Processo nº 702/2010(/) Data:03.03.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “arma proibida”, (faca com 12.8cm de comprimento de lâmina).
Justificação.
SUMÁRIO
1. Uma faca com lâmina superior a 10 cm de comprimento é uma arma proibida quando seja susceptível de ser usada como instrumento de agressão física e o portador não justifique a respectiva posse.
2. Assim, tratando-se de uma faca que se encontrava no quarto do arguido, sendo pelo mesmo utilizada para cortar e comer fruta, justificada está a sua posse, não sendo assim de se considerar o referido arguido como autor de um crime de “detenção de arma proibida” em virtude da sua utilização em agressão ocorrida no dito quarto.
O relator,
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Processo nº 702/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (XXX), com os sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B. (como 3° arguido), vindo a ser condenado como autor de 1 crime de “arma proibida” p. e p. pelo art. 262°, n° 1 do C.P.M. e art. 1°, n° 1, al. f) e art. 6°, n° 1, al. b) do D.L. n° 77/99/M, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por um período de 2 anos; (cfr., fls. 401-v a 402 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Em síntese, alega que a “arma proibida” em questão – uma faca – já se encontrava no seu quarto, que a utilizava para cortar fruta, e que, justificada estava a sua posse, assacando assim à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e violação do art. 262° do C.P.M..
Entende também que agiu em “legítima defesa”, e que assim, violou igualmente o Tribunal a quo o art. 31° do C.P.M.; (cfr., fls. 408 a 416).
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Em sede de resposta, pugna a Exmª Magistrada do Ministério Público pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 422 a 424-v).
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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora-Adjunta douto Parecer, considerando que o recurso devia ser julgado parcialmente procedente; (cfr., fls. 438 a 439).
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Realizada que foi a audiência do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Dão-se aqui como integralmente reproduzidos os factos dados como provados no Acórdão recorrido e que constam a fls. 339 a 400.
Do direito
3. No âmbito do seu recurso, e em síntese, diz o recorrente que:
– a faca que utilizou já se encontrava no local do crime e que era utilizada para cortar e comer fruta, possuindo, desta forma, justo motivo para a sua detenção, e existindo assim “erro notório na apreciação da prova” e violação ao art. 262° do C.P.M.; subsidiariamente, entende que,
– utilizou a faca por necessidade, para se defender, devendo-se considerar ter agido em “legítima defesa”.
Vejamos então se merece o recurso provimento.
Em síntese, e no que aqui interessa, está provado que:
– na noite do dia 25.12.2007, num dos quartos da fracção autónoma do 10° andar “A” do Edifício XX, em Macau, o ora recorrente e outros dois indivíduos entraram em discussão por motivos relacionados com o empréstimo de quantias monetárias.
– na sequência de tal discussão, os referidos dois indivíduos atacaram o ora recorrente com intenção de o agredir.
– nisto, o recorrente pegou numa faca de frutas que se encontrava no quarto, com o comprimento total de 23.5 cm e com o comprimento de lâmina de 12.8 cm, e agrediu os referidos dois indivíduos.
– o ora recorrente habitava o quarto em questão, é primário, e agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Perante isto, que dizer?
Pois bem, cremos que razão tem o ora recorrente quanto à alegada justificação da posse da faca por cuja detenção foi punido.
Na verdade, a questão em apreciação não é nova, pois que perante situação análoga já teve este T.S.I. oportunidade de sobre ela emitir pronúncia, consignando, nomeadamente, o que segue:
“O acto concreto de uso, por uma vendilhã de vegetais, de um cutelo com lâmina superior a dez centímetros de comprimento, inicialmente colocado no seu carrinho de venda de vegetais e destinado a cortar esses produtos (e que como tal não deve ser considerado como uma arma branca na acepção da alínea e) do n.° 1 do art.° 1.° do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 77/99/M, de 8 de Novembro), para praticar o crime de resistência p. e p. pelo art.° 311.° do Código Penal de Macau, não integra o tipo-de-ilícito de uso de arma proibida descrito no art.° 262.°, n.° 1, do mesmo Código, em virtude da impossibilidade legal de qualificação do mesmo cutelo como uma arma proibida sob a égide do art.° 1.° do referido Regulamento, por mormente estar justificada a posse do mesmo (cfr. A ressalva expressa na parte final da alínea f) do n.° 1 do art.° 1.° do mesmo Regulamento) como instrumento com aplicação bem definida em abstracto, ainda que tenha sido utilizado naquele acto concreto e no mesmo local para fim ilícito e diverso do inicialmente destinado.”; (cfr., v.g., o Ac. de 19.05.2005, Proc. n° 89/2005).
Ora, tem-se como adequado este entendimento.
De facto, “Integra o conceito de “arma proibida” do artigo 262º nº 1 e não nº 3 do Código Penal, um cutelo cuja lâmina tem 9,5 cm de comprimento.”; (cfr., v.g., o Ac. de 23.03.2001, Proc. n° 21/2001).
E como também já entendeu este T.S.I.: “Uma faca com lâmina superior a 10 cm de comprimento é uma arma proibida quando seja susceptível de ser usada como instrumento de agressão física e o portador não justifique a respectiva posse.”; (cfr., v.g., o Ac. de 09.03.2006, Proc. n° 29/2006).
No caso, importa todavia atentar que a faca já se encontrava no quarto onde ocorreu a sua utilização, e que, não obstante as suas características, (comprimento da lâmina), era uma faca de fruta pelo ora recorrente utilizada para cortar e comer fruta, não se tratando de uma “arma” pelo arguido levada para o quarto para ser utilizada como “instrumento de agressão”.
Nesta conformidade, e justificada estando a sua detenção, impõe-se a absolvição do ora recorrente.
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Poder-se-ia aqui ponderar agora sobre uma eventual prática pelo ora recorrente de um crime de “ofensa à integridade física”.
Todavia, certo sendo que o Ministério Público não deduziu acusação em relação a tal ilícito por falta de queixa – cfr., fls. 245 e segs – nada mais se mostra de acrescentar.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, acordam conceder provimento ao recurso, absolvendo-se o recorrente do crime de “arma proibida” pelo qual foi condenado.
Sem custas.
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1,500.00.
Macau, aos 3 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
T Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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