Processo nº 801/2009
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 07 de Julho de 2011
ASSUNTO:
- Falta de fundamentação e falta de fundamentos
- Audição de interessados
- Nulidade do acto
- Validade da notificação
SUMÁRIO:
- Não se deve confundir a falta de fundamentação com a falta de fundamentos; a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
- O dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
- A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo.
- Se um procedimento administrativo da autorização foi viciado pela intervenção criminosa, intervenção essa determinante e decisiva nas medidas adoptadas, é razoável e adequada a conclusão de que o acto final dele resultante se encontrar maculado também pelo crime.
- Nesta conformidade, independentemente da validade intrínseca desses actos, os mesmos têm de ser declarados nulos por imposição legal nos termos da al. c) do nº 2 do artº 122º do CPAC, por ser fruto do crime.
- A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
- Contudo, a preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.
- Não deve apreciar a validade ou invalidade duma notificação em sede do recurso contencioso se esta não tem qualquer ligação relevante com o recurso interposto.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 801/2009
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 07 de Julho de 2011
Recorrentes: A (1ª recorrente) e
B (2ª recorrente)
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A e B, melhores identificadas nos autos, vêm interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Chefe do Executivo da RAEM, de 19/08/2009, pelo qual:
“a) declarou nulo o seu acto de 06 de Março de 2006, homologando a transferência dos direitos emergentes do contrato de concessão à B, bem como o parecer nº 19/2006, sobre o pedido de revisão do referido contrato e da minuta do contrato anexo ao referido parecer. O referido contrato vem regulado no desapcho nº 82/2006 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicado nº Boletim Oficial nº 21, II Série, de 24 de Maio de 2006. O direito emergente da referida concessão de terreno é detido pela B;
b) declarou nulo o despacho sobre o plano de arquitectura e de construção respeitante ao aproveitamento do terreno sito na Ilha da Taipa, Rua de Viseu, designado por Lote 14 da Baixa da Taipa, com a área de 2.720 metros quadrados; e
c) concordou em remeter o processo à Comissão de Terras, com vista a emitir parecer sobre a nulidade da concessão do terreno regulado pela escritura outorgada em 22 de Março de 1991 (Despacho nº 207/SAOPH/88).”
Alegando, em sede de conclusão:
1. A Decisão Recorrida, supra identificada, foi notificada às Recorrentes, por via dos ofícios 377/6068.03/DSODEP/2009 e 378/6068.03/DSODEP/2009, de 25 de Agosto.
2. A Decisão do Chefe do Executivo por via da qual declara "nulo o seu acto de 6 de Março de 2006, homologando a transferência dos direitos emergentes do contrato de concessão à B, bem como o parecer nº 19/2006, sobre o pedido de revisão do referido contrato e da minuta do contrato anexo ao referido parecer. O referido contrato vem regulado no despacho nº 82/2006 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicado no Boletim Oficial nº 21, /I Série, de 24 de Maio de 2006. O direito emergente da referida concessão de terreno é detido pela B", estriba-se na Informação nº 142/DSODEP/2009 e no Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
3. Nem o Parecer do Secretário nem o Despacho do Chefe do Executivo especificam as partes da sua concordância com a Informação 142/DSODEP/2009, e como nesta informação são diversos os destinatários, as Recorrentes apresentaram, no dia 9 de Setembro de 2009, um pedido de aclaração à DSSOPT nos termos supra. Contudo, não tendo recebido qualquer resposta, à cautela, as Recorrentes vêm impugnar a Decisão do Chefe do Executivo, de 19 de Agosto de 2009, nas partes que para si constituem objecto do presente Recurso
4. De acordo com o artigo 122. º, n. º 1, alínea c) do CPA, são nulos os actos «cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime», devendo ser à luz dos conceitos de acto e de objecto do acto que se deve analisar se o Acórdão do processo 53/2008 pode ou não servir de fundamento à Decisão Recorrida,
5. Ora, o Ex-Secretário foi condenado, no processo do TUI n.º 53/2008, por alegadamente influenciar e interferir nos procedimentos administrativos a troco de alegadas vantagens, pelo que, e desde logo, o Acórdão daquele Tribunal não pode servir de "fundamento de direito" à Decisão Recorrida.
6. Mas, para além disso, o Ex-Secretário não realizou qualquer acto administrativo neste processo, pois o único acto administrativo no processo BT14 - objecto da Decisão Recorrida - é da autoria do Chefe do Executivo, mostrando-se a todos os títulos, incompreensível e infundamentado que o Chefe do Executivo declare nulo o seu próprio acto, com base no Acórdão do Proc º 53/2008,
7. Já porque o Chefe do Executivo não foi constituído Arguido no processo do TUI n º 53/2008 nem naquele processo foram julgados actos praticados pelo Chefe do Executivo,
8. Já porque o único arguido naquele processo foi o Ex-Secretário que não foi condenado por quaisquer actos administrativos em concreto, mas tão-só por alegadamente interferir e influenciar nos procedimentos administrativos, questão que, ao nível do direito administrativo, acarretaria apenas a sanção da anulabilidade, naturalmente sanada à data da produção da Acusação e daquele Acórdão,
9. Por isso, repete-se, mostra-se incompreensível, a todos os títulos, que o Chefe do Executivo declare nulo o seu próprio acto, quando o seu acto não constitui objecto de qualquer crime.
10. Nem sequer tem subjacente, no caso concreto, procedimentos alegadamente inquinados, objecto do processo 53/2008, como se pode alcançar da cronologia dos factos e da sua subsunção ao direito administrativo supra referida.
11. O Chefe do Executivo homologou o parecer da Comissão de Terras n. º 19/2006 de 2 de Março de 2006. E não qualquer parecer ou despacho que o Ex-Secretário tenha proferido no âmbito da marcha do procedimento,
12. Sendo certo que até o próprio TUI, no dito Acórdão n º 53/2008, deu como não provado que a Comissão de Terras tivesse sido influenciada ou sofrido a interferência do Ex-Secretário para emitir parecer favorável,
13. Ao considerar no mesmo Acórdão como "Factos não provados: Na parte dos factos de n º 49, 78, 172 e 266 da acusação em que se refere por causa da interferência do arguido Ao XX nos respectivos processos e que já foram proferidos despachos de deferimento" .
14. Sendo inequívoco que o TUI pretendeu, desde logo, considerar válidos os processos onde já tivesse sido proferido despacho de deferimento, que é o caso do processo BT14 cuja revisão do contrato foi homologada e publicada no Boletim Oficial da RAEM, n. º 21, II Série, em 24-5-2006.
15. Ora o facto n. º 266 está relacionado com o processo BT14 objecto da Decisão Recorrida, pelo que ficou provado não ter havido qualquer interferência de Ao XX no Parecer emitido pela Comissão de Terras.
