ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 22 de Julho de 2011, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 128.º do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão e de um crime de incêndio, previsto e punível pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 18 (dezoito) anos e 7 (sete) meses de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 10 de Maio de 2012, rejeitou o recurso interposto pelo arguido por o considerar manifestamente improcedente.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões:
- Pelos factos provados, o recorrente escondeu-se no Interior da China, mas, devido a auto-repreensão e auto-responsabilização, regressou a Macau e apresentou-se à Polícia, contando tudo o que tinha acontecido; a partir daí, mostra-se que o recorrente apresentou-se activamente à Polícia.
- Conforme a acta da audiência de julgamento de fls. 1067 e 1067v. dos autos, na audiência, o recorrente fez a confissão dos factos que lhe foram imputados.
- O recorrente manifesta-se sempre o sincero sentimento de arrependimento perante a morte da falecida e tentou suicidar-se na altura em que se encontrava em prisão preventiva (vide gravações de vídeo do arguido na cela).
- No Interior da China, o recorrente exercia trabalho forçado em forma de assalariamento, auferindo o salário mensal de RMB1.500,00, e tinha no Interior da China a esposa e o filho a seu cargo (vide relatório do técnico social de fls. 1029 dos autos).
- Por conseguinte, as circunstâncias favoráveis ao recorrente na determinação da pena são:
-Ser delinquente primário;
-Apresentar-se à Polícia;
-Fazer confissão;
-Sentir-se arrependido; e
-Prestar alimentos e cuidar o filho menor.
- Tal como mencionado no acórdão recorrido, nos termos do art.º 65º do Código Penal, a determinação da medida da pena concreta é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, bem como do grau de ilicitude do facto, do modo de execução deste, da gravidade das suas consequências, do grau de violação dos deveres impostos ao agente, da intensidade do dolo, dos sentimentos manifestados no cometimento do crime e dos motivos que o determinaram, das condições pessoais do agente, da sua situação económica, da comparação da conduta anterior ao facto e das demais situações concretas assentes.
- O resultado trágico proveniente da morte da falecida é, indubitavelmente, um facto irreversível, mas, em outro aspecto, é certo que não se deve excluir facilmente a importância do amor paternal do recorrente para a vida do seu filho.
- Assim sendo, pelo exposto, verifica-se que as penas aplicadas são notoriamente excessivas, ultrapassando o grau da intensidade da culpa e do dolo do arguido e violando assim os dispostos nos art.ºs 40º e 65º do Código Penal, uma vez que, na determinação da pena, o Tribunal recorrido apenas atendeu ao ponto de que o recorrente era delinquente primário, e, em consequência, manteve a decisão do tribunal de primeira instância.
Na resposta à motivação do recurso o Ex.mo Procurador-Adjunto defendeu a rejeição do recurso.
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
1. O recorrente A era empregado de entregas de gás de petróleo da [Companhia de gás de petróleo (1)], sita no [Endereço (1)]. O recorrente iniciou as suas funções em Março de 2007 e renunciou ao cargo em Setembro do mesmo ano. Posteriormente, o recorrente voltou a trabalhar na [Companhia de gás de petróleo (1)]em Dezembro do mesmo ano e renunciou ao cargo em Abril de 2008. Em Outubro de 2008, o recorrente voltou a trabalhar na [Companhia de gás de petróleo (1)].
2. O horário de trabalho do recorrente é o seguinte: das 08H00 às 20H00.
3. Em 15 de Dezembro de 2008, por volta das 21H11, o recorrente, usando o casaco com o título “[Companhia de gás de petróleo (2)]” imprimido, entrou no Edf., bloco “X” e dirigiu-se ao apartamento, sito no [Endereço (2)], por meio do elevador.
4. Na altura, a falecida B estava presente no referido apartamento.
5. Depois de ter entrado no apartamento, o recorrente teve relação sexual com a falecida. Em seguida, por motivo desconhecido, eles entraram em discussões.
6. No decurso de discussões, o recorrente atacou a falecida, puxou os cabelos da mesma, puxou-a e bateu a cabeça dela na parede do quarto que estava ao pé da cama e, depois, apertou-lhe o pescoço até que ficasse sufocada.
7. O recorrente atacou a falecida, causando-lhe:
- Equimoses e manchas sanguíneas na parte lateral esquerda da cabeça;
- Equimoses em diversas partes da face;
- Hemorragia conjuntival nos dois olhos;
- Duas marcas de estrangulamento paralelas no pescoço, entre elas há uma distância de 1cm, sendo mais destacáveis na parte frontal do pescoço, com largura de 0,5cm; a marca da parte superior tem o comprimento de 26cm e a da parte inferior tem o comprimento de 8cm;
- Contusão na zona temporal do lado esquerdo, com o tamanho de 5cm x 4cm; dois rompimentos no meio, com o tamanho de 1cm, entre eles há uma distância de 1,5cm;
- Contusão no lado esquerdo do pescoço (1cm x 1cm) e contusão na clavícula do lado esquerdo (2cm x 0,5cm);
- Hematoma na parte inferior do couro cabeludo, com tamanho de (10cm x 8cm);
- Hemorragia na parte lateral direita da tiróide e na traqueia; e
- A falecida foi morta por estrangulamento (vide relatório do médico legal de fls. 560 a 567 dos autos).
