Processo nº 66/2008
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Maio de 2011
ASSUNTO:
- Caso julgado
- Extensão da força do caso julgado
SUMÁRIOS:
- O caso julgado consiste na repetição da causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário (nº 1 do artº 416º do CPCM).
- A existência deste instituto justifica-se pelas necessidades de certeza e segurança jurídica e economia processual, evitando a repetição de causas sobre as mesmas questões, com decisões judiciais contraditórias ou mesmo idênticas.
- Como excepção dilatória, é necessário verificar, cumulativamente, a identidade jurídica dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (artº 417º do CPCM).
- A excepção dilatória de caso julgado não se opera em relação a um terceiro juridicamente interessado, por não verificar a identidade jurídica dos sujeitos.
- No entanto, quando funciona na sua vertente positiva, isto é, com autoridade do caso julgado, já pode vincular terceiros juridicamente interessados, de forma directa ou meramente reflexa , dependendo do objecto apreciado.
O Relator,
Processo nº 66/2008
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Maio de 2011
Recorrente: A (Macau), Limitada (A藥廠(澳門)有限公司)
Recorrida: B, Company (B公司)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença proferida nos presentes autos, decidiu-se julgar procedente a excepção do caso julgado, absolvendo a Ré B Co. da instância.
Dessa decisão vem recorrer o Autor A (Macau), Limitada alegando, em sede conclusiva:
1. Não pode a recorrente conformar-se com a fundamentação vertida na sentença recorrida, uma vez que, sendo certo que, para a avaliação da existência ou não, do requisito de caso julgado, por identidade de sujeitos, o que interessa é a identidade jurídica e não a identidade tisica, o certo é que, a fundamentação dada pelo tribunal a quo para concluir sobre essa existente identidade jurídica, não será com toda a certeza a invocada.
2. Apesar de a sentença recorrida afirmar que “o que conta para a avaliação da existência ou não, do requisito relativo a identidade de sujeitos é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, o serem portadoras do mesmo interesse substancial, ou, por outras palavras, que ocupam a mesma posição jurídica quanto à relação substancial”, nunca chega a concretizar qual é a posição jurídica da recorrente nos autos.
3. Alega, apenas, que a posição jurídica das partes resulta de “serem portadoras do mesmo interesse substancial”. Contudo, considera a recorrente, com todo o respeito, que o meritíssimo juiz a quo ao invés de definir o que é interesse substancial, confunde estes termos fazendo-os corresponder ao pedido formulado pelas partes.
4. A justificação dada para afirmar e fundamentar que a identidade jurídica da parte autora, aqui recorrente, se reduz ao facto de que, quer na referida acção nº 176/93 quer na acção dos presentes autos, ambas as partes -autoras, pretenderem o mesmo, ou seja, “que sejam declarados extintos os direitos de protecção das marcas 49-M, 93¬M, 94-M, 95-M e 96-M”, está a explanar única e tão somente o pedido feito nas duas acções e não a identidade de sujeitos, ou seja, a posição jurídica quanto à relação substancial.
5. Naquela outra acção n° 176/93, o pedido não se reduz apenas à anulação das marcas mas também ao registo, em favor da sua autora, daquelas mesmas marcas.
6. A fundamentação, nos termos em que foi dada pelo tribunal a quo sobre o interesse substancial das partes, expressa na douta sentença vale para invocar a identidade, parcial, de pedido, à luz do explanado pelo n° 3 do art. 417° do CPC e nunca para a identidade jurídica dos sujeitos!
7. O n° 3 do art. 417° do CPC estipula que “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”.
8. Contudo, a fundamentação dada pela mui douta sentença, recorrida, refere, em jeito de justificação de identidade de sujeitos baseada na convicção de que elas ocupam a mesma posição quanto à relação jurídica substancial, que “Assim, com segurança, podemos verificar que em ambas as acções pretende uma parte ... “ (o sublinhado é nosso), pelo que, desta forma, está indubitavelmente o tribunal a quo a explicar o que foi pedido por ambas as autoras das acções referidas e não a explicar a posição das partes na relação jurídica substancial!
