Processo nº 8/2011 Data:24.03.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “burla de valor consideravelmente elevado”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Reenvio.
SUMÁRIO
1. O vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre “matéria objecto do processo”.
2. Assim, constatando-se do Acórdão recorrido que o Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre matéria relevante alegada pela assistente, ocorre o dito vício que determina o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 8/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
– condenar o arguido A, pela prática de 47 crimes de“burla de valor consideravelmente elevado”p. e p. pelo art.° 211.°, n.° 4, al. a) do C.P.M., na pena de 4 anos de prisão cada, fixando-se-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 20 anos de prisão;
– absolver o mesmo da imputada prática de 47 crimes de “falsificação de documento” p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. a) do C.P.M;
– Relativamente ao pedido de indemnização civil enxertado nos autos, foi o arguido condenado a pagar ao assistente e demandante, BANQUE NATIONALE DE PARIS, SUCURSAL DE MACAU, o montante de MOP$35.321.390,47 e juros (cfr., fls. 460-v a 461 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:
“a) Do acórdão resulta que, o recorrente foi condenado, “pela prática de 47 crimes de “burla de valor consideravelmente elevado” previsto e punido pelo art.º 211.º, n.º 4, al. a) do Código Penal de Macau, na pena de 4 anos de prisão por cada um, sendo condenado, em cúmulo jurídico dos 47 crimes, na pena única de 20 anos de prisão” (vide fls. 14 do acórdão);
b) O art.º 29.º, n.º 2 do CP define crime continuado, designadamente:
(1). a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;
(2). execução por forma essencialmente homogénea;
(3). dolo global;
(4). execução no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente;
c) De factos, “quanto à verificação de crime continuado, o tempo e espaço da realização de acto só se considera como vestígio da existência daquele, a matéria essencial é a existência duma relação específica entre o motivo duma realização e o da realização anterior.” (vide “Código Penal e Código de Processo Penal” a fls. 75 da matéria do Curso de Licenciatura em Direito em Língua Chinesa da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, ano lectivo 2003-2004)
d) Segundo os factos provados no acórdão, todos os crimes imputados ao recorrente são crimes de burla. Ele violou o mesmo bem jurídico projectado por crimes contra o património em geral;
e) Além disso, os crimes foram executadas por forma essencialmente homogénea (a qualificação do dolo, a preparação e a execução dos crimes), isto quer dizer, “…o arguido emitiu cheques, usando livros de cheques por clientes requeridos mas não levantados, para os depositar nas contas de depósitos criadas pelo arguido junto do Banco da China, Banco de Seng Heng ou Banco Nacional Ultramarino. E depois o arguido falsificou extractos mensais do Banco da China para ocultar o levantamento dos respectivos fundos…” (vide fls. 7 do acórdão);
f) Neste processo, mesmo que o arguido praticasse vários actos ilícitos, o seu único motivo seria obter por si benefício ilegítimo, desta forma, causou danos patrimoniais ao Banco onde trabalhou.
g) O arguido foi empregado pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, como oficial. Em 2006, o mesmo foi promovido a chefe, responsabilizando-se principalmente pelo auxílio aos clientes na transferência de verba, pela abertura de livro de cheques e pelas actividades de facturas” (vide fls. 6 do acórdão); “No momento do ingresso do arguido na carreira, o Banco tem cerca de 10 empregados até mais, sendo o regime de supervisão relativamente completo. Em 2001, o número dos empregados foi reduzido a 7, sem redução do volume de trabalho, acabando-se por a supervisão ser implementada insuficientemente…” (vide o auto de inquirição do arguido a fls. 16v);
h) Tais circunstâncias objectivas constituem a solicitação de situação exterior, facilitando ao arguido, ao longo dos anos, as práticas continuadas de actos ilícitos reiteradas por dezenas de vezes, sem que ele ter sido encontrado.
i) Nestes termos, o recorrente entende que, por as plúrimas condutas de burla por ele praticadas preencher os requisitos previstos no art.º 29, n.º 2 do CP, deve condená-lo aplicando as regras de crime continuado previstas no art.º 73.º do CP mas não as de concurso de crimes no art.º 71.º do mesmo Código;
j) Caso discordem, o recorrente ainda entenda que os actos ilícitos por ele praticados dezenas de vezes constituem só dois crimes continuados, e devendo o arguido ser condenado, em cúmulo jurídico destes.
k) Apresentam-se a seguir os fundamentos: segundo os factos provados no acórdão, “os crimes praticados pelo arguido podem ser divididos em duas fases, cada das quais se distingue pelo modo de execução” (vide o primeiro parágrafo de fls. 7 do acórdão);
l) A primeira fase da realização dos crimes é durante 2000 e 2005 (vide 4ª linha de fls. 7), durante a altura, o arguido praticou 40 vezes, usando tal modus operandi, levantamento de fundos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, no valor total de HKD$12.500.000,00 (vide 4ª linha de fls. 8);
m) Durante estes 5 anos, o arguido, usando o mesmo modus operandi, realizou 40 vezes a burla de fundos, sendo curto o espaço de tempo entre cada uma das realizações (vide as datas indicadas nos pontos 2 a 40 daquele);
n) Também se verificam os outros requisitos previstos no art.º 29.º, n.º 2 do CP;
o) Pelo que, o recorrente entende que os actos de burla por ele praticados durante aquela altura podem ser punidos sob a forma de crime continuado;
p) A 2ª fase da realização dos crimes é durante Abril de 2007 e 2009 (vide 11ª linha de fls. 8 do acórdão);
q) Durante a altura, “o arguido praticou, em total 5 vezes, usando tal modus operandi, o levantamento de fundos da conta criada pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, na Autoridade Monetária de Macau” (vide 13ª e 14ª linhas de fls. 10 do acórdão);
r) É curto o espaço de tempo entre cada uma das práticas de crime (anexo n.º 1: as datas indicadas nos pontos 43 a 47);
