Processo nº 662/2010
Data do Acórdão: 23JUN2011
Assuntos:
Contrato a favor de terceiro
SUMÁRIO
Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 662/2010
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV3-09-0034-LAC, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a GUARDFORCE (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedente a acção:
A, melhor identificado nos autos, vem instaurar a presente acção de processo comum do trabalho contra GUARDFORCE (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada, com os demais sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$273.912,00, acrescida de juros legais vincendos até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alega o A. o seguinte:
- A R. celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. Vários contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais esta sociedade recrutaria mão de obra não residente em Macau para trabalhar para a Ré;
- Aqueles contratos de prestação de serviços estabelecem o regime de recrutamento dos trabalhadores e determinadas cláusulas quanto a despesas relativas à admissão de trabalhadores, remuneração, horário de trabalho, alojamento, assistência, deveres dos trabalhadores, causas de cessação do contrato e repatriamento , prazo do contrato, entre outras.
- Foi ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços que o A. foi recrutado por aquela sociedade para prestar trabalho para a R.
- Contudo, os contratos de trabalho celebrados com a Ré contêm cláusulas menos favoráveis ao A. do que as que constam dos contratos de prestação de serviços celebrados entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.
- Mais invoca que a R. ao abrigo do despacho de autorização de importação de mão-de-obra estava vinculada às cláusulas constantes do contrato de prestação de serviços.
- Com base na diferença entre as cláusulas constantes desse contrato de prestação de serviços e as que constavam do contrato de trabalho celebrado entre a R. e o A. vem este pedir a condenação daquela no pagamento do que se encontra em falta.
A R. contestou alegando em síntese que:
- O A. não é parte no contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, pelo que, não é o mesmo eficaz relativamente àquele.
- Os requisitos mínimos exigíveis decorrentes da alínea d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 constituem pressupostos meramente formais.
- A R. sempre cumpriu as obrigações assumidas em relação ao A. decorrentes do contrato individual de trabalho outorgado consigo.
Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente.
Por despacho de fls. 121/123 foi indeferida a intervenção provocada da Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda..
Foi proferido despacho saneador, e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a discussão da causa.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
Nestes autos foi dada por assente a seguinte factualidade:
a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
d) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 45/94”, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Dezembro de 1994, de admissão de setenta novos trabalhadores vindos do exterior;
e) Do contrato referido em D) cuja cópia está a de fls. 102 a 107 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
f) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes;
g) Entre 17 de Agosto de 1995 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
h) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré;
i) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades;
j) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
k) A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros contratos individuais de trabalho, cujas conteúdo foi integral e previamente preparado pela Ré e posteriormente assinado pelo Autor;
l) Entre 17 de Agosto de 1995 e 30 de Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,700.00 (muito embora constasse do contrato de trabalho assinado com o Autor que este teria direito a auferir MOP$1,500.00);
m) Entre 1 de Julho de 1997 e 31 de Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais;
n) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais;
o) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais;
p) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais;
q) Entre 17.08.1995 e 30.06.1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora;
r) Entre 01.07.1997 e 30.06.2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
s) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora;
t) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora;
u) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora;
v) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora.
w) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em 2008;
x) Entre Agosto de 1995 e 1996, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia;
y) Entre 01.07.1999 e 30.06.2002 o A. prestou 4993 horas de trabalho extraordinário;
z) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 o A. prestou 895 horas de trabalho extraordinário;
aa) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 o A. prestou 6199 horas de trabalho extraordinário;
bb) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 o A. prestou 1841 horas de trabalho extraordinário;
cc) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 o A. prestou 1578 horas de trabalho extraordinário;
dd) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
ee) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho;
ff) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias».
As questões a decidir nesta sede processual consistem em conhecer da:
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R.;
2. Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e se o mesmo produz efeitos na esfera jurídica do A.
3. Caso seja dada resposta afirmativa à ultima parte da questão anterior saber se o A. tem créditos sobre a R. e seu montante;
4. Dos juros moratórios pedidos;
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R.;
«Diz-se contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade ou direcção desta» - Cit. de António de Lemos Monteiro Fernandes em Direito de Trabalho, Vol. I, 6ª Ed., 1987, pág. 48 -.
Ficou demonstrado nas alíneas a) e b) que entre 10 de Março de 1995 e 10 de Junho de 2006, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de segurança trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré.
