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Processo n.º 471/2010
(Recurso civil e laboral)

Data: 21/Julho/2011

RECORRENTES :
Recurso Principal
A (XXX)

Recurso Interlocutório
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (澳門旅遊娛樂有限公司)

RECORRIDAS :
As Mesmas
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    1. No âmbito da acção declarativa ordinária movida em 15 de Março de 2007 por A contra a sua ex-empregadora Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (STDM), foi proferido despacho saneador por força do qual foi julgada improcedente a prescrição arguida na contestação, de determinados créditos reclamados na petição inicial (i.e., créditos anteriores a 13 de Junho de 2002).
    Inconformada com esta decisão, veio a Ré recorrer interlocutoriamente para este Tribunal de Segunda Instância, a fim de obter a revogação da mesma.
    A este recurso, não respondeu a Autora.
    
    2. A final veio a ser proferida sentença, julgando a acção improcedente por remissão abdicativa por parte da A. em relação aos créditos por si reclamados nos autos em função da declaração por si assinada a fls. 150.
    
    3. Vem interposto também recurso desta sentença por parte da trabalhadora que alegou nos termos de fls 413 e segs, dando-se aqui por reproduzido o teor dessas alegações da recorrente que seguem, em síntese:
    A – A Sentença recorrida não é nem clara, nem perceptível, nem coerente, contém raciocínios per saltum, não se pronuncia sobre as questões que concretamente são postas ao Julgador, pese embora terem sido dados como provados quase a totalidade dos factos alegados pela recorrente;
    B – Por não ter integrado os factos no Direito, carecer de fundamentação e não terem sido julgadas as questões postas pela recorrente, é nula a Sentença por violação do disposto no art. 571º, n.º 1 al. b) e d) do Código de Processo Civil.
    C – A Sentença proferida é nula por violação de caso julgado, pois que decide julgar improcedentes os pedidos fundando-se em questão já julgada e transitada, que estava fora do seu âmbito de conhecimento e de modo contraditório – cfr. artigos 571º, n.º 1 al. d), art. 569º, 574º, 576º e 580º do Código de Processo Civil.
    D – A recorrente, face à matéria concretamente provada, tem direito a ser compensada pelo trabalho que prestou, no decurso de toda a relação laboral, em dias de descanso semanal, anula e feriados obrigatórios, conforme peticionou.
    Termos em que, deverá ser declarada nula a sentença proferida, devendo esta ser substituída por decisão que julgue procedente a Acção, devendo a recorrente ser ressarcida pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, feriados obrigatórios e descanso anual, de acordo com o seu salário, integrado pela quantia fixa e variável com que era composto.
Este recurso não foi contra-alegado.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – FACTOS
    Com pertinência para a decisão da presente questão, resulta dos autos a factualidade seguinte:
   A Autora trabalhou para a Ré entre 1 de Dezembro de 1970 e 21 de Julho de 2002, data em que começou a trabalhar para a SJM.
    No dia 21 de Julho de 2003, a Autora subscreveu a declaração cujo teor consta de fls. 83, com o seguinte teor : “Eu, (.........) titular do BIR n.º X/XXXXXX/X recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$29,790,10 da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM. Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vinculo laboral”.

    Dá-se ainda por reproduzida a matéria vertida na sentença e se passa a transcrever:
    “Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
    Após realizado o debate e audiência de julgamento, são os factos abaixo indicados considerados provados pelo Tribunal (dado que os articulados apresentados pelas partes foram redigidos em português):
A ré tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, a industria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiras, comércios de importação e exportação. (A)
  Desde os anos sessenta a ré foi concessionária de uma licença de exploração, em regime de exclusividade, de jogos de fortuna e azar ou outros, em casinos. (B)
  Essa licença de exploração terminou em 31 de Março de 2002. (C)
  A autora manteve uma relação laboral com a ré, sob a direcção efectiva, fiscalização e mediante retribuição por parte desta. (D)
  Durante os primeiros três meses de trabalho, a função da autora foi a de prestar assistência a clientes da ré. (E)
  Após o termo daquele período, a autora passou a exercer as funções de “Croupier”. (F)
  O horário de trabalho da autora foi sempre fixado pela ré, em função das suas necessidades, por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alteradas de 4 em 4 horas, existindo apenas o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia. (G)
  Os rendimentos da autora tinha uma componente fixa e uma variável. (H)
  A autora nunca recebeu qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios. (I)
  Em 21 de Julho de 2003 e em 28 de Julho de 2003, respectivamente, a autora recebeu da ré duas quantias pecuniárias de MOP$ 29.790,10 e de MOP$ 14.895,05, a título de ressarcimento pelo descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios. (J)
  A relação laboral entre a autora e a ré começou 01 de Dezembro de 1970. (1.º)
  Essa relação laboral cessou em 21 de Julho de 2002. (4.º)
  Os rendimentos diários efectivamente recebidos pela autora, entre os anos de 1984 e 2002, foram de:
  