s) Também se verificam os outros requisitos previstos no art.º 29.º, n.º 2 do CP;
t) Desta forma, parece que os 5 actos de burla praticados nesta altura também podem ser punidos sob a forma de crime continuado;
u) Face ao exposto, é mais justo condenar o recorrente, em cúmulo jurídico dos dois crimes continuados praticados nestas duas fases;
v) De acordo com fls. 12 do acórdão, o recorrente foi condenado pela prática de “47 crimes de burla de valor consideravelmente elevado”;
w) Segundo os factos provados no acórdão, na primeira fase (durante 2000 e 2005), “o arguido praticou 40 vezes…” (vide 4ª linha de fls. 8 do acórdão); na segunda fase (durante Abril de 2007 e 2009), “o arguido praticou 5 vezes…” (vide 13ª e 14ª linha de fls. 10 do acórdão);
x) Isto quer dizer que nestas duas fases (durante 2000 e 2009), o recorrente praticou em total 45 (40+5) crimes de burla, mas não 47 crimes indicados no acórdão;
y) Quanto àqueles demais dois crimes, parece que o acórdão não esclareceu se estes constituem tentativas ou outras situações (deve-se enfatizar que é possível que isto resulte do erro do recorrente em contar o número dos crimes ou do seu mal entendimento do teor do acórdão);
z) Nestes termos, o acórdão deve ser anulado por violar o art.º 400.º, n.º 2, al. b) do CPP (a contradição insanável da fundamentação);
aa) Mesmo que o recorrente tenha erro em contar o número dos crimes ou em entender o teor do acórdão, não devia ser condenado pela prática de “47 crimes de burla de valor consideravelmente elevado”;
bb) Nos termos do art.º 196.º, al. e)(sic.) do CP, considera-se valor consideravelmente elevado aquele que exceder 150 000 patacas no momento da prática do facto;
cc) No entanto, de acordo com ponto 43º deste acórdão, 21 (constante de fls. 271 dos autos) dos 47 crimes trata-se de valor não superior a 150 000 patacas, pelo que, para efeitos jurídicos (penais), não se verifica aqui “valor consideravelmente elevado”;
dd) No entanto, o Tribunal a quo ainda condenou o mesmo pela prática de crimes de burla de valor consideravelmente elevado;
ee) violando assim o art.º 400.º, n.º 2, al. c) do CPP (erro notório na apreciação da prova), pelo que a respectiva decisão deve ser anulada;
ff) O recorrente foi constituído como arguido em 29 de Dezembro de 2009 (vide fls. 15 dos autos – o auto de constituição de arguido);
gg) Pelo que, deve naquele momento interrompe-se a prescrição do procedimento penal (nos termos do art.º 113.º, n.º 1, al. a) do CP);
hh) No entanto, desde o dia da ocorrência do facto ao dia da interrupção da prescrição do procedimento penal, já teve decorrido mais de 5 anos sobre as praticas de burla indicadas nas al.s c) a l) do ponto 43º deste recurso (das quais cada montante envolvido inferior a 30 000 patacas);
ii) Pelo que, ao abrigo do art.º 211.º, n.º 1 do CP em conjugação com o art.º 110.º, n.º 1, al. d) do mesmo Código, os procedimentos penais dos 10 crimes de burla devem extinguir-se por efeito de prescrição.
jj) Segundo os factos constantes do acórdão (8ª e 9ª linhas), “o arguido é delinquente primário e confessou espontaneamente os crimes lhe acusados”;
kk) Além disso, segundo a informação dos autos (fls. 3, fls. 7v), foi o recorrente próprio que confessou espontaneamente aos seus superiores B e C o facto de ele ter burlado os fundos do Banco;
ll) Na Polícia Judiciária (fls. 16 a 19 dos autos), no Ministério Público e Juízo de Instrução Criminal (fls. 66 e 67 dos autos), o recorrente mostrou muita cooperação, confessando espontaneamente os crimes por ele praticados e manifestando arrependimento;
mm) Quanto ao destino dos respectivos fundos, de facto, o recorrente já confessou integralmente no julgamento, esclarecendo que a maior parte dos fundos burlados já está perdida no mercado de acções, sendo o respectivo montante verificado em fls. 26, 27 e 170 a 247 dos autos;
nn) É claro que os factos acima referidos constituem circunstâncias de atenuação especial previstas no art.º 66.º (tais como n.º 2, al. c))do CP;
oo) Pelo que, o recorrente entende que a condenação da pena de 20 anos de prisão é manifestamente excessiva por esta violar a disposição de determinação da medida da pena no art.º 65.º do CP, pelo que deve aplicar uma pena de prisão mais curta;”; (cfr., fls. 470 a 484 e 571 a 592).
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Respondendo, afirma o Exm° Magistrado do Ministério Público o que segue:
“1. Neste processo, o arguido A foi condenado pelo Tribunal a quo, pela prática de 47 crimes de burla de valor consideravelmente elevado previsto e punido pelo art.º 211.º, n.º 4, al. a) do Código Penal de Macau, na pena de 4 anos de prisão por cada um, sendo condenado, em cúmulo jurídico dos 47 crimes, na pena única de 20 anos de prisão.
2. Em relação aos acusados 47 crimes de “falsificação de documento” previsto e punido pelo art.º 244.º, n.º 1, al. a) do Código Penal de Macau, entende o Tribunal Colectivo a quo que tais crimes já são absolvidos pelos crimes de “burla de valor consideravelmente elevado” praticados pelo arguido.
3. O recorrente (arguido), inconformado com o acórdão do Tribunal a quo, entende que o acórdão viola os dispostos sobre crime continuado, a prescrição do procedimento penal e a medida da pena previstos no CP, e padece dos vícios indicados no art.º 400.º, n.º 2, al.s b) e c) do CPP, pelo que deve ser anulado ou aplicar ao arguido uma pena mais ligeira.
4. O recorrente apresentou principalmente no seu recurso as questões seguintes:
(1). Crime continuado;
(2). A contradição insanável da fundamentação;
(3). Erro notório na apreciação da prova;
(4). Prescrição do procedimento penal;
(5). Medida da pena.
5. Quanto a 1ª questão, o recorrente acusou o Tribunal a quo de violação do disposto sobre crime continuado previsto no art.º 29.º, n.º 2 e art.º 73.º do CP. Por existir solicitação de situação exterior da implementação insuficiente de supervisão do Banco, bem como ser iguais os crimes cometidos pelo recorrente, o modo de execução destes e os seus motivos, devem ser considerados crime continuado os 47 crimes por ele praticados. Mesmo que discorde, deveria considerá-los como dois crimes continuados, e depois determinaria a medida da pena em concurso destes.