9. A recorrente não se encontra, de forma alguma, nos presentes autos em identidade de sujeitos, tomada no sentido, quer fisico, quer jurídico, pelo simples facto de que não estamos perante uma mesma relação jurídica substancial! Pelo que, por maioria de razão, nunca poderão as partes estar na mesma posição jurídica.
10. Há identidade jurídica quando em ambas as acções os sujeitos são pessoas que ocupam a mesma posiçao ou que actuem como titulares da mesma relaçao substancial (vd. R. Bastos, Notas III, pág 62, citado no Acórdão da RC, de 09/12/1981: CoI. Jur., 1981,5°-76).
11. A aqui recorrente, não é parte da mesma relação substancial, e nem ocupa a mesma posição jurídica da autora da acção n° 176/93.
12. A fim de melhor fundamentar a posição da ora recorrente, tomemos em linha de conta a teoria da substanciação, que nos conduz, simultaneamente, para o conceito de causa de pedir, enunciado no art. 417°, nº 1.
13. Nos presentes autos, podemos dizer que existem dois factos concretos que definem a relação jurídica substancial: i) o facto concreto previsto pela al. c) do nº 1 do art. 199° do RJPI “Não são susceptíveis de protecção: (...) os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio”, que a recorrente teve o cuidado de enunciar nos artigos 32°, 36°, 37º, 38°, 39° e 40° da Petição Inicial e, íí) o facto concreto da falta de objecto para protecção da marca, alegado nos artigos 31° e 35° da Petição Inicial e regulada pelo disposto no art. 197° do RJPI: “Só podem ser objecto de protecção (...) susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras (...), que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas” .
14. Tomando-se, ainda, em linha de conta que a causa de pedir nas duas acções em confronto é a carência de eficácia distintiva, não deverá esta causa de pedir ser confundida com o facto concreto, o qual é o elemento fundamental para a identificação da relação jurídica substancial em causa nas duas acções, uma vez que, a recorrente, como já foi frisado, invocou um facto concreto que a autora da acção n° 176/93 não invocou.
15. O facto invocado foi o de que as referidas marcas não eram susceptíveis de protecção e, consequentemente, de registo, uma vez que haviam caído nos hábitos leais e constantes do comércio.
16. Razão pela qual, a posição das partes é diversa e, por conseguinte, não existe a identidade jurídica exigida pelo n° 2 do art. 417° do CPC para a existência de identidade de sujeitos.
17. Ao contrário do deixado explícito na douta sentença recorrida, nunca poderá ser a causa de pedir identificada ao facto jurídico que lhe serve de base.
18. Tal como diz Varela, A. et ai, em “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 711, quando fala do facto concreto de uma acção de reivindicação de propriedade, distingue claramente que a causa de pedir é a propriedade mas o facto concreto subjacente à acção de reivindicação de propriedade é U(...) a compra, a doação ou a deixa testamentária, (...) que serve de base ao pedido.”
19. De facto, apesar de um dos pedidos nas duas acções ser igual, a verdade é que de acordo com estes factos concretos diversos, a relação jurídica substancial não é a mesma, pelo que as partes-autoras nas duas acções são juridicamente diferentes.
20. Existe uma relação substancial diversa nos dois casos, bem como uma posição jurídica diferente das partes já que a recorrente é titular de um direito próprio e independente.
21. Caso contrário, não faria qualquer sentido ter o tribunal julgado improcedente a excepção de caducidade pelo facto de que o que estava em causa nesta relação substantiva era a possibilidade, ou não, da protecção prevista no art. 199° n 1, al. c) “os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio”, ex vi, o art. 229° do RJPI e não a simples ausência de eficácia distintiva da expressão B.
22. O que bem demonstra que, com efeito, existe uma relação jurídica substancial diferente, nas duas acções em confronto.
