribunais aplicam é aquela que é possível e, no mais das vezes, a partir daquilo que é trazido pelas partes ou seus representantes ao processo.
2. O caso
Basicamente o que temos é que, em Janeiro de 2004, o A. prometeu comprar à Ré e esta prometeu vender umas casas correspondentes a 5 parcelas de terreno na Travessa ......pelo preço de X, tendo pago uma parte do preço, o sinal, de Y.
No dia da celebração daquele contrato a Ré alegou que se podia construir um prédio naqueles terrenos com a altura de 22 metros.
Posteriormente o A. veio a saber que só podia construir até 20,5 metros.
No dia aprazado para a celebração da escritura, em 29/5/2004, o A. não apareceu.
Não sem que antes tivesse havido troca de correspondência em que o A. pedia informações à Administração sobre a viabilidade de ali erigir um dado projecto.
Depois daquela data aprazada para a escritura a Ré vendeu os imóveis a terceiros.
Não sem que o A. tivesse pedido para renegociar o contrato, o que foi recusado pela Ré.
3. O decidido
Perante este quadro fáctico o Mmo Juiz a quo considerou que, estando ultrapassada a questão que vinha posta quanto a uma pretensa anulabilidade do contrato por viciação da sua vontade, face ao dolo do promitente vendedor, questão essa decidida no Saneador, só lhe restava apreciar a questão relativa ao incumprimento, tendo considerado que quem incumpriu o contrato-promessa foi o A., promitente comprador, por não ter comparecido à escritura, perdendo assim o sinal entregue.
Desvalorizou a possibilidade de incumprimento por banda do promitente vendedor, por não haver referência se o limite do pé direito de construção no terreno em causa teve efeito decisivo sobre a opção do A. na celebração do contrato-promessa.
4. As razões do recorrente
Brame o recorrente contra a decisão proferida, clamando justiça, atropelando até as regras adjectivas aplicáveis ao recurso.
Parecendo acordar agora, vem dizer que a decisão proferida no Saneador não levou em linha de conta certos aspectos, falhando até na interpretação do Direito aplicável – veja-se, a título de exemplo, a pretensa não aplicabilidade do disposto no artigo 280º, n.º 2 do CC, não se verificando a prescrição porquanto esta não corre enquanto o negócio não estiver cumprido.
Como está bem de ver há que pôr ordem na casa e não vamos agora apreciar uma questão que devia ter sido colocada em sede própria, qual seja a de um recurso que devia ter sido interposto daquele despacho saneador, o que o recorrente não fez.
A questão relativa à anulabilidade do contrato, questão a que correspondia o primeiro pedido formulado subsidiariamente na p. i., ficou definitivamente resolvida e mostra-se transitada em julgado.
Não poderá, pois, ser objecto de apreciação nesta sede.
Esta constatação vale, como é óbvio, para a factualidade que constituiria o substrato fáctico de tal anulabilidade, não cabendo agora reabrir esse capítulo, procurando indagar da matéria concernente aos pressupostos de tal viciação de vontade do declarante promitente comprador, por actuação dolosa do promitente vendedor.
O recorrente deixou transitar essa decisão, tornando-se prejudicada ou inútil a indagação da matéria de facto pertinente à decisão de eventual anulabilidade por erro do promitente comprador ou por dolo do promitente vendedor.
4. Talvez consciente desta limitação, o recorrente, apesar de não se ter inibido de bramir com aquela argumentação impertinente, focaliza a sua invectiva numa outra vertente, qual seja a da nulidade do contrato. Ou seja, já que não foi decretada a anulabilidade, deve este Tribunal de recurso conhecer da nulidade do contrato, sendo que tal vício é de conhecimento oficioso e nada impede esse conhecimento.
4.1. Assim seria, não fora dar-se o caso de o recorrente vir agora invocar uma causa de pedir que não invocou oportunamente na sua petição inicial. O problema não reside, pois, na impossibilidade de conhecimento da nulidade do contrato; o problema está em que os factos em que se baseia essa pretensa nulidade não vêm alegados, sendo certo que são eles que hão-de enformar a causa de pedir que não pode em princípio ser modificada1 – artigos 216º, 217º, 564º, n.º 1 e 567º do CPC.
Muito sumariamente, porém não se deixa de observar que nunca haveria razões para considerar estarmos perante uma nulidade do contrato, na configuração delineada pelo recorrente.
