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 Processo nº 368/2011
(Recurso de decisões jurisdicionais)

Data: 7/Julho/2011

Assuntos:
- Suspensão de eficácia; direito à habitação
- Requisitos da suspensão de eficácia; grave prejuízo do interesse público
- Ponderação de interesses na suspensão de eficácia

  SUMÁRIO:
Não é de suspender a eficácia de um acto praticado pelo Presidente do Instituto de habitação que visa a desocupação de umas barracas, onde mora uma família e os interessados aí exploram um estabelecimento de comidas e bebidas, se lhe está garantido o direito ao alojamento se de tal forem carenciados, se detêm imóveis registados em seu nome, se, por outro lado, se visa iniciar e implementar um projecto de habitação social que se mostra premente na actual conjuntura do imobiliário em Macau, vista ainda a precariedade da situação jurídica dos detentores das barracas a demolir.

  O Relator,
  João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 368/2011
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 7 de Julho de 2011

Recorrente: A, B, C e D

Entidade Recorrida: Presidente do Instituto de Habitação
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, B, C e D, com os melhores sinais dos autos, notificados da decisão proferida no Tribunal administrativo, de 29 de Abril de 2011 que julgou improcedente o pedido no procedimento preventivo e conservatório da suspensão de eficácia por si intentado, vêm interpor recurso, alegando, fundamentalmente e em síntese:
    Na sentença recorrida existem erro na comprovação dos factos e entendimento errado sobre a aplicação das normas legais;
    Em consequência, deve a sentença recorrida ser julgada nula por violação do artigo 571.º n.º 1 alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil.
    Ao contrário, deve o recurso ser julgado procedente, devendo em consequência ser declarado procedente o pedido de suspensão de eficácia por verificação de todos os requisitos do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    
    Pelo que solicitam se declare nula ou anulada a sentença recorrida e conceda a suspensão de eficácia do acto administrativo ora requerida pelos recorrentes.
    
    O Instituto de Habitação da RAEM, entidade recorrida do processo à margem indicado (entidade recorrida), melhor identificado nos autos, tendo sido notificado do recurso ordinário interposto pelos recorrentes A, B, C, e D contra a decisão do Tribunal Administrativo (adiante designado por “tribunal a quo”) proferido no âmbito do processo acima referenciado, contra-alega, em síntese conclusiva:
    
    A entidade recorrida concorda com a decisão constante da sentença a quo, entendendo que não houve o “erro na comprovação dos factos” ou a situação de “errado entendimento sobre a aplicação de disposições legais” alegados pelos recorrentes, nem está a mesma ferida de vício de nulidade.
    
    O “Café XX” gerido pelos recorrentes está precisamente localizado dentro da área de plano de construção de habitações públicas do Governo, pelo que a suspensão de execução do acto administrativo prejudicará a realização do interesse público visado pelas políticas governamentais e o direito à residência dos residentes de Macau.
    
    Os recorrentes possuem várias propriedades e lojas, de modo que os prejuízos que a execução do respectivo acto administrativo causará para a vida e situação económica dos recorrentes são muito reduzidos, e que não podem ser de modo algum “prejuízos de difícil reparação”.
    
    Pelo exposto, não houve “erro na comprovação dos factos” na sentença a quo.
    
    Mais, segundo o artigo 121.º, n.º 1 do CPAC, a concessão de suspensão de eficácia de acto administrativo tem que ter como seu pressuposto a satisfação simultânea de todos os requisitos ali previstos, o que não acontece com os recorrentes.
    
    A excepção prevista no n.º 4 do artigo 121.º do CPAC tem dois pressupostos: 1) a verificação dos restantes requisitos, isto é, os requisitos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC; 2) os prejuízos que a imediata execução do acto causar ao requerente serem desproporcionadamente superiores.
    
    Não estão verificados os pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 121.º do CPAC.
    
    Portanto, a entidade recorrida concorda com a decisão constante da sentença recorrida, isto é, visto que as situações dos recorrentes não preenchem os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, o tribunal já não precisa de aferir se estão verificados o requisito da alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
    
    Assim sendo, não se verifica o alegado “errado entendimento sobre a aplicação de disposições legais”.
    
    Finalmente, foram indicados na sentença a quo os fundamentos de facto e de direito em que se baseou a decisão.
    
    Pelo exposto, improcede na totalidade o recurso interposto pelos recorrentes, e assim deve ser mantida a sentença a quo.

