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Processo nº 781/2010
Data do Acórdão: 23JUN2011


Assuntos:

Prescrição de créditos
Ónus de alegação
Horas extraordinárias
Período normal de trabalho




SUMÁRIO

A simples junção de documentos pelo autor não implica o comprimento do ónus de alegação das razões de facto, a que se refere o artº 389º/1-c) do CPC;


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 781/2010

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV3-08-0069-LAC, do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

RELATÓRIO
  A (Autor) intentou a presente acção de processo comum do trabalho contra Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, alegando aquele como ex-trabalhador por tempo indeterminado desta durante o período compreendido entre 6 de Dezembro de 1991 e 23 de Março de 2005, prestou trabalho extraordinário (4 horas por dia) durante todo aquele período e 365 dias por ano sem ter recebido qualquer compensação pecuniária, pediu, a final, que a R. seja condenada a pagar ao A. a quantia de MOP$2.813.866,36, correspondente à compensação do trabalho prestado pelo A., tudo melhor consta da petição inicial de fls. 2 a 10.
  Foi realizada a tentativa da conciliação entre as partes ao abrigo do disposto no artigo 27º, nº 2 da Lei nº 9/2003, de 30 de Junho, mas como resulta do auto de fls. 51, não se logrou o seu objectivo.
  Citada a parte contrária, a mesma veio deduzir contestação (cfr. fls. 59 a 72), impugnando os factos articulados pelo A., pedindo, a final, que seja julgada improcedente a acção.
*
  Proferido o despacho saneador e seleccionada a matéria pertinente para a decisão da causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a intervenção Tribunal Colectivo.
***
FUNDAMENTOS
  Realizada a audiência com observância do formalismo legal, foi dada como provada a seguinte matéria fáctica pertinente para a presente causa:
  Por acordo celebrado em 6 de Dezembro de 1991, a R. contratou o A., para desempenhar as funções de gerente geral na Divisão de Serviços de Segurança, por tempo indeterminado. (A)
  Em 1998 o acordo referido na alínea anterior foi substituído pelo contrato escrito assinado pelo A. em 2 de Janeiro de 1999 cuja cópia se encontra a folhas 18/21 e aqui se da por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (B)
  O A. tinha como funções, entre outras, a gestão do pessoal que trabalhava fora e por turnos, o que compreendiam a supervisão de todos os trabalhadores que trabalhavam fora e por turnos, atribuir-lhes tarefas e verificar e supervisionar o seu cumprimento, designadamente no transporte de fundos e valores, abertura e fecho de armazéns, verificar se os trabalhadores se encontravam nos seus postos, dar-lhes o apoio e assistência necessária ao cabal cumprimento das suas funções. (C)
  O A., tinha um horário flexível. (D)
  A R. presta a sua actividade de forma ininterrupta, isto é, 24 horas por dia e 365 dias por ano. (E)
  A R. nunca pagou qualquer quantia ao A. a título de trabalho extraordinário. (F)
  O A. trabalhava das 9 horas da manhã às 9 horas da noite, com intervalos de uma hora para almoço e uma hora para jantar. (1º)
  O referido em 1º aconteceu desde 6 de Dezembro de 1991 a 23 de Março de 2005. (3º)
  O A. só podia realizar horas extraordinárias com autorização do seu superior hierárquico o Director Geral da R. (5º)
  O A. nunca submeteu qualquer pedido do Director Geral para a realização de horas extraordinárias. (6º)
  O A. nunca teve autorização do Director Geral da R. para realizar horas extraordinárias. (7º)
  Em Fevereiro de 2000, o A. gozou de 3 dias de descanso, tendo naqueles dias saído de e entrado em Macau pelas fronteiras. (8º)
  Em Junho de 2000, o A. gozou de 7 dias de descanso, tendo naqueles dias saído de e entrado em Macau pelas fronteiras. (9º)
  Em Agosto de 2000, o A. gozou de 4 dias de descanso, tendo naqueles dias saído de e entrado em Macau pelas fronteiras. (10º)
  Em Novembro de 2000, o A. gozou de 4 dias de descanso, tendo naqueles dias saído de e entrado em Macau pelas fronteiras. (11º)
  Em Novembro de 2001, o A. gozou de 5 dias de descanso, tendo naqueles dias saído de e entrado em Macau pelas fronteiras. (12º)
  Em Maio de 2002, o A. gozou de 3 dias de descanso, tendo naqueles dias saído de e entrado em Macau pelas fronteiras. (13º)
  Em 1991 o A. ganhava cerca de MOP$5.000,00. (14º)
*
  O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
  Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
  Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
A) Caracterização do contrato celebrado entre A. e R.
  Estabelece o nº 1 do artigo 1079° do Código Civil de Macau (correspondente ao artigo 1152º do Código revogado) que “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
  De acordo com esta disposição legal, o contrato de trabalho é caracterizado por três elementos essenciais: a prestação da actividade manual ou intelectual por parte do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
  Por um lado, o contrato de trabalho tem um objecto próprio, que consiste na actividade a que o trabalhador se obriga manual ou intelectualmente, na qual aplicará a força de trabalho que, pelo negócio, pôs à disposição da contraparte, ou seja, da entidade patronal.
  Por outro, o contrato de trabalho é oneroso, pois a prestação patrimonial efectuada por cada um dos contraentes tem por correspectivo ou equivalente a prestação proveniente do outro, ou seja, o trabalhador obriga-se, mediante retribuição, a colaborar na empresa, como troca da disponibilidade da sua força de trabalho, prestando o seu próprio trabalho manual ou intelectual, na dependência ou sob a direcção do empresário, retribuição essa que pode ser certa, variável ou fixa, mas que terá de ser satisfeita, ao menos, parcialmente em dinheiro.
  Por último, a subordinação jurídica consiste na relação de dependência em que o trabalhador se coloca por força da celebração do contrato, ficando sujeito, na prestação da sua actividade, às ordens, direcção e fiscalização do dador de trabalho, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