4.2. A invalidade aduzida basear-se-ia na violação do princípio da igualdade e da autonomia privada.
Sinceramente que não se percebe bem onde é o que o recorrente pretende chegar com tal invocação ou em que factos se baseia ou concretiza tal violação.
Desde logo se assinala um erro conceptual na configuração de tal invalidade.
Se bem conseguimos perceber, no meio de tanta alegação atrapalhada, simplificando o que o recorrente complica, tais princípios terão sido violados, porquanto, por um lado, não se consideraram as partes em perfeita igualdade quanto à celebração do contrato e nas negociações pós contratuais (face ao contrato-promessa) e, por outro, não foi considerada a autonomia e liberdade de uma das partes, no caso o promitente comprador, não se lhe dando a possibilidade de expressar livremente a sua vontade negocial em função dos pressupostos de facto que se foram desenvolvendo perante o contrato-promessa celebrado ou por não se ter valorado a sua vontade em contratar, ou seja, em celebrar a escritura (esta aferida em função do contrato prometido).
4.3. Invoca ainda o recorrente uma nulidade do contrato por contrário aos bons costumes e à ordem pública. Isto, porém, sem concretizar a ofensa.
Desde logo importa referir que a nulidade é intrínseca ao próprio negócio que ab initio não produz quaisquer efeitos; respeita a uma falta ou irregularidade no tocante aos elementos internos ou essenciais do contrato.2
Ora, o que o recorrente alega são vicissitudes post contractum, o que tanto basta para desconsiderarmos tal invocação.
Não se alcança, de todo o modo, em que medida a autonomia e a liberdade do promitente tenham sido cerceadas na sua determinação negocial.
Não valorar em termos sancionatórios eventual inadimplemento da contraparte, nada disso tem a ver com a consideração ou não de uma invalidade contratual absoluta.
Também não se descortina, naquele contrato, qualquer violação dos superiores interesses da comunidade3, violação dos princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico e prevalecentes sobre as convenções privadas4, ou do conjunto de princípios injuntivos edificados a partir de normas injuntivas5, isto é, da ordem pública.
4.4. Como não a há em relação aos bons costumes, tidos como o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa-fé, num dado momento e num certo ambiente.6
Assim se afasta a pretensa declaração de nulidade do contrato, o primeiro dos pedidos do recurso e que desta feita se mostra insubsistente.
5. Ainda que ao de leve acima se tenha já aflorado esta questão, insiste o recorrente com a sua tese - independentemente dos efeitos a retirar daí - de que negociou aquele contrato, convicto de que a aquisição daquele terreno lhe permitia a construção de um edifício com uma dada altura e área de construção, configurando assim um investimento que, face à altura efectivamente permitida, ficaria frustrado, donde a sua preocupação em renegociar o contrato.
Daí parte o A. para estruturar os fundamentos para dois pedidos: o da anulabilidade, ultrapassada como acima visto, e o do incumprimento do contrato pela Ré, com consequente pedido de condenação desta no dobro do sinal. Este, aliás, o pedido principal formulado na acção.
Para além destes pedidos, subsidiariamente, avançou ainda o A. para incumprimento da Ré por este ter vendido as casas a terceiros e ainda por força do instituto do enriquecimento pede a restituição do sinal entregue, para além da resolução do contrato.
Agora, em sede de recurso, ainda que imperfeitamente expresso, solicita a reapreciação do caso, o que se deve ter como a reapreciação dos pedidos formulados na acção, porquanto o recorrente não deixa de solicitar a revogação da sentença e/ou anulação da sentença.
Assumindo o recurso cível a natureza de um recurso de substituição - cfr. art. 630º do CPC -, não se deixará de conhecer das questões colocadas.
6. Vamos prosseguir, assim, analisando a patologia do cumprimento do contrato celebrado, ultrapassada que se mostra a questão relativa à patologia da declaração negocial.
Digamos que há três momentos em que se antolham escolhos no caminho que levaria a que o contrato prometido fosse celebrado sem percalços.
Num primeiro momento, o A. diz-se surpreendido porquanto verificou que só podia edificar até 20.5 metros quando pretendia fazê-lo até 22 metros e alega que a Ré lhe disse que se podia construir até essa altura.
Será que incumpriu aqui a Ré?
O Mmo Juiz concluiu no sentido negativo porquanto não há elementos que apontem para o efeito decisivo sobre a opção do A.
Estamos no domínio da patologia do negócio, questão que se mostra ultrapassada.