Nestes termos, a entidade recorrida solicita se julgue pela improcedência do recurso.
    
O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
    Tanto quanto apreendemos da respectiva argumentação, os recorrentes, fundando a sua alegação e pedido de declaração de nulidade da sentença recorrida no disposto nas als. b ), c) e d) do n.° 1 do art. 571°, CPC, acabam por imputar à mesma "erro na comprovação dos factos" e "entendimento errado sobre a aplicação das normas legais", pretextando que, por um lado, não corresponderão à realidade os pressupostos que determinaram a decisão e, por outro, se mostrarão efectiva e cumulativamente preenchidos os legais requisitos que imporiam o deferimento do meio preventivo requerido.
    Mas, não se vê como.
    Sustentam aqueles, em síntese, que não corresponde à verdade que a barraca onde exploram o café se situe dentro da área onde o Governo de Macau planeia concretizar a política de construção de 19.000 fracções de habitação pública, mas sim fora da zona nuclear dessa construção, mais propriamente na área destinada às "futuras zonas públicas para peões e espaços de lazer que deverão dispor de equipamentos urbanos e paisagísticos e à via de trânsito reservada a veículos de emergência", pelo que a lesão do interesse público não se poderá colocar nos termos expostos na sentença, no mesmo passo que não concordam com a asserção que a execução do acto lhes não cause prejuízos de difícil reparação, já que se não mostra ainda concretizado o devido processo indemnizatório e, mesmo a existir este, o mero facto de terem de mudar o local do café, afectará a "memória histórica" dos moradores do bairro da Ilha Verde, o que, por si, configuraria o aludido prejuízo, a que sempre deveria acrescer a situação dos empregados, entretanto sem trabalho e meios de subsistência.
    Pois bem, ainda que se pudessem colocar algumas dúvidas relativamente à efectiva ocorrência de prejuízos de difícil reparação nos termos alegados, é inquestionável e incontornável a circunstância de a suspensão da execução do acto determinar grave lesão do interesse público, mesmo que o café dos recorrentes se não encontre na zona nuclear da construção propriamente dita das 19.000 fracções de habitação económica : as futuras zonas para peões e espaços de lazer, os equipamentos urbanos e paisagísticos e as zonas de trânsito reservadas a veículos de emergência constituem, eles próprios, como é bom de ver, matéria de eminente interesse público num projecto de tanta dimensão e repercussão social como é o citado, sendo certo que tal interesse sempre será incomparavelmente superior aos eventuais prejuízos que do acto possam decorrer para os recorrentes, razões por que, no mínimo, por não preenchimento do requisito negativo e cumulativo previsto na al. b) do n.º 1 do art. 121° CPAC e sem registo da situação apontada no n.º 4 do mesmo normativo, sempre haveria que confirmar o decidido.
    Uma última e breve nota para a alegada falta de conhecimento, no aresto controvertido das "irregularidades processuais na investigação e no relatório que fundamentam a decisão administrativa ora impugnada, incluindo o Instituto de Habitação, entidade que proferiu a decisão administrativa ora impugnada, não é competente para tratar os assuntos do desalojamento do Café XX" : trata-se, evidentemente, de matéria a contender com o escrutínio do mérito do acto, a ter lugar em sede do recurso contencioso, que não no domínio do presente meio preventivo, já que na suspensão de eficácia não poderão ser apreciados os vícios imputados ao acto administrativo, tendo de se partir da presunção da legalidade de tal acto e respectivos pressupostos, razão por que não careceria o julgador "a quo " de se pronunciar sobre a matéria.
    Tudo razões por que, a nosso ver, não merece provimento o presente recurso.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm assentes na sentença recorrida os factos seguintes:

   “A e B são casal, tendo filhos C, E e D (vide fls. 42 a 45 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
    A barraca do Bairro da Ilha Verde n.º 15-04-02-010-001 está registada em nome de A (vide fls. 48 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
    A explora o Café XX nas barracas do Bairro da Ilha Verde n.ºs 15-04-02-009-01, 15-04-02-010-001 e 15-04-02-011-001 (vide fls. 47 e 91 a 95 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
    Em 7 de Março de 2011, o Presidente do Instituto de Habitação proferiu um despacho na Informação n.º 0205/DAHP/DFH/2011 e assinou um aviso, no qual ordenou aos A, seus agregados familiares e outros indivíduos que desocupassem a barraca n.º 15-04-02-010-001 no prazo de 30 dias a contar a partir da publicação do aviso em 10 de Março de 2011 no jornal Diário de Macau (fls. 95 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
    Em 12 de Abril de 2011, os requerentes intentaram neste Tribunal o procedimento conservatório da suspensão de eficácia do acto administrativo e interpôs o recurso contencioso.”
   
