Processo nº 352/2011 Data: 07.07.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez”.
Medida da pena.
Inibição da condução.
Suspensão da sua execução.
SUMÁRIO
1. Inexistindo circunstâncias atenuantes de relevo, e não sendo o arguido primário, excessiva não é a pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, imposta ao arguido autor da prática de um crime de “condução em estado de embriaguez”, pois que a moldura abstracta para tal crime é de 1 mês a 1 ano de prisão.
2. A necessidade do veículo para o transporte para o trabalho (ou outras comodidades) não constitui “motivo atendível” para efeitos de suspensão da execução da pena acessória de inibição da condução.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 352/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B. e, a final, foi condenado como autor de um crime de “condução em estado de embriaguez” p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos e na inibição de condução por um período de 1 ano e 2 meses; (cfr., fls. 140 a 140-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:
“1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Senhor Juiz a quo no âmbito de um processo sumário relativamente a condução em estado de embriaguez.
2. A medida concreta da pena aplicada ao arguido se mostra manifestamente exagerada pelo que se impõe a sua redução.
3. Pese ter sido detido em flagrante delito, o arguido não se furtou a sua responsabilidade, dando as explicações que achou necessárias para o efeito, mostrando arrependimento sincero e justificando com a situação familiar difícil em que vive, e vivia na altura, momento esse que levou já posteriormente ao internamento da sua esposa e companheira de mais trinta anos.
4. O Juiz a quo não valorizou convenientemente a confissão integral e sem reserva, acrescida de arrependimento sincero e das condições actuais da vida do arguido como se impunha por imperativos de natureza processual.
5. Pelo que se impõe a redução da pena concreta aplicada, de modo a que, a pena concreta aplicada vá de encontro a medida da culpa e as necessidades de prevenção especial.
6. A restrição do recurso prende-se com o facto de o arguido entender que a suspensão prevista nos termos admitidos pelo n.° 1 do art. 109° da Lei 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), se justifica no presente caso por existirem motivos atendíveis à sua verificação.
7. Padecendo por isso, a douta sentença recorrida do vício de erro de interpretação e de aplicação de direito previsto no n.° 1 do art. 400° do Código de Processo Penal.
8. O arguido é um cidadão português que reside em Macau há mais de trinta anos, sendo que, sempre trabalhou, em regime de turnos, na Central Eléctrica da CEM, localizada na Ilha de Coloane, pelo que necessita do veículo pessoal para se deslocar de e para o seu local de serviço.
9. A Central Eléctrica de Coloane, localiza-se na zona de Ka Ró, sem acesso de transportes públicos, pelo que, com a inibição de condução o arguido teria de se deslocar todos os dias para o serviço de táxi.
10. Sendo que, por trabalhar em regime de turnos, há dias em que sai à uma da manhã, outros em que entra por volta das quatro horas também da manhã, e por aí adiante.
11. O Recorrente aufere um rendimento mensal na ordem das vinte e três mil patacas, sendo que grande parte do dinheiro que aufere é para fazer face às despesas com o seu próprio sustento e da família, água, electricidade e alimentação.
12. Entende o Recorrente que as razões supra indicadas são susceptíveis de ser enquadrados no âmbito dos motivos atendíveis para a verificação da suspensão da execução da sanção de inibição de condução a que se alude no n. ° 1 do art. 109° da Lei n.° 3/2007.
13. Nem se diga que tal medida não é censurável, porquanto a pena terá de constituir um sacrifício real para o condenado, proporcional à sua culpa e de forma a satisfazer as necessidades de prevenção que o caso concreto justifique e nunca superior a esta.
14. Sendo então de concluir que, no caso concreto, a finalidade da pena é perfeitamente alcançável com a pena que foi aplicada ao recorrente a título de pena principal.