6. Como se sabe, deve verificar-se os seguintes requisitos para a constituição de crime continuado previsto no art.º 29.º, n.º 2 do CP, designadamente: a realização plúrima do mesmo tipo de crime; a execução por forma homogénea; dolo global; a existência duma solicitação de uma situação exterior constante que diminua consideravelmente a culpa do agente. Entre os requisitos, o mais importante é que se encontra no caso concreto, uma solicitação de situação exterior que, facilitando ao agente a reiteração da prática dos crimes, diminua por forma decrescente a culpa do agente na cada prática (vide processos n.º 308/2010, n.º 1044/2009 e n.º 63/2001 do TSI).
7. Neste processo, mesmo que os 47 crimes de burla fossem executados por forma essencialmente homogénea, e protegessem o mesmo bem jurídico, segundo os factos provados, ao praticar cada vez uma conduta de burla, o recorrente tinha de ter em conta os montantes de transferência ou empréstimo de diferentes bancos naquele dia, falsificar de novo os respectivos documentos bancários, e depois escolher a conta do respectivo banco para a transferência dos fundos, mostrando-se desta forma a decisão independente do recorrente em cada prática de crime; o mais importante é que não se encontra qualquer outra circunstância exterior que o recorrente usou, depois de ter executado pela primeira vez a burla através de falsificar documentos, para praticar, por forma decrescente da culpa, os restantes crimes. Pelo que, o recorrente não pode ser condenado pela prática de um crime continuado ou dois crimes continuados, por a sua culpa subjectiva não ser diminuída.
8. Pelo que, esta parte do recurso não é procedente.
9. A 2ª questão deduzida pelo recorrente é sobre o número de crimes determinado pelo Tribunal a quo. Segundo os factos provados no acórdão, o recorrente indicou que os crimes praticados nas duas fases devem constituir 45 crimes de burla, mas não 47 imputados, pelo que ele entende que o acórdão a quo incorreu na contradição insanável da fundamentação.
10. De acordo com os factos provados constantes do acórdão a quo, na 1ª fase, o arguido, através de falsificar extractos mensais da conta de liquidação das transacções dos bilhetes monetários do Banco da China, Sucursal de Macau, praticou 40 vezes a burla de fundos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, no valor total de HKD$12.500.000,00. Na 2ª fase, o mesmo praticou 5 vezes a burla de fundos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, através de falsificar empréstimos entre bancos ao Banco Wing Hang, Sucursal de Macau. O montante total envolvido nestas duas fases alcançou o valor de MOP$37.000.000,00.
11. Em relação aos fundos burlados na 1ª fase, segundo as provas documentais prestados pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, e constantes dos autos (n.º 41 e n.º 42), em 26 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2006, o recorrente respectivamente enviou HKD$5.000.000,00 e HKD$7.500.000,00 do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Hong Kong, para a conta de HKD do Banco da China, Sucursal de Macau, criada pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, e converteu estes fundos em Patacas (quer dizer, MOP$5.150.000,00 e MOP$7.725.000,00), e depois registou os mesmos como empréstimo ao Banco Wing Hang, Sucursal de Macau. De facto, naquele dia, na conta do Banco da China, Sucursal de Macau, não se encontrou o registo de lançamento destes fundos.
12. Através da confissão do recorrente no julgamento, os factos acima referidos também foram considerados como provados.
13. É óbvio que tendo em conta os 45 crimes de burla praticados naquelas duas fases, não é nada contraditório condenar o recorrente pela prática de 47 crimes de burla. Pelo que, tal parte do recurso também não é procedente.
14. O recorrente também indicou que, entre os imputados 47 crimes de burla previsto e punido no art.º 211.º, n.º 4 do CP, 21 dos quais trata-se de burla do montante não superior a 150 000 patacas, não constituindo burla de “valor consideravelmente elevado”, pelo que o acórdão a quo incorreu no erro notório na apreciação da prova.
15. Atentas as provas documentais (n.ºs 1 a 47, em total 667 fls.) prestadas pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, constantes dos autos e apreendidas em fls. 271 deles, é inegável que entre os 47 documentos e registos de transferência falsos, 22 dos quais trata-se de fundos no valor não superior a 150 000 patacas, entre estes, n.ºs 4, 5, 6,7,8,9,10,11,12,13,14 trata-se de valor inferior a 30 000 patacas.
16. As práticas jurídicas de Macau entendem que o “erro notório na apreciação da prova” indica que o tribunal, quanto ao reconhecimento de factos, viola manifestamente as regas de experiência, ou funda-se no juízo ilógico, arbitrário ou contraditório, ou não observa as provas vinculativas ou regras profissionais, tal erro é o erro ostensivo, de tal modo evidente que quando um homem normal facilmente dele se dá conta.
17. Aqui, como disse o recorrente, quanto à apreciação da prova e ao reconhecimento dos factos, o Tribunal a quo incorreu no erro notório, isto é, as respectivas provas documentais nos autos não suportam os 22 crimes de burla de valor consideravelmente elevado imputados ao recorrente, pelo que, deve condenar o mesmo pela prática, de 11 crimes de burla previsto e punido pelo art.º 211, n.º 1 do CP, de 11 crimes de burla de valor elevado previsto e punido pelo mesmo artigo, n.º 3 e de 25 crimes de burla de valor consideravelmente elevado previsto e punido pelo art.º 211, n.º 4 do CP.
18. Pelo que, esta parte do recurso deve ser procedente.
19. O 4º fundamento deduzido pelo recorrente é que alguns factos ilícitos trata-se de crimes de burla previsto e punido pelo art.º 211.º, n.º 1 do CP, pelo que os seus procedimentos penais extinguem-se, por efeito de prescrição.
20. O crime de burla previsto no art.º 211.º, n.º 1 do CP é punido com pena de prisão até 3 anos, ao abrigo do art.º 110.º, n.º 1, al. d) do CP, o procedimento penal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 5 anos.
21. Ao mesmo tempo, nos termos do art.º 113.º do CP, a prescrição do procedimento penal interrompe-se com a notificação para interrogatório do agente como arguido. A prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
22. Do auto constante de fls. 15 dos autos resulta que o recorrente foi constituído arguido desse processo em 29 de Dezembro de 2009, e inquirido como arguido no mesmo dia.