Destarte, embora a questão não seja posta em crise pelas partes, duvidas não subsistem que entre o A. e a R. foi celebrado um contrato de trabalho.
Considerando que o A. trabalhou para a R. entre 17.08.1995 e 31.05.2008 impõe-se definir quais as disposições legais aplicáveis, dado que o Decreto-Lei nº 24/89/M de 3 de Abril (artº 3º nº 3 al. d) se aplica apenas a trabalhadores residentes.
O Despacho nº 12/GM/88 veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos.
A Lei nº 4/98/M de 29 de Julho define as bases da política de emprego e dos direitos laborais. Embora no seu artigo 9º se definam as condições de contratação de trabalhadores não residentes não se exclui em momento algum a aplicação dos princípios ali consagrados à generalidade dos trabalhadores, sejam eles residentes ou não.
Contudo, até à publicação da recente Lei nº 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não residentes.
Destarte, à mingua de legislação a definir os direitos e deveres da mão-de-obra não residente, resta-nos recorrer aos princípios consagrados na indicada Lei nº 4/98/M.
Na alínea e) do nº 1 do artº 5º da Lei nº 4/98/M consagra-se que «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito (...) a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados».
Ora, não havendo até à publicação da Lei nº 21/2009 diploma a definir o limite máximo da jornada de trabalho, o direito ao descanso semanal e a férias periódicas pagas nem a remuneração do trabalho prestado em dias feriados, impõe-se suprir a lacuna existente nos termos consagrados no artº 9º do C.Civ., isto é, por recurso à norma aplicável aos casos análogos.
Destarte, dando cumprimento ao principio de igualdade consagrado no corpo do nº 1 do artº 5º da Lei nº 4/98/M impõe-se aplicar analógicamente aos trabalhadores não residentes o regime legal consagrado para os trabalhadores residentes que ao tempo a que se reportam os factos em apreciação nestes autos era o que resultava do Regime Jurídico das Relações de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/89/M.
Caracterizado o contrato celebrado entre A. e R. como contrato de trabalho e definido o regime legal que lhe é aplicável, importa agora dirimir a segunda questão colocada.
2. Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e se o mesmo produz efeitos na esfera jurídica do A.
Relativamente a esta matéria o que resulta das alíneas c) a e) da factualidade assente é que a R. celebrou vários contratos que apelidou de prestação de serviços com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau. Foi com base num desses contratos, o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 45/94” e ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Dezembro de 1994, de admissão de setenta novos trabalhadores vindos do exterior que a R. outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor. Daquele contrato, cuja cópia está a de fls. 102 a 107 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau.
Qual será a natureza jurídica deste contrato?
Contrato de trabalho face ao referido supra não será de certeza uma vez que ninguém, nomeadamente o A., se obriga a prestar determinada actividade intelectual ou manual a outra pessoa.
Uma figura que se poderia equacionar seria a do contrato para pessoa a nomear, o qual consiste em uma das partes se reservar a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta ultima.
Porém, no contrato para pessoa a nomear o que ocorre antes da nomeação do amicus electus é que o contrato tem eficácia relativa, ou seja, ele é eficaz entre as partes1.
Ora, face à sua definição esta figura tem de ser afastada pois, no caso em apreço entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não foi celebrado nenhum contrato para pessoa a nomear. O que ocorreu, foi que a Sociedade em causa se obrigou a recrutar pessoal.
Por outro lado, ainda que teoricamente se pudesse conceber a celebração de um contrato de trabalho para pessoa a nomear, era necessário que entre os contraentes originais, in casu a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, se tivesse celebrado um contrato de trabalho, em que uma das partes se obrigava a prestar determinada actividade intelectual ou manual para outra, com a cláusula de em sua substituição poder indicar outra pessoa que assumiria as suas obrigações e direitos.
Ora, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não se obrigou a prestar qualquer actividade intelectual ou manual, mas antes um serviço, o recrutamento de pessoal.
Finalmente, sendo o contrato de trabalho por natureza uma espécie que exige a existência de uma pessoa singular concretamente determinada e identificada no lado do trabalhador, nunca os contratos celebrados com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau poderiam ser classificados como contratos de trabalho.
Logo, a hipótese estaria completamente arredada.
Uma outra figura que poderia aqui estar presente seria a do contrato a favor de terceiro o qual ocorre quando um dos «contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), estranho à relação contratual».2
Consagra o artº 437º do C.Civ a noção de contrato a favor de terceiro definindo-o nos seguintes termos: «Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita».