   Já na pendência destes autos os recorrentes A e B foram notificados do seguinte:
   
   “Exmo Senhores
   A/B
   Sua referência Sua comunicação de Nossa referência Travessa Norte do
   Patane n.º 102, Ilha Verde, Macau
    1105190071/DFH
   
    Assunto: Aviso de Compensação de Demolição e Desocupação
   
    Usando da competência conferida pela alínea 3) do n.º 2 do Despacho n.º 15/IH/2010, publicado no Boletim Oficial n.º 14 de 7 de Abril de 2010, vimos avisar os seguintes:
   
    1. Dado que a barraca n.º 15-04-02-010-001 da V. Ex.ª se situa numa área da rede viária para melhoramento, de acordo com o disposto na alínea a) do n. º 2 do artigo 21.º e do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fevereiro, e nos termos do despacho do Presidente do Instituto de Habitação, exarado na Inf. n.º 0205/DAHP/DFH/2011, de 7 de Março de 2011, V. Ex.ª, os agregados familiares bem como as demais pessoas devem desocupá-la no prazo de 30 dias, a contar da data de publicação do aviso n.º 292/2011 (10 de Março de 2011) e de afixação de editais. Se não desocuparem a referida barraca no prazo acima indicado, as acções de desocupação e demolição serão efectuadas, coercivamente, pela entidade competente. Ora, o prazo referido no aviso e nos editais já está expirado.
   
    2. De acordo com o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, exarado na Inf. n.º 057/DSODEP/2011, de 11 de Maio de 2011, foi concedido aos utilizadores da barraca n.º 15-04-02-010-001 (com área de 45 m2) B e A um valor adicional de MOP 125.960,00 (cento e vinte e cinco mil, noventas e seiscentas patacas) a título de compensação pela cessação de actividades comerciais desenvolvidas no espaço acima referenciado.
   
    3. Esta compensação será paga pela DSSOPT depois da desocupação da barraca em causa.
   
    4. Para isso, agentes desta Direcção, na companhia de representantes da DSSOPT, vão ter um encontro com V. Ex.ª para discutir sobre o horário da desocupação da barraca em causa e o pagamento da compensação. Por favor ligue para o número 28594875 durante horas de expediente, no prazo de 5 dias a contar da recepção do presente ofício, para entrar em contacto com a Divisão de Fiscalização Habitacional, a fim de combinar um encontro.
    Com os melhores cumprimentos.
   
   Aos 19 de Maio de 2011,
   Pel’O Director do Serviço”
   
    III - FUNDAMENTOS
    1. O Caso
    Os recorrentes interpõem recurso da decisão da Mma Juiz do TA (Tribunal administrativo) que não concedeu a suspensão do acto administrativo que ordenou a demolição da casa onde viviam (denominada barraca) e têm um estabelecimento comercial (café), base do seu sustento económico, onde trabalham 8 empregados.
    O recurso vem interposto sob duas vertentes:
    - alegado erro nos pressupostos que serviram de base à denegação da suspensão;
    - erro na sentença proferida por não ter considerado que se verificavam os pressupostos da concessão da suspensão de eficácia solicitada.