16. No ponto 8 da Informação 142/DSODEP/2009, alega-se que o contrato administrativo que integra o acto do Chefe do Executivo de 6 de Março de 2006, declarado nulo pela Decisão Recorrida, também pode ser considerado nulo com base no art º 172 º, n º 1 do CPA,
17. Porém, o contrato foi celebrado pelo Chefe do Executivo, por via da homologação do Parecer n º 19/2006 da Comissão de Terras. E, conforme supra se demonstrou esta homologação é o único acto administrativo do processo BT14, sendo um acto legal e lícito, não padecendo de qualquer vício ou invalidade.
18. Aliás, o Chefe do Executivo pode apreciar e decidir livremente quer sobre as condições contratuais quer sobre a própria concessão, nos termos do previsto no art º 124 º da Lei de Terras,
19. Por isso, não se verificam os pressupostos previstos no n º 1 do artº 172 º do CPA para que o contrato de concessão celebrado pela RAEM e as Recorrentes possa ser declarado nulo por via daquela norma do direito administrativo.
20. Em face de todo o exposto, não podem restar quaisquer dúvidas que os actos que a Decisão Recorrida declarou nulos são actos inatacáveis do ponto de vista do direito administrativo e penal porque são actos válidos, legais e lícitos, porque os seus autores não são arguidos no processo 53/2008, porque os actos por si realizados não foram objecto de condenação pelo TUI,
21. Consequentemente, o Acórdão do processo 53/2008 não pode servir de fundamento para a declaração de nulidade dos actos objecto da Decisão Recorrida e também não há fundamentos administrativos para declarar o contrato nulo, como se viu.
22. E tendo em conta que o acto administrativo objecto da declaração de nulidade, é a homologação do Parecer da Comissão de Terras n.º 19/2006, este acto tem de ser considerado um acto absolutamente legal e lícito e um acto absolutamente inatacável quer do ponto de vista do direito administrativo quer do ponto de vista do direito penal.
23. Termos em que a Decisão Recorrida deve ser declarada inválida, por violação da lei, nos termos do previsto no art. º 124º do CPA, em virtude de se ter feito uma errada aplicação do artigo 122. º , n. º 1, alínea c) do CPA ao acto declarado nulo pela Decisão Recorrida, isto é, de «declarar nulo o seu acto de 6 de Março de 2006, homologando a transferência dos direitos emergentes do contrato de concessão à B, bem como o parecer nº 19/2006, sobre o pedido de revisão do referido contrato e da minuta do contrato anexo ao referido parecer. O referido contrato vem regulado no despacho n.º 82/2006 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicado no Boletim Oficial n.º 21, /I série, de 24 de Maio de 2006. O direito emergente da referida concessão de terreno é detido pela B». E, consequentemente, ser anulada, por violação da lei, nos termos do artigo 21.º, n.1 º, ali d) do CPAC..
24. Também se declara «nulo o despacho sobre o projecto de arquitectura e de construção respeitante ao aproveitamento do terreno sito na Ilha da Taipa, Rua de Viseu, designado por Lote 14 da Baixa da Taipa, com a área de 2.720 metros quadrados».
25. Esta declaração de nulidade é ela própria inválida pois não identifica o Autor do acto e devia fazê-lo, nos termos do disposto no artº 113º do CPA. No entanto, sem prejuízo da apreciação daquela invalidade, por mera cautela, e no pressuposto que o Autor daquele acto é o Director da DSSOPT, diga-se, mais uma vez que o objecto do Processo do TUI n. º 53/2008 são os procedimentos do Ex-Secretário Ao XX, pelo que,
26. O Acórdão deste Processo não pode servir de fundamento à declaração de nulidade de um acto do Director da DSSOPT, que não constitui objecto de qualquer crime.
27. Devendo esta declaração de nulidade do «despacho sobre o plano de arquitectura e de construção respeitante ao aproveitamento do terreno sito na Ilha da Taipa, Rua de Viseu, designado por Lote 14 da Baixa da Taipa, com a área de 2.720 metros quadrados» ser, também, declarada inválida por violação da lei, porquanto viola os artigos. 1142 e 1152 do CPA. E consequentemente, ser anulada, por violação da lei, nos termos do artigo 21.º, n.1.º , ali d) do CPAC.
28. As Recorrentes foram ainda notificadas de que o Chefe do Executivo «Concorda em remeter o processo à Comissão de Terras, com vista a emitir parecer sobre a caducidade da concessão do terreno regulado pela escritura outorgada em 22 de Março de 1991 (Despacho n.º 207/SAOPH/88)»
29. Entendem as Recorrente que não são as destinatárias daquela Decisão, mas sim a Comissão de Terras.
30. Neste caso concreto, nem mesmo por cautela podem as Recorrentes impugnar o que quer que seja, pois não saberiam que acto impugnar,
31. Devendo, nessa conformidade, a notificação às Recorrentes, da Decisão Recorrida, quanto à Remessa à Comissão de Terras, ser declarada inválida e anulada por não serem as Recorrentes as destinatárias de tal notificação e Decisão.
32. O ponto 16.3 da Informação n 142/DSODEP/2009 refere que «Relativamente à questão de reembolso da primeira prestação do prémio de segura, no valor de MOP $25.296.292,00, já efectuada por essa empresa, o assunto será analisado conjuntamente com pracesso de pedido de indemnização a ser instaurado pelo Governo da RAEM».
33. Este ponto 16.3. da Informação 142/DSODEP/2009 parece integrar o Despacho de concordância da Decisão Recorrida. Contudo, ele não foi notificado às Recorrentes quando devia tê-lo sido, por se tratar duma questão que afecta as Recorrentes. Por mera cautela, impugna-se a interpretação vertida no ponto 16.3 da Informação 142/DSODEP/2009, segundo a qual o Governo pode reter o prémio pago pelas Recorrentes.
34. Com efeito, a Decisão Recorrida que declara nulo o acto do Chefe do Executivo que celebrou o contrato com as Recorrentes, implicaria, necessariamente, que o Governo restituísse o prémio prestado pela Recorrente, tal como previsto no art. 282 º., n.1º do Código Civil.
35. O Governo não pode proceder à retenção desse valor, pois tal propósito equivaleria a uma acção directa que só é permitida nos casos e dentro dos limites previstos na lei, nos termos conjugados do artº 2 º do Código de Processo Civil e 326 º e ss do Código Civil,
36. Resultando numa violação da lei, tendo em conta o disposto no regime da nulidade previsto no artigo 282.º, n.1º do Código Civil conjugado com o artº 2º do Código de Processo Civil e 326º e ss do Código Civil.
37. Pese embora esta questão não tenha sido notificada às Recorrentes, deve o Tribunal pronunciar-se sobre ela, caso não venha a constituir uma questão prejudicial.
