Processo n.º 10/2011 Data do acórdão: 2011-7-7
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– nulidade de depoimento
– art.o 121.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– exame médico da lesão
– erro notório na apreciação da prova
S U M Á R I O
1. Do facto de ter existido entre o arguido e a irmã do ofendido uma relação de namoro e da circunstância, declarada pela própria irmã do ofendido em carta dirigida ao Ministério Público, de que o arguido chegou a torná-la grávida, não resulta necessariamente que o arguido e a irmã do ofendido tenham chegado a viver em condições análogas às de cônjuge, até porque o próprio arguido declarou ao Ministério Público que ele vivia só.
2. Por isso, não foi efectivamente necessário ao tribunal a quo, antes do recebimento dos depoimentos do ofendido, da irmã do ofendido e do pai deste, fazer a advertência prevista no n.o 2 do art.o 121.o do Código de Processo Penal de Macau, por estas três testemunhas, diversamente do alegado pelo arguido, não chegarem a ser “cunhado de facto”, “esposa de facto” e “sogro de facto” do arguido, respectivamente.
3. Como depois de analisada toda a fundamentação probatória da sentença recorrida condenatória do arguido como autor de um crime consumado de ofensa simples à integridade física do ofendido, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal a quo, ao ter formado a sua livre convicção sobre os factos então sob julgamento, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou das legis artis em matéria de julgamento da matéria de facto, há-de improceder o vício de erro notório na apreciação da prova, assacado pelo arguido.
4. Aliás, da mera circunstância de falta de feitura de exame médico da lesão então sofrida pelo ofendido, não se pode deduzir necessariamente que este não tenha sofrido no dia dos factos e na sequência exclusiva da conduta agressiva do arguido, dor nem inchaço de grau ligeiro no rosto esquerdo atingido pelas duas bofetadas dadas pelo arguido.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 10/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente arguido: A (XXX)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 116 a 120 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR1-10-0300-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por força do qual ficou condenado como autor material de um crime consumado de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do Código Penal de Macau (CP), na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, com a condição de pagar, dentro de um mês, mil patacas de indemnização de danos morais, com juros legais, ao ofendido B (XXX), veio o arguido A (XXX), aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para:
– a título principal, arguir a nulidade, até agora não sanada, do depoimento da irmã mais velha chamada C (XX) do ofendido (a qual, alegadamente, chegou a viver em ele em união de facto em condições análogas às de cônjuge), e a nulidade, por arrastamento, dos depoimentos do próprio ofendido e da testemunha D (XXX) na qualidade de pai do ofendido, por imputada falta de feitura, pela Mm.a Juíza a quo, das adverências prévias a que alude o n.o 2 do art.o 121.o do Código de Processo Penal de Macau (CPP), em relação a essas três testemunhas então ouvidas em audiência em primeira instância, que tinham com o próprio arguido uma relação análoga à de esposa, cunhado e sogro, com consequente absolvição do arguido do crime por que vinha acusado, ou, pelo menos, reenvio do processo para novo julgamento;
– e imputar, subsidiariamente, para idênticos efeitos de absolvição do crime, à Mm.a Juíza a quo o cometimento do erro notório na apreciação da prova, devido sobretudo à alegada falta de prova médica da “lesão”, traduzida em “dor e inchaço de grau ligeiro”, sofrida pelo ofendido, até porque os dois colegas de escola do ofendido, ouvidos em audiência como testemunhas, depuseram no sentido de que o arguido não chegou a dar bofetada ao ofendido (cfr. o teor da motivação do recurso de fls. 128 a 140 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Digno Representante do Ministério Público no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. o teor da resposta de fls. 142 a 144).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 157 a 159v), pugnando materialmente pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como ponto de partida para a solução do objecto do recurso, é de atender à fundamentação fáctica da sentença recorrida, de acordo com a qual, e na sua essência, se considerou provado que o arguido, de modo livre, voluntário e consciente, com intuito de ofender a integridade física do ofendido, sabendo que assim fazendo iria ser punido por lei, deu deliberadamente, no dia 13 de Fevereiro de 2009, cerca das seis horas da tarde, num jardim, e com a palma da sua mão direita, duas bofetadas no rosto esquerdo do ofendido, o que causou directa e necessariamente dor e inchaço de grau ligeiro no rosto esquerdo do ofendido, tendo, por outro lado, a Mm.a Juiz a quo tecido, nas páginas 3 (a partir do penúltimo parágrafo) a 4 (nos primeiros cinco parágrafos), concretamente a fls. 117 a 117v, fundamentação concreta do processo de formação da sua livre convicção sobre os factos (na qual a mesma Mm.a Juíza resumiu, inclusivamente, o teor das declarações do arguido, dos depoimentos do pai e da irmã do ofendido e do próprio ofendido, e referiu que os dois colegas de escola do ofendido depuseram com relato objectivo dos factos ocorridos, para além de ter afirmado a Mm.a Juíza que a sua convicção se formou com base na análise global de todos esses elementos probatórios e dos documentos dos autos).
