Processo n.º 292/2010 Data do acórdão: 2011-6-16
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– contradição insanável da fundamentação
– emprego ilegal
S U M Á R I O
Ocorre o vício de contradição insanável da fundamentação referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea b), do Código de Processo Penal de Macau, quando o tribunal a quo, na fundamentação fáctica da sua sentença absolutória da arguida da inicialmente acusada prática de dois crimes de emprego de trabalhadores ilegais, descreveu como concretamente provado que foi a arguida quem chamou os dois senhores testemunhas dos autos a trabalharem numa fracção autónoma e até lhes garantiu que lhes iria pagar vencimento, e ao mesmo tempo já descreveu como não provado que a arguida empregou esses dois senhores para trabalharem na mesma fracção.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 292/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguida recorrida: A (XXX)
Tribunal a quo: 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 73v 74v dos autos de processo comum singular n.o CR3-09-0611-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou a arguida A (XXX), aí já melhor identificada, e julgada à revelia pela própria consentida, absolvida da acusada prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto.
Inconformada, veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar, na sua motivação apresentada a fls. 79 a 84, a invalidação dessa sentença com fundamento na violação, aquando do julgamento dos factos, do disposto no art.o 325.o do Código de Processo Penal de Macau (CPP), e também na existência do vício de contradição insanável da fundamentação a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea b), deste Código.
Ao recurso não foi apresentada resposta em nome da arguida.
Subido o processo, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 93 a 94, pugnando pelo reenvio do processo para novo julgamento.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do recurso, é de coligir do exame dos autos os seguintes elementos:
Na fundamentação fáctica da sua sentença absolutória (cfr. concretamente o teor de fl. 74 dos autos), o Mm.o Juiz a quo descreveu como provado (como facto provado 4) que a arguida chegou a chamar as duas testemunhas do processo B (XXX) e C (XXX) para trabalharem na fracção autónoma envolvida nos autos, e garantiu a esses dois indivíduos que lhes iria pagar o vencimento de duzentas e oitenta patacas por dia, enquanto descreveu como não provado (como facto não provado 2) que a arguida empregou os dois trabalhadores do processo B e C para trabalharem na fracção autónoma dos autos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que este Tribunal de Segunda Instância (TSI), como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir das questões material e concretamente postas pela parte recorrente na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas respectivas conclusões, e já não decidir, da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela parte recorrente para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
Nesses parâmetros, e tal como já se deixou escrito no relatório do presente acórdão, o Ministério Público imputou materialmente à sentença recorrida a violação do art.o 325.o do CPP e a contradição insanável da fundamentação.
Ante os elementos referidos na parte II do presente acórdão, mostra-se patente a este Tribunal ad quem a existência do vício referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea b), do CPP, uma vez que o facto provado 4 e o facto não provado 2 estão em contradição insanável, posto que se foi a arguida quem chamou aqueles dois senhores a trabalharem na fracção autónoma dos autos e até lhes garantiu que lhes iria pagar vencimento, este facto provado, aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta do ente julgador, já não pode coexistir com o facto não provado 2, segundo o qual não se provou que a arguida empregou esses dois senhores para trabalharem na fracção dos autos.
Com o que já não é mister conhecer da outra questão posta na motivação do recurso vertente, atinente à assacada violação do art.o 325.o do CPP.
Entretanto, não tendo peticionado o Ministério Público a renovação da prova nesta Segunda Instância, é de reenviar todo o objecto do processo para novo julgamento em primeira instância, a ser feito por um Tribunal Colectivo, nos termos do art.o 418.o, n.o 2, do CPP, visto que do confronto da fundamentação fáctica da sentença com a matéria fáctica acusada à arguida, resulta claro que o Mm.o Juiz a quo não acolheu como boa, praticamente falando, toda a matéria fáctica descrita no libelo então deduzido a fls. 49 a 50.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar provido o recurso, reenviando a totalidade do objecto do processo para novo julgamento em primeira instância.
Sem custas pelo presente recurso.
Fixam em mil patacas os honorários do Exm.o Defensor Oficioso da arguida, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 16 de Junho de 2011.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 292/2010 Pág. 1/6