Proc. nº 118/2008
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Junho de 2011
Descritores: - Prescrição de créditos laborais
- Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
SUMÁRIO:
I- Entre o prazo de 15 anos para a verificação da prescrição, fixado no Cod. Civil de 1999, e o de 20, estabelecido no Cod. Civil de 1966, aplicar-se-á o segundo, se o seu termo ocorrer primeiro, face ao disposto no art. 290º, nº1.
II- Para esse efeito, não se aplica ao contrato entre um trabalhador do casino e a STDM as normas dos arts. 318, al. e) do Cod. Civil de 1966 e 311º, al. c) do Cod. Civil vigente porque a relação laboral assim firmada entre as partes é de trabalho e não equivalente à do contrato doméstico.
III- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
IV- Na vigência do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
V- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
VI- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
Proc. N. 118/2008
Recorrentes: STDM
Recorridos: A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, representado pelo MP, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$192.952,18, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde 11 de Setembro de 1998, data em que para a ré começou a trabalhar, até 19 de Junho de 1993, altura em que cessou a relação laboral entre ambos.
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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex. Mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador (fls. 91/92vº), julgando-a improcedente com o argumento de que o prazo de prescrição é de vinte anos e que ainda não se tinha consumado quando a ré fora notificada para a tentativa de conciliação.
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Dessa decisão recorreu a STDM, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. A Ré ora Recorrente não concorda com o entendimento do Mmo. Juiz a quo no qual determina o prazo de prescrição dos créditos reclamados pelo A., ora Recorrido, ou seja, o de 20 anos (do artigo 309º do CC de 1966).
2. Quanto à excepção peremptória de prescrição de créditos anteriores a 27 de Abril de 2002, porque com mais de 5 anos desde a citação da Ré ora Recorrente para contestar a acção judicial dos presentes autos, sempre diremos, em conclusão, o seguinte:
3. Em termos substantivos e processuais, de acordo com as regras gerais de aplicação das leis no tempo, por ser o CC vigente o diploma que regula o instituto da prescrição à data da entrada da petição inicial, o prazo prescricional aplicável é o de 5 anos (nos termos da alínea f) do artigo 3030 do CC vigente, ou, caso seja de aplicar o CC de 1966, nos termos da alínea g) do artigo 310º do CC de 1966), conforme consta do artigo 9º da Contestação.
4. Por isso, estando em causa obrigações duradouras, mais precisamente, prestações periódicas, sucessivas, continuadas, reiteradas ou com trato sucessivo,
5. Como são as prestações laborais (neste sentido Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria, “Direito das Obrigações”, volume I, Almedina, 1987, João de Matos Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 2000, 10.ª edição e Luis Manuel Teles de Menezes Leitão, 5.ª edição, 2006, vol. I., “Direito das Obrigações”, Coimbra, Almedina) obrigações duradouras, e sendo que o salário e as compensações por descansos se reconduzem ao conceito de salário, conforme os preceitos 28º e 29º do RJRT de 1984 e artigos 26º e 27º do RJRT actual,
6. Recebendo o A., ora Recorrido um salário em função do trabalho efectivamente prestado, eventuais créditos que possam ser devidos pela ora Recorrente ao Recorrido, devidos a título de compensação pela prestação de trabalho prestado durante o período de descanso semanal, anual, ou em feriados obrigatórios, constituem todos uma parte componente do conceito de salário efectivamente devido no tempo em que tais créditos se constituíram.
7. Assim, considerando que a ora Recorrente foi citada em 27 de Abril de 2007, interrompendo a prescrição, os créditos a considerar para efeitos de prescrição são aqueles que forem exigíveis no período compreendido entre 11 de Setembro de 1988 e 19 de Maio de 2002, já que só estes seriam exigíveis há mais de 5 anos.