Outrossim, dos autos não consta nenhum relatório de exame médico da lesão sofrida pelo ofendido.
Segundo a acta de audiência de julgamento de 4 de Novembro de 2010, lavrada a fls. 114 a 115v:
– o pai do ofendido, antes de depor, declarou que o arguido devia ser o ex-namorado da sua filha;
– o ofendido, antes de depor, declarou que o arguido devia ser o ex-namorado da sua irmã;
– e a irmã do ofendido, antes de depoir, declarou que chegou a ter relação de namoro com o arguido.
Segundo o auto de interrogatório de arguido no Ministério Público em 16 de Outubro de 2009, lavrado a fl. 60 a 61, o arguido declarou que a irmã do ofendido era sua “ex-namorada” e que ele “vive só”.
Segundo uma carta subscrita pela irmã do ofendido e dirigida ao Ministério Público em 17 de Março de 2009 (ora constante de fl. 4), esta afirmou que o arguido fez com que ela tenha ficado grávida e que o arguido lhe instruiu para fazer o aborto.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Assim sendo, é de começar por conhecer da assacada nulidade dos depoimentos do ofendido, da irmã deste e do pai do ofendido.
Pois bem, ante os elementos acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, não se pode dar por realmente verificada qualquer relação de união de facto entre o arguido e a irmã do ofendido.
Na verdade, do facto de ter existido entre o arguido e a irmã do ofendido uma relação de namoro e da circunstância, declarada pela própria irmã do ofendido em carta dirigida ao Ministério Público, de que o arguido chegou a torná-la grávida, não resulta necessariamente que o arguido e a irmã do ofendido tenham chegado a viver em condições análogas às de cônjuge. Aliás, até o próprio arguido declarou no Ministério Público que ele vivia sozinho.
Termos em que, e sem outra indagação por ociosa, há-de decair o recurso nesta primeira parte, porquanto não foi efectivamente necessário à Mm.a Juíza a quo, antes do recebimento dos depoimentos do ofendido, da irmã do ofendido e do pai deste, fazer a advertência prevista no n.o 2 do art.o 121.o do CPP, por estas três testemunhas, diversamente do alegado pelo arguido na motivação do recurso, não chegarem a ser “cunhado de facto”, “esposa de facto” e “sogro de facto” do arguido, respectivamente.
E agora no tocante ao subsidiariamente esgrimido erro notório na apreciação da prova, também não assiste razão ao recorrente, uma vez que analisada toda a fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra que o Tribunal a quo, ao ter formado a sua livre convicção sobre os factos então sob julgamento, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou das legis artis em matéria de julgamento da matéria de facto, sendo certo que da mera circunstância de falta de feitura de exame médico da lesão então sofrida pelo ofendido, não se pode deduzir necessariamente que este não tenha sofrido no dia dos factos e na sequência exclusiva da conduta agressiva do arguido, dor nem inchaço de grau ligeiro no rosto esquerdo atingido pelas duas bofetadas dadas pelo arguido.
Não pode, assim, o arguido vir aproveitar a sede de recurso para fazer impor subjectivamente o seu ponto de vista sobre o julgamento da matéria de facto então feito criteriosamente pela Mm.a Juiz a quo.
Em suma, não deixa de naufragar in totum o recurso do arguido.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com cinco UC de taxa de justiça.
Comunique o presente acórdão (com cópia da sentença recorrida) ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública para os efeitos tidos por convenientes, com referência ao ofício de fl. 150.
Macau, 7 de Julho de 2011.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 10/2011 Pág. 1/9