38. Na Decisão Recorrida é patente, também, a falta de fundamentação do ponto de vista do direito administrativo, porquanto, nos termos do artigo 115.º, n.º l do CPA, a fundamentação deve expor expressamente os fundamentos de facto e de direito da decisão e, para além de expressa, a fundamentação deve ser clara, congruente e suficiente
39. Ora, Como foi demonstrado, o Acórdão do Processo n.º 53/2008 não pode servir de fundamentação à Decisão Recorrida porque os actos declarados nulos não foram objecto de qualquer crime nem objecto de qualquer condenação,
40. Deste modo, a Decisão Recorrida violou o dever da fundamentação previsto no artigo 114.º, n.ºl, ali a) e c) do CPA, temos em que a Decisão Recorrida deve ser anulada por vício de violação de lei, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 21.º, n.1.º, ali c) do CPAC.
41. A Decisão Recorrida, para além de enfermar das ilegalidades supra alegadas, violou ainda o direito ao contraditório cujo exercício se estabeleceu por via do direito de audiência prévia e por via do princípio geral de participação dos administrados no procedimento administrativo, porquanto
42. O Chefe do Executivo não ouviu previamente a Recorrente antes de proferir o Despacho objecto do presente Recurso.
43. Pelo que a Decisão Recorrida padece neste ponto do vício de violação de lei, sendo a Decisão Recorrida nula nos termos do artigo 122.º, n.º2, alínea d) do CPA e do artigo 21.º, n.1.º, alínea d) do CPAC, uma vez que aquela decisão ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental que é o direito de audiência prévia tendo em vista o exercício do direito ao contraditório, antes de ser proferida a decisão final.
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Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 412 a 432 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Não foram apresentadas as alegações facultativas.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“Vêem “A” e “B”, impugnar o despacho de 19/8/09 do Chefe do Executivo que declarou a nulidade do seu acto de 6/3/06 homologando a transferência dos direitos emergentes do contrato de concessão à 2ª recorrente, bem como o parecer nº 19/2006 sobre o pedido de revisão do referido contrato e da minuta do mesmo anexo ao referido parecer, sendo tal contrato regulado no despacho de 82/2006 do STOP, publicado no BO, nº 21, II Série, de 24/5/06, declarando aquele acto ainda nulo o despacho sobre o plano de arquitectura e de construção respeitante ao aproveitamento do terreno sito na Ilha da Taipa, R. de Viseu, designado por Lote 14 da Baixa da Taipa, com a área de 2.270 m2 e, concordando, finalmente, em remeter o processo à Comissão de Terras com vista a emitir parecer sobre a nulidade da concessão do terreno regulado pela escritura outorgada em 22/3/91, assacando-lhe vícios de violação de lei, por errada interpretação do disposto na al c) do nº 2 do artº 122º, CPA, falta de fundamentação e preterição de audiência prévia, insurgindo-se ainda contra a retenção do prémio de seguros pelos mesmos paga.
Não lhes assiste, contudo, a nosso ver, qualquer razão.
Começando pela forma, no que tange à audiência prévia, tal diligência só faz sentido se puder traduzir-se numa efectiva e real possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de poderem, por qualquer forma constituir uma espécie de “cooperação”, “alerta”, ou qualquer outra forma de contribuição válida para a formação das decisões a tomar pela Administração.
Ora, no caso, tratando-se de acto de declaração de nulidade de acto anterior, a Administração encontrava-se vinculada a essa declaração, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto, pelo que aquela formalidade se mostraria degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis.
Depois, as razões de facto e de direito em que se fundou a decisão encontram-se externadas nos pareceres a que anuiu o despacho em crise, razões essas de onde, clara, suficiente e congruentemente se retira ter-se ficado a dever aquela declaração de nulidade ao facto de, no âmbito do acórdão, nº 53/2008 do TUI se ter provado que o procedimento administrativo que levou à prática do acto administrativo de autorização de transmissão do terreno e alteração da respectiva finalidade se encontra inquinado pela prática de factos integrantes de crime de corrupção passiva para acto ilícito, que foram determinantes para a prolacção do acto de homologação do parecer da Comissão de Terras, impondo-se, pois, tal declaração, à luz do preceituado na al c) do nº 2 do artº 122º e nº 2 do artº 123º, ambos do CPA, ficando, pois, um cidadão médio em perfeitas condições de apreender todo o itinerário cognoscitivo e valorativo da entidade decidente, o que não deixou de acontecer com os recorrentes, a avaliar até pelo conteúdo da respectiva alegação.
E, não se esgrima com o facto de o acto declarado nulo, da autoria do C.E. ser intrìnsecamente válido e não objecto de qualquer crime : sendo certa tal asserção, não é menos verdade que o acto de homologação constitui o corolário de todo um procedimento administrativo donde resulta que os recorrentes só lograram o deferimento do pedido de transmissão e revisão da concessão em condições de favorecimento, mormente no que respeita ao cálculo do prémio e volumetria, por intervenção do então STOP, a troco de vantagens patrimoniais para este, revogando ilìcitamente condições anteriormente fixadas pelo seu antecessor que estipulavam, de forma legal e fundamentada, aquelas condições e pressionando diversos dirigentes e funcionários da DSSOPT para os condicionar na sua tarefa de informar e dar pareceres, de modo a favorecer a posição dos recorrentes, em prejuízo do interesse público.
Desta forma, pese embora se não questione a validade intrínseca, do conteúdo do acto de homologação e se afaste a possibilidade de, ele próprio, ter sido objecto de crime, a verdade é que o procedimento ao mesmo conducente, os actos preparatórios, os pressupostos e motivos em que o mesmo assentou envolvem inequìvocamente a prática de crime e condicionaram, inexoràvelmente, a decisão tomada e, daí que se veja como correcta e acertada a interpretação efectuada no sentido da verificação, no caso, da nulidade apontada, à luz da al c) do 2 do artº 122º, CPA.
Finalmente, atentando no conteúdo do acto controvertido, verificar-se-à limitar-se o mesmo à declaração de nulidade de dois anteriores actos, mandando remeter o processo à Comissão de Terras com vista a emitir parecer sobre a nulidade de concessão de um outro terreno, não se descortinando, a qualquer passo, qualquer tipo de decisão sobre a questão da 1ª prestação paga pelos recorrentes, de prémio de seguro, no valor de MOP 25.296.292,00, sendo certo que a alusão a tal matéria na Informação 142/DSODEP/2009 em que foi vertido o acto, se limita a referir que “o assunto será analisado conjuntamente com processo de pedido de indemnização a ser instaurado pelo Governo da RAEM”, não se propondo, pois, sequer, qualquer decisão final sobre que, implìcitamente, possa ter existido confirmação, razão por que à míngua de acto ou parte dele sobre que haja que nos pronunciarmos, nos absteremos de o fazer.