23. A condenação desse processo foi feita no Tribunal a quo em 22 de Outubro de 2010.
24. Isto quer dizer que por já ter decorrido o prazo da prescrição, deve declarar-se extintos os respectivos procedimentos penais dos crimes de burla pelo recorrente praticados antes de 29 de Dezembro de 2004 e previstos e punidos pelo art.º 211.º, n.º 1 do CP, nomeadamente as 11 práticas n.ºs 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 indicadas nas provas documentais dos autos (vide o quadro acima referido).
25. Esta parte do recurso também deve ser procedente.
26. Ultimamente, em relação à medida da pena, o recorrente sustentou que a sua confissão voluntária e espontânea mostrou o seu arrependimento sincero, constituindo circunstância de atenuação especial, pelo que lhe deve aplicar uma pena mais ligeira.
27. A essência do disposto no art.º 66.º do CP é que mesmo que se verificassem as circunstâncias previstas no art.º 66.º, n.º 2 do CP, incluindo que não se encontrou acto ilícito depois da prática do crime, o tribunal atenue especialmente a pena apenas quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
28. Este tipo da atenuação especial da pena só se aplica na circunstância de excepção.
29. Como se sabe, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal geral e especial.
30. O recorrente é delinquente primário, confessou integralmente e sem reservas, mas das informações dos autos não resulta nenhuma circunstância que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do recorrente ou a necessidade da pena. Ao contrário, o recorrente tem praticado, nos últimos 10 anos, usando a conveniência do seu trabalho, quase 50 crimes de burla, apesar de os procedimentos penais dos 11 crimes destes extinguir-se por efeito de prescrição, os respectivos factos de crime ainda existem, que causaram consideráveis danos ao assistente deste processo, isto é, o Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau. Até agora o recorrente ainda não explicou o destino de todos os fundos por ele burlados, nem efectuou nenhuma indemnização. Pelo que, das circunstâncias do caso resulta que o grau de dolo do recorrente é alto, as circunstâncias são graves, e a ilicitude também é alta. Razão pela qual, a determinação da medida da pena do Tribunal Colectivo a quo não deve ser questionada por este não violar manifestamente os princípios sobre a determinação da medida da pena previstos no CP.
31. Esta parte do recurso é improcedente.
32. Em conclusão, o recurso interposto pelo recorrente é parcialmente procedente. Deve declarar-se extintos, por efeito de prescrição, os procedimentos penais de 11 dos 47 crimes de burla, e alterar as qualificações jurídicas de outros 11 crimes para crime de burla de valor elevado previsto e punido pelo art.º 211.º, n.º 3 do CP, e determinando de novo a medida da pena.
Face ao exposto, deve julgar parcialmente procedente o recurso interposto, e anular a condenação e medida da pena de 22 crimes de burla de valor consideravelmente elevado no acórdão a quo, declarar-se extintos por efeito de prescrição os procedimentos penais de 11 crimes destes; e alterar as qualificações jurídicas de outros 11 crimes para crime de burla de valor elevado previsto e punido pelo art.º 211.º, n.º 3 do CP, determinando de novo a medida da pena.”; (cfr., fls. 506 a 515 e 593 a 622).
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Neste T.S.I., juntou o Exm° Representante do Ministério Público seguinte douto Parecer:
“Tanto quanto nos é dado apreender, funda o recorrente a sua alegação em assacados erros de direito (embora, pelo menos em parte, esgrima com “erro notório na apreciação da prova”), decorrentes de incorrecta apreciação e valoração jurídica da factualidade delituosa que lhe é imputada, ao não se ter subsumido a sua conduta à figura do crime continuado, ou, pelo menos, de 2 crimes dessa natureza, não ter contemplado a prescrição do procedimento criminal relativamente a algumas das infracções e ter subsumido a conduta apurada à prática de 47 crimes de burla, p.p. pelo n° 4 do art° 211°, CPM, quando uma grande parte dessa infracções (burlas) se reportam a valores inferiores a 150.000 patacas, não podendo, pois, ser consideradas de “valor consideravelmente elevado”, esgrimindo ainda com contradição insanável da fundamentação, dado ter-se procedido à condenação por 47 crimes daquela natureza, quando da explanação respectiva apenas resultariam 45, mostrando-se, finalmente, inconformado com a medida concreta da pena aplicada.
Cremos assistir-lhe alguma razão.
Entendeu-se no douto acórdão em crise que, dada a consideravelmente longa duração do tempo da execução dos actos ilícitos, o facto de, pela prática de cada ilícito ter o recorrente de falsificar novo documento e não se ter encontrado a solicitação de qualquer situação exterior que diminua a culpa, não se imporia a integração da conduta na figura do crime continuado.
Assistem-nos sérias reservas quanto à conclusão.
No caso, assiste-se à realização plúrima do mesmo tipo de crimes, protegendo o mesmo bem jurídico, inexistindo, inequivocamente, a solicitação de situação exterior facilitadora da prática desses ilícitos, decorrente da situação profissional e posição funcional do agente e do inerente fácil acesso aos meios e documentação utilizados, verificando-se também que, embora para cada uma das práticas, houvesse que proceder a novas falsificações e ao escrutínio, em cada caso, de conta bancária para transferência dos fundos, não deixou de haver uma forma essencialmente homogénea nessa prática, não existindo “inovações” ou “novas resoluções” em cada uma delas.
E, o largo tempo decorrido entre a primeira a última dessas práticas, se alguma coisa atesta é precisamente a permanência, impune, de “ambiência” facilitadora das práticas delituosas, a permitir a conclusão da diminuição, de forma decrescente, da culpa do agente em cada prática sucessiva, pelo que se nos afigura, de facto, ser a situação subsumível à continuação criminosa.
De todo o modo, assim se não entendendo, embora não descortinemos a existência de qualquer contradição ou disparidade relativa ao número de ilícitos imputados ao recorrente na explanação do acórdão e aquele por que foi condenado, remetendo-nos, neste específico, para a explanação da Exma. colega junto da 1ª instância (pontos 9 a 13 das conclusões da motivação respectiva), esclarecedora a tal respeito, já a subsunção/integração jurídica operada relativamente a cada um dos ilícitos imputados nos merece as maiores dúvidas.
Desde logo, não trilhando o Mmo Juíz “a quo” os passos de eventual crime continuado, não poderia, obviamente, proceder à punibilidade de cada um dos ilícitos registados tendo como base a pena aplicável à conduta mais grave.