    2. A sentença
    Atentemos na fundamentação expendida:
    
    “ ... Conforme os factos provados constantes dos autos, visto que a entidade requerida ordenou aos requerentes que desocupassem a barraca n.º 15-04-02-010-001 no prazo de 30 dias a contar da publicação do aviso, a referida decisão preenche o disposto previsto no artigo 120.º alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, produzindo efeito positivo para os requerentes. Além disso, ainda é necessário analisar se o pedido dos requerentes preenche todos outros requisitos da suspensão de eficácia previstos no artigo 121.º n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso.
     No pedido em causa, os requerentes alegaram principalmente que a sua família explora um café na barraca em questão, a decisão requerida fará com que a sua família perca o suporte económico e os seus empregados fiquem desempregados; e a barraca em questão fica longe da zona nuclear da construção da habitação económica, por isso, não afecta o andamento da respectiva obra.
     Como é sabido, para concretizar a “política da Administração de construção de 19.000 fracções de habitação pública até 2012” e satisfazer o direito fundamental à habitação dos residentes de Macau que estão em lista de candidatos a habitação social, o Governo da RAEM está a colaborar activamente e aplicar medidas para acelerar a construção da habitação pública, na qual, o Bairro da Ilha Verde é exactamente um dos projectos de desenvolvimento do plano da habitação pública.
     A barraca onde os requerentes exploram o café situa-se no Bairro da Ilha Verde, dentro da área do referido plano.
     Pelo que, em comparação com os interesses públicos prosseguidos pela política da habitação pública, os eventuais prejuízos sofridos pelos requerentes devido à cessação da exploração do referido café, isto é, os recorrentes perderão os benefícios económicos ou os seus empregados ficarão desempregados, são realmente insignificantes.
     Além disso, os requerentes não perdem directamente o direito de explorar o café devido à decisão ora requerida, uma vez que eles podem escolher outro local para explorar novamente o café e contratar novamente os seus empregados, no sentido de manter os seus rendimentos económicos, pelo que, este Tribunal não concorda com o entendimento dos requerentes de que a execução da decisão requerida causar-lhes-á prejuízos de difícil de reparação.
     Nestes termos, este Tribunal entende que as situações dos requerentes não preenchem os requisitos previstos no artigo 121.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Administrativo Contencioso, por isso, não é necessário conhecer se está ou não verificado o requisito previsto no artigo 121.º n.º 1 alínea c)...”

3. Comecemos por analisar o vício assacado à sentença e se traduz no facto de ali se ter partido do pressuposto que a manutenção daquela barraca afectava a construção do empreendimento destinado a habitação social, quando, na verdade, a zona de implantação da mesma estaria abrangida apenas por uma zona de arruamento e espaço verde, isto é, não estaria na zona nuclear do empreendimento a desenvolver.
     Dizem os recorrentes, “de facto, o Governo já reiterou que tem capacidade para concretizar faseadamente a política de construção de 19.000 fracções da habitação pública, incluindo reserva de terrenos suficientes no Lote TN27 da Taipa, no Lote CN5a e nos novos aterros para construir habitação pública.

Tal como já foi referido pelos recorrentes, o Café XX por si explorado fica longe da zona nuclear do reconstrução da habitação público do referido projecto, ou seja, pode-se assim entender que o local onde se encontra o Café XX não afecta o andamento da obra da construção da habilitação social, pelo que, a concessão da suspensão da decisão administrativa impugnada não causa prejuízos imediatos para os interesses prosseguidos pela respectiva decisão administração.”

Sobre esta questão observa-se que não obstante a barraca em causa não se situar em zona de implantação de edifícios, o certo é que não deixa de se situar em pleno espaço de desenvolvimento do projecto, mostrando-se evidente a nódoa urbanística que poderia constituir à harmonia do projecto, para não falar já no entrave ao desenvolvimento da construção e aos próprios trabalhos de construção do projecto.
    
    Mostra-se pertinente aqui a reflexão do Digno Magistrado do MP, enquanto diz:
“...ainda que se pudessem colocar algumas dúvidas relativamente à efectiva ocorrência de prejuízos de difícil reparação nos termos alegados, é inquestionável e incontornável a circunstância de a suspensão da execução do acto determinar grave lesão do interesse público, mesmo que o café dos recorrentes se não encontre na zona nuclear da construção propriamente dita das 19.000 fracções de habitação económica : as futuras zonas para peões e espaços de lazer, os equipamentos urbanos e paisagísticos e as zonas de trânsito reservadas a veículos de emergência constituem, eles próprios, como é bom de ver, matéria de eminente interesse público num projecto de tanta dimensão e repercussão social como é o citado, sendo certo que tal interesse sempre será incomparavelmente superior aos eventuais prejuízos que do acto possam decorrer para os recorrentes...”

    Mas também se pode dizer, vendo todos os argumentos, que se esta observação é válida para uma fase de finalização do projecto, já não assim numa fase de construção, não sendo difícil deixar de imaginar o estaleiro que ali se vai implantar e que a permanência porventura provisória e até à definição da situação na acção principal seria conpatibilizável com mais algum tempo de espera, o que não poria em causa a prossecução daquele interesse superior público e se traduz no desenvolvimento do projecto.
    