Termos em que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos documentos juntos aos autos e do P. A., considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. 04.03.2005 - É entregue requerimento conjunto da B e A, a solicitar a transmissão da concessão do lote de terreno BTI4, sito na Taipa, a favor da segunda requerente que apresentou, desde logo, um novo estudo prévio para o aproveitamento do terreno que implicaria, consequentemente, a alteração da finalidade do aproveitamento do terreno (Doc. n° 1)
2. 04.03.2005 - Sobre este Requerimento, Ao XX exarou o despacho "À DSSOPT p/abrir processo e dar seguimento"
3. 17.03.2005 - Oficio da DSSOPT n° 142/6068.2/DSODEP/2005 dirigido às duas sociedades requerentes a solicitar documentação (Doc. n° 2)
4. 11.04.2005 - É emitido Relatório sobre o estudo Prévio de arquitectura em que o Técnico no n° 2, e após análise aponta os problemas encontrados, e no n° 3 considera ser o Estudo "passível de aprovação" condicionado ao cumprimento do disposto nos pontos 2.1. e 2.3. do relatório (Doc. n° 3).
5. 11.04.2005 - Sobre este Relatório é emitido o seguinte Parecer: "Sr. Sub-Director, Proponho transmitir ao DSO os # 1 a 3 da informação do Técnico para efeitos de tramitação, junção aos restantes pareceres e parecer final. À consideração superior"
6. 11.04.2005 - Sobre este relatório e Parecer foi emitido o seguinte Despacho: "Concordo. Remete Parecer ao DSO p/informação final."
7. 11.04.2005 - É emitida a Informação 087/DPU/2005 em que o Técnico no ponto nº 4 refere que o projecto de arquitectura apresentado apresenta divergências relativamente ao previsto no Despacho 206/SAOPH/88 para o aproveitamento do terreno, "dado que foi solicitado pelo requerente a alteração da finalidade do terreno em causa, bem como a dispensa do cumprimento do ponto n° 5 das condicionantes urbanísticas definidas na PAO n° 92A202, emitida em 13 de Fevereiro de 2003" (Doc. n° 4).
8. 12.04.2005 -É emitido Parecer para o Subdirector: "1. Concordo c/a proposta desta informação do arquitecto, (..). 2. Será de reportar ao 650 ... através de autorização superior. À consideração superior."
9. 15.04.2005 - É emitido Parecer do Subdirector para o Directo: "Concordo com a análise na informação. Julga-se de emitir parecer favorável em conformidade. Á consideração superior."
10. 20.04.2005 - É emitido Parecer do Director: Exmo. Senhor Secretário:
1. O terreno concedido pelo Despacho n° 206/SAOPH/88 destina-se à finalidade escritórios, indústria e estacionamento.
2. Por despacho do anterior SATOP de 24/5/1994, foi já admitida a alteração da finalidade de habitação, comércio e estacionamento, pagando o respectivo prémio adicional, e a partir daquela data, foram emitidas as Plantas de Alinhamento com a finalidade de Comércio e Habitação.
3. O projecto de arquitectura entregue pelo requerente cumpre os valores do ILUS e do ILOS constantes da circular.
4. A altura do edifício, no entanto, não obedece ao condicionante definido na PAO (Plano de 76° da fachada), solicitando o requerente a dispensa do seu cumprimento.
5. Conclusão:
Face ao exposto na informação, julgo de dispensar o cumprimento da área de Sombra e considerar o projecto de Arquitectura entregue como Passível de Aprovação do ponto de vista urbanístico, condicionado ao cumprimento da restantes disposições regulamentares aplicáveis da construção civil. À Consideração superior.
11. 03.05.2005 - Sobre esta Informação 087/DPU/2005 e Pareceres da hierarquia, Ao XX lançou o seguinte Despacho: "Concordo com o Parecer do Director Carion"
12. 22.06.2005 - É emitida a Informação n° 084/DSODEP/2005, onde são relatados os antecedentes do processo, e a situação actual, e conforme se conclui no ponto 21 e 22:
"21. Em face do exposto, submete-se a presente informação à consideração de V. Exa., afim de solicitar orientações superiores sobre a autorização ou/não dos pedidos de:
21.1. alteração da finalidade de industrial para habitacional e estacionamento do contrato de concessão, do terreno com a área de 2,732m2, situado na Rua de Viseu, designado por Lote BT 14, na Ilha da Taipa;
21.2. Transmissão dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote BT 14, a favor da A"
22. Caso sejam autorizados os pedidos será:
22.1. fixada superiormente a metodologia no cálculo do prémio, sem ou com agravamento conforme os ponto 19 ou 20 desta informação;
22.2. enviados à requerente os pareceres do DTR e DUR atrás referidos para elaboração do projecto de arquitectura em conformidade;
22.3. solicitada ao DPU a emissão de nova Planta de Alinhamento Oficial (PAO);
22.4. solicitada à DSCC a emissão da planta cadastral em conformidade;
22.5. elaborada a minuta do contrato, na qual será fixado o prazo de aproveitamento do terreno de 36 meses, e a renda anual de $4.5/m2 para as áreas brutas de construção de habitação e estacionamento, conforme os outros lotes da Baixa da Taipa." (Doc. n° 5)
13. 27.06.2005 - É emitido Parecer sobre a Informação n° 084/DSODEP/2005, da Chefe do Departamento de Solos referindo que apesar de ter merecido parecer favorável do SOPT o Estudo Prévio, do ponto de vista urbanístico, este precisa de ser alterado de acordo com os pareceres do DTR e DUR. E relativamente ao agravamento do prémio para o dobro, é referido naquele Parecer que existem dois Despachos de 1995 e de 1997 em que foi autorizada a alteração da finalidade com o agravamento do prémio para o dobro; que para além do pedido do BT14, existe outro pedido igual para o Lote 13A da Baixa da Taipa. Concluindo no ponto 3. que:
"3. Face ao informado e exposto, solicitam-se orientações superiores sobre o pedido de transmissão e de alteração de finalidade, de indústria para habitação/estacionamento conforme 21.1. e 21.2, e afixação do prémio (sem ou com agravamento) conforme o ponto 22.1., julga-se de proceder conforme os pontos 22.2 a 22.5, caso for autorizado superiormente.
4. Julga-se de, em caso de autorizar superiormente a fixação do prémio sem agravamento para o lote 14 da Baixa da Taipa, aplicar o mesmo critério ao lote 13ª da Baixa da Taipa (processo n° 6063.02)" (Doc. n° 6)
14. 27.06.2005 - Sobre a Informação e Parecer, foi emitido o seguinte Parecer do Director da DSSOPT:
"Face ao exposto na Informação relativa à situação de aproveitamento do terreno, submeto à consideração superior de VExa:
- Autorizar a alteração da finalidade de aproveitamento de indústria por habitação/comércio/estacionamento, tendo em conta o parecer favorável do D. Planeamento Urbano;
- Autorizar a transmissão dos direitos resultantes da concessão de terreno;
- Calcular o valor do prémio de acordo com o R.A. n° 16/2004 e com aplicação de 40% sobre a margem Bruta, sem agravamento desse valor para o dobro;
- Dar seguimento ao processo conforme o indicado nos pontos #22.2 a #22.5. À consideração superior."