Ora, os n°s 4, al a), 3 e 1 do art° 211° CPM contemplam diferentes situações de punibilidade para os crimes de burla, consoante os prejuízos patrimoniais causados sejam de valor consideravelmente elevado, valor elevado ou nenhum destes, encontrando-se os montantes correspondentes legalmente definidos nas alíneas a) e b) do art° 196° do mesmo diploma legal.
Nestes parâmetros e atentos os montantes concretamente envolvidos em cada uma das infracções imputadas, constata-se que apenas 25 delas ultrapassarão o limiar do “valor consideravelmente elevado” (150.000 patacas), atingindo 10 o “valor elevado” (mais de 30.000 patacas) e não atingindo este valor as restantes 12 (cfr, a este propósito, o “mapa” constante da douta resposta do MP).
Donde, relativamente à integração jurídica das 22 infracções cujo prejuízo material respectivo não ultrapassou o limiar do “valor consideravelmente elevado”, haver que integrar e subsumir 12 delas à previsão do n° 1 do art° 211°, CPM e as outras 10 à previsão do n° 3 do mesmo normativo, ocorrendo, pois, notório erro de direito.
E, como é evidente, tal novo "alinhamento" de infracções registadas há-de ter forçosa repercussão a nível da extinção do procedimento criminal, designadamente no que respeita às 12 infracções p.p. pelo n° 1 do art° 211 ° CPM, às quais, de acordo com a al. d) do n° 1 do art° 110° do mesmo diploma, corresponde prazo de prescrição de 5 anos.
Assim sendo, tendo em vista nomeadamente o disposto nos n°s 1, al. a) e 3 do art° 113° e não se vislumbrando qualquer motivo de suspensão, constata-se que quando o recorrente foi constituído arguido e ouvido nessa qualidade a 29/12/09, há muito havia decorrido aquele prazo de 5 anos, acrescido de metade, pelo que haveria que ter-se como prescrito o procedimento criminal relativamente a tais ilícitos.
Finalmente, perante o que se deixa consignado, toma-se evidente encontrar-se em crise a medida concreta da pena aplicada, contra a qual o
recorrente também se rebela.
Só que, não se nos afigurando excessivas as penas parcelares de 4
anos concretamente aplicadas a cada um dos crimes p.p. pela al. a) do n° 4 do art° 211 ° CPM e sendo certo “sobejarem” ainda, em nosso critério, 25 crimes dessa natureza, para além dos 10, p.p. pelo n° 3 da mesma norma, mal se vê como, em sede de cúmulo, a pena a aplicar se possa afastar muito dessa medida.
E, pese embora o recorrente seja primário e tenha confessado, não se alcança comprovada qualquer outra circunstância anterior, posterior ou contemporânea da prática dos crimes que diminuam de forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa do agente ou a necessidade da pena, a impor ou justificar a almejada atenuação especial da pena.
Entende-se, pois, que, seja pela consideração de ocorrência da figura de crime continuado, seja pelo manifesto erro na integração jurídica da conduta apurada, merecerá provimento o presente recurso, por ocorrência de erro de direito, a poder e dever ser ultrapassado por este Tribunal”; (cfr., fls. 625 a 629).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“No dia 1 de Abril de 1995, o arguido A foi empregado pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, como oficial. Em 2006, o mesmo foi promovido a chefe, responsabilizando-se principalmente pelo auxílio aos clientes na transferência de fundos, pela abertura de livro de cheques e pelas actividades de facturas.
Cada vez finda a transacção, deve o arguido entregar o respectivo documento a D, chefe da negociação, para que ela o examine. Depois de o ter examinado, D entregue-o a C, gerente do banco, para a revisão. E depois, o arguido envia, por via de fax, os dados da transacção para a Sociedade de Hong Kong, que decide, dependendo do fundo do Sucursal de Macau, enviar-lhe dinheiro ou requerer que este deposite dinheiro na conta bancária da Sociedade de Hong Kong.
Por perder dinheiro no investimento em acções, o arguido queria recuperar a sua perda com mais brevidade. Desta forma, decidiu levantar dinheiro do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, usando livros de cheques por clientes requeridos mas não levantados.
Durante 2000 e 2009, o arguido praticou, pelo menos 47 vezes, o levantamento de fundos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau.
Os crimes praticados pelo arguido podem ser divididos em duas fases, cada das quais se distingue pelo modo de execução.
A primeira fase:
Durante 2000 e 2005, apresenta-se a seguir o modo de execução:
Segundo os respectivos regulamentos, a liquidação das transacções dos bilhetes monetários denominados em HKD é responsabilizada pelo Banco da China, Sucursal de Macau. O Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, só tem uma conta de liquidação das transacções dos bilhetes monetários no Banco da China, o número de conta é HKD01-11-520-0XXX-7, cujo extracto bancário é tratado pelo arguido sozinho. Pelo que, este emitiu cheques, usando livros de cheques por clientes requeridos mas não levantados, para os depositar nas contas de depósitos criadas pelo arguido junto do Banco da China, Banco de Seng Heng ou Banco Nacional Ultramarino. E depois o arguido falsificou extractos mensais do Banco da China para ocultar o levantamento dos respectivos fundos. Apresenta-se a seguir um dos exemplos.
Em 5 de Janeiro de 2004, dois cheques emitidos pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, foram descontados no Banco de Seng Heng, no valor total de HKD$367.000,00, entre os quais, um no valor de HKD$300.000,00 foi emitido pelo arguido, que falsificou a assinatura dum cliente, para o depositar na sua conta no Banco de Seng Heng.
No mesmo dia (5 de Janeiro de 2004), quanto ao tratamento dos documentos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, o arguido não registou o cheque no valor de HKD$300.000,00 emitido por este Banco e descontado no Banco de Seng Heng. Pelo que, segundo os documentos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, naquele dia, só um cheque por este Banco emitido foi descontado no Banco de Seng Heng, cheque esse no valor de HKD$67.000,00.
Para ocultar o facto de ser cobrado o fundo no valor de HKD$300.000,00 na conta do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, o arguido falsificou um extracto mensal emitido pelo Banco da China para o Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau. Tal extracto mostrou que no dia 5 de Janeiro de 2004, a despesa do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, foi no valor de HKD$2.787.708,32.