8. Deste modo, devem considerar-se prescritos todos os créditos laborais vencidos entre 11 de Setembro de 1988 e 19 de Junho de 1993. A Relação entre a R. e a A. terminou há mais de 14 anos, pelo que, tendo decorrido mais de dois anos sobre a data da cessação, não se aplica o prazo de dois anos de suspensão do prazo de prescrição nos créditos laborais, valendo assim o prazo prescricional de 5 anos
Em face de todo o exposto - e salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo e pela sua douta decisão no saneador - afigura-se, ser de revogar o despacho aqui em crise, por errada determinação das regras prescricionais aplicáveis e das normas legais aplicáveis ao presente litígio.
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Não houve contra-alegações.
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O processo prosseguiu os seus trâmites, tendo na oportunidade sido proferida sentença, que condenou a ré a pagar ao autor a importância de Mop$ 180.936,69 e juros de mora respectivos.
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Dessa sentença interpôs recurso a STDM, em cujas alegações apresentou as conclusões seguintes:
I. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso, por parte da Autora, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pela Recorrida, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dia de descanso anual como se a Ré tivesse impedido a Autora de gozar aqueles dias, e com base no regime do salário mensal.
II. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito e culposo.
III. E, de acordo com os artigos 17º, 21º e 23º do RJRT de 1984 e dos artigos 17º, 20º e 24º, todos do RJRT de 1989, qualquer deles aplicável, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
IV. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que a A. precisava da autorização da R. para ser dispensada ao serviço.
V. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A., ora Recorrida, i. e., a ilicitude e a culpa do comportamento da R., ora Recorrente.
VI. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário - em função do trabalho efectivamente prestado.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
VII. A Autora, e ora Recorrida, não estava dispensada do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias, alegadamente, não gozou.
VIII. Assim sendo, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A., ora Recorrida.
IX. Nos termos do número 1 do artigo 342º do Código Civil de 1966 e do artigo 335º do Código Civil de 1999, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”;
X. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos da base instrutória, cabia à A., ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou, proibiu, impediu ou negou o gozo de dias de descanso (sejam semanais, anuais ou feriados).
XI. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, culposa ou punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XII. O número 1 do artigo 5º de ambos os dois RJRT (de 1984 e de 1989), dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o artigo 6º de ambos os dois e mesmos diploma legais que, os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XIII. O facto de a A., ora Recorrida, ter beneficiado de um generoso e vantajoso esquema de distribuição de gratificações ou de gorjetas dos Clientes dos casinos que a Ré explorou entre 1962 e 2002, e que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe à entidade empregadora o dever de pagar um salário justo.
XIV. É que, pois, caso a ora Recorrida auferisse apenas um “salário justo” - da total responsabilidade da Recorrente, e pago na íntegra por esta - certamente que, esse salário seria inferior ao rendimento total que a ora Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
XV. Não concluindo - e nem sequer se tendo debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise, devendo ser a mesma revogada ou alterada quanto a esta questão.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XVI. A aceitação da trabalhadora de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
XVII. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica de Macau consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 70º e seguintes do Código Civil de 1966 e dos artigos 67º e seguintes do Código Civil de 1999, consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e semanal e os feriados obrigatórios).
XVIII. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XIX. Destarte, deveria o Mmo Tribunal recorrido, ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XX. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a ora Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XXI. E, não tendo a Recorrida, sido impedida ou proibida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da Ré/Recorrente à A./Recorrida.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
XXII. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que a A., ora Recorrida, era retribuída com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário em função do trabalho efectivamente prestado.
XXIII. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como a aqui Recorrida, é a mesma há cerca de 40 anos. auferiam um salário diário de, no caso, MOP4.10, primeiro, e depois de HKD$10.00 por dia, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
XXIV. Acresce que o “esquema” do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
XXV. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com os dois RJRT, de 1984 e de 1989, que prevêem, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no artigo 1º dos dois diplomas laborais de Macau.