    
    Mas se isto é verdade, também se poderá contrapor que a manutenção daquelas barracas no meio do estaleiro a implantar não deixaria de constituir um entrave e um empecilho ao bom desenvolvimento dos trabalhos e manobras das máquinas e equipamentos.
    
    Uma coisa, no entanto, nos parece certa: esta questão só relevará em sede de ponderação dos interesses em jogo para efeitos de análise sobre a verificação dos pressupostos dos artigos 120º e 121º do CPAC (Código de Processo Administrativo Contencioso).
    
    4. Vejamos então desses pressupostos.
    Trata-se de suspensão de eficácia de acto impositivo que se consubstancia na entrega de terreno e demolição da casa de habitação (ainda que de barraca se trate), onde mora o recorrente com a sua família - esta factualidade desde sempre alegada pelos requerentes não se mostra impugnada ou infirmada a partir dos elementos dos autos - e do seu trem de vida, qual seja a exploração do dito café, onde se empregam 8 trabalhadores.
    Integrada se mostra, abstractamente considerando, a admissibilidade da suspensão em face do que dispõe o artigo 120º, al. a) do CPAC.
    O instituto da suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa medida de natureza cautelar, cujo principal objectivo é atribuir ao recurso, de que é instrumental, o efeito suspensivo. Isto porque, como regra, o recurso contencioso de anulação tem sempre efeito meramente devolutivo, já que o acto administrativo a impugnar goza de presunção de legalidade e do privilégio da executoriedade, entendida esta como “a força que o acto possui de se impor pela execução imediata, independentemente de nova definição de direitos”. 1
Faz parte da justiça administrativa a possibilidade de quem recorre ver suspensos os efeitos do acto sobre o qual recai a invocação de ilegalidade, porque, como dizia Chiovenda, «o tempo necessário para obter a razão não deve converter-se em dano para quem tem razão».
    Importará ter presente, em sede deste enquadramento inicial, que “o princípio da legalidade da Administração Pública ampliou-se, transformando-se num princípio de juridicidade; a presunção de legalidade de que gozavam os actos administrativos perdeu razão de ser; a emergência de uma nova geração de direitos fundamentais juridicizou a eficácia e a eficiência e colocou a prevenção e a precaução na ordem do dia; finalmente, o direito à tutela jurisdicional efectiva ganhou dimensão constitucional.”2

    5. Prevê o art. 121º do CPAC:
    “1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
    a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
    b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
    c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
    2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
    3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
    4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
    5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
    Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.3
    A suspensão dessa eficácia depende da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 artigo 121º do C.P.A.C.:
    - previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente,
    - inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão
    - e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
    
    Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.4
    Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
    É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
    
    6. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser, em princípio, conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
    Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.5
    
    7. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
Trata-se esta de questão que não vem suscitada e apenas se abordará na medida em que os recorrentes na impugnação da sentença continuam a pugnar pela suspensão, dizendo estarem verificados os pressupostos necessários ao seu decretamento.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na Doutrina ou na Jurisprudência.6
    Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.7
    Os recorrentes impugnaram o acto, escudando-se no direito que se arrogam sobre a barraca, invocando uma posse continuada no tempo sobre a coisa, invocando um conhecimento por parte da Administração dessa situação, até um registo administrativo da situação de facto residencial e económica ali desenvolvida desde o ano de 1979.
    Aludem até um levantamento feito pelo Instituto de Habitação dessa situação (cfr. doc. de fls 48 - Questionário das famílias residentes em habitação informal), documento esse que refere até uma eventual compra em 1990.
     Em termos de um sumario cognitio não se deixa de entender que, pelo menos, estará em causa o defesa do direito à habitação concretamente ali materializada.
    Visa-se, por força do recurso interposto, defender o seu direito e obstar à execução do acto da Administração que pretende a devolução do terreno e demolição da barraca e estabelecimento comercial, a troco de uma quantia indemnizatória unilateralmente fixada em cerca de MOP 120.000,00.
    Perante este quadro fáctico, numa primeira abordagem mais perfunctória, parece ter-se por não afastado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual dos recorrentes, titulares directos do direito que dizem ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação do recorrente.
Não se estará, pois, em princípio, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C., especialmente se entendido como um requisito que não se refere a condições de natureza substantiva ou de procedência do recurso.8


8. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
    Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
    Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
    Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.9
    Vejamos que prejuízos alega a requerente.
    A este nível invoca os requerentes o facto de resultar da imediata execução do acto, além do mais, a demolição da casa onde vivem pelo que o mesmo ficaria na rua, sem tecto.
    Para além disto, o encerramento do café, actividade que sustenta aquele agregado familiar e dá trabalho a 8 pessoas.
    Como já aqui se escreveu, noutra sede, pela pena até do Magistrado do MP, não é difícil, perante a situação, configurar os mesmos (prejuízos), bastando, para tanto, colocar-nos na situação de um cidadão perante a ameaça de demolição do seu domicílio familiar, facilmente se alcançando que tais prejuízos advirão não só da destruição das portas, janelas e paredes da habitação (danos estes, quiçá, quantificáveis, avaliáveis), como do desaparecimento de todo um património não “palpável”, relativo às memórias, à ligação afectiva, ao “cordão emocional” que, por regra, liga os residentes às suas moradias familiares, para além de que, como é óbvio, com o desaparecimento de tal barraca – sendo certo que a tutela inerente à habitação é um bem em si, independentemente das condições materiais das moradias que a suportam, implicaria necessariamente numa situação extrema, a falta de tecto alegada, com todas as perniciosas consequências daí resultantes, atinentes à falta de abrigo, não descurando a subsistência do requerente e seu agregado familiar, danos que, pela sua própria natureza, não é possível, determinar, quantificar e avaliar.
    E este fundamento, com todo o respeito pela decisão recorrida, não foi apreciado. Não se observa aí pronúncia sobre essa alegada falta de tecto e quanto ao encerramento do estabelecimento, cuja efectivação provocaria o desemprego de oito empregados e o cerceamento dos meios de subsistência dos requerentes; invoca-se de uma forma simplista que eles bem podem continuar a sua actividade comercial noutro local, sem saber dos encargos e rendas inerentes a essa eventual transferência, para mais num quadro e conjuntura altamente inflacionada do mercado a esse nível.
    Importa apreciar esse fundamento que se radica na defesa da habitação dos recorrentes.
    Se por um lado se reconhece que a morada de família corresponde a um valor intrínseco e seja um bem a defender, o certo é que não se confunde nem reconduz ao direito à habitação, situando-se estas realidades a níveis diferentes.
    Pode-se perder e mudar de casa, porventura de morada de família, mas já é mais difícil conceber, enquanto direito fundamental que se desaloje alguém sem que se lhe reconheça o direito a uma habitação.
    Ora, no caso vertente, tal direito erigido em estádio superior, não será afectado, vista a possibilidade de os recorrentes poderem arranjar uma outra casa para viver, sendo que dois deles têm propriedades em seu nome, o que face à lei os exclui até de serem candidatos a habitação social - cfr. artigo 3º, n.º 4, 1) do RA25/2009 – e em relação aos outros é a lei que lhes garante o direito a serem realojados se se verificar tal necessidade - se reunirem os respectivos requisitos legais serão candidatos naturais a uma habitação social; se carenciados e não tiverem para onde ir serão alojados num centro de habitação temporária – cfr. art. 25º DL 79/85/M, de 21 de Agosto.
    Donde se conclui que esse direito fundamental que é o direito à habitação não se mostra postergado, não obstante se reconheça o sacrifício inerente ao desalojamento do próprio lar.
    Quanto à ressarcibilidade do prejuízo do requerente não se deixa de referir que é verdade que tudo se indemniza; até a vida. Só que quando se entra em domínios onde impera a imaterialidade, como sejam os danos morais, toda a aritmética falha. E há, dentro dos danos morais, danos e danos. Mas, por isso, aí funciona a equidade que não é mais do que um arremedo de reparação.
    Ora, estando em causa o direito de habitação, tal bem integra um núcleo de interesses e valores que só, em última análise, se devem atingir. Mas ainda aqui a concretização desse direito pode assumir várias facetas e no caso, vista a garantia que resulta da lei em termos habitacionais, vista uma ponderação dos interesses em jogo e até alguma precariedade da situação habitacional dos recorrentes e considerando que o prejuízo relativo ao estabelecimento se mostra comensurável, reparável ainda, e não assume uma gravidade de extrema relevância, tem-se como não preenchido o requisito da al. a) do art. 121º do CPAC.
    Ainda que se imponha o uso das maiores cautelas, quando se suprime o espaço vivencial das famílias, o seu lar, em nome de outros bens igualmente supremos na ordem jurídica comunitária, como seja o da segurança e confiança a transmitir aos cidadãos, antes, de precipitadamente, se bulir com esse núcleo fundamental de interesses.
    