No entanto, do extracto mensal da conta dos bilhetes monetários prestado pelo Banco da China resulta: em 5 de Janeiro de 2004, a despesa do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, foi no valor de HKD$3.087.708,32.
Isto quer dizer, o arguido burlou, usando o modus operandi acima referido, o fundo no valor de HKD$300.000,00 do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau.
Durante 2000 e 2005, o arguido praticou 40 vezes, usando tal modus operandi, levantamento de fundos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, no valor total de HKD$12.500.000,00.
Durante 26 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2006, o arguido converteu, por duas vezes, as verbas acima referidas em Patacas, sendo os montantes no valor respectivamente de MOP$5.150.000,00 e MOP$7.725.000,00. Ao mesmo tempo, o arguido falsificou o empréstimo interno ao Wing Hang Bank a fim de ocultar a respectiva conduta.
A segunda fase:
Durante Abril de 2007 e 2009.
Segundo os respectivos regulamentos, as trocas de cheques e os empréstimos em Patacas entre bancos devem ser realizados através das contas de provisões criadas pelos bancos na Autoridade Monetária de Macau. Tendo em conta a natureza do trabalho do arguido, os cheques emitidos por clientes só podem ser descontados após a verificação dele. De acordo com as práticas normais da actividade bancária, os empréstimos de moedas entre bancos não têm documentos para os comprovar.
Pelo que, o arguido decidiu emitiu cheques, usando livros de cheques por clientes requeridos mas não levantados, para os depositar na conta em Patacas por ele criada no Banco da China. E depois, ele falsificou transacções de empréstimos em Patacas entre bancos para ocultar a sua conduta ao Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, visando evitar a verificação realizada pelos departamentos de auditoria e de contabilidade deste Banco. Apresenta-se a seguir o modus operandi concreto:
Primeiro, o arguido emitiu um cheque, usando livros de cheques por clientes requeridos mas não levantados, para o depositar na conta de depósito em Patacas n.º 090110087XXX por ele criada no Banco da China. Recebido tal cheque, o Banco da China efectuou a liquidação local deste através de câmara de compensação de cheques. Durante a liquidação, a Autoridade Monetária de Macau levantou da conta do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, o valor indicado no cheque e depositou o mesmo valor na conta do arguido. Ao mesmo tempo, o respectivo cheque foi devolvido ao Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau para ser examinado. Recebido o cheque, o empregado deste Banco submeteu-o ao arguido. O procedimento normal é: recebido o cheque, o arguido cobra o valor do cheque na conta bancária de cliente. No entanto, o arguido usou cheques de clientes com o fim de levantar fundos na conta de provisão criada pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, na Autoridade Monetária de Macau. Pelo que, recebido um cheque, o arguido, em vez de efectuar a cobrança de valor na conta de clientes, rasgou-o.
Desta conduta resulta o desequilíbrio entre os registos nos livros internos da conta corrente do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, na Autoridade Monetária de Macau e o saldo verdadeiro indicado nesta conta. Pelo que, antes da conciliação da conta, o arguido falsificou uma transacção de empréstimo de moedas entre bancos para ocultar a sua conduta acima referida, isto quer dizer, falsificou um empréstimo ao Wing Hang Bank de montante igual ao que mostrado no cheque, usando a taxa de empréstimo bancário em Patacas daquele dia. E depois o arguido elaborou um documento relativo a esta falsa transacção, e respondeu-o ao superior. Quando vencida a falsa transacção, o arguido elaborou documento para a renovação da mesma, e respondeu-o ao superior. Assim aparentou-se o equilíbrio da conta do seu Banco.
Parece que os fundos não se reduzem na conta do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, no entanto, o arguido já levantou dinheiro daquela conta. Por outro lado, Wing Hang Banco não procedeu à auditoria com Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, porque aquele nunca tinha as respectivas transacções de empréstimo com este. Apresenta-se a seguir um dos exemplos:
Em 25 de Março de 2009, seis cheques emitidos pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, foram descontados no Banco da China, no valor total de MOP$3.582.147,97, entre os quais, um no valor de MOP$3.561.147,77 foi emitido pelo arguido, usando livros de cheques por clientes requeridos mas não levantados, para o depositar na conta de depósito em Patacas n.º 090110087XXX por ele criada no Banco da China.
No mesmo dia (25 de Março de 2009), quanto ao tratamento dos documentos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, o arguido não registou tal cheque no valor de MOP$3.561.147,77 descontado no Banco da China. Pelo que, segundo os documentos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, naquele dia, só 5 cheques por este Banco emitidos foram descontados no Banco da China, cheques esses no valor total de MOP$21.000,20.
Para aparentar o equilíbrio entre os registos nos livros internos da conta corrente do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, na Autoridade Monetária de Macau e o saldo verdadeiro indicado nesta conta, o arguido aumentou o empréstimo ao Wing Hang Bank no valor de MOP$3.561.147,77 através de falsificar uma transacção de empréstimo de moedas entre bancos, fazendo com que o montante dos fundos emprestados do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, ao Wing Hang Bank alcance o valor de MOP$29.000.000,00. Desta forma, aparenta-se o equilíbrio na conta bancária e foi ocultado o facto de o arguido burlar fundos no valor de MOP$3.561.147,77 do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau.
De Abril de 2007 a 2009, antes da desligação do serviço do arguido, este praticou, em total 5 vezes, usando tal modus operandi, o levantamento de fundos da conta criada pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, na Autoridade Monetária de Macau.
Durante 2000 e 2009, o arguido levantou fundos no valor total de MOP$37.000.000,00 possuídos pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau.
Cada vez obtido o fundo, o arguido transferiu-o para a sua conta em HKD, que se destina aos investimentos tais como as acções.
Examinados os livros diários da conta em MOP n.º 090110087XXX e conta de cheque n.º 211120022XXX abertas pelo arguido junto do Banco da China, encontrou-se que durante Março de 2008 e Setembro de 2009, vários cheques não do Banco da China foram depositados na conta n.º 090110087XXX do Banco da China. Ao depois, o arguido transferiu os fundos indicados nos cheques, em vários vezes, para a conta de cheque n.º 211120022XXX aberta no Banco da China. Entre as transferências de fundos, o montante menor é cerca de 3 milhões patacas, enquanto o maior é cerca de 8 milhões patacas, em total, no valor cerca de MOP$20.000.000,00.