23. Não invoca a recorrente, única e simplesmente, a existência de uma relação substancial diferente pelo simples facto de que, tecnicamente, usou o expediente da nulidade para a extinção dos direitos de propriedade industrial, enquanto a autora da acção nº 176/93 usou o expediente de pedido de anulação.
24. De facto, à data dos factos da acção n° 176/93, vigorava o DL nº 56/95/M de 6 de Novembro, o qual, não previa o instituto da nulidade para extinção dos direitos de propriedade industrial.
25. O que verdadeiramente está em causa é que o facto concreto, para invocação da mesma causa de pedir é substancialmente diferente, de acordo com o citado, e aqui alegado, em Varela, A. et al.
26. A identidade jurídica de sujeitos a que se refere a sentença recorrida, bem como os próprios acórdãos ali citados, reporta-se a situações concretas, nomeadamente, como bem refere Varela, A. et al “(...) o caso julgado não se forma apenas em relação às pessoas singulares ou colectivas (lato sensu) que intervieram no processo mas também, relativamente àquelas que, por sucessão mortis causa ou por transmissão entre vivos (...) assumiram a posição jurídica de quem foi parte no processo (...). É, sob este prisma, que se deverá delimitar o conceito da qualidade jurídica das partes.
27. Ora, a autora recorrente nem interviu na acção nº 176/93 e, nem tão pouco, assumiu a posição jurídica de quem nela foi parte.
28. Na verdade, o que se diz nos acórdãos do STJ 06B3027, de 2006/11/02 e da RC, de 1981/12/09, ambos citados pela sentença ora recorrida, reportam-se a situações diferentes da dos autos.
29. No Ac. do STJ o que se julgou foi a existência, ou não, de caso julgado por identidade de sujeitos mas, porque existia identidade física das partes em duas acções diferentes, sendo que, a sua posição processual foi invertida naquelas, isto é, numa das acções, quem figurava como autora passou a figurar, na outra acção, como ré e, vice-versa. Assim sendo, não poderá o invocado acórdão servir de base para o caso subjudice.
30. No ac. da RC a situação é semelhante concluindo-se aí que o facto de os AA. da acção serem RR. na acção anterior não prejudica, por si só, a possibilidade de, nas duas acções, haver identidade de partes.
31. É ainda, sob este entendimento que a maioria dos acórdãos se refere à identidade jurídica dos sujeitos, vd. nomeadamente o Acórdão do TRC 437/2000.C1, de 01/30/2007, o Acórdão do TRC 1970/05, de 09/27/2005 e o Acórdão do STJ 06B4246, de 12/19/2006, entre muitos outros onde se encontra interpretado e aplicado o conceito de qualidade jurídica das partes.
32. Fundamentando-se a decisão recorrida em decisões que em nada se assemelham, directa ou indirectamente, à qualidade processual e jurídica das partes da acção dos presentes autos e da acção nº 176/93, cai por terra os argumentos que sustentaram a sentença ora recorrida.
33. Carece, assim, de fundamento a decisão que aceita a excepção de caso julgado uma vez que não se encontram preenchidos todos os requisitos previstos no art. 417° do CPC, nomeadamente, o estipulado no n° 1 e 2 daquela norma, violando a douta sentença o disposto. nestes artigos.
A recorrida respondeu à motivação, concluíndo que:
a) Insurge-se a recorrente contra a sentença proferida pelo Mº Juiz “a quo” que aqui se dá por reproduzida e que julgou procedente a invocada excepção de caso julgado, absolvendo a R., ora recorrida, da instância.
b) Essencialmente, não colhe a aquiescência da recorrente a decisão em apreço, porquanto entende que se não verifica, um dos requisitos do caso julgado - a identidade dos sujeitos entre o autor nos presentes autos e o autor daqueloutros com o n° 176/93 – já que, no entender da recorrida, afigura-se óbvio que, nas duas acções, existe identidade do pedido e da causa de pedir.