A questão que se poderia colocar é a de apurar se a Ré assumiu o compromisso de lhe garantir tal qualidade; se o A. agiu em erro, se para ele terá contribuído ou se o podia ter evitado, ou foi nele dolosamente induzido; se esse erro foi essencial, tudo para efeitos do disposto no artigo 240º, 241º e 246º do CC.
E sendo assim, se esse factor era decisivo para o A. sempre importaria saber da possibilidade de nele não incorrer o declarante.
Ora estes pressupostos, repete-se, não caiem no âmbito do cumprimento ou incumprimento, tanto mais que o condicionalismo da possibilidade de edificação em altura não depende já da vontade e conduta do devedor, mas sim das regras e autorizações de edificação a serem definidas pelas autoridades públicas.
Trata-se, pois, de questão prejudicada com a questão decidida e transitada no Saneador e não já por uma falta de comprovação da essencialidade na motivação negocial do declarante, matéria, aliás, que sempre podia ser esclarecida, mesmo neste momento, com eventual reenvio do processo para seu apuramento, tanto mais que alegada pelo A. na sua p.i. - artigo 629º, n.º 3 do CPC.
7. Passemos ao segundo tropeço no cumprimento.
O A. faltou à escritura.
Este foi o facto em que o Mmo Juiz se baseou para considerar incumprido o contrato por banda do A., condenando-o a suportar a perda de sinal.
Mas será assim?
Só o incumprimento culposo e definitivo pode fundar uma resolução nos termos do artigo 426º e 790º do CC.
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos - art. 400º do CC.
Se o não cumprimento do contrato se configura como definitivo, face às interpelações sem resposta, tem a contraparte o direito de resolver o contrato-promessa e fazer suas todas as quantias recebidas - art.790, n.º 2º do CC.7
Apela-se, assim, para o disposto no art. 436º, n º2 e deste preceito resulta que o regime do sinal só é aplicável em situações de incumprimento definitivo, que não de simples mora.
O Prof. Galvão Telles ensina que "o sinal vale como cláusula penal compensatória, que impõe a rescisão do contrato-promessa por incumprimento definitivo (...) Não vale como cláusula penal moratória, se não convertida" naquele incumprimento nos termos do artigo 797º”.8
Também para o Prof. Antunes Varela a perda do sinal é uma sanção sempre ligada à falta de cumprimento da obrigação daquele que se obriga e “anda indissoluvelmente ligada à resolução ou à desistência do contrato, ou, pelo menos, ao seu não cumprimento definitivo."9
No mesmo sentido, a Jurisprudência que aqui se cita apenas por referência, em termos de Direito comparado10 decidiu que os artigos 787º, 790º, 793º e 797º do Código Civil são de observar quanto ao contrato-promessa; que a resolução do mesmo e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo e finalmente que "se houver simples mora da parte de algum dos promitentes, já não se aplica o disposto no artigo 436º nº 2 do Código Civil, embora o promitente lesado tenha direito a uma reparação pelos danos, nos termos do artº 793º do Código Civil", concluindo-se ainda no sentido de que os dois casos do artigo 797º, n º1, a), são equiparados ao não cumprimento definitivo.11
Esta tem sido, aliás, a Jurisprudência adoptada e fixada por este Tribunal12 - “o incumprimento definitivo do contrato-promessa encontra-se pela verificação de situações (declaração antecipada de não cumprir, termo essencial, cláusula resolutiva expressa, impossibilidade da prestação e perda de interesse na prestação) que a induzam” e ainda no sentido de que “o regime do sinal só releva se convertida a mora em incumprimento definitivo”.
Existem situações típicas em que é definitivo o inadimplemento. Serão, v.g., a declaração não antecipada de não cumprir, o termo essencial, a cláusula resolutiva expressa.
Outras situações de incumprimento definitivo, como a impossibilidade da prestação (absoluta e relativa; originária e superveniente; objectiva e subjectiva) se podem considerar.
Também a prestação que já não interessa ao credor em consequência do atraso vale para o Direito como prestação tornada impossível. Pode acontecer que, não realizando o devedor a prestação no momento devido, ela ainda continue materialmente possível mas perca interesse para o credor. A prestação, conquanto fisicamente realizável, deixou de ter oportunidade.
Juridicamente não existe então simples atraso mas verdadeira inexecução definitiva e o facto é imputável ao devedor; este não incorre em simples mora mas em não cumprimento definitivo (art. 808º, n.º 1).