XXVI. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que a A., ora Recorrida, era retribuída de acordo com um salário mensal, a sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
XXVII. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a ora Recorrente entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é errada, ao tentar estabelecer como imperativo (ou seja, o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como sendo dispositivo (i.e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
XXVIII. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pelo A, ora Recorrida, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
XXIX. O trabalho prestado pelo Recorrida em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
XXX. A retribuição já paga pela ora R./Recorrente à ora Recorrida por esses dias, deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que a A. tinha direito, nos termos dos Decretos-Leis n.º 10l/84/M, de 25 de Agosto, depois do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e, finalmente, nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990 (que alterou o RJRT de 1989 e aqui aplicáveis).
XXXI. Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. as alíneas a) e b) do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989), tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
XXXII. Ora, nos termos do número 4 do artigo 26º do RJRT em vigor, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do número 6 do artigo 17º, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com a entidade empregadora.
XXXIII. Nos termos do artigo 28º do RJRT de 1984, o salário referido a um determinado período (como é o caso dos Autos), já inclui o salário correspondente aos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
XXXIV. No RJRT de 1984 não existe uma norma como a do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989, nem uma norma como a do artigo 24º do mesmo actual RJRT.
XXXV. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
XXXVI. A decisão Recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da alínea b) do número 6 do artigo 17º e do artigo 26º, ambos do actual RJRT, bem como do número 28º do RJRT de 1984, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda e concluindo:
XXXVII. As gratificações ou luvas ou prémios ou gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gratificações ou as luvas ou os prémios, ou as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da ora Recorrente.
XXXVIII. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999, e agora na R. A. E. M., pelo Tribunal de Última Instância.
XXXIX. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacifica e unanimemente.
XL. O punctum crucis essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo da entidade empregadora.
XLI. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade, no sinalagma entre a prestação do trabalho do trabalhador e a sua remuneração pela entidade empregadora.
XLII. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas/gratificações/luvas/prémios irregulares, de salário ou de retribuição - artigos 2º e 3º da Lei n.º 2/78/M, de 25 de Fevereiro de 1978.
XLIII. Neste sentido, qualifica o Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM, S. A., como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
XLIV. Na verdade, a reunião, guarda, recolha e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, S. A., mas com a colaboração e intervenção de uma Comissão Paritária composta por empregados de casino, funcionários. da tesouraria e ainda de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a todo esse procedimento.
XLV. Apenas a distribuição das gratificações, gorjetas, ou das luvas cabia e coube apenas em exclusivo à Ré/Recorrente.
XLVI. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Tribunal a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto decidendo.
XLVII. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gratificações ou luvas ou gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, S. A., aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e a DICJ.
XLVIII. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
XLIX. Nem, diga-se, de iure constituendo, ou de lege ferenda, nos vários projectos de novo RJRT, discutidos desde 2007, se irá incluir um mínimo salarial ou o que será quantitativamente e qualitativamente o referido «salário justo», que seja do conhecimento público.
L. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
LI. Finalmente, a Ré gostaria ainda de invocar, os Doutos Acórdãos 28/2007 e 29/2007 respectivamente, de 21 de Setembro de 2007, e 22 de Novembro de 2007, nos quais o Tribunal de Ultima Instância demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
LII. A decisão ora em crise deverá ser revista e reformulada, absolvendo a ora Recorrente, considerando as presentes alegações de Direito procedentes por provadas.
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A trabalhadora respondeu ao recurso, concluindo as suas alegações da forma que segue:
1.) A visão pessoal da recorrente em atribuir determinados sentidos às provas produzidas não vincula o tribunal recorrido;
2.) O tribunal deve seguir o princípio de “livre convicção” na sede de avaliação das provas produzidas, a não ser que haja prova vinculada;
3.) Há um círculo essencial e básico dos direitos do trabalhador que merece de uma tutela acrescida, inderrogável pelas vontades das partes;
4.) Só assim se justifica a existência do direito de trabalho, servindo-se como direito de protecção do trabalhador;
5.) No caso vertente, e dada ao peso que ocupa a gorjeta no vencimento do trabalhador, o seu modo de distribuição, a prática habitual e a inegável correspectividade entre a prestação de trabalho e o seu efectivo pagamento, é legítimo em afirmar que o salário do trabalhador é composto em duas partes, uma delas fixa e outra parte variável.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
a) A Autora trabalhou para a Ré entre 11 de Setembro de 1988 e 19 de Junho de 1993, como empregada de casino.