c) Entende a recorrida que a questão “sub judicio” nos presentes autos já foi decidida naqueloutros com o n° 176/93, pelo que a procedência da excepção invocada evita a repetição da causa e a eventual contradição prática entre o que foi decidido numa acção e o que poderia vir a ser decidido nos presentes autos.
d) A jurisprudência e doutrina dominantes têm sido no sentido de que o caso julgado extravasa a luta entre autor e réu de uma determinada acção, estendendo-se a todos aqueles que são titulares de acções conexas ou dependentes da relação definida na sentença.
e) Mas, não deverá deixar de se ter em conta que, ambas as acções, estão no âmbito da propriedade industrial cuja função é relativa ao conjunto de pessoas que vivem em comunidade.
f) Ora, na citada acção n° 176/93, cujo o acórdão proferido pelo, então, Tribunal Superior de Justiça, aqui se dá por reproduzido, decidiu-se que as marcas em apreço não eram “francas” ou “genéricas”, “ ... uma vez que não fazem qualquer alusão à espécie, qualidade, quantidade, destino, valor, lugar de origem ou época de fabrico dos produtos que assinalam” pelo que “... elas só podem ser tidas como sinais distintivos de produtos ou mercadorias do respectivo titular ...”.
g) E tal decisão, porque transitada em julgado, confere ao recorrido o direito de a invocar erga omnes, já que o objecto dos títulos de propriedade industrial é susceptível de protecção.
h) E o recorrido, como titular do direito de propriedade das marcas 49-M, 93-M, 94-M, 95-M e 96-M, tem o direito de impedir que quaisquer terceiros façam uso de uma marca idêntica, confundível ou associável com a sua.
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
II – Factos
Resultam provados documentalmente dos presentes autos e do Proc. nº 176/93, do 2º Juízo do então Tribunal de Competência Genérica de Macau os seguintes factos:
a) Em 23/02/2004, a Autora, ora recorrente, intentou Acção de Declaração de nulidade, com fundamentos de facto e de direito constante a fls. 2 a 11 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
b) Em 27/09/2004, a Ré, ora recorrida, contestou conforme constante a fls. 129 a 146 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, nos termos do qual suscitou as excepções de caducidade do direito à acção e do caso julgado.
c) Em 20/10/2004, a Autora replicou no sentido da improcedência das excepções invocadas.
d) Por despacho de 27/09/2007, o tribunal a quo julgou improcedente a excepção da caducidade do direito à acção e procedente a do caso julgado, absolvendo a Ré da instância.
e) Em 31/03/1993, um indivíduo de nome C intentou Acção Declarativa contra a mesma Ré, ora recorrida, com fundamentos de facto e de direito constante a fls. 2 a 8 do Proc. nº 176/93, 2º Juízo do então Tribunal de Competência Genérica de Macau, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
f) Por sentença de 12/12/1996 proferida no referido Proc. nº 176/93, foi decidiu-se anular as marcas nºs 49-M, 93-M, 94-M, 95-M e 96-M.
g) Por acórdão do então Tribunal Superior de Justiça de Macau de 29/10/1997, constante a fls. 388 a 399 do Proc. nº 176/93, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, decidiu-se revogar a sentença da 1ª instância, absolvendo a Ré do pedido.
III – Fundamentos
O objecto do presente recurso consiste em saber se houve o caso julgado.
O caso julgado consiste na repetição da causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário (nº 1 do artº 416º do CPCM).
A existência deste instituto justifica-se pelas necessidades de certeza e segurança jurídica e economia processual, evitando a repetição de causas sobre as mesmas questões, com decisões judiciais contraditórias ou mesmo idênticas.
Como excepção dilatória, é necessário verificar, cumulativamente, a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (artº 417º do CPCM).
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o facto concreto ou a nulidade específica que a parte invoca para o obter o efeito pretendido.
A primeira identidade aponta para o limite subjectivo do caso julgado ao passo que as duas últimas apontam para o limite objectivo.
