Processo n.º 657/2010 Data do acórdão: 2011-6-16
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– fixação de indemnização de danos morais
– art.o 487.o do Código Civil
– art.o 489.o do Código Civil
S U M Á R I O
Não há fórmula sacramental para a matéria de fixação de quantia para reparação de danos morais sob a égide do disposto no art.° 487.°, ex vi do art.° 489.°, ambos do Código Civil de Macau, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 657/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente demandante: A
Recorridos demandados: B e C
Tribunal a quo: Tribunal Colectivo do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 163 a 167 dos autos de processo comum colectivo n.o CR1-08-0094-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, com pedido de indemnização cível enxertado pelo 1.o arguido A contra os 2.o e 3.o arguidos B e C, todos já ali melhor identificados, ficam estes dois demandados condenados a pagar solidariamente àquele MOP$40.000,00 (quarenta mil patacas) para reparação de danos morais e MOP$7.001,10 (sete mil e uma patacas e dez avos) para indemnização de despesas médicas, por estes dois arguidos terem cometido, em 19 de Julho de 2005, um crime consumado de ofensa grave à integridade física (p. e p. pelo art.o 138.o, alínea d), do Código Penal de Macau) contra o demandante, o qual, por sua vez, ficou, ao mesmo tempo, condenado como autor de um crime de ofensa simples à integridade física (do art.o 137.o, n.o 1, do mesmo Código) contra o arguido B.
Inconformado, veio recorrer o arguido demandante A para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar, na sua motivação de fls. 196 a 201, que a quantia indemnizatória dos danos morais arbitrada no acórdão recorrido fosse elevada para MOP$60.000,00 (sessenta mil patacas) (tal como inicialmente reclamada no pedido cível enxertado a fls. 109 a 114) e que os dois demandados passassem a ser condenados a pagar-lhe também MOP$18.000,00 (dezoito mil patacas), ou pelo menos, MOP$6.000,00 (seis mil patacas) para indemnização da perda do rendimento no alegado período de três meses de convalescença.
Ao recurso, responderam os dois arguidos demandados unamente a fls. 204 a 206, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o processo, afirmou o Digno Procurador-Adjunto em sede de vista que não tinha legitimidade para emitir parecer por estar em causa somente a parte cível.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão do recurso, é de retirar da fundamentação fáctica do acórdão recorrido a seguinte factualidade material e concretamente dada por provada:
– devido à conduta de agressão dos dois demandados B e C, o demandante A teve fractura das 6.a e 7.a costelas do lado esquerdo, com hemopneumotórax ligeiro do lado esquerdo, e lesões nos tecidos moles na testa, o que lhe reclamou 30 dias de convalescença, com perigo para a vida;
– o demandante ficou hospitalizado no período de 19 a 26 de Julho de 2005, para receber tratamento cirúrgico do tórax e de drenagem da cavidade torácica do lado esquerdo;
– o demandante sente dores das lesões, é empreteiro de obras de decoração e tem por rendimento mensal cerca de seis mil patacas, e sem nenhuma pessoa a seu cargo;
– os dois demandados B e C são trabalhadores de construção civil, ganhando cada um deles cerca de onze mil patacas por mês, ambos igualmente com a esposa, dois filhos e a mãe a cargo.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que este Tribunal de Segunda Instância (TSI), como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir das questões material e concretamente postas pela parte recorrente na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas respectivas conclusões, e já não decidir, da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela parte recorrente para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
O demandante pede, em primeiro lugar, que a quantia achada no acórdão recorrido para reparação de danos morais seja aumentada para o montante inicialmente peticionado.
Atentas todas as circunstâncias fácticas pertinentes já acima referidas, das quais transparecem sobretudo as várias lesões sofridas pelo ora recorrente e o comprovado perigo de vida, é patente que à luz do disposto no art.° 487.°, ex vi do art.° 489.°, ambos do Código Civil de Macau, não é nada de excessivo o montante de MOP$60.000,00 pretendido para reparação dos seus danos morais, sendo de frisar aqui que não há nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados (neste sentido, cfr., de entre vários outros, o acórdão deste TSI, de 2 de Junho de 2011, do Processo n.o 467/2010).
No tangente à perda do rendimento do demandante, como só se provou que ele precisou de 30 dias para convalescença, e já não de três meses como reiterou na sua motivação do recurso, só se pode passar a condenar os dois demandados a pagar-lhe também solidariamente MOP$6.000,00 (seis mil patacas) destinadas à indemnização da perda do rendimento naquele comprovado período de convalecença. (É de notar que ao contrário do alegado na motivação do recurso, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha errado na apreciação da prova acerca da questão da duração da convalescença).
Dest’arte, procede parcialmente o recurso, com o que o total indemnizatório a ser pago solidariamente pelos dois demandados ao ora recorrente passa a ser de MOP$73.001,10 (setenta e três mil e uma patacas e dez avos) ($60.000,00 + $7001,10 + $6.000,00 = $73.001,10).
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso do arguido demandante A, passando, por conseguinte, a condenar os dois arguidos demandados B e C a pagar solidariamente àquele MOP$60.000,00 (sessenta mil patacas) para reparação dos danos morais, e MOP$6.000,00 (seis mil patacas) para indemnização da perda do rendimento, sendo intacto o remanescente já decidido no acórdão recorrido, com o que o total indemnizatório que estes dois precisam de pagar solidariamente àquele passa a ser de MOP$73.001,10 (setenta e três mil e uma patacas e dez avos).
Custas do pedido cível em ambas as Instâncias a cargo do demandante e dos dois demandados, na proporção dos respectivos decaimentos.
Fixam em duas mil e duzentas patacas os honorários da Exm.a Defensora Oficiosa do arguido demandante, e em duas mil e duzentas patacas os honorários totais do mesmo Exm.o Defensor Oficioso dos dois arguidos demandados, tudo a cargo, por ora, do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 16 de Junho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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