A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente (art. 808º, n.º 2). Não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa; há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse ou de utilidade corresponde à realidade das coisas.13
Perante as considerações acima delineadas estamos em crer que não estamos aí perante um incumprimento definitivo do A.
Ele estava a tentar renegociar o contrato e isso é matéria que vem comprovada.
Uma falta a uma escritura não significa inexoravelmente a manifestação em não celebrar definitivamente o negócio prometido.
8. Tratar-se-á, no caso de um termo essencial (vista até a cláusula 3ª do Cotrato-promessa)?
Não o cremos.
Termo essencial é aquele em que, não havendo satisfação até ocorrer, se cai no incumprimento definitivo; não essencial, aquele que conduz à mora do devedor.14
Há que interpretar o contrato celebrado e indagar se as partes quiseram sujeitar o negócio a um “termo essencial”, ou seja a um termo peremptório e se esse termo corresponde à data prevista para a celebração da escritura, não descurando a eventualidade de ponderar o incumprimento e a sua conversão em definitivo, face ainda às razões relativas à perda de interesse contratual, independentemente da subordinação de um contrato a um prazo certo.
Desde logo uma eventual essencialidade desse termo não resulta da letra do contrato.
Depois, nada nos permite fazer concluir que a celebração daquele prazo de três meses, prorrogável por mais 30 dias por dificuldades burocráticas, se assumisse como peremptório. Não se alcança a circunstância que o determinaria, sob pena de termos de considerar todo e qualquer prazo como peremptório em termos resolutivos.
O termo essencial é considerado elemento definidor da própria prestação15 e deve resultar clara ou evidenciada a sua natureza, próprio se convencionado, impróprio se perder sentido o cumprimento em função dos interesses acautelados.
Donde sermos a concluir pela não essencialidade daquele termo no caso sub judice.
Cabia à Ré ter colocado o A. em mora, dando-lhe um novo prazo mediante interpelação admonitória e cominatória de resolução.
É certo que o contrato-promessa previa a realização da escritura num dado prazo - cláusula 3º - e aí até se prevê um não incumprimento para uma prorrogação motivada por motivo de pagamento de impostos ou de marcação notarial.
Mas do que estamos a falar é de um incumprimento definitivo.
Não o tendo feito, estamos a desacompanhar o douto entendimento do Mmo Juiz, não sendo de crer ter havido um incumprimento definitivo.
9. Finalmente entramos no terceiro desvio ao traçado inicial previsto no contrato prometido.
A Ré vende os imóveis a terceiros.
Já com esta conduta estamos perante um incumprimento definitivo do promitente-vendedor. É certo que abstractamente considerando se pode entender que ainda aqui não há um incumprimento definitivo, havendo sempre a possibilidade de fazer reverter a coisa para o primitivo promitente comprador, até por acção de terceiros.
Só que estamos aí no domínio da mera especulação, nada havendo nos autos no sentido de apontar para essa possibilidade.
Aliás, neste entendimento, em que a venda da coisa a terceiros configura uma situação de claro incumprimento definitivo encontramos autorizada Doutrina16 e ilustra-o a Jurisprudência Comparada.17
Não estando resolvido o contrato, mantendo o A. ainda erecta a vontade negocial, não obstante tentando uma renegociação do contrato, não devia a Ré ter procedido à alienação dos imóveis, sem do facto dar conhecimento àquele, deixando aí sim de estar em condições de poder cumprir o contrato-promessa.
Analisando à luz dos critérios de um homem mediano, é aceitável que essa pessoa, segundo os parâmetros de um comportamento razoável já não quisesse celebrar o negócio em tais condições, para além da falta de comprovação de o promitente vendedor poder ainda cumprir. Como poderá vender de novo se já vendeu a terceiros?
Perante isto somos a concluir no sentido de um incumprimento definitivo parte da Ré, o que determinaria, se exclusivamente culposo, a condenação desta a pagar o dobro do sinal ao A., face ao disposto no artigo 436º, n.º 2 do CC.
10. Mas na verdade não deixa de chocar que o promitente comprador viesse a receber o dobro do sinal por um contrato em que já não estava interessado, pelo menos nos mesmos termos, não se deixando de assinalar que o procurou renegociar e que por isso mesmo não compareceu à escritura.
Não estará o A. isento de alguma culpa na conduta precipitada do promitente vendedor que, sem mais, foi vender os imóveis a terceiros.