Através do reconhecimento da pessoa, C (gerente), E (gerente auxiliar administrativa) e D (chefe da negociação) reconheceram que o arguido A é empregado do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau e a pessoa que confessou burla do dinheiro do Banco.
O arguido, com intenção de obter para si enriquecimento ilegítimo, por meio de engano sobre facto que provocou astuciosamente, determinou outrem a perder património de valor consideravelmente elevado, pretendendo violar o direito patrimonial de outrem. O mesmo falsificou extractos mensais e transacções de empréstimos de moedas entre bancos com o fim de aparentar-se o equilíbrio na conta geral do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, desta forma ocultando o facto de ele retirar várias vezes fundos do Banco. As suas condutas pretendem afectar a fé pública dos respectivos documentos e obter para si benefício ilegítimo.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas acima referidas, bem sabendo que estas são proibidas e punidas por lei.
Também se provou:
Segundo o seu registo criminal, o arguido é delinquente primário.
Facto relativo à indemnização civil:
- o assistente já pagou o honorário ao defensor no valor de MOP$135.802,41 em relação ao processo.
Factos não provados: não há factos importantes a ser provados.”; (cfr., fls. 456-v a 459 e 557 a 565).
Do direito
3. Feito que está o relatório, e transcrita que também ficou a factualidade dada como provada, vejamos se ao recorrente assiste razão.
Diz o recorrente que o Colectivo a quo incorreu nos vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, mostrando-se-lhe também o Acórdão proferido e ora recorrido inquinado com “erro de direito”, por errada qualificação jurídico-penal da sua conduta e excesso de pena.
–– Comecemos pelos vícios da matéria de facto, (pois que sem uma boa decisão de facto inviável é uma adequada decisão de direito).
Pois bem, como de forma firme e unânime tem este T.S.I. entendido, o imputado vício de “contradição” apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre este e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., o recente Acórdão deste T.S.I. de 27.01.2011, Proc. n° 634/2010 do ora relator).
Por sua vez, também o assacado “erro notório” apenas “existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., o citado Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010).
No caso, afirma o recorrente que se incorreu no vício de “contradição insanável” dado que no Acórdão recorrido não se esclarece se os crimes que se entendeu ter cometido constituíam “tentativas ou outras situações”; (cfr. concl. y).
Ora, verifica-se assim que a “questão” colocada prende-se então com a “qualificação jurídico-penal” efectuada, e, desta forma, adequado não é considerar-se a mesma como relacionada com a “decisão da matéria de facto”.
No que toca ao vício de “erro notório”, o mesmo vem suscitado dado que considera o recorrente que acertada não é a decisão da sua condenação pela prática de 47 crimes de “burla de valor consideravelmente elevado”.
Assim posta a questão, também aqui se nos mostra de concluir que a mesma, nada tem a ver com a decisão da matéria de facto, não sendo assim de se dar por verificados, (na parte em questão), os vícios pelo recorrente assacados.
–– Seria assim de se passar a apreciar dos “erros de direito” pelo recorrente imputados ao Acórdão recorrido, e que, se bem ajuizamos, tem a ver com a eventual qualificação da sua conduta como a prática de 1 ou 2 “crimes na forma continuada”, com a “prescrição” de pelo menos algum dos crimes cometidos, com a “indevida qualificação” de (pelo menos) certos crimes como “burlas de valor consideravelmente elevado” ou “de valor elevado”, e com o “excesso de pena” por não se lhe ter sido especialmente atenuada.
Porém, atenta a factualidade dada como provada, cremos que totalmente inviável é proceder-se à apreciação de tais questões.
Com efeito, e como se deixou dito, sem uma boa decisão da matéria de facto, inviável é uma boa (adequada) decisão de direito.
E cremos ser a situação dos autos.
Vejamos.
Em síntese, a factualidade dada como provada começa por nos dar conta que a conduta do recorrente desenvolveu-se entre data não determinada do ano de 2000 a 2009, (veja-se pois o parágrafo onde se relata, que “durante 2000 e 2009, o arguido praticou, pelo menos 47 vezes, o levantamento de fundos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau”).
Depois, afirma-se que os “crimes praticados pelo arguido podem ser divididos em duas fases”, considerando-se como integrando a “1ª fase” o período de tempo de “2000 a 20005”.
Seguidamente, após se fazer uma (abreviada) descrição dos procedimentos bancários no âmbito de transacções monetárias do Banco ofendido ou entre este e outros estabelecimentos bancários, faz-se referência ao dia 05.01.2004 como sendo a data em que o ora recorrente, através da falsificação de documentos e com determinados procedimentos conseguiu “desviar”, em seu proveito, HKD $300.000.00 do mencionado banco ofendido, afirmando-se, de seguida, que:
“Durante 2000 e 2005, o arguido praticou 40 vezes, usando tal modus operandi, levantamento de fundos do Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, no valor de HKD $12.500.000,00”, que,
“Durante 26 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2006, o arguido converteu, por duas vezes, as verbas acima referidas em Patacas, sendo os montantes no valor respectivamente de MOP$5.150.000,00 e MOP$7.725.000,00. Ao mesmo tempo, o arguido falsificou o empréstimo interno ao Wing Hang Bank a fim de ocultar a respectiva conduta.”
Depois, referindo-se à “2ª fase” e situando-a no período de “Abril de 2007 a 2009”, começa-se por descrever novamente procedimentos bancários, para, mais adiante se afirmar que, em 25.03.2009, e através do não registo de um cheque emitido pelo banco ofendido no valor de MOP$3.561.147.77, apoderou-se o recorrente deste montante, relatando-se, depois, que:
“De Abril de 2007 a 2009, antes da desligação do serviço do arguido, este praticou, em total 5 vezes, usando tal modus operandi, o levantamento de fundos da conta criada pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau, na Autoridade Monetária de Macau”, e que,
“Durante 2000 e 2009, o arguido levantou fundos no valor total de MOP$37.000.000,00 possuídos pelo Banque Nationale de Paris, Sucursal de Macau.”