Para a recorrente, existe uma relação substancial diversa nas duas acções, bem como uma posição jurídica diferente das partes, já que ela é titular de um direito próprio e independente.
Para sustentar a sua tese, alega que os factos concretos que constituem a causa de pedir dos presentes autos são diferentes aos da acção nº 176/93, pois invocou um facto que a autora da acção nº 176/93 não tinha invocado, que é justamente o “facto concreto da falta de objecto para protecção da marca”, por as marcas em causa não eram susceptíveis de protecção, uma vez que haviam caído nos hábitos leais e constantes do comércio.
Quid iuris?
O autor da acção nº 173/96 para sustentar o seu pedido da anulação das marcas em referência, disse que as mesmas eram “sinais francos”, designação comum do produto, quer ele, quer a ré, quer ainda outros comerciantes vendiam em Macau, daí que eram sinais desprovidos de capacidade distintiva, e que por consequência não podiam ser protegidos como marca (v. artºs 14º a 22º da petição inicial).
No presente caso, a ora recorrente invocou na petição inicial:
“Óleo Leão é a designação genérica pela qual consumidores e praticantes de medicina chinesa conhecem um determinado tipo de óleo medicinal, tal como “pão-de-forma” ou “carcaça” são designações de tipos de pão de que ninguém se pode apropriar sob a forma de marca para ser utilizada nesses produtos.” (artº 15º)
“Porém, tais caracteres não podem ser protegidos nem ser objecto de propriedade privada da Ré porquanto constituem a designação comum daquela espécie de óleo de medicina tradicional chinesa que quer a ora Autora quer ainda muitos outros comerciantes de medicina chinesa vendem em Macau.” (artº 23º)
“As marcas “protegidas” que incluem a expressão “B” constituem, assim, aquilo que a doutrina e a jurisprudência designam por “sinais francos”, isto é, sinais desprovidos de capacidade distintiva, e que por consequência não podem ser protegidos como marca.” (artº 31º)
“encontrando-se assim feridas de nulidade nos termos do disposto nos artigos 199º, nº 1, alínea c) e 47º, alínea a) do RJPI” (artº 32º)
“Daí que disponha o artº 197º do RJPI: “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.” (artº 35º)
“E explicita o nº 1 do artº 199º que não são susceptíveis de protecção, entre outros, os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie do produto, bem como os que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.” (artº 36º)
“É que, aqueles caracteres e tal designação - “B” – que se romanizam D ou E, não podem ser protegidos porquanto constituem a designação corrente e comum dos produtos comercializados pelos diversos fabricantes e comerciantes do produto “B” (artº 38º).
Ora, pelas transcrições supra efectuadas, não resta qualquer dúvida de que os factos jurídicos concretos que constituem a causa de pedir do Autor dos presentes autos, ora recorrente, são idênticos aos da acção nº 173/96.
O que diverge, é o enquadramento jurídico dos mesmos.
Na acção nº 173/96, foram qualificados como causas de anulação das marcas ao passo que no presente caso como causas de nulidade por inexistência do objecto de protecção.
Como é sabido, aliás o próprio recorrente também reconhece, para verificar se existir a identidade da causa de pedir não interessa o enquadramento jurídico da situação, mas sim os factos jurídicos em concreto.
No mesmo sentido, temos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 20/01/1994, nos termos do qual “a causa de pedir, como decorre da definição legal, é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo; isto é, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão os efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos. O enquadramento jurídico da situação não é elemento de causa de pedir” (Ac. STJ, de 20/01/1994, BMJ, 433º-495).
Passamos agora para a identidade de pedidos.
Nos presentes autos, o Autor pediu que sejam declaradas nulas as marcas 49-M, 93-M, 94-M, 95-M e 96-M.
Na acção nº 173/96, o pedido consiste em:
a) anular as marcas 49-M, 93-M, 94-M, 95-M e 96-M; e
b) condenar a Ré pagar ao autor uma indemnização não inferior a MOP$500.000,00.