15. Ao fazer o juízo favorável do agente em face da sua posição na audiência de discussão de julgamento, traduzido na aplicação de uma pena de prisão, estamos em crer que o tribunal a quo teria de fazer a mesma leitura em relação a inibição de condução,
16. Ao não decretar a suspensão da execução da sanção de inibição de condução aplicada ao Recorrente, nos termos admitidos no n.° 1 do art. 109° da Lei n° 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), a douta sentença recorrida padece do vício de violação da lei expressa, nos termos do disposto nos artigos 40°, 48° e 650 todos do Código Penal e do n.° 1 do artigo 109° da Lei n° 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário)”; (cfr., fls. 145 a 153).
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Em resposta, afirma o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
“1. O recorrente praticou o crime de condução em estado de embriaguez, nos termos do n.° 1 do art.° 90° da Lei do Trânsito Rodoviário e n.° 1 do art.° 41 ° do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 mês a 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos.
2. O recorrente praticou várias vezes condução em estado de embriaguez e o crime de desobediência proveniente de inibição de condução.
3. Não se verifica que a punição seja excessiva, já que o Tribunal a quo atendeu aos factores concretamente favoráveis ao recorrente e, em consequência, apenas o condenou na pena de prisão de 3 meses e com pena suspensa por 3 anos, em vez da pena de prisão efectiva.
4. O recorrente não trabalha como motorista ou condutor profissional, por isso, as razões por ele apresentadas desconformam com os “motivos atendíveis” previstos no art.° 109°, n,° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, sendo assim, não se deve decretar a suspensão da execução da pena acessória”; (cfr., fls. 157 a 159-v e 190 a 196-v).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador o seguinte douto Parecer:
“A nossa Exma Colega evidencia, de forma convincente, a insubsistência da motivação do recorrente.
E nada se impõe acrescentar, efectivamente, às suas criteriosas explanações.
O “quantum” da pena de prisão, desde logo, mostra-se justo e equilibrado.
E deve ter-se como adequado, também, o período de suspensão da execução da mesma.
A pretendida suspensão da execução da sanção de inibição, por outro lado, não tem o necessário apoio factual.
A decisão recorrida, nessa parte, reflecte a Jurisprudência uniforme deste Tribunal (cfr. ac. Cit. na resposta do M° P°; e, mais recentemente, ac. de 5-5-2011, proc. n°, 230/2011).
Deve, em conformidade, o recurso ser julgado manifestamente improcedente (com a sua consequente rejeição, nos termos dos arts. 407°, n° 3-c, 409°, n° 2-a e 410°, do C. P. Penal)”; (cfr., fls. 199 a 200).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão dados como provados os factos seguintes:
“No dia 20 de Outubro de 2010, cerca das 03:51 horas, na Avenida Sir Anders Ljungstedt, pela P.S.P., foi mandado parar o automóvel ligeiro MO-XX-XX, conduzido pelo arguido.
Feito o teste de pesquisa de alcool no sangue, resulta 1.65g/L.
Agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.
É funcionário da Campanhia Electricidade de Macau, prestar serviço em central eléctrica de Coloane e trabalha por turnos, auferindo o salário mensal de MOP$23 ,000.00.
Vive com a sua esposa a qual tem problemas de saúde, sendo diabética e tendo dificuldades em se deslocar sozinha.
Tem como habilitações literárias a 4a classe do ensino primário.
Confessou os factos e mostrou-se arrependido.
O arguido foi condenado no Proc. CR1-07-0165-PSM, em 07 de Setembro de 2007, pela prática de um crime de Desobediência, p.p p.no art° 312° do C.P.M., e conjugado no art° 65° do C.E., em noventa (90) dias de multa à razão diária de MOP$90,00 (noventa patacas) no montante total em MOP$8.100,00 (oito mil e cem patacas), ou, em alternativa, em sessenta (60) dias de prisão, subsidiária.
O arguido foi julgado, nos autos de Processo Singular n° CR2-11-0099-PCS, pela prática de um crime de conduão de veículo em estado de embriguez , por factos ocorridos em 16/01/2010”; (cfr., fls. 139 a 139-v).
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor de um crime de “condução em estado de embriaguês” p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos e na inibição de condução por um período de 1 ano e 2 meses.
Busca a redução da pena (principal) e a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução.
–– Comecemos pela “pena (principal)”.
Prescreve o art. 90° da Lei n.° 3/2007 que:
“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem conduzir veículo na via pública sob influência de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas cujo consumo seja considerado crime nos termos da lei.
3. A negligência é punida”.
Atento ao assim estatuído e ao preceituado no art. 41°, n.° 1 do C.P.M., constata-se que ao crime pelo arguido, ora recorrente, cometido, cabe a pena de 1 mês a 1 ano de prisão.
Será assim excessiva a pena de 3 meses de prisão que pelo Tribunal a quo lhe foi fixada?
Cremos que a resposta só pode ser negativa.
De facto, tal pena situa-se 2 meses acima do seu limite mínimo, e constitui apenas 1/4 do limite máximo.
Alega o recorrente que “o Juiz a quo não valorizou convenientemente a confissão integral e sem reserva, acrescida de arrependimento sincero e das condições actuais da vida do arguido como se impunha por imperativos de natureza processual”; (cfr., concl. 4ª ).
Outro é porém o nosso ponto de vista, pois que mostra-se de dizer que basta uma leitura à sentença para se concluir o inverso; (cfr., fls. 6 e 7 da sentença).
Por sua vez, não é de esquecer que o ora recorrente não é primário, tendo já sido condenado pela prática de 1 crime de “desobediência” p. e p. pelos art. 312°, n.° 2 do C.P.M. e 65 do (então) Código da Estrada.
Nesta conformidade, há que dizer que nenhuma censura merece a decisão em causa.
De facto, in casu, a “confissão” pouca relevância tem, pois que foi o recorrente surpreendido em “flagrante delito”, e atenta a pena em questão, (suspensa na sua execução), dúvidas não há que ponderou o Mmo Juiz a quo no arrependimento pelo mesmo manifestado
É, assim, evidente, a improcedência do recurso no que toca à pena (principal).
–– Vejamos agora da “pena acessória de inibição de condução”.
Pretende o recorrente a suspensão da execução da dita pena.
Estatui o art. 109° da Lei n.° 3/2007 que:
“1. O tribunal pode suspender a execução das sanções de inibição de condução ou de cassação da carta de condução por um período de 6 meses a 2 anos, quando existirem motivos atendíveis.
2. Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
3. A suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução é sempre revogada, se, durante o período de suspensão, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução.
4. A revogação referida no número anterior determina a execução da sanção de cassação da carta de condução”.
Importa assim ver se “in casu”, existem “motivos atendíveis” para se decidir pela pretendida “suspensão”.
E, sobre a questão, repetidamente, tem este T.S.I. afirmado que:
“Só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos ... até porque os inconvenientes a resultar ... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão ... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana”; (cfr., v.g., o Ac. de 19.03.2009, Proc. n°. 717/2008, e, mais recentemente, de 17.02.2011, Proc. n° 973/2010 e de 05.05.2011, Proc. n° 230/2011).
Fundamentando a pretensão em apreciação, alega o recorrente que “a Central Eléctrica de Coloane, localiza-se na zona de Ka Hó, sem acesso de transportes públicos, pelo que, com a inibição de condução o arguido teria de se deslocar todos os dias para o serviço de táxi” e que “por trabalhar em regime de turnos, há dias em que sai à uma da manhã, outros em que entra por volta das quatro horas também de manhã, e por aí adiante”; (cfr., concl. 9ª a 10ª).
Porém, independentemente do demais, e admitiu-se outro ponto de vista, (que se respeita), impõe-se dizer que tal “situação” não integra o pressuposto exigido no atrás transcrito comando legal.
Nesta conformidade, e constatando-se também que na parte em questão, nenhuma razão tem o arguido, há que se rejeitar o presente recurso dada a sua manifesta improcedência.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 7 de Julho de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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