15. 04.07.2005 - Sobre esta Informação nº 084/DSODEP/2005 do Técnico, o Parecer da Chefe do Departamento e o Parecer do Director Carion, Ao XX exarou o seguinte Despacho: "Concordo com o Parecer do Director Carion"
16. 14.07.2005 - Ofício da DSSOPT n° 408/6068.02/DSODEP/2005, dirigido à requerente A a comunicar que por Despacho do Sr. STOP de 4.7.2005, foi autorizada a alteração da finalidade do aproveitamento do terreno e a transmissão dos direitos resultantes da concessão a favor da A, informando, ainda, que o prémio devido pela revisão da concessão será calculado com base no Regulamento Administrativo n° 16/2004, de 31 de Maio, e com aplicação de 40% sobre a margem bruta, sem agravamento desse valor para o dobro, informando, ainda que devia ser entregue o projecto de arquitectura em conformidade com os pareceres que enuncia seguidamente (Doc. n° 7).
17. 14.07.2005 - Ofício da DSSOPT n° 409/6068.02/DSODEP/2005, dirigido à requerente B a comunicar que por Despacho do Sr. STOP de 4.7.2005, foi autorizada a alteração da finalidade do aproveitamento do terreno e a transmissão dos direitos resultantes da concessão a favor da A, informando, ainda, que o prémio devido pela revisão da concessão será calculado com base no Regulamento Administrativo nº 16/2004, de 31 de Maio, e com aplicação de 40% sobre a margem bruta, sem agravamento desse valor para o dobro (Doc. n° 8).
18. 03.08.2005 - Oficio da DSSOPT n° 44916068.02/DSODEP/2005, dirigido à A, em complemento do oficio 408/6068.02/DSODEP/2005, enviando a Planta de Alinhamento Oficial, aprovada em 29.07.2005, para efeito da elaboração do projecto (Doc. nº 9).
19. 15.08.2005 - Requerimento da A T-5053 a juntar projecto e documentação (Doc. n° 10)
20. 13.10.2005 - Oficio da DSSOPT n° 13907/DURDEP/2005, a comunicar que o projecto T-5053 foi considerado passível de aprovação, devendo ser observados os seguintes pareceres:" (Doc. n° 11)
21. 09.11.2005 - Oficio da DSSOPT n° 636/6068.02/DSODEP/2005, a comunicar que n a sequência do parecer favorável do projecto T-5053, e para dar seguimento à revisão do contrato de concessão se tomava necessária a entrega de documentos, que enumera (Doc. n° 12)
22. 23.11.2005 - Através do Requerimento T-7077, são entregues os documentos requeridos (Doc. n° 13)
23. 05.12.2005 - É emitida a Informação 180/DSODEP/2005, onde se relata, mais uma vez, a situação relativa ao contrato de concessão existente, aos pedidos de transmissão dos direitos de concessão e de revisão do contrato, enunciando toda a documentação produzida, terminando no ponto
"11. Em face do exposto, submete-se a presente informação à consideração de V. Exa. afim de:
1.1. Autorizar a revisão do contrato de concessão, por arrendamento, a favor da "A" (nome em chinês), do terreno com a área de 2 270m2, situado na Ilha da Taipa, assinalada na planta n° 2377/1989, emitida pelo DSCC, em 11 de Maio de 2005;
1.2. Aprovar os valores do prémio, da renda e as demais condições constantes da minuta que constitui o anexo 9 desta informação;
1.3. Enviar a minuta do contrato à requerente para pronúncia;
1.4. Após a aceitação da requerente, enviar o processo à Comissão de Terras para efeito de parecer e ulterior tramitação.
À consideração superior" (Doc. nº 14)
24. 30.12.2005 - Sobre esta Informação a Chefe do Departamento emitiu o seguinte Parecer: "Exmo. Sr. Director: Na sequência do despacho de Exmo. Sr. SPOT, de 04/07/2005, em anexo 2, sobre a autorização de transmissão, alteração da finalidade de Indústria para Habitação, com libertação do agravamento do prémio (dobro) e da aprovação do projecto de arquitectura T-5053 de 15/08/2005, em anexo 4, foi calculado o prémio adicional no valor de $ 24.562.189,00, com base no R.A. 16/2004 (40% da MN), e elaborada a minuta de contrato em anexo 9, concordo o informado, julga-se de autorizar, aprovar e proceder de acordo com os pontos 11.1 al 11.4 desta informação. À consideração superior"
25. 02.01.2006 - Sobre esta Informação e Parecer, foi emitido o Parecer do Director da DSSOPT: "Exmo. Sr. Secretário: Concordo e proponho:
- Aprovação das condições contratuais da MINUTA do contrato de revisão (transmissão e alteração da finalidade);
- Envio da MINUTA ao requerente para se pronunciar;
- Em caso de aceitação, envio do processo à Comissão de Terras para parecer e seguimento.
À consideração superior"
26. 04.01.2006 - Sobre esta Informação e Pareceres, Ao XX exarou o seguinte Despacho: "Aprovo e concordo com a tramitação proposta"
27. 12.01.2006 - Oficio da DSSOPT n° 040/6068.02/DSODEP/2006, a comunicar que na sequência do despacho de 4.1.2006 do STOP é junta a minuta do contrato para se pronunciarem sobre as condições (Doc. n° 15),
28. 16.01.2006 - Com o Requerimento T-628 as requerentes pronunciam-se no sentido da aceitação da minuta. (Doc. n° 16)
29. 02.03.2006 - Foi emitido o Parecer n° 19/2006 da Comissão de Terras que, "tendo em consideração a Informação n° 180/DSODEP/2005, de 05 de Dezembro e o parecer nela emitido, bem como o despacho nela exarado pelo Exmo. Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 04/01/2006, é de parecer poder ser deferido o pedido referido em epigrafe, ao abrigo do disposto nos artigos 107º e 153° da Lei n° 6/80/M, de 5 de Julho, nos termos e condições constantes da minuta anexa ao presente parecer e do qual se considera parte integrante para todos os efeitos." (Doc. n° 17)
30. 10.03.2006 - Oficio da DSSOPT n° 33/DATSEA/2006, juntando a minuta do contrato aprovado pela Comissão de Terras para que seja emitida expressa declaração de aceitação do contrato para que "o Chefe do Executivo mande publicar no B.O. o despacho que titule o presente contrato, conforme dispõe os artigos nºs 125º, 127º e 162º da Lei de Terras" (Doc. n° 18)
31. 24.05.2006 - É publicado o Despacho n° 82/2006 que aprova a transmissão e revisão do contrato de concessão do terreno (Doc. nº 19)
32. 09.08.2006 - É entregue novo projecto através da T-5359, em cumprimento do previsto no oficio 13907 (Doc. n° 20)
33. 22.04.2009 – Ac. do TUI, proferido no Proc. nº 53/2008, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
34. 06.08.2009 – Proposta nº 142/DSODEP/2009, da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
35. 11.08.2009 – Parecer do Secretário para Obras Públicas e Transportes, que concordou a proposta acima em referência.