Neste tipo de contrato, segundo a definição legal e doutrinal a obrigação “é de efectuar uma prestação”. Os contraentes atribuem «através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário»3
Distingue Antunes Varela na obra citada este tipo de contrato daqueles outros, obrigacionais, «cuja prestação principal se destina a terceiro, mas sem que este adquira previamente, segundo a intenção dos contraentes e o próprio conteúdo do contrato, qualquer direito (de crédito) à prestação.4
No contrato a favor de terceiro a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um outro contrato.
Ora, no caso dos autos do teor do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau o que resulta é que esta ultima se comprometia a recrutar determinado numero de pessoas para virem a ser contratadas pela R. para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições. Não há aqui a obrigação de prestar, de atribuir determinada vantagem patrimonial imediata para o beneficiário, mas sim a obrigação de celebrar um outro contrato, a saber, o contrato de trabalho.
Finalmente refere ainda Antunes Varela na obra já citada a pág. 334 que destes contratos «não podiam nascer obrigações para terceiro, como também não podiam surgir direitos para quem não era parte no acordo contratual».
Ou seja, pela natureza do contrato a favor de terceiros, nunca esta figura poderia servir para caracterizar o contrato celebrado entre a R. e a empresa que recrutou o A.
Poderíamos ainda equacionar a figura do contrato de cedência de trabalhadores.
Nestes tipo de situações o que ocorre é que determinada empresa cede a outra os seus trabalhadores, ficando muitas das vezes a obrigação de pagar a remuneração a cargo da cessionária bem como a definição dos termos e condições em que a actividade é prestada, mantendo-se o poder disciplinar na empresa cedente.
O ponto fulcral desta figura exige que entre a empresa cedente e o trabalhador se tenha celebrado um contrato de trabalho.
Ora, no caso em apreço é alegado e ficou provado que os trabalhadores desconheciam quando contrataram com a R. a existência do contrato celebrado entre a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e a R.
E não alegam em momento algum que tivessem celebrado um contrato de trabalho com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau. Logo, se não eram funcionários desta empresa, nem tal se alega, nunca poderia verificar-se a figura do contrato de cedência de mão de obra.
Finalmente, resta-nos a figura do contrato de promessa, porém o contrato de promessa é aquele em que as partes ou apenas uma delas se obrigam a contratar em determinados termos5.
Não repugna que no caso em apreço a R. se tenha obrigado a contratar, a celebrar contratos de trabalho em determinados termos.
Mas essa obrigação foi assumida perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e não perante o aqui A. ou outrem.
Destarte, nunca poderia o aqui A. reclamar o que quer que fosse da R. pois esta perante si não assumiu obrigação alguma.
Mas ainda que se pudesse entender que tinha havido uma promessa de contratar com pessoa a nomear, o que ocorreria não seria a violação do contrato de trabalho mas do contrato de promessa.
Sobre esta questão veja-se o que a propósito escreve António de Lemos Monteiro Fernandes na Obra já citada a pág. 245:
«A promessa pode ser, frequentemente, confundida com o próprio contrato de trabalho, visto que, não raro, fica entendido entre os contraentes que só em momento posterior ao da celebração do negócio começarão a produzir-se os seus efeitos (início do trabalho, crédito retributivo). Existem, com efeito, situações em que, após o estabelecimento de consenso acerca da futura admissão do trabalhador ao serviço de um empregador, umas das partes aparece a denunciar tal consenso, pretendendo que, assim, se opera a frustração de uma promessa de contrato e não a rescisão de um contrato já celebrado. Quando tal iniciativa pertence ao empregador, a opção entre essas duas qualificações assume particular relevo: o não cumprimento da promessa é, decerto, indutor de responsabilidade por prejuízos, mas não judicialmente suprível, dada a inaplicabilidade do art. 830.º; C.Civ o efeito prático-jurídico visado (neutralização do vínculo) consuma-se. Mas se, ao invés, a situação for encarada como de ruptura do contrato de trabalho, haverá despedimento individual que, nos termos da lei, pode ser declarado nulo e ver inutilizados os seus efeitos, mediante a reintegração do trabalhador (art. 12.º LDesp.)».
Tudo visto, o que se impõe concluir é que entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não foi celebrado nenhum contrato de trabalho, nem contrato de pessoa a nomear ou a favor de terceiros.