  a) 1984=MOP$ 334,74
  b) 1985=MOP$ 309,91
  c) 1986=MOP$ 321,67
  d) 1987=MOP$ 362,71
  e) 1988=MOP$ 371,51
  f) 1989=MOP$ 423,49
  g) 1990=MOP$ 417,61
  h) 1991=MOP$ 425,95
  i) 1992=MOP$ 466,64
  j) 1993=MOP$ 446,10
  k) 1994=MOP$ 405,94
  l) 1995=MOP$ 556,13
  m) 1996=MOP$ 583,08
  n) 1997=MOP$ 502,69
  o) 1998=MOP$ 405,09
  p) 1999=MOP$ 410,20
  q) 2000=MOP$ 393,99
  r) 2001=MOP$ 120,04
  s) 2002=MOP$ 401,19 (5º)
  A componente fixa da remuneração da autora referida na alínea h) foi de MOP$ 1,70 por dia aquando da contratação até Junho de 1989, de MOP$ 10,00 por dia de Julho de 1989 a Abril de 1995 e de MOP$ 15,00 por dia, desde Maio de 1995 até à data da cessação do contrato de trabalho com a ré. (6º)
  Desde o início da relação entre autora e ré e até Outubro de 2000, nunca a autora gozou um único dia de descanso semanal. (7º)
  Durante todo o tempo que durou a relação laboral, nunca a autora gozou o período de descanso anual. (8º)
  Durante todo o percurso da relação laboral, nunca a autorizou (sic.) gozou descanso nos feriados obrigatórios. (9º)
  Aquando do início da respectiva relação laboral, autora e ré acordaram expressamente entre si que o trabalho prestado nesses dias fosse pago à razão diária correspondente à componente fixa da remuneração a que se alude na alínea h) da matéria de facto assente. (11º)
  Os trabalhadores da STDM podem gozar até 40 dias seguidos de descanso não remunerado desde que preenchessem o requerimento com antecedência. (12.º)
  E tal gozo não pudesse em causa o funcionamento da empresa da ré. (13.º)
  A autora gozou de 78 dias de descanso em 1993, 118 dias de descanso gozados em 1994, 54 dias de descanso gozados em 1995, 32 dias de descanso gozados em 1996, 69 dias de descanso gozados em 1997, 110 dias de descanso gozados em 1998, 65 dias de descanso gozados em 1999, 77 dias de descanso gozados em 2000, 280 dias de descanso gozados em 2001 e 91 dias de descanso gozados em 2002. (15º)”

    III - FUNDAMENTOS
    A - Recurso Interlocutório
    1. A Ré, na douta contestação que apresentou, invocou a prescrição dos créditos alegados pela parte A. até porque todos eles anteriores a 13 de Junho de 2002.
    No entender da Ré, o prazo da prescrição é de cinco anos, nos termos do disposto no art. 303º, al. f) do Código Civil e interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o seu direito.
    O Mmo Juiz considerou que os créditos não estavam prescritos conforme fls 275 v. a 276 v.
    A parte A. entende que não estão prescritos os créditos por si reclamados.
    