E, mais adiante, pode ler-se também que:
“Examinados os livros diários da conta em MOP n.º 090110087XXX e conta de cheque n.º 211120022XXX abertas pelo arguido junto do Banco da China, encontrou-se que durante Março de 2008 e Setembro de 2009, vários cheques não do Banco da China foram depositados na conta n.º 090110087XXX do Banco da China. Ao depois, o arguido transferiu os fundos indicados nos cheques, em vários vezes, para a conta de cheque n.º 211120022XXX aberta no Banco da China. Entre as transferências de fundos, o montante menor é cerca de 3 milhões patacas, enquanto o maior é cerca de 8 milhões patacas, em total, no valor cerca de MOP$20.000.000,00”.
Certo sendo que com base na transcrita “matéria de facto provada” se considerou o ora recorrente autor da prática, em concurso real (e na forma consumada), de 47 crimes de “burla de valor consideravelmente elevado” p. e p. pelo art. 211°, n.°4, al.al) do C.P.P.M., cabe aqui consignar o que segue:
–– Não estando descritas, com a desejável precisão, as “datas” de cometimento assim como o circunstancialismo que rodeou a prática de cada 1 destes 47 crimes de “burla (de valor consideravelmente elevado)”, como decidir se se está perante um ou mais crimes continuados?
Ora, como sabido é, o conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, sendo que, a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material”; (cfr., v.g., o Acórdão de 21.07.2005, Proc. n.°135/2005).
E, ponderando no descrito “modus operandi”, que implicava uma série de operações e procedimentos, e assim, a ultrapassagem (de uma série) de “obstáculos”, razoável parece a consideração que inverificado está o pressuposto da mencionada “situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Porém, a factualidade provada não explicita se, (v.g.), num mesmo dia, (e se de uma só vez), realizou o recorrente (apenas) uma ou várias (mais) “operações” para se apoderar de (várias) quantias monetárias.
–– Por sua vez, é sabido que os prazos da prescrição do procedimento criminal variam de acordo com as penas aplicáveis aos respectivos crimes, e que, no caso do crime dos presentes autos, de “burla”, a pena para o mesmo varia consoante o montante pecuniário defraudado, (cfr., art. 110° e 211° do C.P.M.), importando também atentar na “data de cometimento do crime” e se em causa está a figura do “crime continuado”; (cfr., fls. 111° do mesmo Código).
“In casu”, não se sabendo se em causa estão crimes continuados, identificadas também não estando as datas de cometimento dos crimes assim como os montantes envolvidos em cada um deles, como decidir se prescrito está um ou vários crimes, e, a estar(em), qual(is)?
E, sem se ter resposta para tal questão, como decidir também se em causa estão (quantos) crimes de “burla simples”, “burla de valor elevado” e de “valor consideravelmente elevado”?
E como decidir-se da peticionada atenuação especial da pena?
Pois bem, em sede da audiência de julgamento do recurso, e atento o que até aqui se expôs, foram os sujeitos processuais alertados para uma eventual decisão no sentido de se considerar o Acórdão recorrido como inquinado com o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, tendo os mesmos sobre tal questão alegado nos termos que entenderam adequado, prescindido de prazo suplementar para o fazer.
Está assim observado o contraditório, e sendo o “vício” em questão de conhecimento oficioso, vejamos.
Tem este T.S.I. entendido que a dita “insuficiência” apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre “matéria objecto do processo”; (cfr., Acórdão de 24.02.2011, Processo n.° 884/2010).
Na situação dos presentes autos, o banco ofendido e assistente, acompanhou a acusação pública e deduziu pedido civil em expediente oportunamente apresentado, não deixando de aí indicar (com pormenor) as datas e montantes dos crimes praticados pelo arguido ora recorrente; (cfr., fls. 354 a 369).
Porém, como se vê do Acórdão ora recorrido, sobre tal matéria nada disse o T.J.B..
Verifica-se efectivamente do mesmo Acórdão que o Colectivo a quo limitou-se a emitir pronúncia sobre a matéria da “acusação pública”, consignando, em seguida, e quanto a “factos não provados” que “não há factos importantes a ser provados”.
Ora, independentemente do demais, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, há que reconhecer que expresso não está assim que “não se provaram os restantes factos”, e nesta conformidade, evidente é pois que incorreu o Colectivo a quo no apontado vício de “insuficiência…”, inviável sendo outra solução que não o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..
*
Uma nota final.
Em sede de alegações orais aquando do julgamento do recurso, afirmou o banco ofendido que devia este T.S.I. decidir de forma prática, (ou pragmática), dando preferência a uma “decisão sobre o mérito” do recurso.
Todavia, e ainda que seja tal decisão desejável, ponderando na situação em causa no presente recurso, não se nos mostra possível.
Com efeito, a decisão sobre o mérito do presente recurso implica, como atrás se tentou explicitar, uma total compreensão da conduta do arguido, e não estando esta devidamente esclarecida e explicitada por omissão do Tribunal recorrido, impõe-se o referido reenvio do processo.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam reenviar o processo para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..
Sem tributação
Macau, aos 24 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido, porque entendo que não se pode ordenar o reenvio do processo com fundamento na ocorrência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto independentemente do carácter não oficioso – segundo defendo em processos penais recursórios anteriormente julgados neste T.S.I. – de conhecimento deste vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., sempre se me afiguraria in casu que não houve nenhuma lacuna no apuramento da matéria de facto objecto do processo penal em questão, pois o Colectivo a quo já deu praticamente como provada toda a matéria fáctica acusada no libelo acusatório do M.P., ao qual o Banco Assistente se limitou a aderir pura e simplesmente, sem ter acrescentado quaisquer outros factos para “complementar” a versão fáctica imputada ao Arguido pelo M.P., embora já tenha o mesmo Banco Assistente deduzido o seu pedido cível enxertado nos autos penais em causa, com descrição de muitos “factos detalhados”, os quais, porém, não podem constituir também parte do objecto do processo penal propriamente dito, mas sim tão-só constituir o objecto do pedido cível. Assim sendo, e em face da matéria de facto já dada por provada no acórdão recorrido, afigurar-se-me-ia que há que passar a condenar o Arguido apenas como autor material de dois crimes consumados de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211.º, n.º 4, al. a), do C.P., na para de 4 anos por cada, e em cúmulo, na pena única de 7 anos, já que só existem factos provados concretos suficientes para esses dois crimes, em concurso real efectivo, e nunca em continuação criminosa, com o que ficaria prejudicada a necessidade de conhecimento da questão de prescrição do procedimento penal referente a “outros crimes de burla de valor menor”).
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