Ora, “para que haja identidade do pedido entre duas acções não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas.” (J. Calvão da Silva, Estudos de Direito Civil e Processo Civil, 1996, pág. 234).
Pelo exposto, não há dúvida de que quer na acção nº 173/96, quer nos presentes autos, ambos os autores querem extinguir os direitos de propriedade industrial da ré, uma por via de anulabilidade, outra por nulidade.
Verifica-se assim a identidade de pedidos.
Resta verificar se existir a identidade de sujeitos.
Como é sabido, a identidade de sujeitos existe não só em relação às pessoas que são partes, mas também relativamente àquelas que serão abrangidas pela força de caso julgado que vier a ser proferida no primeiro processo.
Por acórdão do então Tribunal Superior de Justiça de Macau, de 29/10/1997, proferida na acção nº 173/96, decidiu-se que as marcas em causa não podem ser vistas “como “francas” ou “genéricas”, no sentido dado quer pelo § 1º do artº 79º dp Cód. Prop. Ind., aprovado pelo D.L. nº 30679, de 24 de Agosto de 1940, então em vigor, quer pelo actual nº 4 do artº 14º do D.L. nº 56/95/M, de 06 de Novembro, uma vez que não fazem qualquer alusão à espécie, qualidade, quantidade, destino, valor, lugar de origem ou época de fabrico do produtos que assinalam.”.
Ficará o Autor dos presentes autos também vinculado à decisão supra, uma vez que nunca foi parte na acção nº 173/96, nem adquiriu a posição do autor daquela acção por sucessão por morte ou transmissão enter vivo?
A resposta, para nós, é negativa sob ponto de vista como excepção dilatória de caso julgado, isto é, na função negativa do caso julgado.
Pois, não se verifica, aqui, efectivamente o requisito da identidade jurídica de sujeitos, legalmente exigido nos termos do artº 417º do CPCM.
O Autor dos presentes autos é, pois, um terceiro juridicamente interessado, e não um sujeito com identidade jurídica.
No entanto, se sob ponto de vista da extensão da autoridade do caso julgado (sua função positiva), a resposta poderia eventualmente ser a outra.
Vejamos.
Por acórdão já transitado em julgado, foi decidido que os elementos que compõem as marcas em causa não são “sinais francos” nem indicações “genéricas”, possuindo portanto capacidade distintiva.
Ora, face às exigências da coerência lógico-jurídica ou prática1, bem como às da segurança e certeza jurídica, não deveria coexistir de duas decisões judiciais contraditórias sobre a mesma questão jurídica.
Pois, não nos afigura razoável coexistir simultaneamente uma decisão judicial que declara que os elementos que compõem as marcas em causa não são “sinais francos” nem indicações “genéricas”, possuindo portanto capacidade distintiva, e outra que declara no sentido oposto.
De qualquer forma, não nos compete aqui abordar a questão em causa, tendo em conta a regra de substituição ao tribunal recorrido prevista no artº 630º do CPCM e a regra do duplo grau de jurisdição, a qual incumbe ao tribunal a quo ponderar e decidir.
O processo teria então que prosseguir, para, se assim o entender o tribunal a quo, dar à força ou autoridade do caso julgado um sentido útil (v.g. Ac. Rel. Lisboa, de 15/05/2007, Proc. nº 80/1995.C1).
Procede-se assim o recurso interposto, por não verificar a excepção dilatória do caso julgado.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam, em conferência, em conceder o provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida, ordenando a baixa do processo para prosseguimento, salvo se outra causa a tanto obsta.
Custas pela Ré, ora recorrida.
Notifique e registe.
RAEM, aos 19 de Maio de 2011.
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Ho Wai Neng
(Relator)
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José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 LIMITES OBJECTIVOS DO CASO JULGADO EM PROCESSO CIVIL, João de Castro Mendes, Edições Ática,
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Proc. nº 66/2008 p.1/16