    9. Lesão de interesse público
    9.1. Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.10
    Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.11
   Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
   Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
   Tem-se entendido que preenche tal previsão a suspensão que “põe em causa a confiança dos utentes e de público em geral” no serviço em causa ou ofende “a boa imagem da Administração e a própria disciplina da função”, neste caso, particularmente, em sede disciplinar. 12
    Podem integrar ainda o conceito actos que ordenem a demolição de prédios com fundamento em que ameaçam ruína, pondo em causa a segurança púbica; actos que imponham sacrifício especial de direitos particulares por motivo de defesa da saúde pública; actos que apliquem medidas de polícia para assegurar a manutenção da ordem e tranquilidade pública.13
    Podíamos ainda configurar um sem número de situações, tais como a suspensão de obras públicas projectadas ou em curso, a urgente necessidade de um desenvolvimento ou condicionamento industrial, florestal ou em qualquer outro sector económico.
    
    Até a própria defesa e salvaguarda da imagem e autoridade da Administração.
    
    9.2. A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
    
O acto administrativo tem por objectivo ordenar a desocupação das ditas barracas, para desenvolvimento de um projecto de habitação social, sendo do conhecimento público a necessidade que se faz sentir de habitação social, visto até os preços altíssimos do imobiliário em Macau.
Não está em causa aqui a mera defesa do interesse público, mas sim indagar sobre uma grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, importando até indagar se os interesses particulares que para já se sacrificam sumariamente não se podem compatibilizar com uma melhor ponderação dos interesses em sede própria.
   
   9.3. Há ainda um argumento que poderia à primeira vista relevar nesta sede. Trata-se da imagem da autoridade do Governo e das razões de prevenção e acautelamento das ordens de desocupação. Se se instalasse na população a ideia de que poderia desobedecer, não acatando as ordens de desocupação, propiciar-se-ia um sentimento muito negativo para a autoridade da Administração e para a governação.
    Mas entendemos que esse receio não existe aqui, porquanto, por um lado, é do conhecimento público que as ordens de “despejo” sobre os terrenos ilegais têm sido executadas e mesmo este Tribunal não tem deixado de ratificar a pretensão de executoriedade requerida em relação a outras situações, desde que não assumam os contornos particulares que a presente decisão assume.
   Se esse argumento fosse bastante por si só, então para nada serviria a contemplação legal e possibilidade da efectivação judicial de suspensão dos actos administrativos legalmente consagrada.

9.4. A particularidade deste caso resulta do contraponto entre os interesses particulares que estão em jogo - a morada de habitação do recorrente - com o objectivo empreendido pela Administração e que com a suspensão do acto se sacrificaria.
   
   Como se sabe, não é o mero prejuízo do interesse público que não deixará de existir praticamente em todas as situações em que se pretenda a suspensão dos actos administrativos. O que estará em causa será uma situação de gravidade a aferir pela premência da prossecução da actividade encetada ou desenvolvida pela Administração.
   
   9.5. Não se deixa de ponderar ainda um argumento que indirectamente se extrai do disposto no n.º 7 do artigo 52º do Regulamento Geral da Construção Urbana - DL 79/85/M, de 21 de Agosto - e que tem a ver com o efeito suspensivo das demolições das obras ilegais, reforçando a tese da suspensão na situação em análise.
   Daí se pode retirar que o legislador é sensível à não consumação definitiva de uma situação que em termos cautelares e, procedimentalmente provisória, não está definida.
É verdade que se pode dizer que ali se trata de construções sem licenças, sem aprovação de projectos, contrariando planos, leis ou regulamentos que se imponham à construção urbana - cfr. art. 52º, n.º 6 e 3º do referido DL 79/85/M.
Só que no caso sub judice ocorre um circunstancialismo que anula aquela tutela dos interesses particulares, estando em causa um relevantíssimo projecto de dimensão e âmbito social, há muito reclamado pela população, como é do conhecimento público, o que aponta manifestamente para uma situação de premência na sua concretização e não se compagina facilmente com mais delongas.
Donde se considerar que não ocorre, em consequência, o requisito negativo da alínea b) do n.º 1 do citado artigo 121º, o que determina o atendimento do pedido.