b) Como contrapartida da sua actividade laboral, o Autora, desde o início da relação laboral com a Ré e até à respectiva cessação, recebeu, de dez em dez dias, uma quantia fixa diária de MOP$4,10 até 30 de Junho de 1989 e de HKD$10.00 a partir de 1 de Julho de 1989.
c) Além disso, a Autora recebeu, de dez em dez dias, uma parte, variável, das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os trabalhadores desta.
d) As gorjetas eram distribuídas pela entidade patronal segundo um critério por esta fixado por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
e) Na distribuição interna das gorjetas, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e departamento em que trabalhavam.
f) A Ré sempre pagou à Autora, regular e periodicamente, a respectiva quota-parte das gorjetas, as quais sempre integraram o orçamento normal da Autora, que sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
g) Entre os anos de 1988 e 1993, a Autora recebeu, ao serviço da Ré, os seguintes rendimentos anuais:
1988 - MOP$13,938.00
1989 - MOP$55,220.00
1990 - MOP$111,717.00
1991 - MOP$III,627.00
1992 - MOP$125,098.00
1993 - MOP$94,781.00
h) Sobre esses rendimentos incidiu imposto profissional nos termos que constam da certidão de rendimentos de fls. 15 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
i) O Autor prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
j) A ordem e o horário dos turnos são os seguintes:
- 1º e 6º turnos: das 7 às 11 horas e das 3 às 7 horas.
- 3º e 5º turnos: das 15 às 19 horas e das 23 às 3 horas;
- 2º e 4º turnos: das 11 às 15 horas e das 19 às 23 horas.
k) Nos dias em que o Autor não prestou serviço efectivo não recebeu, da parte da Ré, qualquer remuneração.
1) O Autor sempre prestou serviços nos seus dias de descanso semanal, sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação salarial nem disponibilizado com outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviço.
m) A Autora prestou serviço à Ré nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990 e 1991, bem como 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês e 1 de Maio do ano 1992.
n) A Autora prestou também serviço à Ré nos restantes feriados obrigatórios de 1 dia de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989, 1990 e 1991, e 1 dia de Cheng Meng e 1 dia de 10 de Junho de 1992.
o) Sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação salarial.
p) O Autor prestou serviço à Ré nos dias de descanso anual, sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação adicional.
q) Nos dias de descanso em que o Autor trabalhou, auferiu os respectivos rendimentos.
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III- O Direito
1- Do recurso do saneador
A ré STDM, na sua contestação, havia defendido que todos os créditos laborais invocados pela A. estariam prescritos à data em que teve lugar a sua citação, ou seja, em 19/05/2007.
No saneador foi decidido nenhum estava prescrito, considerando o prazo de vinte anos previsto no art. 309º do Código Civil e a data em que fora a ré notificada para a tentativa de conciliação.
Desse despacho interpôs a STDM recurso jurisdicional (ver conclusões supra).
Apreciando.
Em primeiro lugar, importa dizer que a legislação laboral de Macau (DL n. 101/84/M, de 25/08 e, posteriormente, o DL no 24/89/M, de 3/ de Abril) nada estatuem, especificamente, sobre o regime de prescrição dos créditos emergentes das relações laborais. E se é certo que o Código Civil previa a figura do contrato de trabalho, a verdade é também que não regulamentou o seu regime, remetendo-o para legislação especial (arts. 1152º e 1153º). Regulamentação que viria a surgir com o Decreto-Lei no 49408, de 24/11/1969, que no seu art. 38º estabeleceu um prazo de prescrição de um ano para todos os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer ao trabalhador, contando-se esse prazo “a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. Assim, em matéria de prescrição, haverá que recorrer ao regime do Código Civil, importando apenas averiguar se o anterior de 1966, se o de 1999.