Afigura-se mais equilibrado imputar a causa de resolução de um contrato que não é mais possível fazer cumprir, não produzindo mais quaisquer efeitos, à conduta de ambas as partes, repondo-se o estado de coisas à situação original, restituindo-se o que foi prestado, devendo, portanto, a Ré restituir o sinal entregue.18
B - Recurso da Companhia de Fomento Imobiliário B, Limitada
Limita-se ele à pretensão da condenação do A. como litigante de má-fé.
Baseada na invocação de dois factos: numa dada data do conhecimento da medida possível de edificação em altura, não comprovada; que da diferença de 1,5 entre a altura pretendida e a autorizada não era possível o aproveitamento alegado de construção de mais um piso.
Trata-se de matéria não comprovada, não desmentida pela globalidade dos factos comprovados, não podendo constituir substrato bastante para condenação como litigante de má-fé.
Aliás o ganho de causa parcial obtido sublinha a sem razão da ora recorrente ao pugnar por tal condenação.
Não se deixará de referir que mesmo quanto à data do conhecimento da altura de edificação, o facto de não se comprovar um facto, tal não o desmente; não se provou ou desmentiu que tal não tivesse ocorrido naquela data, não se deixando ainda de assinalar que no contexto do presente caso se trata de um mero detalhe.
Quanto à alegação de impossibilidade do alegado aproveitamento de construção é matéria que não se pode relevar pela razão simples de que nada se provou quanto a isso, bem se podendo configurar diferentes variáveis em termos da concepção de diferentes projectos.
É matéria que extravasa o objecto deste recurso que não deixará assim de improceder, para além do acima exposto ainda pelas razões aduzidas na sentença recorrida.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso do A. A e, revogando a decisão recorrida, declaram resolvido o contrato-promessa celebrado, condenando a Ré a restituir ao A. o valor do sinal entregue, ou seja, HKD688.540,00 (seiscentos e oitenta e oito mil e quinhentos e quarenta dólares de Hong Kong), com custas, neste recurso, pelo recorrente e pela recorrida na proporção dos decaimentos.
Mais acordam em julgar improcedente o recurso da Ré Companhia de Fomento Imobiliário B, Limitada, mantendo, nessa parte o que foi decidido na douta sentença recorrida, com custas, neste recurso, pela aí recorrente.
Macau, 14 de Abril de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira (Relator)
Ho Wai Neng (Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho (Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Neste sentido, em termos de Jurisp. Comparada, o Assento do STJ de 1995, RD, I-A, de 17/5/95 entendeu que “quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido” (destacado nosso)
2 - Galvão Telles, Man. dos Contratos em Geral, 331, Castro Mendes, Dto Civil, Teoria Geral, 1979, III, 671
3 - Galvão Telles, Dir. Obrig, 5ª ed.,44
4 - Mota Pinto, TGDC, 3ª ed., 551
5 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig, 1980, 1º, 368
6 - Almeida Costa, Dto Obrig. , 4ª ed., 56
7 - vd. ainda a posição de Rodrigues Bastos in Ac. do STJ de 18/11/82, in BMJ 321,p. 387 e segs e de 2/5/85 in BMJ 347, p. 375
8 - in Direito das Obrigações, 5.ed.., 95
9 - in " Revista da Legislação e de Jurisprudência" Ano 119, 216
10 - Ac. do S.T.J. de 2 de Maio de 1985
11 - BMJ 347,375, no mesmo sentido, o Ac. S.T.J. de 24 de Maio de 1983 -BMJ. 327.653 e Calvão da Silva, in "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória" Coimbra, 1987-299
12 - Acs. do TSI, proc. 997, de 15/6/00; proc. 1245, de 24/2/00; 115/2001, de 27/6/2002; proc.1245, de 24/2/00; proc. 231, de 24/10/02
13 - Inocêncio Galvão Telles, "Direito das Obrigações", Coimbra, 7º ed.,1997, pág. 311
14 - Oliveira Ascensão, TGDC, II, 1999, 300
15 - Castro Mendes, TGDC, II, 1995, 354
16 - Galvão Telles, ob. cit. 327; A. Varela,Das Obrig. Em Geral, 2000, 373
17 - Ac. STJ de 12/1/2010, in http//www.dgsi.pt
18 - Havendo culpa de ambas as partes, diz-se no ac. STJ, de 6/X/70, BMJ 200,227, só haverá lugar à restituição do sinal em singelo; cfr. ac. STJ 3018/06 de 25/11/2010
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