9.6. E não ocorrendo tal requisito, os prejuízos decorrentes da imediata execução do acto, além do mais, não obstante a destruição de um casa habitável e habitada, necessariamente precária, e estabelecimento contíguo, não se revelam desproporcionadamente superiores àquela lesão do interesse público decorrente da não imediata execução do acto e que impediria a construção de milhares de lares para famílias carenciadas - donde não se impor a aplicação do n.º 4 do supra citado art. 21º do CPAC.
    
Tanto bastaria par si só para considerar que não se verificam os pressupostos indispensáveis ao decretamento da suspensão do acto em causa.

9.7. Mas numa ponderação de interesses e balanceamento global entre os diferentes requisitos,14 sem pretender ir ao fundo do recurso, às razões substantivas ou de procedência, não se deixa de chamar a atenção para a situação jurídica que decorre do regime que regula a utilização e desocupação das edificações informais ou barracas, face ao Dec.-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fev.

Interessante não deixa ser de registar, desde logo, que, não obstante uma detenção e utilização sobre tais edificações ao longo de várias décadas, os recorrentes não se arroguem qualquer direito real, possessório ou não, sobre esses bens.

Percorrendo o referido Dec.-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fevereiro, diploma que regula sobre o regime das edificações informais ou barracas não é difícil descortinar que o mesmo se estrutura numa perspectiva de contenção e erradicação desse fenómeno.

Desse diploma ou de qualquer outro não resulta o reconhecimento de qualquer direito sobre esses bens.
O registo a que se faz referência (cfr. fls 48 dos autos) insere-se numa política de cadastro dessas situações, de forma a preparar a intervenção da Administração quando deva ocorrer, e é a própria lei que diz que esse recenseamento não confere direito quanto á reinstalação do estabelecimento ou indemnização em caso de encerramento ou desocupação - cfr. art. 12º, n.º 5 do referido diploma.
O que daí se retira, prima facie, são deveres e obrigações para os detentores - artigo 1º e 20º.

Na decorrência dessa situação, o que se retira daquele regime jurídico é apenas o reconhecimento de uma titularidade sobre uma situação precária (artigo 3º e 9º), reconhecendo-se o direito a uma informação prévia (23º) e a uma notificação para desocupação, em certo prazo (24º), ao direito a fazerem seus os materiais provenientes da demolição ou da desocupação (28º), se voluntária e realojamento após a desocupação (artigo 25º).
Esta situação de precariedade que se enfatiza apenas para efeitos de reponderação dos interesses em conflito, não deixa de reforçar a ideia de que um compasso de espera, porventura de alguns meses, se não anos, aponta para um sacrifício destes concretos interesses particulares a favor dos concretos interesses públicos em presença.

    10. Face ao exposto, somos a concluir no sentido da não verificação dos requisitos das alíneas a) e b) do art. 121º do CPAC, o que obsta ao decretamento da suspensão da eficácia do acto.
    Razões por que, por não verificação de todos os requisitos, que deve ser cumulativa para o efeito, na esteira do objecto do recurso, se julgará improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa, mantendo a decisão recorrida.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, com os apontados fundamentos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes com taxa de justiça que se fixa em 6 Ucs.
Macau, 7 de Julho de 2011,
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Vitor Coelho Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho

1 - Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo”, 8º ed., 409
2 Maria da Glória Garcia, Professora das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa, Suspensão de Eficácia do Acto Administrativo

3 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
4 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
5 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
6 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
7 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.

8 - Ac. STA, proc. 25.559, de 10/12/87 e Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 3ª ed., 2002, 180
9 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
10 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
11 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
12 - Acs do S.T.A. de Portugal de 28/03/00 – Pº45931 – e de 16/04/96 – Pº39593); de 14/02/95 – Pº36790 – e de 9/01/92, AD. 376-384; de 6/09/89 – Pº27446 . Veja-se ainda o Acórdão deste T.S.I. de 17 de Fevereiro de 2000 – Pº30/A/2000 – e a jurisprudência aí citada.

13 - Freitas do Amaral, Dto Adm, 1988, IV, 316
14 - Defendida por Maria Fernanda Maçãs, Suspensão Judicial da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional da Tutela Judicial Efectiva, 1996, 182
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368/2011 1/34