O art. 290º, n.1 do Cod. Civil actual (que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1999) estabelece que o prazo fixado em lei nova, desde que mais curto do que o fixado em lei anterior, será aplicado aos prazos que já estiverem em curso. Contudo, ainda de acordo com a referida norma, o início desse prazo só se dá a partir da entrada em vigor da nova lei, “a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, caso em que essa será a lei aplicável.
Ora, o prazo ordinário de 15 anos fixado na lei nova (art. 302º, do C.C. vigente) contado desde 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014, enquanto o de 20 anos (art. 309º, C.C. anterior) se completaria antes disso. E para tanto se concluir basta pensar que, mesmo contado o prazo a partir do limite máximo – o correspondente ao termo da relação laboral, ocorrido em Junho de 1992 (tese do recorrente) – o período de 20 anos terminaria em Junho de 2012. E se isto é assim tendo por base de contagem a data da cessação da relação laboral, por maioria de razão se haverá de concluir se atendermos como “dies a quo” qualquer data em que, antes daquela cessação, se entenda que o direito pudesse ser exercido pelo trabalhador em relação a cada um dos seus autonomizados créditos.
Tratando-se a prescrição de um instituto que beneficia o credor, em razão da lassidão do devedor e em vista da estabilização das relações e da segurança do comércio jurídico, cremos, assim, que o regime da lei antiga será o aplicável ao caso em apreço, além do mais por ter sido, inclusivamente, ao seu abrigo que toda a relação laboral se estabeleceu (durou entre Setembro de 1984 e Junho de 1992).
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Mas, obtida esta conclusão, outra questão já se coloca.
Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende o recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 311º, al. c), do C.C. vigente, segundo o qual “a prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos decorridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
Ora, em primeiro lugar, desta última disposição não decorre que o prazo apenas se inicia com o termo da relação laboral. Ao dizer no seu proémio que “a prescrição não se completa” está a partir de um pressuposto, que é o de haver um prazo já iniciado, o qual não terminará senão ao fim de um período de dois anos após o termo do contrato de trabalho. Trata-se, em suma, de uma disposição que estabelece uma suspensão do prazo prescricional e não um diferimento do “dies a quo”.
Em segundo lugar, na medida em que ela traz à luz do dia uma estatuição até então inexistente, a ideia de uma novação parece sair reforçada. Quis o legislador tomar posição expressa pela primeira vez sobre o assunto, não sendo legítimo inferir que essa sempre fora a sua intenção implícita contida na legislação anterior.
Mas regressemos ao art. 318º do C.C. de 1966. Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
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E como proceder para apuramento concreto da prescrição?
Tendo em consideração duas disposições: a do art. 306º, n.1 e a do art. 323º, n.1, do C.C. de 1966. Ou seja, tendo-se em conta que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (1ª) e que o prazo se interrompe com a citação (2ª). Assim sendo, visto que a citação ocorreu em 19/05/2007, este será o marco a considerar. Prescritos estariam os créditos subsistentes para lá de vinte anos antes de 19 de Maio de 2007 (isto é, anteriores a 19/05/1987).
Ora, como a relação laboral teve início em 11 de Setembro de 1988, torna-se claro que a prescrição não se tinha verificado, tal como o despacho saneador tinha decidido.
Em suma, improcede o recurso do saneador.
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2- Recurso da sentença
Defende a recorrente STDM que a sentença errou (e seria nula por isso) quanto aos factos dados como apurados, por não se ter demonstrado que o trabalhador esteve impedido (e só nessa circunstância haveria ilícito) de gozar os dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios ou sequer que nunca os tenha gozado.
A nosso ver, não tem razão. Com efeito, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Quanto ao impedimento invocado, algo mais adiante diremos.
