Processo n.º 611/2010 Data do acórdão: 2011-6-23
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– acidente de viação
– enumeração genérica de factos não provados
– período mínimo de convalescença
– não cura total das lesões
– insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
– reenvio parcial do processo
S U M Á R I O
1. Como do teor concreto da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, não se retira que o Tribunal a quo tenha investigado todo o objecto probando do pedido cível enxertado na acção penal dos autos, emergente de acidente de viação, por a mesma fundamentação fáctica não ter, para já, respondido concretamente a toda a matéria fáctica alegada na petição cível, é patente o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal de Macau (CPP).
2. Na verdade, sendo a aí nuclear e materialmente alegada “ainda não cura total das lesões” (como um facto importante na economia do pedido indemnizatório) logicamente compatível com o facto já dado por provado no acórdão recorrido no sentido de que “as lesões em causa demandam, pelo menos, 30 dias para convalescença”, o alegado facto de “ainda não cura total das lesões” não pode ser considerado como já abrangido na seguinte afirmação genérica empregue pelo tribunal recorrido “Factos não provados: Os remanescentes factos importantes constantes do pedido cível e da contestação que não se encontram conformes com os factos já dados por provados”.
3. Com o que há que reenviar o processo para novo julgamento em primeira instância, nos termos conjugados dos art.os 400.o, n.o 2, alínea a), 418.o, n.os 1 e 3, do CPP, relativamente à matéria fáctica alegada na petição cível que não chegou a ser investigada concretamente pelo Tribunal a quo.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 611/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente/Demandante: A (XXX)
Recorrida/Demandada: Companhia de Seguros B, S.A.R.L.
Tribunal a quo: 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 347 a 351v dos autos de processo comum colectivo n.o CR1-07-0090-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, com pedido de indemnização cível enxertado pelo ofendido A (XXX) contra o arguido C (XXX) e a Companhia de Seguros B, S.A.R.L., para pedir a condenação destes dois demandados civis a pagar um total indemnizatório não inferior a MOP$711.392,20 (setecentas e onze mil, trezentas e noventa e duas patacas e vinte avos), com juros legais desde a citação até integral pagamento, ficou o arguido condenado, como autor de um crime consumado de ofensa grave à integridade física por negligência, p. e p. principalmente pelo art.o 142.o, n.o 3, do Código Penal de Macau, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por três anos, e, como autor de uma infracção p. e p. pelos art.os 24.o, n.o 2, e 70.o, n.o 3, do anterior Código da Estrada, na multa de MOP$1.500,00 (mil e quinhentas patacas), com interdição da condução por oito meses, bem como ficou a civilmente demandada seguradora condenada a pagar MOP$257.943,20 (duzentas e cinquenta e sete mil, novecentas e quarenta e três patacas e vinte avos) de indemnização total de danos patrimoniais e não patrimoniais (com juros legais contados desde o trânsito em julgado da decisão até integral e efectivo pagamento) ao demandante vítima do acidente de viação dos autos, por cuja produção teve, segundo o juízo desse Tribunal, o arguido culpa exclusiva.
Inconformado, recorreu o demandante civil para pedir a este Tribunal de Segunda Instância a determinação do reenvio do processo para novo julgamento, por a decisão tomada em primeira instância quanto ao seu pedido cível padecer dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova (cfr. o teor da motivação de fls. 377 a 384 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu a demandada seguradora no sentido materialmente de manutenção do julgado (cfr. a resposta de fl. 407 a 414 dos autos).
Subidos os autos, entendeu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista dada a fl. 425, que não havia lugar à emissão de parecer, por estar em causa apenas a indemnização cível.
Feito o exame preliminar, e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência em julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido (concretamente constante de fls. 348 a 348v dos autos), resulta que o Tribunal Colectivo a quo considerou materialmente provados os seguintes factos, com pertinência à decisão do objecto do recurso ora interposto pelo demandante civil:
– a conduta de condução do arguido C no dia 8 de Fevereiro de 2006, cerca das três horas da tarde, causou directamente ao ofendido A fractura do colo do fémur esquerdo, o que o fez submeter-se à operação cirúrgica de substituição da articulação da metade esquerda da coxa;
– de acordo com o relatório de perícia médico-legal de fl. 38 dos autos, a conduta do arguido já causou ofensa grave à integridade física do ofendido;
– as lesões em causa demandam, pelo menos, 30 dias para convalescença;
– o acidente de viação gerou os seguintes prejuízos económicos ao ofendido: MOP$7.307,20 como despesas médicas, MOP$585,00 como despesas com alimentação fornecida pela União Geral das Associações dos Operários de Macau, e MOP$51,00 como despesas com transporte, tudo isto no total de MOP$7.943,20;
– para além disso, o ofendido demandante sofre imensas dores de difícil expressão por linguagem, não só aquando da ocorrência do acidente de viação, como durante o período de tratamento, sendo que as dores ocasionadas pela operação cirúrgica e o medo, sofrimento e a sensação de falta de ajuda sentidos na cama de doente só podem ser sentidos por quem colocado pessoalmente nessa situação real (cfr. o facto então materialmente alegado no art.o 39.o da petição cível, referido como provado no acórdão recorrido);
– e tem ainda uma cicatriz irremovível na perna esquerda, com 7,5 centímetros de comprimento (cfr. o facto alegado no art.o 41.o da petição cível, referido como provado no acórdão).
(Sendo certo que os primeiros três factos provados acima referidos equivalem materialmente aos quarto, quinto e sexto factos acusados no libelo deduzido em 14 de Novembro de 2006 pelo Ministério Público a fls. 52 a 53).
Por outra banda, o Tribunal recorrido deu expressamente como não provados os seguintes factos:
– os factos alegados nos art.os 30.o a 34.o da petição cível, relativos às alegadas despesas de transporte por táxi para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário (no valor total de MOP$407,00), por autocarro da Cruz Vermelha de Macau para o mesmo Centro Hospitalar (no valor total de MOP$152,00), por táxi para o Departamento de Trânsito (no valor total de MOP$112,00), e por autocarro público para o Ministério Público (no valor total de MOP15,00), respectivamente;
– e o facto alegado no art.o 36.o da petição cível, respeitante à alegada perda total da capacidade de trabalho do demandante, o qual invocou aí que antes do acidente, tem vindo a dedicar-se aos trabalhos não permamentes de reparação de electrodomésticos e de obras de decoração do interior de fracções autónomas, com rendimento anual cerca de MOP$58.800,00 (e mensal médio cerca de MOP$4.900,00), pelo que tendo em conta o seu estado de saúde antes do acidente de viação, ele deve poder trabalhar, pelo menos, por mais oito anos.
E no demais, afirmou o Tribunal recorrido no 6.o parágrafo da página 4 do seu acórdão (a fl. 348v) o seguinte: “Factos não provados: Os remanescentes factos importantes constantes do pedido cível e da contestação que não se encontram conformes com os factos já dados por provados”.
Outrossim, do exame dos autos, decorrem também os seguintes elementos, com pertinência à decisão do recurso:
– no relatório de perícia médico-legal datado de 27 de Junho de 2006 (e constante de fl. 38), aludido na fundamentação fáctica do acórdão recorrido, afirmou o Senhor Perito Médico que, nomeadamente, o examinado ainda não está curado e há que solicitar em Setembro desse ano ao Hospital um relatório de exame médico mais detalhado sobre o tratamento e a avaliação da recuperação do examinado;
– o ofendido demandante chegou a alegar o seguinte facto no art.o 8.o da sua petição cível (a fl. 81), apresentada em 16 de Abril de 2007: “As lesões supra referidas do autor demandam mais de 30 dias para convalescença, tendo sido internado em hospital por duas vezes para tratamento (de 8 de Fevereiro de 2006 a 27 de Fevereiro de 2006, e de 12 de Abril de 2006 a 23 de Junho de 2006), ... as dores trazidas pelas referidas lesões têm permanecido até à data presente”;
– bem como alegou o seguinte facto no art.o 9.o da mesma petição: “O autor, até agora, ainda não está curado...”;
– para além de ter alegado também no art.o 11.o da petição a fractura da sua oitava costela direita, e no art.o 37.o do mesmo articulado a prevista necessidade de sujeição, no futuro, a operações de substituição de material então instalado na articulação do seu fémur;
– em 15 de Abril de 2010, apresentou o demandante o requerimento de fl. 184, para pedir a junção aos autos, de alguns documentos tendentes a provar o facto alegado no art.o 8.o da petição cível, sobretudo no atinente à situação de “permanência das lesões até à data presente”;
– na contestação então apresentada pela demandada Companhia de Seguros B, S.A.R.L., ao pedido cível, esta afirmou impugnar a versão fáctica invocada pelo demandante.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que este Tribunal de Segunda Instância (TSI), como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir das questões material e concretamente postas pela parte recorrente na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas respectivas conclusões, e já não decidir, da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela parte recorrente para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
Na sua motivação do recurso, o ofendido demandante começa por afirmar que as quantias indemnizatórias de danos patrimoniais (no valor total de MOP$7.943,20) e de danos não patrimoniais (em MOP$250.000,00), tal como fixadas pelo Tribunal Colectivo recorrido “não traduzem... os danos efectivamente sofridos pelo recorrente, fundamentando o seu recurso em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e em erro notório na apreciação da prova, nos termos, respectivamente, das alíneas a) e c) do no 2 do art.o 400o do CPP”.
E no referente ao primeiro dos vícios apontados, defende concretamente o recorrente que como ele, na altura, através do requerimento de fl. 184, já alegou que “ainda hoje” carece de tratamento médico, o Tribunal recorrido, ao ter respondido que dá como assente que o ofendido recupera das lesões sofridas após “mais de 30 dias”, deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão, já que “mais de 30 dias” é uma expressão indeterminada, pois “31 dias são mais do que 30 dias, mas 4 anos também o são”, o que não permite tirar uma conclusão acertada sobre as consequências do acidente, no que à integridade física do ofendido diz respeito, nem permite uma justa decisão, no tocante ao pedido indemnizatório formulado.
Já em relação ao segundo dos vícios, preconiza o recorrente que se constata dos autos que ele, ainda hoje, se sujeita a tratamentos médicos, pelo que haveria que arbitrar uma indemnização por danos não patrimoniais, em quantia que não aquela que foi arbitrada.
Pois bem, ante os elementos já acima coligidos na parte II do presente acórdão de recurso, é patente a este Tribunal ad quem a existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto do teor concreto da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, não se retira que o Tribunal a quo tenha investigado todo o objecto probando do pedido cível, por a mesma fundamentação fáctica aí tecida não ter, para já, respondido concretamente a toda a matéria fáctica alegada no art.o 8.o da petição cível, nem à matéria fáctica vertida no art.o 9.o desse petitório.
Na verdade, sendo a aí nuclear e materialmente alegada “ainda não cura total das lesões” (como um facto importante na economia do pedido indemnizatório) logicamente compatível com o facto já dado por provado no acórdão recorrido no sentido de que “as lesões em causa demandam, pelo menos, 30 dias para convalescença”, o alegado facto de “ainda não cura total das lesões” não pode ser considerado como já abrangido na seguinte afirmação genérica empregue pelo Tribunal recorrido “Factos não provados: Os remanescentes factos importantes constantes do pedido cível e da contestação que não se encontram conformes com os factos já dados por provados”.
Pela mesma razão, a matéria fáctica alegada no art.o 11.o da petição cível (relativa à fractura da oitava costela direita) e no art.o 37.o do mesmo articulado (respeitante à prevista necessidade de sujeição, no futuro, a operações de substituição de material então instalado na articulação do fémur), factualidade alegada toda essa que se insere naturalmente na problemática de “ainda não cura total das lesões”, também não pode ser entendida como já incluída na dita enumeração genérica de factos não provados.
Com o que há que reenviar o processo para novo julgamento em primeira instância, por um novo Tribunal Colectivo, nos termos conjugados dos art.os 400.o, n.o 2, alínea a), 418.o, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal de Macau (CPP), relativamente à matéria fáctica alegada nos art.os 8.o, 9.o, 11.o e 37.o da petição cível (de fls. 80 a 89), uma vez que o recorrente não chegou a pedir, em sede do art.o 402.o, n.o 3, do CPP, a renovação de prova nesta Segunda Instância.
Caberá, pois, ao Tribunal Judicial de Base investigar, em concreto, da veracidade da matéria fáctica vertida nos art.os 8.o, 9.o, 11.o e 37.o da petição cível, e depois decidir de novo, em função do resultado de investigação da alegada “ainda não cura total das lesões”, conjugado com toda a matéria de facto já dada por provada no acórdão recorrido, sobre o pedido de indemnização de danos morais e o pedido de indemnização de danos futuros (formulado inclusivamente na parte final do art.o 37.o da petição cível).
Com o acima analisado e concluído, já não é mister conhecer do remanescente assacado vício de erro notório na apreciação da prova, porque o novo julgamento a fazer já implicará a nova apreciação da prova no ponto ora controvertido pelo recorrente com pertinência à almejada justa fixação da quantia indemnizatória para reparação dos seus alegados danos morais.
Do supra relatado e analisado, também resulta que o demandante não chegou a questionar concretamente a decisão tomada no acórdão recorrido na parte em que se fixou a indemnização dos danos patrimoniais emergentes em MOP$7.943,20 e se julgou não provado o pedido de indemnização de lucros cessantes (deduzido com fundamento na perda do rendimento de trabalho após o acidente de viação).
Portanto, e na falta de recurso também pela demandada seguradora, ficam intactas as diversas quantias indemnizatórias de danos patrimoniais emergentes no total de MOP$7.943,20, por que já vinha condenada a seguradora, pelo que este segmento decisório e o outro referente à improcedência do pedido de indemnização de lucros cessantes, já transitaram em julgado a partir do 11.o dia contado da data da leitura pública, em 27 de Abril de 2010, do acórdão recorrido.
Sendo certo que os juros legais do referido montante de MOP$7.943,20 só se vencem desde o mesmo 11.o dia contado de 27 de Abril de 2010, e não em momento anterior, porquanto o termo inicial para contagem de juros dessa quantia indemnizatória, fixado nesse aresto como sendo na data do trânsito em julgado da decisão, não foi impugnado pelo demandante na motivação do presente recurso, pelo que devido ao princípio do dispositivo, e, por isso, não obstante a posição jurídica obrigatória firmada no recente douto Acórdão uniformizador de jurisprudência do Venerando Tribunal de Última Instância, de 2 de Março de 2011, do Processo n.o 69/2010, não se pode alterar agora oficiosamente esse termo inicial de contagem de juros legais da quantia de MOP$7.943,20.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em conceder provimento ao recurso do demandante civil, reenviando, por conseguinte, mas apenas parcialmente, o objecto do pedido cível de indemnização para novo julgamento, cabendo, pois, ao Tribunal Judicial de Base investigar em concreto a matéria fáctica então alegada nos art.os 8.o, 9.o, 11.o e 37.o da petição cível, e depois decidir de novo sobre o pedido de indemnização de danos morais e o pedido de danos futuros (formulado inclusivamente na parte final do art.o 37.o da petição cível), com o que fica mantida a condenação já decidida no acórdão recorrido, da demandada seguradora no pagamento ao demandante de MOP$7.943,20 (sete mil, novecentas e quarenta e três patacas e vinte avos) como total indemnizatório dos comprovados danos patrimoniais emergentes do demandante, com juros legais desde o 11.o dia contado da leitura pública, em 27 de Abril de 2010, do acórdão recorrido.
Custas do presente recurso pela recorrida seguradora, por esta ter pugnado pelo malogro do recurso.
Macau, 23 de Junho de 2011.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto) (Vencido. Segue declaração de voto)
Processo nº 611/2010
(Autos de recurso penal)
Declaração de voto
Com o Acórdão que antecede decidiu-se reenviar o processo para novo julgamento.
Entendeu-se que padecia a decisão recorrida do imputado vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “porquanto do teor concreto da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, não se retira que o Tribunal a quo tenha investigado todo o objecto probando do pedido cível, por a mesma fundamentação fáctica aí tecida não ter, para já, respondido concretamente a toda a matéria fáctica então alegada no art. 8° da petição cível, nem à matéria fáctica vertida no art. 9° do mesmo petitório”.
Não sufragamos o assim entendido e decidido.
A constatada “insuficiência…” tem sido por este T.S.I. (pacificamente) entendida como o vício que apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Acórdão hoje prolatado no Processo n.°258/2011).
E, no caso, inegável nos parece que emitiu o Colectivo a quo pronúncia sobre (toda) a dita matéria objecto do processo.
Nesta conformidade, e afigurando-se-nos que no Acórdão que antecede se incorre em equívoco quando se considera que na decisão recorrida se deu como provado que as lesões causadas ao ofendido “demandam” pelo menos, 30 dias de convalescença, pois que, em nossa opinião, o que provado ficou é que as ditas lesões “demandaram” pelo menos, 30 dias de convalescença, (sendo também este o sentido pelo ora recorrente alegado – vd., motivação do recurso), vejamos.
Na parte que aqui interessa, e na petição apresentada em 16.04.2007, alegou o demandante civil, ora recorrente, que, em virtude do acidente de viação de que foi vítima e que ocorreu em 08.02.2006, “sofreu lesões que lhe demandaram mais de 30 dias de convalescença”, (cfr., art. 8°), que “ainda não estava curado”, (cfr., art. 9°), e que “tinha que se sujeitar a operações de substituição de material instalado no seu fémur”.
E, após audiência de discussão julgamento realizada em 20.04.2010, em sede de “factos provados”, considerou o Colectivo a quo no seu Acórdão, (e em nossa opinião), que as lesões com o acidente causadas ao ofendido “demandaram, pelo menos, 30 dias de convalescença”, e, quanto aos “factos não provados”, consignou que não se provaram “os remanescentes factos importantes constantes do pedido cível e da contestação que não se encontram conformes com os factos já dados por provados”.
Perante isto, não se vislumbra como considerar-se que o Tribunal a quo não investigou, (nomeadamente), a matéria (agora) invocada para se dar por verificado o mencionado vício de “insuficiência”.
De facto, no seu Acórdão emitiu o Colectivo a quo explicita pronúncia quanto ao “período de convalescença do ofendido” – consignando-se, expressamente, que tal período durou, “pelo menos, 30 dias” – sendo o mesmo aresto igualmente claro quanto à decisão que recaiu sobre à alegada não recuperação total do demandante, assim como da sua necessidade de se submeter a uma nova cirurgia para substituição do material instalado no seu fémur.
Na verdade, (e como se tem vindo a entender perante situações análogas), não se incluindo estes “últimos dois factos” na matéria de facto dada como provada, e consignando-se que “não se provaram os remanescentes factos importantes constantes do pedido cível e da contestação que não se encontram conformes com os factos já dados por provados”, impõe-se concluir que aqueles resultaram “não provados”, não se alcançando assim a dita “insuficiência”.
Por sua vez, não cremos também que com o facto dado como provado no sentido de que o ofendido necessitou de “pelo menos, 30 dias de convalescença” não se tenha concretizado o período em questão.
Com efeito, os juízes não possuem “varinhas mágicas” nem “bolas de cristal”, e o Tribunal também não é uma “máquina da verdade”, só podendo ir até onde lhe for possível, isto é, até onde a prova o permitir. Se não determinou, em concreto, os dias em questão, é porque não conseguiu apurar, (em concreto), quantos foram os dias de convalescença, importando também ter presente que tal “matéria” tinha sido, pelo próprio demandante, nestes exactos termos alegada na sua petição.
Por fim, também não nos parece que dando-se apenas como provado que o demandante necessitou de, pelo menos, 30 dias de convalescença se fica sem saber se o mesmo está (totalmente) recuperado.
É que há que ter em conta que o acidente ocorreu em 08.02.2006, e que o julgamento teve lugar em 20.04.2010. E, se se consignou no Acórdão recorrido que o ofendido “necessitou de, pelo menos, 30 dias de convalescença”, (atente-se no tempo do verbo “necessitar”), adequado e lícito é concluir então que recuperado está.
Aliás, atentos os termos da questão, e à solução à mesma dada pelo Acórdão que antecede, seria caso para se dizer que, a haver vício, em causa estaria sim o de “contradição insanável”, que, por nós, e como se colhe do que se deixou exposto, também não ocorre.
Daí, não nos parecendo que esteja a decisão recorrida inquinada com o aludido vício de “insuficiência”, e sem embargo do muito respeito devido a entendimento em sentido diverso, a presente declaração.
Macau, aos 23 de Junho de 2011
José Maria Dias Azedo
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