    2. A legislação de Macau respeitante às relações laborais a partir de 1984, ou seja, o DL 101/84/M, de 25 de Agosto e o vigente DL 24/89/M, de 3 de Abril, não contém um regime específico sobre a prescrição dos créditos emergentes das relações jurídico-laborais.
    Reconhece-se que, na falta de norma laboral específica, é de aplicar a norma geral resultante do Código Civil, 20 anos no CC de 66 e 15 anos no CC de 99.
    Importa indagar qual o prazo que se aplica, se o da lei velha ou o da lei nova? 20 anos do CC velho ou 15 anos do CC novo?
    O novo prazo aplica-se aos prazos que já estiverem em curso, mas conta-se apenas o tempo decorrido na vigência da nova lei, salvo se daí resultar um prazo mais longo do que o da lei anterior, caso em que o prazo continua a correr segundo esta lei (artigo 290º do Código actual).1
    Claro que para a escolha do prazo aplicável, vista a salvaguarda feita na parte final daquele preceito, sempre importará indagar do prazo a quo, isto é, a partir de que momento se iniciará a sua contagem.
    Em bom rigor pode dizer-se que é a nova lei que se aplica aos prazos que já estão a decorrer, importando não esquecer que a lei só dispõe para o futuro. Mas como no caso em apreço, em qualquer das situações a ponderar, o início do prazo sempre seria de computar antes da data da cessação da relação laboral, à data da vigência da nova lei, 1 de Novembro de 1999, sempre resultaria um prazo mais longo, teremos de fazer apelo à previsão da parte final do n.º 1 daquela norma e aplicar a lei antiga, já que ao abrigo da mesma sempre faltará menos tempo para o prazo se completar.
    Claro que para a escolha do prazo aplicável, vista a salvaguarda feita na parte final daquele preceito, sempre importará indagar do prazo a quo, isto é, a partir de que momento se iniciará a sua contagem.
    O prazo a aplicar, visto o início do mesmo e o tempo decorrido até 1 de Novembro de 1999, é, pois, o prazo de 20 anos.
    E não de 5 como se chega a defender, já que se não trata aqui de uma prestação renovável.
    Importa não esquecer que os créditos não são os salários, mas sim as compensações por direitos não gozados. E esses direitos não são prestações renováveis, pela razão simples, desde logo, que não se chegaram a verificar.
    E mesmo em relação aos salários dos trabalhadores, a prestação de trabalho não se coaduna com a natureza de uma qualquer prestação renovável, antes se traduzindo na contrapartida de um serviço prestado durante um certo período, sob direcção e instruções da entidade empregadora, correspondendo cada salário a um trabalho próprio, não se podendo dizer que o salário seguinte é a renovação do anterior.
    Ainda, a não consideração de um prazo curto de prescrição insere-se num entendimento que leva a considerar que a relação de proximidade existente pode condicionar o exercício do direito pela parte do trabalhador, pelo que deve ele mostrar-se protegido, como acontecia anteriormente para o serviço doméstico e agora para as relações de trabalho em geral.
    
    3. Estabelece o art. 306º do Código Civil de 1966 que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse prazo se inicia o prazo da prescrição”.
    Não está prevista, de modo expresso, entre as causas bilaterais de suspensão reguladas no art. 318º do Código Civil de 1966, a situação que agora nos ocupa e relativa a créditos emergentes de relação de trabalho não-doméstico.
    Com efeito, o Código Civil de 1966, prevendo embora a figura do contrato de trabalho, relegou para legislação especial a sua regulamentação – cfr. art. 1152º e 1153º do Código Civil de 1966.
    O art. 318º do Código Civil de 1966, regulando sobre as causas bilaterais da prescrição, determina, entre o mais que agora não releva, que a prescrição não começa nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (al. e) do art. 318º do Código Civil).
    
    4. Por aplicação da regra geral, dir-se-á que o prazo de prescrição em relação a cada um dos créditos aqui reclamados iniciou o seu curso com o respectivo vencimento, uma vez que, a partir daí a parte Autora passou a estar em condições de exercer os seus direitos.
    Assim, em relação aos créditos vencidos relativos ao período situado entre o início e o dia correspondente a vinte anos antes da tentativa de conciliação ou da respectiva notificação ter-se-á verificado a prescrição.
    
    5. Não há lacuna na presente situação.
    A lacuna, como diz o Prof. Oliveira Ascensão, é uma fatalidade, uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste2. Fatalidade que vai ao ponto de se negar a sua própria existência, porquanto no ordenamento jurídico não pode haver verdadeiras lacunas, enquanto ausência de solução jurídica para o caso omisso.3
    Só perscrutando, interpretando e valorando o ordenamento podemos dizer se há ou não uma lacuna.
    Ora, na obediência daquelas tarefas, logo se divisa uma norma genérica que abarca a situação em apreço, norma essa que decorre do disposto no artigo 306º, n.º 1 do CC66 - aplicável ao tempo da relação laboral invocada -, complementada pelo art. 307º que estipula para os casos de rendas perpétuas ou vitalícias ou para os casos de prestações análogas, em que a prescrição do direito do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.
    