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Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador, que durante décadas, recebeu “salários elevadíssimos” (repare-se como o lapso traiu a STDM recorrente ao considerar elevado o salário; para ser elevado o salário era forçoso que nele se incluíssem as gorjetas) para as suas qualificações, tal como o afirma a recorrente (fls. 277 v.). Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
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Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Diferente se nos afigura já a questão do erro na apreciação da prova. A solução antevê-se, porém, fácil.
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º , n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa numa convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível controlar.
Portanto, à falta de melhores elementos, não se pode dar razão à recorrente sobre este ponto.
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Da natureza do vínculo e da composição do salário
Nas conclusões seguintes, o recorrente insurge-se contra a indemnização fixada, em especial contra a fórmula de cálculo fixada na sentença. Todavia, para apuramento de um dos factores que integram a fórmula importa que afirmemos previamente a natureza do contrato e o valor do salário em causa.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida em 1988 como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária a quantia fixa de Mop$ 4,10 desde o início até 30 de Junho de 1989 e de HK $ 10,00 desde 1 de Julho de 1989. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
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E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração (alínea E) dos factos). Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
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Como calcular a compensação?
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 101/84/M
A sentença nesta parte entendeu que o diploma em epígrafe não concedia nenhuma compensação pecuniária pelos dias de trabalho prestado nos períodos de descanso semanal.
Ora, não tendo o autor recorrido da sentença, e atendendo ao objecto do recurso apresentado pela STDM, impedido está o tribunal de se pronunciar sobre o assunto.
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Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como concluiu a sentença recorrida.
O valor devido (porque inferior ao limite peticionado) será de Mop$ 137.844,24.
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b) Descanso anual
b)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1, tal como atribuído na sentença, que assim não merece reparo.
Em vista da conclusão acabada de alcança, tendo ainda em conta os dias de descanso vencidos e não gozados e o valor de cada um em função dos anos a que respeitam, andou bem a sentença no calculo efectuado.
O valor a considerar é, pois, de Mop$ 475,82.
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c) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2 (neste caso, porém, não obstante a sentença não ter fixado valor compensatório relativamente ao ano de 1992, sendo certo que a relação terminou em Junho deste ano, a verdade é que o recorrente não a censurou no recurso, pelo que esta instância está impedida de se pronunciar sobre o assunto: art. 589º, n3 do CPC).
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1.
Acontece que a sentença entende que a compensação deve ser calculada com base em dois dias de salário (fórmula AxBx2), com o que a STDM nas suas alegações expressamente se conformou (ver fls. 274 vº dos autos e 31 da sentença).
Razão pela qual o TSI nada pode fazer, senão aceitar o valor encontrado na 1ª instância, já que nesta parte não há dissensão entre decisão e recurso.
A importância ascende, pois, a Mop$ 16.162,43.
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c) Feriados obrigatórios
c).1 - Na vigência do DL n. 101/84/M
A sentença não atribuiu qualquer valor indemnizatório. Ora, como o trabalhador interessado não recorreu da sentença e o objecto do recurso interposto pela STDM não abrange esta matéria, até por lhe ser favorável, está o TSI impedido de se pronunciar sobre o tema.
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b). 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
- Feriados remunerados
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, conforme decidiu a sentença. Assim, aceitar-se-á o valor além fixado, que monta a Mop$26.454,20.
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IV- Decidindo
Face ao que vem de ser dito, acordam em:
1- Negar provimento ao recurso interposto pela STDM do despacho saneador.
Custas pela recorrente STDM.
2- Negar provimento ao recurso interposto da sentença pela STDM e, em consequência, confirmar a sentença nos termos acima expostos e, por via disso, condenar a STDM a pagar a A a quantia de Mop$ 180.936,69, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pela recorrente STDM.
TSI, 16 de Junho de 2011.
José Cândido de Pinho (Relator)
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)
Processo nº 118/2008
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 16JUN2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong