Processo nº 77/2011 Data: 17.03.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “ofensa simples à integridade física”.
Medida de pena.
Atenuação especial.
Suspensão da execução.
SUMÁRIO
1. Não se mostra excessiva a pena de 3 meses de prisão aplicada a um arguido autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física” que pouco antes da data do ilícito tinha acabado de expiar uma pena única de 5 anos e 3 meses de prisão pela prática em concurso real dos crimes de “roubo”, “detenção de arma proibida” e “ofensa à integridade física”, e que entretanto cometeu outros ilícitos criminais pelos quais já foi condenado.
2. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 77/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença do Mmo Juiz do T.J.B. foi A, com os sinais dos autos, condenado pela prática de um crime de “ofensa simples à integridade física” p. e p. pelo art.137°, n.°1 do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão assim como no pagamento ao ofendido B do montante de MOP$5,000.00 e juros a título de indemnização dos danos não patrimoniais deste; (cfr., fls 69 a 97-v).
Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:
“I. Na audiência de julgamento, o recorrente confessou totalmente e sem reserva os factos criminosos constantes da acusação.
II. Da confissão total e sem reserva do recorrente, mostra-se plenamente que o recorrente fez introspecção sincera sobre o seu acto criminoso e arrependimento sobre o seu sentimento de culpa.
III. O acto de introspecção sincera sobre o seu acto criminoso e de arrependimento sobre o seu sentimento de culpa do recorrente do presente processo enquadra-se ao disposto do art.° 66.° n.° 2 al.) c) do Código Penal.
IV. Pelo que, ao determinar a medida da pena contra o acto criminoso do recorrente, o tribunal a quo violou o art.° 67.° n.° 1 do Código Penal.
V. Por outro lado, embora o tribunal superior entenda que o tribunal a quo não viole os termos da atenuação especial sobre a pena de prisão dispostos no art.° 67.° n.° 1 do Código Penal ao determinar a medida da pena, o recorrente entende que o tribunal também violou o disposto do art.° 64.° do Código Penal na determinação da medida da pena.
VI. In casu, de acordo com os factos provados pelo tribunal a quo, mostra-se que o grau de ilicitude em relação ao acto criminoso praticado pelo recorrente não é muito grave relativamente a outros crimes, o modo de execução, meio e circunstância desde não são desprezíveis, e a sua consequência não é muito grave.
VII. Se ao crime for aplicável a pena de multa, o recorrente entende que já realiza as finalidades de pena de prisão e de prevenção criminal.
VIII. Contudo, caso o tribunal a quo não concorde com esta opinião, o recorrente entende que o tribunal a quo deve considerar a suspensão da execução da pena de prisão nos termos art.° 48.° n.° 1 do Código Penal na determinação da medida da pena.
IX. In casu, o recorrente foi condenado na pena de três meses de prisão.
X. O recorrente tem registo criminal e foi condenada na pena de prisão, no entanto, o recorrente tem um bom comportamento no período de liberdade condicional desde crime.
XI. O presente caso foi praticado após mais um ano de liberdade
condicional. .
XII. Por outro lado, o recorrente trabalhava activamente uma vez em liberdade, a fim de reintegrar e adaptar novamente a sociedade.
XIII. O recorrente é operário na reforma de moradia actualmente e tem emprego fixo, auferindo mensalmente cerca de MOP$ 4.000,00.
XIV. Através de esforços de vários anos, o recorrente já se reintegrou e se adaptou a vida social actual.
XV. O resultado desfavorável provocado pela pena de prisão de curto prazo não favorece à reintegração do recorrente na sociedade após cumprimento da pena.
XVI. Pelo que, se for aplicável ao crime a pena de prisão efectiva, não consegue realizar as finalidades de pena de reintegração do agente na sociedade previsto no art.° 40.° n.° 1 do Código Penal.
XVII. Sintetizando as circunstâncias supracitadas, podemos acreditar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XVIII. Pelo que, deve conceder ao recorrente a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art.° 48.° n.° 1 do Código
Penal.”; (cfr., fls. 94 a 97 e 132 a 138-v ).
*
Sem resposta vieram os autos a este T.S.I. onde, em sede de vista juntou o Exmo. Representante Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Invocando como circunstâncias atenuativas da sua responsabilidade o facto de ter confessado, se mostrar arrependido e ter tido bom comportamento durante o período de liberdade condicional reportada a anterior condenação, almeja o recorrente a atenuação especial da sua pena de prisão efectiva de 3 meses, ou, não sendo tal possível, a sua substituição por pena de multa, ou ainda a suspensão de execução da mesma.
