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Processo nº 288/2011 Data: 14.07.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “acolhimento (agravado)”.
“Vantagem patrimonial”.




SUMÁRIO

1. Provado estando que o arguido obteve “vantagem patrimonial” com o “acolhimento” que proporcionou a imigrante ilegal, correcta é a sua condenação pelo dito crime na forma “agravada”; (art. 15°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004).
O relator,

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José Maria Dias Azedo
Processo nº 288/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência Colectiva no T.J.B. respondeu A, com os sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática de 2 crimes de “acolhimento” p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses; (cfr., fls. 69 a 69-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorreu.
Motivou para, a final, oferecer as conclusões seguintes:

“1. A questão levantada neste recurso é: Com base nos factos provados, reconhecidos pelo acórdão recorrido, o mesmo acórdão padece do erro na aplicação da lei previsto no artigo 400°, n° 1 do CPP na parte de qualificação do crime - o Tribunal a quo não devia condenar o arguido pela prática de dois crimes de acolhimento p.p. pelo artigo 15°, n° 1, da Lei n° 6/2004 mas sim de dois crimes de acolhimento p.p. pelo artigo 15°, n° 2 da mesma lei.
2. O acórdão recorrido violou o artigo 15°, n° 1, da Lei n° 6/2004.
3. Porquanto, em primeiro lugar, “obtiver vantagem patrimonial ou beneficio material” indicado no artigo 15°, n° 2, da Lei n° 6/2004 deve ser considerado como vantagens obtidas mediante várias formas, tais como o aumento dos bens, perdão da dívida ou redução da dívida.
4. Sendo uma norma jurídica geral e abstracta, o seu legislador utilizou os termos “obtiver vantagem patrimonial” ou “beneficio material” no sentido de abranger todas as situações na vida concreta em que é possível obter vantagens e não limita-se apenas às situações de ganhar lucros ou aumento dos bens.
5. Nesta causa, o recorrido obteve, aparentemente, vantagem patrimonial mediante o recebimento das rendas pelo subarrendamento das camas aos dois indivíduos que permaneceram ilegalmente na região. Ademais, mesmo se entenda, tal como pelo acórdão recorrido, que o arguido recebeu rendas pelas camas subarrendadas por querer repartir com eles a renda da fracção, acto este é também uma forma de obter vantagem patrimonial - aliviar a sua dívida.
6. Em segundo lugar, no intuito de julgar a existência da situação de obter vantagem patrimonial ou beneficio material, é preciso ter em conta se o acolhimento foi prestado a título oneroso ou em troca de vantagem patrimonial ou beneficio material, não se devendo ter em conta os encargos ou custos suportados pelo agente na prática do acto, porquanto, tais encargos e custos não podem eliminar a relação de prestação entre o agente e os acolhidos.
7. A Lei n° 6/2004 estabeleceu penas para os crimes de auxílio e acolhimento, definindo o crime por acto prestado a título oneroso ou por acto prestado gratuitamente, uma vez que o primeiro tem maior grau de censurabilidade, ao qual é aplicada pena mais pesada.
8. In casu, o recorrido cedeu camas aos dois indivíduos em situação de permanência ilegal aos respectivos preços, existindo assim uma relação de prestação entre eles, o que reuniu o elemento constitutivo de “obtiver vantagem patrimonial ou beneficio material como recompensa ou pagamento pela prática do acolhimento” previsto no artigo 15°, n° 2 da Lei n° 6/2004.
9. Por outro lado, foi provada a intenção subjectiva do recorrido de obter vantagem patrimonial ou benefício material como recompensa ou pagamento pela prática do acolhimento.
10. Nos termos expostos, o acto do recorrido preencheu os elementos subjectivos e objectivos constitutivos do crime de acolhimento previsto no n° 2 do artigo 15° da Lei n° 6/2004.
11. A moldura penal fixada para o crime de acolhimento no n° 2 do artigo 15° da Lei n° 6/2004 é de 2 a 8 anos de prisão.
12. Segundo os artigos 40°, n°s 1 e 2, e 65° do Código Penal a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele.
13. Neste caso, foram consideradas as circunstâncias tais como o grau de ilicitude do facto é médio, o recorrido executou o acto de acolhimento através de arrendar uma fracção habitacional e depois subarrendar as camas na fracção aos indivíduos em situação de permanência ilegal, o mesmo agiu com dolo eventual e é primário.
14. Conjugando todas as circunstâncias para a determinação da pena, o Ministério Público entende que o recorrido deve ser condenado na pena de prisão não inferior a 2 anos e 3 meses por cada um dos dois crimes de acolhimento cometidos, em cúmulo jurídico, devendo o mesmo ser condenado numa pena não inferior a 2 anos e 6 meses de prisão.
15. Nos termos do artigo 48° do CP, o Ministério Público não se opõe à suspensão da execução da pena de prisão mencionada, mas suspensa por um período de três anos”; (cfr., fls. 72 a 76 e 102 a 115).

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Sem resposta, e admitido o recurso, com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Acompanhamos as judiciosas considerações do nosso Exmo°. Colega.
E nada temos, de facto, a acrescentar-lhes.

Procede, efectivamente, a crítica formulada à convolação efectuada no douto acórdão.
É incontroversa, a nosso ver, “in casu”, a existência de vantagem/benefício e da sua patrimonialidade.
E mais do que isso, realmente, não é exigido.

As penas propugnadas, por outro lado, mostram-se justas e equilibradas.
Não repugna aceitar, entretanto, para a suspensão da execução da pena única, o período de 2 anos”; (cfr., fls. 117 a 118).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“1. Em Agosto de 2006, o arguido A arrendou uma fracção habitacional situada na Rua Marginal do Canal das Hortas, Edificio Ling Nan, X° andar - X, junto do seu proprietário B por MOP1.500 mensal.
2. Em 6 de Agosto de 2006, C entrou em Macau munido do passaporte da R.P.C. n° G154614XX, por qual podia permanecer legalmente na região até 13 de Agosto de 2006. No entanto, o mesmo não voltou para o Interior da China após a aludida data, continuando a permanecer na região.
3. Posteriormente, o arguido subarrendou uma cama na fracção referida a C ao preço de MOP130 por mês até 25 de Abril de 2007, o dia em que um guarda policial descobriu tal facto.
4. Em 10 de Outubro de 2006, D entrou em Macau munido do passaporte da R.P.C. n° G185840XX, por qual podia permanecer legalmente na região até 19 de Outubro de 2006 (vd. Fls. 8 dos autos). No entanto, o mesmo não voltou para o Interior da China após a aludida data, continuando a permanecer na região.
5. Posteriormente, o arguido subarrendou uma cama na fracção referida a D ao preço de MOP180 por mês até 25 de Abril de 2007, o dia em que um guarda policial descobriu tal facto.
6. O arguido não verificou se C e D tinham ou não documentos legais para permanecerem em Macau quando subarrendou-lhes as camas.
7. O arguido tinha uma atitude de aceitação da eventual permanência ilegal de C e de D.
8. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, subarrendando dolosamente a fracção aos indivíduos em situação ilegal para obter vantagem ilegítima.
9. O arguido sabia bem que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
*
De acordo com o auto de inquérito prestado pelo arguido e que foi lido na audiência a pedido do mesmo, ele confessou o facto de ter arrendado camas a C e D.
Segundo o registo criminal, o arguido é delinquente primário em Macau”; (cfr., fls. 67 a 67-v e 93 a 96).

Do direito

3. Vem o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrer da decisão proferida pelo T.J.B. como a qual se condenou o arguido pela prática de 2 crimes de “acolhimento” p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses.

Considera que houve errada qualificação jurídico-penal da conduta (provada) do arguido, pugnando pela sua condenação como autor de 2 crimes de “acolhimento (agravado)” p. e p. pelo n.° 2, (e não, n.° 1), do art. 15° da Lei n.° 6/2004.

Atenta a matéria de facto dada como provada, cremos que o recurso deve ser julgado procedente.

De facto, estatui o art. 15° da Lei n.° 6/2004 que:

“1. Quem dolosamente acolher, abrigar, alojar ou instalar aquele que se encontre em situação de imigração ilegal, ainda que temporariamente, é punido com pena de prisão até 2 anos.

2. Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”.

E provado estando que com o crime de “acolhimento” que cometeu o arguido, obteve o mesmo “vantagem patrimonial” – cfr., factos referenciados com os n.°s 3° e 5° - evidente é que em causa está o n.° 2 do supra transcrito comando legal, (e não o n.° 1).

Ociosas parecendo outras considerações sobre a questão, vejamos agora da pena.
Ora, ponderando na moldura penal em questão – 2 a 8 anos de prisão – e na já referida factualidade, da qual se destaca o facto de ser o arguido primário e de ter confessado os factos, atentos os critérios do art. 65° do C.P.M., que fixa os critérios para a determinação da pena e ao estatuído no art. 40° do mesmo Código, (quanto “aos fins das penas”), cremos que adequada é a pena de 2 anos e 3 meses de prisão por cada crime, e, em cúmulo jurídico, e em conformidade com o prescrito no art. 71° do dito Código, a pena única de 3 anos de prisão.

Acolhendo-se a sugestão do Ministério Público quanto à suspensão da execução da pena, já que, no caso, tendo presente a primodelinquência, e a confissão dos factos, se nos afigura que a mera censura do facto e ameaça de prisão, satisfazem de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção criminal, (cfr., art. 48° do C.P.M.), vai a dita pena única suspensa na sua execução por um período de 3 anos.

Nada mais havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam conceder provimento ao recurso.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500.00.

Macau, aos 14 de Julho de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa


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