O que dali resulta é que a referida sociedade recrutaria pessoal que a R. depois contrataria para trabalharem para si, prometendo esta contratá-los em determinadas condições que não cumpriu.
Sendo assim, o que houve por banda da R. foi uma promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear em determinadas condições que não tendo sido cumprida, salvo melhor opinião, apenas poderia legitimar o beneficiário da promessa – a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau – a reclamar os prejuízos em que haja incorrido pelo incumprimento.
Situação que seria de cariz meramente obrigacional, excluída da jurisdição do direito de trabalho, e em que o eventual lesado seria a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, caso desse incumprimento tenham resultado prejuízos para si. Prejuízos que teria de alegar e provar.
Mas essa relação obrigacional entre a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não importa aqui tratar, uma vez que, o A. tal como configura a acção vem reclamar do incumprimento do contrato de trabalho celebrado com a R. E aquando da celebração desse contrato de trabalho o A. nem sequer sabia do que havia sido contratado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, relação jurídica à qual é completamente alheio e que por não ser sujeito dela nem a conhecer nunca lhe criou a expectativa de vir a ser beneficiário da mesma.
Para que o trabalhador pudesse eventualmente reclamar de algum prejuízo que para si tivesse resultado por a R. não ter contratado consigo como prometeu fazer à Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, estaríamos, como já referimos no âmbito de uma relação jurídica obrigacional e não laboral, havia litisconsórcio necessário quanto aos Autores que teriam de ser a dita sociedade e o actual A. e apenas podiam pedir a condenação da R. no pagamento da indemnização dos prejuízos sofridos por força do incumprimento do prometido, caso tivessem existido prejuízos.
Assim sendo, somos forçados a concluir que consistindo a causa de pedir na violação das clausulas do contrato de trabalho, sendo o contrato de trabalho aquele que foi celebrado entre A. e R. e não integrando a relação contratual de trabalho o contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, não pode o R. vir aqui invocar este outro contrato do qual nem sequer é sujeito.
Isto é, o contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não produz qualquer efeito na relação laboral contratada entre A. e R. não tendo assim qualquer fundamento legal os pedidos formulados com base no mesmo.
Finalmente, e quanto a toda a matéria que se alega relativamente às condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau, relativamente à contratação de mão de obra estrangeira, para não nos alongarmos mais, cabe apenas referir que daquelas não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, sendo certo que, ainda que o fizesse a consequência apenas poderia ser a de revogação de autorização de contratação de mão de obra estrangeira, não tendo qualquer reflexo, por também esta ser extra partes, na relação contratual de trabalho celebrada entre A. e R., pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregado de contratar em determinados termos.
E caso se entendesse – o que não se concede – que havia um acto administrativo a impor a contratação em determinados termos, à semelhança do que ocorreria com a violação do contrato de promessa de contratar, também aqui, estaríamos perante a violação do acto administrativo e suas consequências, mas nunca no âmbito de incumprimento do contrato de trabalho.
3. Caso seja dada resposta afirmativa à ultima parte da questão anterior saber se o A. tem créditos sobre a R. e seu montante;
E
4. Dos juros moratórios pedidos;
Fica prejudicada a apreciação destas questões face à resposta dada à anterior uma vez que as quantias peticionadas o são com base no contrato celebrado entre a Ré e a empresa prestadora de serviços e não com o aqui A.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção improcedente porque não provada e em consequência absolve-se a R. do pedido.
Custas a cargo da A.
Registe e Notifique.