    6. Há uma regra relativa ao início da prescrição e as situações em que o legislador quis que o prazo se suspendesse, tendo a preocupação de elencar, entre milhentas situações possíveis, apenas umas tantas e, no que respeita às causas bilaterais da suspensão, somente uma meia dúzia de casos. Pretendeu o legislador que essa previsão fosse meramente exemplificativa? Seguramente que não. A letra e o espírito da norma, afastam essa possibilidade. As situações, causas de suspensão da prescrição, são demasiado concretas, específicas e particulares para comportarem essa natureza.
    No que ao trabalho doméstico respeita é particularíssima essa previsão, não podendo o legislador ignorar que a par desse tipo de relação de trabalho existiam todas as restantes relações laborais, não fazendo sentido que teleologicamente pretendesse abranger todas as relações laborais a partir daquela particularização.
    Se o legislador excepcionou para o serviço doméstico uma causa de suspensão de prescrição, a interpretação analógica está vedada em relação às normas excepcionais - art. 11º do CC66 e 10º do CC99.
    
    7. E em termos de interpretação, ainda que o princípio não seja absoluto, estamos em crer que vale aqui o brocardo ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit. Nem por razões teleológicas se aceita uma interpretação extensiva como se pretende. São por demasiado evidentes todas as razões que podiam justificar uma protecção do trabalhador por via desse instituto, dadas as particulares relações, teias, dependências, receios, anseios, instabilidades que se criam nas relações laborais, que nem vale a pena desenvolver por demais o tema, aliás, bem focalizado na decisão recorrida. Mas são igualmente diferentes e visíveis as diferenças entre a relação laboral comum e o serviço doméstico. Este, a merecer um tratamento autónomo em Macau e no direito Comparado e apartar-se daquele.
    Ora são essas razões de diferença que fazem perceber a opção do legislador e tanto basta para afastar uma razão teleológica de aplicação da causa de suspensão da prescrição estabelecida para o serviço doméstico em relação a todas as relações laborais.
    Afigura-se não se estar perante uma situação não prevista nem regulada, não sendo legítimo ao aplicador da lei substituir-se ao legislador no aperfeiçoamento e melhoria do sistema laboral e protecção do trabalhador. Admite-se que possa haver alguma limitação na liberdade e na vontade do trabalhador, mas importa não esquecer que todas as situações que o legislador contemplou contêm sempre alguma razão que pode justificar a sua inércia e passividade. E dessa constatação será legítimo extrapolar para se considerar suspensa a prescrição quando se suspeite desse inibição? Afigura-se que essa há-de ser uma opção do legislador.
    Nesta conformidade, sem necessidade de outros desenvolvimentos somos a julgar parcialmente procedente o recurso interposto e a considerar, um prazo normal de prescrição de 20 anos, a iniciar-se com o vencimento de cada uma das prestações em dívida, ou seja, estarão prescritos os créditos anteriores a 15 de Maio de 1987, vinte anos anteriores à notificação para a tentativa de conciliação ( art. 27º, n.º 3 do CPT) e momento em que esta se viu confrontada com a reclamação de tais créditos.4
    B - Recurso da decisão final
    1. O objecto do presente recurso (da decisão final) passa fundamentalmente por conhecer da nulidade da sentença por ter omitido de forma manifesta e que só um lapso pode justificar o caso julgado formado no processo a propósito da declaração tida por remissiva a que acima se faz referência.
    Na verdade essa questão foi colocada e subiu em recurso, tendo sido conhecida nesta Instância, tendo sido julgado conforme acórdão de fls 267 e segs, não se reconhecendo tal valor àquela declaração.
    Perante isto a Mma Juiz não podia ignorar aquela decisão e competia-lhe conhecer do pedido, tal como ordenado, se outras razões a tal não impedissem.
    A declaração de fls 150 que serviu à Mma juiz para julgar a acção desfavoravelmente à trabalhadora, dando-se esta por compensada em relação aos créditos reclamados na acção, fora já objecto de pronúncia nesta instância em recurso oportunamente interposto, tendo-se considerado que tal declaração era inválida não podendo produzir os efeitos que ora se retiraram.
    Nessa mesma decisão fora ordenado já à Mma Juiz titular do processo que conhecesse dos direitos reclamados nos autos, devendo ser desvalorizada tal declaração.
    Haverá assim que declarar nula a sentença nos termos do artigo 571º, n.º 1, al. f) do CPC já que a Mma juiz, certamente por lapso, conheceu de uma questão que já fora superiormente decidida.
    