  Ora, no caso sub judice, entendemos não haver dúvidas quanto à qualificação da relação contratual constituída pelo A. e R. como um contrato de trabalho, uma vez que o A., enquanto trabalhador da R., colocava à disposição desta o seu trabalho manual, sujeitando-se às ordens, direcção e fiscalização daquela, enquanto empregadora, mediante uma retribuição.
*
B) Prestação do trabalho fora do período normal de trabalho
  Decidida a natureza jurídica do contrato, importa agora saber se o A. teria prestado trabalho fora do período normal de trabalho.
  Tendo em consideração que a relação laboral estabelecida entre A. e R. vigorou entre 1991 e 2005, é aplicável in casu o diploma então vigente - DL. 24/89/M, de 3 de Abril (Regime Jurídico das Relações Laborais, doravante designado por RJRL).
  Diz-se “trabalho extraordinário todo o trabalho prestado além do período normal de trabalho.” (cfr. artigo 2º, alínea e) do RJRL)
  Segundo o disposto no artigo 10º, nº 1 daquele Regime, estipula-se que o período normal de trabalho são oito horas por dia e quarenta e oito horas por semana.
  Passando aquele período, o trabalho prestado pelo trabalhador passará a ser considerado como trabalho extraordinário, gozando o trabalhador do respectivo direito compensatório.
  No presente caso, não obstante provado estar que o A. tinha um horário flexível, mas nada impede que possa receber horas extraordinárias pelo esforço contribuído fora do período normal de trabalho. Uma coisa é trabalhar sem horário fixo (ou seja, escusando-se de ir ao serviço pontualmente), outra coisa é trabalhar para além do período normal de trabalho, que são oito horas por dia, devendo ser o trabalhador compensado pelo trabalho prestado para além daquele período.
  Segundo o que ficou provado, o horário de trabalho do A. era das 9,00 da manhã até às 9,00 da noite, gozando o A. intervalos de uma hora para almoço e de uma hora para jantar, isto significa que o A. só trabalhava 10 horas por dia.
  Nos termos do artigo 10º, nº 2 e 3 do RJRL, consignou-se que “De acordo com os usos e costumes, o modo de laboração ou o estabelecido entre o empregador e o trabalhador, os limites fixados no número anterior poderão ser ultrapassados até ao limite das 10,30 horas, por dia, não revestindo, porém, carácter de obrigatoriedade a prestação do trabalho para além das oito horas úteis diárias.”; “Poderão admitir-se durações de trabalho superiores a 48 horas semanais em resultado de prestação de trabalho extraordinário, entendido este nos termos da alínea e) do artigo 2º.” (sublinhado meu)
  Segundo a referida disposição legal, o legislador admitiu que em determinadas situações, o período normal de trabalho pudesse ultrapassar oito horas até dez horas e meia, mas sem prejuízo, salvo o devido respeito por opinião contrária, da respectiva compensação pela prestação de trabalho extraordinário.
  Importa apurar da possibilidade ou não de o trabalhador renunciar ao seu direito à compensação do trabalho extraordinário.
  Estabelece o nº 1 do artigo 399º do Código Civil de Macau que “dentro dos limites da lei, as partes tem a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
  Em tal preceito é estabelecido o princípio da liberdade contratual que preside à celebração dos contratos, mas que, como dele decorre não é absoluto, no sentido de não conhecer limites. Os limites são os previstos na lei.
  Encontrar-se-á aplicação no âmbito do Direito do Trabalho e, a saber, na regulamentação deste, a liberdade contratual tal como atrás foi definida?
  Seguiremos de perto as considerações a este propósito tecidas no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 23 de Março de 2006, processo 241/2005.
  Conforme se refere naquele aresto, se quanto à forma contratual e fixação salarial vigora sem mais a liberdade contratual e, assim sendo, o primado do contrato, já em muitos outros domínios as normas constantes do Regime Jurídico da Relação de Trabalho são manifestamente injuntivas, e encontram-se proclamadas e recepcionadas pelo Direito Internacional, como sejam as relativas aos descansos e férias dos trabalhadores.
  E explica aquele aresto, o Direito do Trabalho aparece com a generalização de um específico tipo de trabalho humano — o trabalho produtivo, voluntário, dependente e por conta alheia. Tal trabalho, com a Revolução Industrial veio a assumir particular e importante relevo e daí a necessidade de se criar um corpo normativo que o regulamentasse.
  Ora, atento o facto de o trabalhador se apresentar, na relação laboral, numa posição de inferioridade e dependência em relação ao empregador, leva a que o Direito do Trabalho se assuma como um Direito de Protecção, corrigindo, por via legal, certas situações de desigualdade, impondo restrições ao normal desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade. A não ser assim, o trabalhador ficaria sujeito a todo um conjunto de pressões e exigências que, atentas as suas necessidades vitais e as daqueles que dele dependem (alimentação, saúde, alojamento, vestuário, educação, entre outras), acabaria por aceitar.
  Tal preocupação em proteger e corrigir as desigualdades encontra expressão nos artigos 5º e 6º do RJRL, onde se regula o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador. Tal princípio deve ser tido como elemento de interpretação da lei laboral, devendo o intérprete-aplicador do direito escolher, na dúvida, o sentido ou a solução mais favorável ao trabalhador.
  Ora, de acordo com os nºs 1 e 2 do artigo 1º do RJRL, a contratação relativa a relações de trabalho é livre, sem prejuízo da observância dos condicionalismos mínimos que se encontrem estabelecidos na lei, ou resultem de normas convencionais livremente aceites pelos respectivos representantes associativos, de regulamentos de empresa ou de usos e costumes geralmente praticados.
  Assim, salvo melhor opinião, no artigo 11° do RJRL encontra-se regulado o direito à compensação do trabalho extraordinário, sendo este o limite mínimo que, no concernente àquela matéria, deve ser observado por empregador.
  Sendo um condicionalismo mínimo, legalmente estabelecido, cabe no âmbito da excepção à liberdade contratual, previsto na parte final do nº 1 do artigo 399° do Código Civil de Macau, e como tal não está sujeito a negociação nem a renúncia por parte do seu titular ora A.