Mas, cremos, sem hipótese de sucesso.
Desde logo, não se vê que, por apelo a qualquer das circunstâncias anunciadas, decorra gravidade tão diminuída da conduta imputada que permita configurar situação especial ou extraordinária a fundar ou justificar acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, tratando-se apenas, bem vistas as coisas, de atenuantes de índole geral, a não deixarem de ser devidamente valoradas.
Por outra banda, pese embora o disposto na 1 a parte do n° 1 do art. 44°, CP, a verdade é que, atento o passado criminal do recorrente, relativo, designadamente, à prática de crime do mesmo tipo, a necessidade de prevenção do cometimento de novos ilícitos impõe a execução da prisão em detrimento da sua substituição por multa.
E, semelhante entendimento ocorrerá relativamente à almejada suspensão da execução da pena: é claro que reportando-se a prática dos factos aqui imputados a período anterior ao da condenação do recorrente no âmbito do proc. CR3-10-0091-PSM (6/5/10), não se poderá afirmar, com rigor e segurança, que o mesmo não tenha "agarrado" a oportunidade concedida com a suspensão da execução da pena nesse processo.
Simplesmente, não deixa de constituir mais um dado “informativo” relativo à postura do mesmo após a condenação, em 8/4/02, no âmbito do proc. PCC-107-01-6, no qual foi condenado, além do mais, pela prática do mesmo tipo de ilícito, tudo revelando, assim, mostrar-se desfavorável o prognóstico individual relativo ao recorrente à luz de considerações exclusivas da execução de prisão, atento o seu comportamento anterior e posterior à prática dos factos, pelo que tudo indica que a simples censura dos mesmos e a ameaça de prisão não realizarão, com alto grau de probabilidade, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Tudo razões por que entendemos não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 142 a 143).
*
Nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Vem dados como provados os factos seguintes:
“Em 24 de Julho de 2008, cerca de 00h10, o arguido apanhou um
“táxi de matrícula MG-9l-XX na Calçada do Gamboa, perto do Comissariado Policial n.° 1, instituiu o taxista B (ofendido) a ir à Estrada de Coelho do Amaral.
Ao chegar ao cruzamento entre a Estrada de Coelho do Amaral e Rua da Restauração, o arguido envolveu-se na discussão com o ofendido ao pagar a sua passagem, na altura, o arguido deu socos na cabeça do ofendido, batendo na cara esquerda e orelha esquerda e resultando a ferida do ofendido.
O relatório de exame de ferimento e relatório médico-legal do ofendido são constantes das fls. 7 e 17 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos jurídicos.
O acto do arguido causa directa e necessariamente a perfuração da membrana timpânica da orelha esquerda, contusões dos tecidos moles no arco superciliar e na orelha esquerda do ofendido, tendo sido necessário 15 dias para se recuperar e provocando ofensa simples à integridade física do ofendido (cfr. relatório médico-legal constante da fls. 17 dos autos).
O dois arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, recorrendo à violência e causando directa e necessariamente a ofensa simples à integridade física do ofendido.
Os dois arguidos tinham perfeito conhecimento de que os seus actos eram proibidos e punidos por lei de Macau.
O arguido confessou voluntariamente o crime acusado.
Em conformidade com o CRC, o registo criminal do arguido é no
seguinte:
Do Processo n.° PCC-107-01-6, o arguido foi condenado, pela prática de crime de roubo, de crime de detenção de armas proibidas e de crime de ofensa simples à integridade física, na pena total de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva em 08 de Abril de 2002, e já cumpriu a pena.
Do Processo n.° CR3-10-0091-PSM, o arguido foi condenado, pela prática de crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e de crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, na pena total de 50 dias de prisão em 06 de Maio de 2010, com suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 18 meses e com anexo de condições de suspensão.
O ofendido mostrou que desejou procedimento criminal contra o arguido e pediu ao arguido a indemnização pelos danos morais de MOP$ 5.000,00.
Ao mesmo tempo, ainda se verifica as condições pessoais do arguido como no seguinte:
O arguido é operário na reforma de moradia, auferindo mensalmente MOP$ 4.000,00 em médio.
Ninguém está a seu cargo.
O arguido não tem habilitação literária.”; (cfr., fls. 122 a 124).
Do direito
3. Vem A recorrer da sentença que o condenou pela prática de um crime de “ofensa simples à integridade física” p. e p. pelo art.137°, n.°1 do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão assim como no pagamento ao ofendido B do montante de MOP$5,000.00 e juros a título de indemnização dos danos não patrimoniais deste.