Não se conformando com essa sentença, veio o autor A, recorrer dela concluindo e pedindo que:
Conclusões:
1. Ao contrário do que terá concluído o Tribunal a quo não será correcto entender-se que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos;
2. Do mesmo modo, não será exacto afirmar que até à publicação da recente Lei n.º 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não residentes;
3. Ao invés, basta ver que, desde 1988, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, fixa(va) as condições de contratação (procedimento) e de trabalho (conteúdo) em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, assumindo claramente uma natureza normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes e que, em caso algum, poderá ser afastada pelas partes;
4. Neste sentido, a fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão – de ordem pública – maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
5. Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
6. Assim, da natureza “especial” do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, não deveria ter resultado qualquer dúvida ou receio por parte do Tribunal a quo quanto à sua directa aplicabilidade à relação sub judice e, bem assim, quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo que respeita à contratação de trabalhadores não residentes, afastando as regras gerais que o contrariem e que se encontrem estabelecidas no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Sem prescindir, sempre se dirá que,
7. Mesmo que aos autos se entende ser de aplicar as disposições ao Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril – por analogia – haveria então que retirar daquela aplicação todas as suas legais consequências, maxime em matéria de descanso semanal, feriados obrigatórios, férias, salário justo e, bem assim, de indemnização rescisória por denúncia unilateral por parte da Ré, porquanto em causa estariam preceitos inderrogáveis constantes do Regime Jurídico das Relações Laborais, o que igualmente não terá sido feito;
8. A construção jurídico–civilistica constante da Sentença revela-se desnecessária em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, pelo que a decisão se revela incorrecta, por errada qualificação jurídica;
9. Porém, caso se entenda que a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo se revelava necessária, ainda assim a conclusão enferma de um vício de raciocínio, visto que, em qualquer dos casos, os únicos beneficiários da promessa seriam os trabalhadores e, in casu o Autor, ora Recorrente, e nunca a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau;
10. Ao contrário do que terá entendido o Tribunal a quo, a questão central dos presentes autos traduz-se no desrespeito pela Ré do procedimento legal e positivo, designadamente o constante do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e, bem assim o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças que in casu autorizou a Ré a admitir trabalhadores não residentes, nos quais se incluiu o Autor, ora Recorrente;
11. Assim, a premissa na qual se fundou a decisão do Tribunal a quo para julgar os presentes autos é incorrecta e em muito se afasta dos factos e fundamentos trazidos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré, sendo a mesma nula nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 571.º do Código do Processo Civil;
12. Por outro lado, ao contrário do que erradamente concluiu o Tribunal a quo, em caso algum é verdade que a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor tenha consistido na violação das cláusulas do contrato de trabalho;
13. Assim, tendo o Tribunal a quo se afastado do quid decisório, sem que para tal apresente as razões de facto ou de Direito, é a Sentença nula por ausência de fundamento legal;
14. Não é correcto concluir que das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau relativamente à contratação de mão de obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ ou empregado de contratar em determinados termos;
15. Pelo contrário – uma vez mais se sublinha – o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, toma de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes, obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (Cfr. neste exacto sentido, o Ac. do TSI, de 15 de Dezembro de 2009, Processo de Recurso n.º 739/2009);
16. Tendo na Sentença ficado prejudicada a análise da matéria relativa ao subsídio de alimentação e subsídio de efectividade e constante da matéria de facto dada por provada e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a totalidade do pedido, a decisão deverá ser nula, por violação da al. d) do n.º 1 do art. 571.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deverá a Sentença do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base ser declarada nula pelas razões supra expostas e substituída por outra que julgue nos termos pedidos pelo Autor na sua Petição Inicial, porquanto só assim se fará a já costumada JUSTIÇA!
Notificada a Ré ora recorrida, contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 268 a 290 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica como contrato individual de trabalho do celebrado entre o Autor e a Ré.
Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.
Por razões que passaremos a expor infra, não se vê razão para não manter o já decidido acerca dessa mesma questão.
Tendo em conta a qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, feita nesses Acórdãos tirados nos processos mais ou menos congéneres, já podemos antever com segurança que iremos ficar dispensados de analisar a bondade da parte das conclusões tecidas e das qualificações jurídicas operadas pelo Exmº Juiz a quo, ora impugnadas pelo Autor ora recorrente, nomeadamente a existência ou não de um regime legal de contratação dos trabalhadores não residentes até à publicação da Lei nº 21/2009, e a da natureza jurídica e do alcance normativo do Despacho nº 12/GM/88 de 01FEV.
Assim, de acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada; e
2. Dos créditos e dos juros moratórios reclamados pelo Autor.
Passemos então a apreciá-las.
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada
Tal como dissemos supra, a propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré GUARDFORCE e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada e que não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.
Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e a serem afectados ao serviços à Ré.
E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
O Tribunal a quo não qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil, pura e simplesmente porque no contrato a favor de terceiro a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um outro contrato.
Então vejamos.
Reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórios a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.
Finalmente quanto às razões em que se apoiou o Exmº Juiz a quo ao não qualificar como contrato a favor de terceiro o celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, é de subscrever integralmente as seguintes razões já expostas no Acórdão deste Tribunal tirado em 19MAIO2011 no processo 574/2010:
Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.4
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.5
A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
Não estamos certos desta aparente linearidade.