  Entretanto, outra consideração relevante que nos compete apreciar que é o seguinte.
  De acordo com a matéria dada como provada, é de verificar que o A. só podia trabalhar horas extraordinárias após obtida autorização do seu superior hierárquico ora Director Geral da R., mas durante todo o período da relação laboral, o A. nunca chegou a submeter qualquer pedido ao último para trabalhar em horas extraordinárias, o que significa que o A. não teve autorização do Director da R. para realizar horas extraordinárias (cfr. resposta aos quesitos 5º, 6º e 7º).
  Contudo, salvo melhor entendimento, tendo em conta a vontade das partes, julgo que a aludida autorização só era necessária quando o A. iria prestar trabalho extraordinário para além do período acordado por ambas as partes, isto é, além das dez horas diárias inicialmente acordadas, situação que não era aplicável no caso sub judice, pois o que acontece aqui é que durante o período da vigência da relação laboral, o A. trabalhava 10 horas por dia (por ter gozado duas horas para refeições), e essa situação era do perfeito conhecimento da R. e que nunca foi por ela posta em causa enquanto entidade patronal, pelo que a R. tinha a obrigação de compensar ao A. as duas horas diárias de trabalho extraordinário prestado pelo último.
  Finalmente, poderia ainda suscitar a questão de saber se as partes teriam acordado incluir a respectiva compensação do trabalho extraordinário no valor do vencimento mensal.
  Salvo o devido respeito, não se vislumbre qualquer facto provado neste sentido, nem no próprio contrato de trabalho assinado em 1991 se encontra qualquer cláusula que permita chegar a tal conclusão.
*
C) Compensação
  Esclarecidas que estão as questões suscitadas, e conforme o acima descrito, entendemos que o A. tinha direito ao recebimento da compensação pecuniária pela prestação de duas horas extraordinárias por dia, pelo que nos cabe agora proceder ao seu cálculo.
  Importa agora apurar qual o montante da compensação a atribuir ao A. pelo facto de ter prestado duas horas extraordinárias por dia durante a vigência da relação laboral, isto é, no período compreendido entre 6 de Dezembro de 1991 e 23 de Março de 2005.
  Segundo o disposto no artigo 11º, nº 2 do RJRL, estipula-se que “nos casos de prestação de trabalho extraordinário, o trabalhador terá direito a um acréscimo de salário, do montante que for acordado entre o empregador e o trabalhador.”
  Ora, in casu, pese embora as partes nunca tivessem falado sobre o assunto (relativo à eventual compensação do trabalho extraordinário), mas não significaria que o A. perdia do direito à mesma, sob pena de cair em plena injustiça. Para tal, julgo que a melhor solução é determinar qual o montante do rendimento diário auferido pelo A., para depois poder saber qual o valor auferido por cada hora de trabalho, sendo esses elementos necessários para o cálculo da respectiva compensação.
  Assim, calculamos em primeiro lugar o seu rendimento diário, depois dividimos por 8 por ser o número de horas correspondente ao período normal de trabalho diário.
  Para melhor compreensão, seguimos a seguinte fórmula aritmética:
  - vencimento mensal/30 dias/8 horas = rendimento por hora.
  Com base nos documentos constantes do autos apresentados pelo A. e que não foram impugnados pela parte contrária ora R., e feito o devido cálculo, foram os seguintes vencimentos mensais e rendimentos por hora auferidos pelo A. durante a vigência do contrato de trabalho, pertinentes para a decisão da causa:
Período
Vencimento
mensal
Rendimento
por hora
6/12/1991 a 31/1/1992
MOP$5.000,00
MOP$20,80
1/2/1992 a 28/2/1992
MOP$7.000,00
MOP$29,20
1/3/1992 a 20/8/1992
MOP$10.000,00
MOP$41,70
21/8/1992 a 31/3/1993
MOP$15.000,00
MOP$62,50
1/4/1993 a 31/7/1993
MOP$17.5000,00
MOP$72,90
1/8/1993 a 31/12/1994
MOP$20.000,00
MOP$83,30
1/1/1995 a 31/12/1995
MOP$22.000,00
MOP$91,70
1/1/1996 a 31/12/1996
MOP$25.000,00
MOP$104,20
1/1/1997 a 31/12/1997
MOP$27.500,00
MOP$114,60
1/1/1998 a 31/12/1998
MOP$30.000,00
MOP$125,00
1/1/1999 a 31/12/2002
MOP$34.300,00
MOP$142,90
1/1/2003 a 23/3/2005
MOP$35.000,00
MOP$145,80
*
  Provado que durante a vigência do contrato de trabalho o A. prestou diariamente duas horas de trabalho extraordinário a favor da Ré mas esta nunca lhe pagou qualquer acréscimo salarial, pelo que tem direito agora a uma compensação das horas correspondentes contada até à data da cessação da relação laboral com a R. (rendimento por hora * 2 horas = compensação do trabalho extraordinário por dia).
  No cálculo do montante global da compensação não são tidos em consideração os dias de descanso semanal, por não ter sido provado que o A. tinha prestado trabalho nesses dias, bem como os dias de descanso (férias) gozados pelo A.
  Tendo em atenção estes pressupostos, é calculada nos seguintes termos, a compensação pelas duas horas de trabalho extraordinário realizado pelo A.:
Período (A)
Número de dias com exclusão dos descansos semanais (B)
Rendimento por hora (C)
Quantia compensatória devida durante o mesmo período
(B * C * 2horas por dia)
6/12/1991 a 31/1/1992
49
MOP$20,80
MOP$2.038,40
1/2/1992 a 28/2/1992
24
MOP$29,20
MOP$1.401,60
1/3/1992 a 20/8/1992
149
MOP$41,70
MOP$12.426,60
21/8/1992 a 31/3/1993
192
MOP$62,50
MOP$24.000,00
1/4/1993 a 31/7/1993
105
MOP$72,90
MOP$15.309,00
1/8/1993 a 31/12/1994
132
MOP$83,30
MOP$21.991,20
1/1/1995 a 31/12/1995
313
MOP$91,70
MOP$57.404,20
1/1/1996 a 31/12/1996
314
MOP$104,20
MOP$65.437,60
1/1/1997 a 31/12/1997
313
MOP$114,60
MOP$71.739,60
1/1/1998 a 31/12/1998
313
MOP$125,00
MOP$78.250,00
1/1/1999 a 31/12/2002
1253
MOP$142,90
MOP$358.107,40
1/1/2003 a 23/3/2005
671(***)
MOP$145,80
MOP$195.663,60
(***)Foram subtraídos 26 dias de descanso conforme a resposta dada aos quesitos 8º a 13º
  Isto num total de MOP$903.769,20.
***
DECISÃO
  Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo a acção intentada pelo A. parcialmente procedente, condenando a R. a pagar ao A. a quantia de MOP$903.769,20.
  Custas do processo pelas partes, na proporção do decaimento.
  Registe e notifique.

Não se conformando com essa sentença, veio a ré recorrer dela concluindo que:

   a)
  O A., ora Recorrente, trabalhou na sociedade R., ora Recorrente, desde 6 de Dezembro de 1991 até 23 de Março de 2005 e apenas em 26/09/2008 intentou a presente Acção de Processo Comum de Trabalho.
   b)
  O período de prescrição para este tipo de créditos é de 2 anos nos termos do artº 310º do CCM, começando esse prazo a contar-se a partir do momento em que o direito possa ser exercido (artº 299º do CCM).
   c)
  O Recorrido teria que exercer esse seu direito até 23 de Março de 2005, o que não aconteceu, como se pode verificar pela data de entrada no Tribunal Judicial de Base da petição (26/09/2008). Estão, desse modo, os créditos agora reclamados e objecto da petição prescritos.
   d)
  Sendo a prescrição uma excepção peremptória, é de conhecimento oficioso, nos termos do artº 415º do CPCM e, de acordo com o nº3 do artº 412º do CPCM - in fine -, deve a Recorrente, ser absolvida do pedido.
   e)
  O Meritíssimo Juiz a quo elaborou um mapa de apuramento ad hoc baseado em factos que não estavam inscritos nem na Matéria de Facto Assente, nem na Base Instrutória. Referimo-nos ao salário do Recorrido.
   f)
  Tanto assim é que este mapa de apuramento é completamente diferente do apresentado na petição inicial e que atingia o valor de MOP$2.813.866,36 (valor do pedido) contra os MOP$903.769,20 apurados ad hoc no Acórdão recorrido.
   g)
  Tendo a matéria de facto sido fixada, sem que em lado algum fosse ampliada a base instrutória.
   h)
  Ora se é certo que nos termos no termos do nº 3 do artº 42 do Código do Processo de Trabalho, “O tribunal pode condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente dele...”, não podemos perder de vista que isso só pode acontecer quando “... resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos.”, (nº 3 do artº 42º in fine). Contudo, não foi isso que aconteceu.
   i)
  O que se verifica é que o Acórdão recorrido baseia os cálculos do “seu” mapa de apuramento em valores salariais de MOP$7.000,00, MOP$10.000,00, MOP$15.000,00, MOP$17.500,00, MOP$20.000,00, MOP$22.000,00, MOP$25.000,00, MOP$27.500,00, MOP$30.000,00, MOP$34.300,00 que não encontram eco na matéria de facto assente.
   j)
  Por outro lado, nos termos do mesmo artigo, o tribunal apenas poderia condenar “... em quantidade superior ao do pedido ou em objecto diferente diferente dele ...”, contudo, mantendo o mesmo objecto (horas extraordinárias), condenou em valor inferior ao do pedido.
   k)
  Considera-se, por isso, que o Acórdào recorrido, violou não só o estipulado no nº 3 do artº artº 42º do CPT, mas também o Princípio do Dispositivo, descrito no artº 5º do CPCM, aplicado por força do artº 1º do CPT.
   l)
  Por outro lado, o Acórdão recorrido não deu o devido relevo aos factos (provados) respeitantes à posição hierárquica que o Recorrido desempenhava na sociedade Recorrente, pois ficou provado que o Recorrido era Gerente Geral e que portanto era a segunda figura da hierarquia da sociedade Recorrente; que lhe competiam funções de gestão e de supervisão; um horário flexível e que a Recorrente funcionava de forma ininterrupta, 24 horas por dia.
   m)
  Para além disso não levou em conta que as horas extraordinárias a efectuar pelo Recorrido estariam dependentes da autorização do seu (único) superior hierárquico e tal autorização nunca foi dada.
   n)
  Ora, se é certo que o Direito de Trabalho deve assumir um valor de protecção do trabalhador, corrigindo desigualdades tendencialmente impostas pela entidade patronal na negociação dos contratos de trabalho, tal não poderá funcionar no presente caso, pois a posição hierárquica de gerente geral (segunda figura na hierarquia da Recorrido), atribuído ao Recorrido, permitiu-lhe negociar de forma justa o contrato de trabalho em questão.
   o)
  Tanto assim é que ambas as partes, de forma justa e consciente, fixado a isenção de horário (provada), podendo em casos excepcionais haver lugar ao pagamento de horas extraordinárias com a autorização do Director Geral, o que nunca aconteceu, como, também, provado.
   p)
  Sendo que com base nessa isenção de horário (provada nos autos) o Recorrido tinha a liberdade de fixar o seu próprio horário, conforme as necessidades de supervisão do trabalho realizado 24 horas por dia e na sua qualidade de gerente geral.
   q)
  Por outro lado, o Acórdão recorrido, ignorou por completo, a prova documental enviada pela Policia de Segurança Pública para os autos, a pedido do próprio tribunal, que demonstra à saciedade que o Recorrente se ausentava quase diariamente de Macau, com destino à RPC e a Hong Kong (desde 06/12/1991 a 23/03/2005), durante o dia, sendo, por isso, impossível que estivesse a trabalhar das 9 da manhã ás 9 da noite como (mal) ficou provado nos autos.
   r)
  Na verdade, tal questão (da permanente ausência do recorrido do seu local de trabalho e mesmo de Macau) foi, desde a contestação, um dos fundamentos da Ré, ora Recorrente, para demonstrar que o A., ora Recorrido, não trabalhava 12 horas por dia, como se afirmava na PI.
   s)
  Mesmo assim, com toda a documentação da PSP que sendo um documento autentico nos termos do artº 363º do CCM deveria ter força probatória plena nos termos do artº 365º do CCM, foi, incorrectamente, dado como provado que o Recorrido trabalhava das 9 da manhã ás 9 da noite diariamente.
   t)
  Tendo sido junto aos autos, como contra prova do quesito 3º, um documento autêntico com força probatória plena, deveria esse quesito ter sido dado por não provado por tão evidente ser que mesmo provado que prestava 10 horas de trabalho diário, tal não aconteceu diariamente, nem ininterruptamente durante o período de 6 de Dezembro de 1991 a 23 de Março de 2005, para mais sabendo-se das funções que o Recorrido tinha na sociedade Recorrente e do funcionamento da mesma durante 24 horas por dia.
   u)
  O Acórdão recorrido violou, desse modo, o artº 363º e 365º do CCM.
   v)
  E face ao provado nesse documento nunca poderia dar como provado que de 6 de Dezembro de 1991 a 23 de Março de 2005 o Recorrido trabalhava diariamente (salvo algumas, poucas, excepções descritas no Acórdão).
   w)
  Por fim, a considerar-se como correcto o mapa de apuramento ad hoc lavrado no Acórdão, o que se afirma sem transigir quanto ao acima exposto, não poderá deixar de sublinhar-se que o mesmo Acórdão não levou em linha de conta que o limite de 8 horas de trabalho por dia previsto no nº 1 do artº 48º do Decreto-Lei nº 24/89/M, pode ser aumentado para 10h.30m. por dia, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.
   x)
  A que acresce, nos termos do nº 4 do mesmo artigo, a realização de mais 30 minutos de acordo com o nº 4 do mesmo artigo, sem que tal seja considerado trabalho extraordinário.
   y)
  Pelo que é permitido a realização de 11 horas de trabalho diário sem que tal seja considerado como trabalho extraordinário.
   z)
  Ao contabilizar o limite de 10 horas de trabalho diário como limite máximo a partir do qual se contabilizam horas extraordinárias, o Acórdão recorrido violou o artº 10º do Decreto-Lei nº 24/89/M.
Temos pois como certo que com o Douto suprimento de Vossas Excelências e no vosso recto juízo, farão a tão esperada e já habitual JUSTIÇA,
- dando como provada a excepção peremptória acima referida e absolvendo a Recorrente do pedido ou, caso assim não entendam,
- revogando a sentença proferida nos presentes autos, por violação das normas legais acima devidamente assinaladas e demais que oficiosamente puder ser conhecido por V. Exªs e consequentemente, absolvendo a Recorrente do pedido.

Notificado o Autor ora recorrido, respondeu pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 488 a 502 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

De acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:

1. Da prescrição dos créditos peticionados;

2. Da violação do princípio do dispositivo;

3. Da dependência da autorização da prestação do trabalho em horas extraordinárias;

4. Da contradição entre a prova da ausência diária do autor e a provada prestação diária do trabalho das 9 da manhã às 9 da noite; e

5. Da violação do artº 10º do Decreto-Lei nº 24/89/M.

Passemos a apreciar.

1. Da prescrição dos créditos peticionados

A recorrente entende que, nos termos do disposto no artº 310º do CC, é de dois anos o prazo de prescrição dos créditos reclamados pelo Autor.

E que tendo a acção sido intentada apenas em 26SET2008, já estão prescritos os créditos ora reclamados.

Não tem razão a recorrente.

Estão em causa créditos que resultam do contrato de trabalho celebrado entre o Autor ora recorrido e a Ré ora recorrente, no que diz respeito à compensação pelas horas extraordinárias efectuadas.

Trata-se de remuneração do trabalho subordinado.

Ora, ao contrário do que defende a ora recorrente, os créditos resultantes da prestação do trabalho subordinado não se integram em qualquer das alíneas do artº 310º do CC.

Mas de acordo com a jurisprudência pacífica deste Tribunal de Segunda Instância, durante o período do tempo a que se reportam os factos dos presentes autos, não existe quer no regime jurídico das relações laborais (Decreto-Lei nº 24/89/M) quer na lei geral (Código Civil) qualquer norma especial que estabelece um prazo especial da prescrição dos créditos resultantes da prestação de trabalho subordinado.

Assim, há que recorrer aos preceitos gerais consagrados no Código Civil.

Ora, o Código Civil de 1966 previa que o prazo ordinário de prescrição era de 20 anos (artº 309º), ao passo que é de 15 anos o prazo ordinário de prescrição previsto no Código Civil de 1999 (artº 302º).

Como os créditos reclamados pelo Autor, ora recorrido, venceram-se parcialmente na vigência do código de 1966 e parcialmente na do código de 1999, há que portanto averiguar qual será a lei aplicável.

Em relação aos créditos alegadamente vencidos após a entrada em vigor do código de 1999 em 01NOV1999, não temos dúvida de que é aplicável o novo código e portanto não estão prescritos esses créditos.

No que diz respeito aos créditos alegadamente vencidos antes da vigência do novo código, se aplicável a lei antiga que fixa o prazo de prescrição em 20 anos, obviamente não estão prescritos os mesmos créditos.

Com vimos supra, o tal prazo de 20 anos foi reduzido para 15 anos pelo código de 1999.

Assim, põe-se a questão da aplicação da lei no tempo.

Ora, a questão encontra solução no disposto no artº 290º do actual Código Civil, que reza:

1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. O disposto nos números anteriores é extensivo, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.
Face ao preceituado nesse artº 290º, os créditos ora reclamados alegadamente vencidos antes da entrada em vigor do código de 1999, tanto os que continuam a ser regidos pela lei antiga por força do artº 290º/1, in fine, como os regidos pela lei nova por força da primeira parte do memso nº 1, não se encontram ainda prescritos.

Improcede assim a excepção de prescrição ora invocada pela reocrrente.

2. Da violação do princípio do dispositivo

Na ópitca da recorrente, ao basear-se a sentença recorrida no mapa de apuramento em valores salariais de MOP$7.000,00, MOP$10.000,00, MOP$15.000,00, MOP$17.500,00, MOP$20.000,00, MOP$22.000,00, MOP$25.000,00, MOP$27.500,00, MOP$30.000,00, MOP$34.300,00, que não encontram eco matéria de facto assente, o tribunal a quo violou o princípio do dispositivo.

Compulsados os articulados e o despacho saneador, verifica-se que foi apenas alegado pelo Autor, mediante remissão para a cópia do contrato, cujo teor foi dado integralmenhte reproduzido na petição inicial, que o salário mensal auferido pelo Autor por força do contrato assinado em 02JAN1999 era MOP$34.300.

Tirando isso, nada mais foi alegado pelo Autor acerca dos seus salários mensais ao longo do período compreendido entre 06DEZ1991 e 23MAR2005.

Conforme se vê na sentença ora recorrida, foi com base nos documentos constantes dos autos apresentados pelo Autor e não impugnados pela Ré que foi elaborado o mapa onde se apuraram os vencimentos mensais auferidos pelo Autor na vigência do contrato de trabalho celebrado entre eles – vide a pág. 14 da sentença recorrida.

Ora, como se sabe, ao autor cabe formular a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e expor as razões de facto e de direito em que a fundmenta (artº 389º/1-c) do CPC) e sobre o réu recai o ónus de impugnação específica dos factos articulados na petição pelo autor (artº 410º/1 do CPC) .

Na matéria de facto, o juiz tem de cingir-se às alegações das partes, ao passo que na indagação, interpretação e aplicação do direito o tribunal age livremente (artº 567º do CPC).

Como apontámos supra, o Exmº Colega da 1ª instância elabarou o mapa onde se apuraram os vencimentos mensais com base nos documentos apresentados pelo Autor aos autos e não impugnados pela Ré, põe-se agora a questão de saber se o ónus de alegação das razões de facto, a que se refere o artº 389º/1-c) do CPC, pode ser substituído pela simples junção de documento.

É verdade que doutrina existe aceitando como forma válida de contestação a simples junção de documento.

No que respeitante às formas admissíveis de contestação pelo réu, o Saudoso Prof. Antunes Varela chegou a distinguir entre elas a contestação articulada, a contestação por negação e a contestação por mera junção de documento - cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Rev. e Act., pág. 285 e s.s.

A propósito dessa última que nos interesse agora, o Mestre ensina que:

“A contestação por simples junção de documentos assenta no puro oferecimento real da prova documental, desacompanhada de qualquer alegação escrita sobre os próprios factos a que o documento se refere. Não é mencionada nos textos legais, mas cabe sem dúvida no espírito da lei, como forma válida de contestação.
A mera junção de documento comprovativo de um pagamento, de uma renúncia, de uma revogação ou de outro acto jurídico, pode bem constituir um meio concludente de contrariar um facto articulado pelo autor, não mero expressivo do que a alegação do facto em contestação articulada. Um sistema processual como o português, mais empenhado na descoberta da verdade dos factos do que na observância dos purso ritos de forma, não pode recusar in limine tal forma de contestação.
Se numa acção de condenação, o réu se limita a requerer a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento, remissão, novação ou compensação da dívida cuja cobrança lhe é exigida, não será lícito ao juiz ignorar a contrariedade dos factos articulados pelo autor, de que ele deve conhecer ex officio, nem será lícito duvidar do aninus compensandi (art. 848º do Cód. Civil) do réu, no caso de o documento se referir a uma dívida compensatória.” – cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Rev. e Act., pág. 287 e 288.

Todavia, não encontramos quer texto legal quer doutrina em paralelo no sentido de defender a simples junção do documento é forma válida para o autor expor razões de facto como causa de pedir.

Compreende-se a admissibilidade da simples junção de documentos como forma válida da contestação e não também forma válida para expor razões de facto que constituem causa de pedir, uma vez que ao autor cabe a tarefa de mencionar os factos concretos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido, por isso esses factos hão de ser articulados ponto a ponto de modo a que o tribunal possa inteirar-se da causa de pedir, ao passo que a função duma contestação-defesa se limita a repelir a pretensão do autor, negando de frente os factos já articulados pelo autor ou sem afastar a realidade desses factos, contradizendo o efeito jurídico que o autor pretende extrair dele, ou seja, repelir a pretensão do autor dentro de um contexto já traçado por factos concretamente articulados na petição.

Cremos que é por causa disso que o autor não pode substituir a exposição das razões de facto pela mera junção de documentos.

Portanto, in casu, por falta dos factos articulados pelo autor no que diz respeito aos quantitativos dos vencimentos mensais, o tribunal não pode lançar mão aos simples documentos juntos aos autos, mesmo não impugnados pela parte contrária, para formar a base fáctica em que se fundamenta a decisão de direito.

Assim sendo, não é de manter a condenação, pelo menos na parte que diz respeito aos quantitativos concretamente apurados.

Quando muito, poderá haver lugar à condenação a liquidar em execução da sentença.

Mas tudo depende do sentido da solução que iremos dar às restantes questões.

Passemos então a debruçar-nos primeiro sobre as restantes questões, só após o que voltamos a decidir do pedido do presente recurso.

Da dependência da autorização da prestação do trabalho em horas extraordinárias;

A recorrente entende que nos termos do contrato, as horas extraordinárias estariam dependentes da autorização do seu (único) superior hierárquico e tal autorização nunca foi dada, portanto o Autor não foi autorizado para trabalhar em horas extraordinárias.

Não tem razão a recorrente.

É verdade que ficou provado que:

* O Autor só podia realizar horas extraordinárias com autorização do seu superior hierárquico o Directo Geral da Ré;
* O Autor nunca submeteu qualquer pedido ao Director Geral para a realização de horas extraordinárias; e
* O Autor nunca teve autorização do Director Geral da Ré para realizar horas extraordinárias.

Aqui há que analisar a questão em dois períodos de tempo diferentes, o primeiro período de tempo desde o início das funções do Autor na Ré até à celebração do contrato com efeitos a partir de 01JAN1999, e o segundo período de tempo desde o início da vigência desse contrato até à cessação das funções.

Em relação ao primeiro período, durante o qual não tendo sido demonstrada nos autos a existência de um acordo sobre o horário ou período normal de trabalho, aplica-se a regra geral e 8 horas diárias consagrada no artº 10º/1 do D. L. nº 24/89/M.

Assim, é de louvar as sensatas considerações tecidas pelo Exmº Colega da 1ª instãncia, que diz:

“o A. Trabalhava 10 horas por dia (por ter gozado duas horas para refeições), e essa situação era do perfeito conhecimento da R. E que nunca foi por ela posta em causa enquanto entidade patronal, pelo que a Ré tinha a obrigação de compensar ao A. as duas horas diárias de trabalho extraordinário prestado pelo último.”.

Portanto merece compensação o autor por razões de justiça, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da entidade patronal.

No que se refere ao segundo período de tempo em que houve acordo sobre o período normal de trabalho superior a 8 horas diárias, podemos prever antecipadamente que a questão da autorização por parte da entidade patronal ficará prejudicada pela solução que iremos dar à 5ª questão (da violação do artº 10º do Decreto-Lei nº 24/89/M).

Portanto, passemos por cima para já a análise das consequências da falta da autorização para horas extraordinárias nesse segundo período de tempo.

Da contradição entre a prova da ausência diária do autor e a provada prestação diária do trabalho das 9 da manhã às 9 da noite

A recorrente entende que “o Acórdão recorrido, ignorou por completo, a prova documental enviada pela Polícia de Segurança Pública para os autos, a pedido do próprio tribunal, que demonstra à saciedade que o Recorrente(sic) se ausentava quase diariamente de Macau, com destino à RPC e a Hong Kong (desde 06/12/1991 a 23/03/2005), durante o dia, sendo, por isso, impossível que estivesse a trabalhar das 9 da manhã às 9 da noite como (mal) ficou provado nos autos.”.

Certamente por lapso quando disse “o Recorrente”, pois dentro do contexto é evidente que a recorrente quis dizer que o autor se ausentava.......

Bom, de qualquer maneira, veio a Recorrente impugnar a matéria de facto e pedir a reapreciação daquelas provas juntas aos autos.

Como se sabe, a reapreciação das provas não visa a uma nova convicção relativamente à prova produzida, antes se limita a saber se na apreciação das provas e na fixação dos factos ocorreu manifesto e patente erro, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal recorrido encontra suporte na prova produzida.

À luz dessa doutrina que constitui a regra de jogo na matéria de reapreciação da matéria de facto na 2ª instância, passemos então a averiguar se a recorrente tem razão.

É verdade que foram juntos aos autos documentos demonstrativos das deslocações do autor para fora de Macau durante dias de trabalho.

Mas essa circunstância de per si não tem a virtualidade de excluir seguramente o facto de o autor ter trabalhado por dez horas (ou doze incluindo as duas horas para refeições) por dia.

Por várias razões as alegadas deslocações podem mostrar-se compatíveis com o cumprimento do tal período de trabalho, bastar pensar por exemplo na necessidade da deslocação do pessoal da própria Ré para fora de Macau a fim de cumprir o seu trabalho, nomeadamente o transporte de fundos e valores que constitui uma das actividades a que se dedica a própria Ré.

Mesmo que se tratassem de deslocações a título privado, atendendo às boas acessibilidades aos meios de transporte e à proximidade geográfica, a simples circunstância de deslocações a Hong Kong e à China, não abala de per si a comprovação do cumprimento pelo autor do tal período de trabalho, uma vez que o Autor tinha ainda ao seu dispor diariamente pelo menos outra metade de 24 horas.

Não se verificando erro muito menos erro evidente na apreciação da matéria de facto, não podemos deixar de julgar improcedente a impugnação de matéria de facto pela recorrente nesta parte.

Da violação do artº 10º do Decreto-Lei nº 24/89/M

Finalmente, a recorrente imputa o erro de julgamento à sentença recorrida, dizendo que a mesma sentença não levou em linha de conta que o limite de oito horas de trabalho por dia previsto no nº 1 do artº 48º do Decreto-Lei nº 24/89/M, pode ser aumentado para 10h30m por dia, nos termos do no. 2 do mesmo artigo.

Ora, certamente mais uma vez por lapso a recorrente cita o artº 48º, em vez do artº 10º do mesmo decreto que nos é único preceito pertinente.

O Decreto-Lei nº 24/89/M estabelece no seu artº 10º que:
(Duração do trabalho)
1. Nenhum trabalhador deve normalmente prestar mais do que oito horas de trabalho por dia e quarenta e oito por semana, devendo o período normal de trabalho ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a trinta minutos, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo.
2. De acordo com os usos e costumes, o modo de laboração ou o estabelecido entre o empregador e o trabalhador, os limites fixados no número anterior poderão ser ultrapassados até ao limite das 10,30 horas, por dia, não revestindo, porém, carácter de obrigatoriedade a prestação do trabalho para além das oito horas úteis diárias.
3. Poderão admitir-se durações de trabalho superiores a 48 horas semanais em resultado de prestação de trabalho extraordinário, entendido este nos termos da alínea e) do artigo 2.1
4. Os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.
Se é verdade que o nº 1 se trata de uma norma imperativa geral, que estabelece oito horas de trabalho como a duração máxima diária relativa, não é menos certo que o seu nº 2 consagra uma norma imperativa especial sobre a duração máxima absoluta.

Assim, à luz do preceituado pelo nº 2, os limites de 8 horas fixados no nº 1 podem ser ultrapassados até ao limite das 10 horas e 30 minutos, desde que seja estabelecido um acordo nesse sentido entre o empregador e o trabalhador.

Ou seja, a duração máxima diária de trabalho pode ser legalmente extendida até 10 horas e 30 minutos, se houver acordo entre a entidade patronal e o trabalhador.

In casu, de acordo com a matéria de facto provada nos autos o Autor trabalhava dez horas por dias (tirando as duas horas para refeições).

Conforme o estipulado na cláusula 2ª do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, o período normal de trabalho é de 12 horas.

Assim, face ao preceito legal e ao clausulado no contrato, o trabalho de 10 horas efectivamente prestado diariamente pelo Autor é in totum absorvido pelo período normal de trabalho.

Pois face ao conceito definido no artº 2º-e), só se considera trabalho extraordinário todo o trabalho prestado além do período normal de trabalho.

Por isso, durante o período da vigência do contrato celebrado em 02JAN1999 e com efeitos a partir de 01JAN1999, não merece o Autor qualquer compensação a título de horas extraordinárias pelo trabalho efectuado nas nonas e décimas horas por se encontrarem ainda dentro do período normal de trabalho.

Com essa solução, fica prejudicada a apreciação das consequências de falta da autorização por parte da Ré para o trabalho prestado em horas extraordinárias nesse segundo período de tempo (desde 01JAN1999 até à cessação das funções do Autor).

Pelo que fica exposto, nasce finalmente a última questão que se segue infra.

Da Compensação do trabalho suplementar até ao início da vigência do contrato em 01JAN1999

Pelo que vimos supra, só é de compensar o Autor pelo seu trabalho suplementar de duas horas por dia durante o período compreendido entre 06DEZ1991 e 31DEZ1998, data imediatamente anterior à do início dos efeitos do contrato de trabalho nos termos do qual foi acordado o período normal de trabalho de 12 horas, incluindo as duas horas para refeições.

É verdade que é por razões por nós expostas na análise da 2ª questão que há de revogar a condenação por falta do apuramento dos valores de vencimento mensal, o que não impede a condenação a liquidar em sede de execução da sentença, pois existem nos autos os restantes elementos para suportar a condenação da Ré, que são a obrigação por parte da Ré de compensar o Autor, o período de tempo em que há lugar à compensação e o número exacto dos dias de trabalho (apurados nas pág. 16 da sentença recorrida e não impugnados pela ora recorrente) .

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, passando a condená-la no pagamento ao Autor da compensação de duas horas por dia, a título de horas extraordinárias, no valor a liquidar em sede de execução da sentença, levando para o efeito em conta o número dos dias apurados na pág. 16 da sentença recorrida no período compreendido entre 06DEZ1991 e 31DEZ1998, e os vencimentos mensais correspondentes a esse período a apurar em sede da execução da sentença.

Custas pelo recorrido e pela recorrente na proporção do decaimento.

Notifique.

RAEM, 23JUN2011

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira


Ac. 781/2010-1