Em síntese, entende que excessiva é a pena que lhe foi aplicada e que sempre lhe devia ser suspensa na sua execução.
Cremos porém que nenhuma razão tem o ora recorrente, passando-se a tentar demonstrar infra o porque deste nosso entendimento.
Vejamos.
–– Ao crime pelo ora recorrente cometido cabe a pena de prisão até 3 anos ou multa; (cfr., art. 137°, n.° 1 do C.P.M.).
Nos termos do art. 64° do C.P.M.:
“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ponderando no assim estatuído, e atento o “passado criminal” do ora recorrente, entendeu o Tribunal a quo que adequada não era uma pena não privativa da liberdade.
Diz o recorrente que em sede de audiência “confessou totalmente e sem reserva os factos criminosos constantes da acusação” e que “demonstrou arrependimento”.
Ora, consta apenas da sentença que o ora recorrente “confessou voluntariamente os factos”, nada se dizendo quanto ao seu alegado “arrependimento”.
E assim, “quid iuris”?
Pois bem, é sabido que nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
E, considerando-se a factualidade dada como provada, assim como o preceituado, censura não merece a opção pelo Mmo Juiz a quo feita.
De facto, tendo em atenção os antecedentes criminais do ora recorrente, verifica-se que aquando da prática do crime matéria dos presentes autos, tinha já o mesmo cumprido uma pena única de 5 anos e 3 meses de prisão pela prática em concurso real dos crimes de “roubo”, “detenção de arma proibida” e “ofensa à integridade física”, pelos quais foi condenado por decisão de 08.04.2002; (PCC-107-01-6).
E, considerando-se a dita pena, constata-se que o crime dos autos, cometido em 24.07.2008, ocorreu em data não muito distante do términus daquela.
Por sua vez, verifica-se também que após a prática do crime ora em questão, respondeu já o mesmo recorrente pela prática dos crimes de “consumo de estupefacientes” e “detenção de utensilagem”, pelos quais foi condenado em 06.05.2010; (CR3-10-0091-PSM).
Tal, cremos nós, demonstra que possui o ora recorrente uma personalidade com tendência para a prática de crimes, o que torna evidente a inadequação de uma opção pela pena não preventiva da liberdade.
No que toca à medida da pena, também se nos mostra que excessiva não é a pena de 3 meses aplicada, pois que se situa em medida bem próxima do limite mínimo aplicável, que como é sabido, corresponde a 1 mês, sendo o limite máximo o de 3 anos.
–– Considera igualmente o recorrente que devia beneficiar de uma “atenuação especial”.
Outro é porém o nosso entendimento.
Como repetidamente tem este T.S.I. afirmado:
“A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”; (cfr., Acórdão de 11.11.2010, Processo n.° 670/2010).
E, como sem esforço se alcança, ponderando nos elementos dos autos, na violência (gratuita) exercida e na intensidade do dolo da conduta, cremos que a (mera) confissão, ainda que integral e sem reservas, não torna a situação dos autos numa “situação extraordinária” ou “excepcional” para que possível fosse a pretendida atenuação.
–– Por fim, entende ainda o ora recorrente que devia ser a sua pena suspensa na sua execução.
Ora, o instituto da suspensão da execução da pena vem previsto no art. 48° do C.P.M., onde se prescreve que:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
E perante análoga questão afirmou já este T.S.I. que: “O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 13.04.2000, Proc. n° 61/2000, e de 27.01.2011, Processo n.° 781/2009 do ora relator).
No caso dos autos, atenta a personalidade pelo ora recorrente demonstrada, afigura-se-nos manifestamente inviável o referido “juízo de prognose favorável”, o mesmo sendo de se dizer quanto à prevenção geral, e que, como é patente, impossibilita que se accione o comando legal em questão.
Reconhece-se também que se devem evitar penas de prisão de curta duração; (cfr., v.g., o Preâmbulo do D.L. 58/95/M).
Porém, ponderando no C.R.C. do ora recorrente, e na personalidade que o mesmo revela possuir, outra solução cremos não haver.
Dest’arte, censura não merecendo a decisão recorrida, (nem mesmo à luz do art. 44° do C.P.M.), e constatando-se a manifesta improcedência das questões pelo recorrente colocadas, impõe-se a rejeição do recurso.
Decisão
4. Em face do que se deixou exposto, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.°2, al. a), 410°, n.°1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1,500.00.
Macau, aos 17 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 77/2011 Pág. 20
Proc. 77/2011 Pág. 1