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.6
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.7
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.8
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).9
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”10
Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
2. Dos créditos e dos juros moratórios reclamados pelo Autor.
Pela qualificação jurídica por nós operada supra do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação prometida, tem o direito à prestação (direito a ser contratado pela Ré nas condições definidas naquele contrato) que nasce imediatamente na sua esfera jurídica
Vem reclamar o Autor ora recorrente dos créditos resultantes das diferenças salariais, das horas extraordinárias, do subsídio de alimentação e do subsídio de efectividade.
Apesar de esses créditos peticionados não terem sido objecto do conhecimento por parte do tribunal recorrido por o considerar prejudicado pela solução dada à acção intentada pelo Autor, impõe a regra da substituição consagrada no artº 630º/2 do CPC que este Tribunal de Segunda Instância conheça do mesmo pedido, sempre que disponhamos dos elementos necessários.
Ficou provada na primeira instância a seguinte matéria de facto pertinente:
* Do contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
* Entre 17AGO1995 e 31MAIO2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
* Entre 17AGO1995 e 30JUN1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1.700,00;
* Entre 01JUL1997 e 31MAR1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais;
* Entre ABR1998 e FEV2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais;
* Entre MAR2005 e FEV2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00 mensais;
* Entre MAR2006 e DEZ2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais;
* Entre 17AGO1995 e 30JUN1997, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8,00 por hora;
* Entre 01JUL1997 e 30JUN2002, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora;
* Entre 01JUL2002 e 31DEZ2002, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora;
* Entre 01JAN2003 e 28FEV2005, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora;
* Entre 01MAR2005 e 28FEV2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora;
* Entre 01MAR2006 e 31DEZ2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,50 por hora;
* Entre AGO1995 e 1996 o Autor trabalhou em turnos de 12 horas por dia;
* Entre 01JUL1999 e 30JUN2002 o Autor prestou 4993 horas de trabalho extraordinário;
* Entre 01JUL2002 e 31DEZ2002 o Autor prestou 895 horas de trabalho extraordinário;
* Entre 01JAN2003 e 28FEV2005 o Autor prestou 6199 horas de trabalho extraordinário;
* Entre 01MAR2005 e 28FEV2006 o Autor prestou 1841 horas de trabalho extraordinário;
* Entre 01MAR2006 e 31DEZ2006 o Autor prestou 1578 horas de trabalho extraordinário;
* A ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
* Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho;
* A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»;
Com essa factualidade assente, já estamos em condições para apurar os créditos fundados no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, qualificado por nós como contrato a favor de terceiro, quais são:
* diferenças salariais;
* horas extraordinárias;
* subsídios de alimentação; e
* subsídios de efectividade.
* diferenças salariais
Vem o autor reclamar as diferenças entre o salário definido no contrato de prestação de serviço e o pago pela Ré durante todo o período de tempo da relação laboral entre ele próprio com a Ré.
Mostrando-se os valores parcelares e o global das diferenças salariais especificados pelo Autor na petição inicial conformes com a matéria de facto assente acima transcrita, é de condenar a Ré no pagamento ao Autor a quantia ai contabilizada no valor global de MOP$100.020,00.
* horas extraordinárias
Como vimos na matéria de facto assente, é de 8 horas diárias o horário de trabalho do Autor.
O que significa que o Autor tem direito ao pagamento de um salário extra nas horas para além das horas diárias.
O Autor pediu sempre um acréscimo no valor de MOP$1,00 por cada hora extraordinária prestada em todas as parcelas dos créditos alegadamente devidos.
A propósito de um pedido nos mesmos termos formulado, decidiu o acima já citado Acórdão 574/2010 onde se salienta:
“Cremos não haver aqui base legal para este acréscimo, a título de trabalho extraordinário, não sendo aqui de entrar com critérios de equidade – apenas possível quando legalmente prevista, convencionada ou mediante acordo das partes (cfr. art. 3º do CC) - , face à matéria dada como provada.
Assim sendo, importa apenas pagar as diferenças salariais, excluindo o pretenso acréscimo de MOP$1,00, por hora.”
É de subscrever esse sensato entendimento que demos aqui por integralmente reproduzido para julgar improcedente o pedido desse acréscimo de MOP$1,00 por hora.
Assim, a remuneração por cada hora extraordinária deve ser calculada com base no salário diário de MOP$90,00 definido no contrato de prestação de serviços, isto é MOP$90,00/8horas=MOP$11,25.
Da matéria de facto provada resulta que são nos seguintes períodos de tempo que o Autor tem direito à diferença entre o valor do salário por hora calculado no contrato de prestação de serviços e o valor que lhe foi pago pela Ré:
i) de 17AGO1995 a 31DEZ1996;
ii) de 01JUL1999 a 30JUN2002;
iii) de 01JUL2002 a 31DEZ2002;
iv) de 01JAN2003 a 28FEV2005;
v) de 01MAR2005 a 28FEV2006; e
vi) de 01MAR2006 a 31DEZ2006.
i) de 17AGO1995 a 31DEZ1996;
Em relação a este período de tempo, ficou provado apenas que, durante toda a sua extensão, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas por dia.
Ou seja, não se sabe se o trabalhador gozou entretanto alguns dias de descanso anual, de descanso semanal ou feriados, o que nos impossibilita de apurar o número dos dias em que trabalhou e consequentemente o número das horas extraordinárias prestadas pelo Autor.
Assim não podemos senão relegar esta parte para a sede da execução da sentença.
ii) de 01JUL1999 a 30JUN2002
Neste período de tempo, a diferença é MOP$11,25 – MOP$9,30 = MOP$1,95
O autor prestou neste mesmo período 4993 horas extraordinárias.
Sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, o Autor tem direito a receber MOP$9.736,35 (MOP$1,95 x 4993 horas).
iii) de 01JUL2002 a 31DEZ2002
Neste período de tempo, a diferença é MOP$11,25 – MOP$10,00 = MOP$1,25
O autor prestou neste mesmo período 895 horas extraordinárias.
Sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, o Autor tem direito a receber MOP$1.118,75 (MOP$1,25 x 895 horas).
iv) de 01JAN2003 a 28FEV2005
Neste período de tempo, a diferença é MOP$11,25 – MOP$11,00 = MOP$0,25
O autor prestou neste mesmo período 6199 horas extraordinárias.
Sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, o Autor tem direito a receber MOP$1.549,75 (MOP$0,25 x 6199 horas).
v) de 01MAR2005 a 28FEV2006
Neste período de tempo, sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, como a Ré já remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora, quantia essa que é superior a MOP$11,25, o Autor não tem direito a receber mais.
vi) de 01MAR2006 a 31DEZ2006.
Neste período de tempo, sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, como a Ré já remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,50 por hora, quantia essa que é superior a MOP$11,25, o Autor não tem direito a receber mais.
* subsídios de alimentação
Tendo-se a Ré limitado a impugnar os créditos peticionados resultantes dos subsídios de alimentação apenas com fundamento na circunstância de não ter este subsídio sido acordado no contrato individual de trabalho celebrado entre ela própria e o Autor e nada tendo contradito quanto ao número dos dias de trabalho alegados pelo autor, este tem direito a receber a quantia global peticionada no valor de MOP$70.080,00.
* subsídios de efectividade
Tendo-se a Ré limitado a impugnar os créditos peticionados resultantes dos subsídios de efectividade apenas com fundamento na circunstância de não ter este subsídio sido acordado no contrato individual de trabalho celebrado entre ela própria e o Autor e nada tendo contradito quanto ao valor contabilizado pelo autor, este tem direito a receber a quantia global peticionada no valor de MOP$56.160,00.
Finalmente quanto aos juros, é de observar-se o decidido na jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI tirado em 02MAR2011, no processo nº 69/2010.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré GUARDFORCE (MACAU) – SERVIÇOS DE SEGURANÇA, LIMITADA a pagar ao Autor A a quantia de MOP$238.554,85, e a quantia a liquidar em sede de execução da sentença correspondente aos créditos resultantes do trabalho prestado em horas extraordinárias durante o período compreendido entre 17AGO1995 e 31DEZ1996.
Custas pelo recorrente e pela recorrida, na proporção do decaimento..
Notifique.
RAEM, 23JUN2011
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
1 Veja-se João de Matos Antunes Varela em Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 348.
2 Antunes Varela na obra citada supra a pág. 329.
3 Antunes Varela na obra citada a pág. 329.
4 Antunes Varela na obra citada a pág. 330.
5 Antunes Varela na obra citada a pág. 262 e seguintes.
4 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
5 - Leite de Campos, ob. cit., 17
6 - Obrigações, 1966, 55
7 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
8 - Leite de Campos, ob. cit.27
9 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
10 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
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Ac. 662/2010-1