36. 19.08.2009 – Despacho do Chefe do Executivo da RAEM, ora acto recorrido, proferido na proposta acima identificada, com o seguinte teor: “同意劉仕堯司長之意見 ”.
*
III – Fundamentos
O objecto do presente recurso contencioso consiste em apreciar as seguintes questões:
- Falta de fundamentação do acto recorrido e validade dos actos declarados nulos;
- Falta da audição prévia
- Invalidade da notificação do acto recorrido na parte que decidiu a remessa do processo à Comissão de Terras, com vista a emitir parecer sobre a nulidade da concessão do terreno regulado pela escritura outorgada em 22 de Março de 1991 (Despacho nº 207/SAOPH/88).
- Não restituição do prémio
Passamos agora pela análise das mesmas.
I. Da falta de fundamentação e validade dos actos declarados nulos:
Imputam as recorrentes ao acto recorrido o vício da falta de fundamentação, por entender que “a única fundamentação introduzida pela Decisão Recorrida é o Acórdão do TUI no processo nº 53/2008.”, o qual “não pode servir de fundamentação à Decisão Recorrida porque o objecto dos actos declarados nulos não só não foram objecto da Acusação, como não são objecto do Acórdão.” (artºs 110º a 120º da petição inicial).
Segundo a alegação das recorrente, ressalta desde logo que elas confundiram a falta de fundamentação com a falta de fundamentos; a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões de facto e de direito que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo.
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Aliás, as recorrente perceberam perfeitamente o discurso justificativo da decisão tomada, mas simplesmente não o concorda.
O que as recorrentes pretendem imputar, deve ser o vício da falta de fundamentos.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
Nos termos do nº 4 do artº 74º do CPAC, a errada qualificação pelo recorrente dos fundamentos do recurso não impede o conhecimento dos mesmos pelo Tribunal.
Vamos ver se há falta de fundamentos.
O Acórdão condenatório do Proc. nº 53/2008 do TUI serviu de base da declaração das nulidades em questão, no qual foram considerados provados os seguintes factos que dizem respeito ao caso sub justice:
“1. Entre 20 de Dezembro de 1999 e 6 de Dezembro de 2007, o arguido Ao XX desempenhava a função de Secretário para os Transportes e Obras Públicas da Região Administrativa Especial de Macau.
2. Durante o período em que o arguido desempenhava a função de Secretário para os Transportes e Obras Públicas, exercia as competências nas seguintes áreas da governação: ordenamento físico do território, regulação dos transportes, aeronaves e actividades portuárias, infra-estruturas e obras públicas, transportes e comunicações, protecção do ambiente, habitação económica e social, e meteorologia.
3. A Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas funcionam na dependência e sob a direcção do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
4. A partir de data não apurada, o arguido Ao XX decidiu utilizar a sua competência disposta no cargo de Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a interferir nos procedimentos administrativos relativos à concessão, modificação de planeamento de terrenos, e construção de prédios para que fossem autorizados os respectivos pedidos apresentados por certas pessoas ou companhias à RAEM; ou a interferir directa ou indirectamente nos resultados de apreciação de concessão da obras pública, introduzindo ou designando determinada companhia de construção que participou no concurso público a ser a adjudicatária, com dispensa de concurso público, ele adjudicou directamente a concessão de respectivas obras públicas, no intuito de receber o dinheiro ou outros interesses como contrapartidas. Ou aproveitando o exercício das suas funções, recebeu de certas empresas e pessoas dinheiro ou outros interesses como contrapartidas, na concessão de determinados terrenos, na emissão antecipada de licenças de obras de construção e no concurso de uma determinada obra pública.”
(...)
“15. Lam X é comerciante de Macau, presidente-fundador da Associação dos Empresários do Sector Imobiliário de Macau, possuindo e desempenhando cargos em várias companhias em Macau, designadamente:
(1) Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Lda., na qual ele possuía 74.85% de acções, e era o gerente-geral, ao tempo de constituição da sociedade;
(2) Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Limitada, onde ele possuía 50% de acções, sendo nomeado como o gerente geral da companhia. Em Março de 2006, ele fundou, em nome de duas companhias das Ilhas Virgem Britânicas -- XX Investments Limited e XX Investment Limited, as companhias XX – Gestão de Participações Sociais, Limitada e XX – Gestão de Participações Sociais, Limitada, e em nome das quais, ele comprou todas as acções de Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Limitada, tomando o controlo da companhia na qualidade de administrador não accionista;
(3) Companhia de Construção e Investimento Predial XXX, Limitada, onde ele possui 85% de acções e é o gerente-geral;
(4) Companhia de Investimento e Fomento Predial XX (Internacional) Limitada, onde ele possuía 65% de acções e era o gerente-geral, ao tempo de constituição do sociedade;
(5) Companhia de Investimento e Fomento Predial XX (Internacional) Limitada, onde ele possuía 50% de acções e era o gerente-geral, ao tempo de constituição do sociedade;
(6) Companhia de Investimento e Desenvolvimento XX Limitada, onde ele possuía, em nome próprio, 40% de acções. Aproximadamente em Abril de 2006, ele comprou, através da companhia fundada nas Ilhas Virgem Britânicas intitulada XX Developments Limited, 55% das acções daquela companhia e é o gerente geral dela;
(7) Companhia de Investimento e Desenvolvimento XX Limitada, onde ele possui 49.7% de acções, e é o gerente-geral;
(8) Companhia de Investimento e Desenvolvimento Predial XX, Limitada, onde ele possuía, em nome de Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Lda., 35% de acções, e era o gerente-geral não accionista, ao tempo de constituição do sociedade;
(9) Companhia de Investimento Imobiliário XX, Limitada, onde ele possui, em nome de Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Lda., 50.85% de acções;
(10) Sociedade de Investimento e Fomento Predial XX, Limitada, onde ele possui, em nome de Companhia de Investimento Imobiliário XX, Limitada, 98.48% de acções, e é o gerente-geral não accionista;
(11) Companhia de Investimentos XX, Limitada, onde ele chegou a possuir, através de Sociedade de Investimento e Fomento Predial XX, Limitada, 99.92% de acções, e era o gerente-geral não accionista;
(12) A, onde ele chegou a possuir, em nome próprio, 38.5% de acções, e em nome da Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Lda., 50% de acções, e era o gerente-geral; (o sublinhado e mais carregado são nossos)
(13) Companhia de Fomento Predial e Investimento XX, Limitada, onde ele chegou a possuir, em nome da Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Lda. e da Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Limitada, 85% de acções, e era o gerente-geral não accionista;
(14) XX – Companhia de Construção e Fomento Predial, Limitada, onde ele possui, em nome da Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Lda., 45% de acções, e é o vice-gerente-geral não accionista;
(15) Companhia de Investimento Predial XX, Limitada, onde ele possui, em nome da Companhia de Investimento e Fomento Predial XX Limitada e da Companhia de Investimento e Fomento Predial XX Limitada, 70% de acções, e é o gerente-geral não accionista.”
(...)
“249. Em 30 de Dezembro de 1988, foi concedido, por arrendamento e com dispensa de concurso público, um terreno situado na ilha da Taipa, na Rua de Viseu (designado por lote 14 da Baixa da Taipa – lote BT14) a favor da B e nele foi autorizada a construção de um edifício afectado à indústria de fabrico de componentes electrónicos.
250. Posteriormente, a B solicitou por várias vezes a alteração de finalidade do referido terreno de industrial para habitacional e comercial. Até 18 de Janeiro de 1995, a B apresentou outra vez ao ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas o referido pedido e o mesmo acabou por ser deferido, porém, o valor de prémio foi calculado para um valor muito elevado (isto é, o valor do prémio x 2). Como a B não concordou com a forma de cálculo do prémio, o processo tinha sido pendente.
251. Por volta de 2005, Lam X decidiu adquirir, em nome da A, a transmissão de concessão do terreno que tinha sido concedida à B, e alterar a finalidade do terreno para construir um edifício não correspondente ao na original planta de alinhamento.
252. Para concretizar o projecto acima referido, Lam X decidiu usar o poder e influência do arguido Ao XX, para este interferir no procedimento administrativo de apreciação a efectuar pela DSSOPT respeitante ao pedido acima referido.
253. Posteriormente, Lam X e o arguido Ao XX combinaram que este iria interferir, com seu poder e influência, no procedimento de apreciação do referido pedido, de forma a que o pedido apresentado pela A e pela B fosse autorizado pelo Governo da R.A.E.M., e Lam X iria pagar ao arguido Ao XX um montante de HKD$2.000.000,00 (dois milhões de dólares de Hong Kong) como retribuição.
254. Em 4 de Março de 2005, organizado por Lam X, a A e a B apresentaram directamente o referido pedido ao Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, solicitando ao arguido Ao XX para autorizar a transmissão, a favor da A, de todos os direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do terreno situado no lote 14 da Baixa da Taipa, e autorizar a alteração da finalidade do referido terreno e emitir nova planta de alinhamento, bem como apresentaram o estudo prévio de arquitectura.
255. Na sequência do pedido acima mencionado, o arguido Ao XX proferiu, no mesmo dia, um despacho de abertura do processo, cujo teor é: “À DSSOPT para abrir o processo e para dar seguimento.”, com a intenção de mostrar à DSSOPT que ele tinha já admitido o pedido apresentado pela A e pela B, criando assim pressão à DSSOPT para as suas entidades subordinadas elaborarem, conforme a vontade dele, o relatório de análise técnica e a proposta favoráveis ao deferimento do referido pedido.
256. O aludido despacho do arguido Ao XX fez com que DSSOPT estivesse consciente de que ele tinha já admitido o pedido apresentado pela A e pela B, criando assim pressão à DSSOPT durante a apreciação.
257. Em 11 de Abril de 2005, o Departamento de Urbanização da DSSOPT emitiu um parecer favorável ao estudo prévio da referida construção, e em 15 de Abril de 2005, o Departamento de Planeamento Urbanístico também emitiu, no seu relatório n.º 087/DPU/2005, um parecer favorável, propondo isentar o cálculo da área de sombra projectada sobre a via pública e autorizar a alteração da finalidade industrial do referido terreno para habitacional e comercial solicitada pelo requerente.
258. Em 3 de Maio do mesmo ano, o arguido Ao XX proferiu despacho de concordância com o relatório do Departamento de Planeamento Urbanístico acima mencionado.
259. Em 27 de Junho de 2005, o Departamento de Gestão de Solo da DSSOPT apontou no relatório n.º 084/DSOPDEP/2005 que a alteração de finalidade do terreno poderá conduzir a que o valor de prémio fosse calculado em dobro, isto é, MOP$52.540.086,00 (cinquenta e dois milhões, quinhentas e quarenta mil, oitenta e seis patacas); no mesmo dia, ao emitir parecer sobre tal relatório, o Director dos Serviços de Solo, Obras Públicas e Transportes propôs ao arguido Ao XX que não fosse calculado o valor de prémio em dobro e o requerente só pagasse o prémio no valor de MOP$26.270.043,00 (vinte e seis milhões, duzentas e setenta mil, quarenta e três patacas).
260. Em 4 de Julho do mesmo ano, o arguido Ao XX proferiu o despacho de concordância com a aludida proposta.
261. Em 11 de Julho de 2005, Lam X emitiu da conta bancária (n.º 010160022XXX) da sua Companhia de Investimento Imobiliário XX, Lda. no Banco Delta Ásia, S.A.R.L., um cheque (n.º HA8168XX) no valor de HKD$700.000,00 (setecentos mil de dólares de Hong Kong) e entregou-o a XXX, gerente do departamento de contabilidade da sua companhia, para esta trocar o referido cheque por dinheiro e depois entregar-lhe novamente o montante de HKD$700.000,00 (setecentos mil de dólares de Hong Kong) em dinheiro.
262. No mesmo dia, pelas 19h30, o arguido Ao XX e Lam X combinaram encontrar-se num restaurante francês do Hotel Lisboa, ocasião em que o arguido Ao XX recebeu um montante de HKD$2.000.000,00 (dois milhões de dólares de Hong Kong), pago por Lam X como retribuição por Ao XX interferir no respectivo procedimento administrativo de apreciação.
263. Quanto ao assunto acima mencionado, o arguido Ao XX registou no “Caderno de Amizade de 2005”: “Vai: BT14 200 √” e registou no “Caderno de Amizade de 2006”: “BT14│200√”.
264. O aludido sinal de √ é uma nota marcada pelo arguido Ao XX depois de ter recebido a retribuição de HKD$2.000.000,00 (dois milhões de dólares de Hong Kong) paga por Lam X.
265. Em 15 de Agosto de 2005, por orientação superior, o técnico do Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT elaborou de forma acelerada o relatório n.º T-5053, propondo autorizar o anteprojecto apresentado pela A.
266. Devido à interferência do arguido Ao XX no procedimento de apreciação do pedido de troca do terreno e à sua aprovação do relatório elaborado pela DSSOPT respeitante ao pedido de transmissão de concessão do terreno e ao pedido de alteração de finalidade do terreno, a Comissão de Terrenos referiu no parecer n.º 19/2006, de 2 de Março de 2006, que “(...) tendo em conta o despacho proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 3 de Maio de 2005 no relatório n.º 087/DPU/2005, que concordou isentar o cumprimento do cálculo da área de sombra projectada sobre a via pública e o despacho proferido pelo Director dos Serviços de Solo, Obras Públicas e Transportes em 28 de Setembro do mesmo ano, pelo qual o projecto de obra apresentado para modificar o aproveitamento do terreno foi considerado passível de aprovação, (...)”, a Comissão de Terrenos não se opôs à aprovação do pedido apresentado pela A e pela B conforme as condições já combinadas.
267. Em 6 de Março de 2006, o arguido Ao XX emitiu um parecer que concordou com a concessão do terreno acima referida, o que fez com que o referido pedido fosse finalmente homologado pelo Governo da R.A.E.M..
268. Em 16 de Maio de 2006, o arguido Ao XX proferiu o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 82/2006, que autorizou a transmissão onerosa a favor da A dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do terreno situado na ilha da Taipa, na Rua de Viseu, designado por Lote 14 da Baixa da Taipa, com a construção de um edifício afectado à finalidade de habitação, comércio e estacionamento. O referido despacho foi publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. no dia 24 de Maio.
269. Os lucros provenientes da transmissão de concessão do terreno localizado na BT14 da Rua de Viseu, Taipa e do projecto que vem a desenvolver no referido terreno, em resultante do aumento da área de construção aprovado pelo Ao XX, são os benefícios ilícitos que Lam X adquirirá depois de ter retribuído ao arguido Ao XX HKD$2.000.000,00 (dois milhões de dólares de Hong Kong) para este interferir no respectivo processo administrativo de apreciação.
270. Em 8 e 15 de Dezembro de 2006, o Comissariado contra a Corrupção encontrou, respectivamente na residência e no gabinete do arguido Ao XX, 14 documentos anónimos entregues por Lam X a Ao XX, entre os quais, os datados de 17/11/04, 22/03/05, 22/03/05 e 14/04/05 mencionaram o pedido relativo ao Lote BT14 da Taipa.”
Pelos factos supra descritos, não resta qualquer margem de dúvida de que a autorização da transferência da concessão do terreno em causa resulta da prática do crime por parte do ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao XX e do comerciante Lam X, verdadeiro sócio marioritário e dominante da A, ora 1ª recorrente, onde o mesmo possuia, em nome próprio, 38.5% de acções, e em nome da Companhia de Construção e Investimento Predial XX, Lda., 50% de acções, e era o gerente-geral.
Por força do disposto do artº 578º do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis (aqui processos contenciosos) em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.
A 1ª recorrente, apesar ser uma pessoa colectiva dotada de personalidade jurídica própria, não deveria ser considerada como terceiro, muito menos de boa-fé, nos crimes praticados na concessão do terreno em causa, já que o seu verdadeiro sócio maioritário e dominante, Lam X, agiu em nome e para o benefício da recorrente.
Mesmo que a considerasse, por mera hipótese, como um “terceiro”, ela também não fez prova em contrário para ilidir a referida presunção legal.
Nos termos da al. c) do nº 2 do artº 122º do CPAC, os actos cujo objecto constitua um crime são nulos.
Ficaram provados por acórdão condenatório já transitado em julgado que o procedimento administrativo da autorização da transferência do terreno inicialmente concedido à 2ª recorrente para a 1ª recorrente foi viciado pela intervenção criminosa, intervenção essa determinante e decisiva nas medidas adoptadas, daí que é razoável e adequada a conclusão de que o acto final dele resultante se encontrar maculado também pelo crime.
Nesta conformidade, independentemente da validade intrínseca desses actos, os mesmos têm de ser declarados nulos por imposição legal nos termos da al. c) do nº 2 do artº 122º do CPAC, por ser fruto do crime.
Em relação à declaração da nulidade do despacho sobre o plano de arquitectura e de construção respeitante ao aproveitamento do terreno em causa, é certo que este não foi declarado como objecto de crime no Proc. nº 53/2008 do TUI.
Contudo, o mesmo é acto consequente do acto da homologação da transferência do terreno em causa, pelo que uma vez declarada nulidade desta, aquele sofre a nulidade consequencial.
Pois, é ilógica continuar subsistir as autorizações concedidas aos projectos de aproveitamento, projectos de arquitectura e todos os outros projectos relacionados com o terreno em causa enquanto a 1ª recorrente já não tem o direito de o fazer, em consequência da declaração da nulidade da homologação da transferência do terreno.
Assim, o acto recorrido não merece de qualquer censura nestas partes.
II. Da falta da audição prévia:
A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se, como bem acentuou a entidade recorrida, “a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados”.
No caso em apreço, não foi procedida a audiência das recorrentes antes da tomada da decisão da declaração da nulidade.
Com isto diminuiu os direitos ou interesses legalmente protegidos das recorrentes?
A resposta não deixa de ser negativa.
Vejamos.
A doutrina e a jurisprudência portuguesa, cujo sistema jurídico é igual ou semelhante ao nosso, pelo que citamos a título do Direito Comparado, têm vindo a entender que a preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada (Ac. do STA, proferidos nos Recursos nºs 1240/02, 671/10 e 833/10, respectivamente, de 03/03/2004, 10/11/2010 e 11/05/2011).
É justamente o que se passa no caso sub justice.
Como já referimos anteriormente, a 1ª recorrente, apesar dotar de personalidade jurídica própria, não pode ser vista como uma pessoa alheia do processo da prática de crime na autorização da transferência do terreno em causa, já que o seu verdadeiro sócio maioritário e dominante, Lam X, agiu em nome e para o benefício da recorrente.
Assim, a 1ª recorrente era, em bom rigor, parte do processo da prática do crime em causa, crime esse que determinou decisivamente a autorização da transferência do terreno, pelo que mal se compreende a sua eventual surpresa face ao decidido, já que o mesmo decorreria, inevitavelmente, do escrupuloso cumprimento dos dispositivos legais imanentes.
No que respeita à 2ª recorrente, é certo que nada consta de que ela fazia parte do processo da prática do crime em referência, daí que, em princípio, deveria ser ouvida no procedimento.
Porém, a declaração das nulidades em questão resulta, como já explicamos, da imposição legal, pelo que a sua intervenção no procedimento se tornou inútil, porque, independentemente da sua intervenção e das posições que ela pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.
III. Da invalidade da notificação do acto recorrido na parte que decidiu a remessa do processo à Comissão de Terras, com vista a emitir parecer sobre a nulidade da concessão do terreno regulado pela escritura outorgada em 22 de Março de 1991 (Despacho nº 207/SAOPH/88):
Não deve apreciar a validade ou invalidade duma notificação em sede do recurso contencioso se esta não tem qualquer ligação relevante com o recurso interposto, que é o caso, pois, até as próprias recorrentes consideram que não são destinatárias da mesma, daí que, por um lado, não têm legitimidade para a impugnação da mesma, e, por outro, não tem qualquer efeito útil, para as recorrentes, a sua declaração, ou não declaração, da invalidade.
Termos em que se decide abster-se da sua pronúncia.
IV. Da não restituição do prémio:
O acto recorrido não negou o direito de reaver o prémio pago por parte da 1ª recorrente, simplesmente decidiu tratar o assunto mais tarde.
Como é sabido, o recurso contencioso é de mera legalidade, daí que a questão da oportunidade está fora do seu âmbito de apreciação.
Improcede assim o recurso interposto na sua íntegra.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando o acto recorrido.
Custas pelas recorrentes, cada uma com 20UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
RAEM, aos 07 de Julho de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
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Proc. nº 801/2009