    2. Perante isto, se houvesse os elementos necessários este Tribunal iria substituir-se ao Tribunal de 1ª instância e proferir decisão em conformidade, face ao disposto no artigo 630º.
    Só que encontramos uma outra dificuldade e que resulta de uma contradição que se nos afigura insanável e implica a realização de novo julgamento.
    Tais questões já foram por várias vezes postas a este Tribunal e se prendem de uma contradição existente em relação à matéria de facto.
    Na verdade, olhando para a matéria de facto, enquanto num passo se diz que a trabalhadora nunca gozou de nenhum descanso semanal, anual ou feriado obrigatáorios, mais adiante diz-se que gozou neste e naquele ano tantos etantos.
    Ficamos assim a saber que terá gozado alguns.
    Mas quais, quantos?
    Há aqui, em termos do julgamento de facto uma contradição insanável.
    Anota-se até que a resposta dada aos quesitos sobre o não gozo dos descansos, ao responder-se restritivamente alterou-se o que era quesitado,pois que o que se indagava era se a empregadora autorizou a trabalhadora a gozar (quesitos 7º, 8º e 9º) e o que se respondeu foi uma realidade diferente, isto é, que não gozou nenhum, para a propósito da mesma questão se responder contraditoriamente ao quesito 15º que gozou uma série deles.
     O facto de o trabalhador pedir para descansar mostra-se, é verdade, irrelevante no âmbito da relação laboral existente.
    
    Mas o que importa aqui frisar é que não só esse facto não está provado, como ficamos sem saber quais os dias de descanso que devia ter gozado e não gozou.
    E esta questão não é facilmente contornável.
    
    3. Esta questão foi já decidida por este Tribunal em alguns acórdãos aqui proferidos5, pelo que sem necessidade de outros desenvolvimentos remetemo-nos para as razões aí expendidas e que passamos a reproduzir.

«Ora, com as respostas dadas, cremos que líquido não está que o A. trabalhou nos dias de descanso tal como alegava, e como pelo Mm° Juiz a quo foi entendido.
Com efeito, face à referida matéria, e ainda que se admita uma interpretação no sentido de que houve “dias de descanso” em que o A. trabalhou, cremos que inviável é considerar-se que trabalhou , ou que não gozou, todos os dias de descanso semanal, anual e de feriado obrigatório durante o período de tempo em que durou a relação laboral com a R..

Então, “quid iuris”?

Nos termos do artº 629º do C.P.C.M.:

“1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.

3. O Tribunal de Segunda Instância pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da decisão impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na primeira instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.

4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.

5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade.”

Atento o teor das respostas dadas aos atrás mencionados quesitos, afigura-se-nos que são as mesmas “deficientes” e “obscuras”, pois que fica-se sem saber se o A. trabalhou (ou não) nos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, tal como alegava na sua petição inicial.

Assim sendo, e tendo-se presente o preceituado no nº 4 do transcrito artº 629º do C.P.C.M., impõe-se a anulação do julgamento efectuado para, em novo julgamento, se suprir as apontadas deficiências, podendo o T.J.B. ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições na decisão.»

    V - DECISÃO

    Nos termos e fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso interlocutório interposto pela STDM julgando prescritos os créditos anteriores a 15 de Maio de 1987 e quanto ao recurso final em anular o julgamento efectuado no T.J.B.
      Custas do recurso interlocutário pela recorrente e recorrida na proporção dos decaimentos.
      Sem custas por não serem devidas no recurso final.

Macau, 21 de Julho de 2011
    
João A. G. Gil de Oliveira
    Ho Wai Neng
    José Cândido de Pinho
1 - CCA, Pires de Lima e A. varela, nota ao artigo 299º
2 - Int.Est. Dto, 1970, 309 e 355
3 - Galvão Telles, Int. Est. Dto, Reimp., 2001, 260
4 - Esta tem sido a Jurisprudência uniforme deste Tribunal, v. g. 599/2006, 635/2006, 25/2007, 151/2007, 690/2007, 323/2008, 717/2008
5 - Por todos, ac. deste TSI, n.º 932/2009; vd. Ainda os acórdão anteriormente citados
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