8. Depois de ter verificado que a falecida perdeu o sinal de vida, o recorrente desarrumou completamente o apartamento em causa e removeu todas as coisas para fora.
9. Em seguida, o recorrente pôs fogo no local entre o sofá e o armário na sala de estar, no colchão do quarto da falecida e no outro quarto.
10. No mesmo dia, por volta das 22H12, após ter posto o fogo, o recorrente abandonou o apartamento, deixando a falecida deitada na cama (na altura a calcinha da falecida estava abaixada até o joelho) e deixando inflamar o apartamento.
11. No momento da inflamação do apartamento, a falecida já estava morta. O fogo posto causou queimadura no corpo da falecida.
12. Pouco depois da ocorrência do facto, C e a sua esposa D deslocaram-se ao Edf. bloco “X”, [Endereço (3)], para visitarem à sua irmã mais velha. Quando chegaram ao Xº andar, notaram o cheiro de queimado e, depois, verificaram que havia incêndio no [Endereço (2)] e ligou logo para a linha de emergência 999.
13. No mesmo dia, às 22H24, os bombeiros chegaram ao apartamento em causa.
14. Os bombeiros detectaram que a porta de ferro do referido apartamento estava aberta e a porta de madeira do mesmo estava fechada. No apartamento houve grande quantidade de fumo e cheiro de queimado.
15. Depois de ter entrado no apartamento, os bombeiros detectaram que o sofá e o armário estavam a arder, bem como encontraram num quarto a falecida deitada na cama (na altura a calcinha da falecida estava abaixada até o joelho). A falecida foi imediatamente transportada para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário, mas na altura ela já deixou de ter o sinal de vida.
16. Às 22H43, os bombeiros apagaram o incêndio e, posteriormente, detectaram três focos de incêndio, respectivamente, no local entre o sofá e o armário na sala de estar, no quarto da falecida (encontrou-se queimada na borda da parte inferior do colchão, mas não na parte do colchão que estava encostada à parede) e no outro quarto.
17. No dia seguinte da ocorrência do facto, o recorrente apresentou renúncia de seu cargo à Companhia em que trabalhava (vide autos) e, depois, escondeu-se no Interior da China.
18. O recorrente A agiu, livre, voluntária e conscientemente, o acto supramencionado.
19. O recorrente praticou o acto acima referenciado, com a intenção de tirar a vida da falecida B.
20. Mais, o recorrente tentou destruir todas as provas, pelo que pôs fogo no apartamento da falecida, causando incêndio.
21. O recorrente sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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Mais se provaram os seguintes factos:
22. O recorrente é um empregado, auferindo o salário mensal de cerca de MOP20.000,00.
23. Tem como habilitações literárias o 3º ano do ensino secundário, ninguém fica a seu cargo.
24. Segundo o certificado de registo criminal, o recorrente é delinquente primário.
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Factos não provados:
Os restantes factos relevantes da acusação que são incompatíveis com os factos provados, designadamente:
1. Em 29 de Novembro de 2008, o recorrente chegou a transportar gás de petróleo para o domicílio da falecida B, sito no [Endereço (2)]. Na dada altura, o gás de petróleo foi recebido pela amiga coabitante da falecida, E (identificada em fls. 560 dos autos).
2. Na entrega do gás, o recorrente entrou em conversas com E, e, a partir daí, tomou conhecimento de que a mesma coabitava com uma outra rapariga. Na altura, o recorrente estava atento à situação do interior do apartamento.
3. O recorrente subtraiu dois telemóveis da falecida.
4. O recorrente tinha perfeito conhecimento de que os telemóveis da falecida não lhe pertenciam, não podendo apropriar-se dos mesmos, entretanto, o recorrente ainda teve a intenção de se apropriar dos telemóveis.
III - O Direito
1. A questão a resolver
A questão a resolver é a de saber se o Acórdão do Tribunal Judicial de Base aplicou ao recorrente penas demasiado pesadas pela prática dos crimes de homicídio e incêndio.
2. Medida da pena
Quanto à questão suscitada a propósito da medida da pena este Tribunal tem entendido que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 23 de Janeiro e 19 de Setembro de 2008 e 29 de Abril de 2009, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008, 57/2007 e 11/2009).
Não foi alegada qualquer violação de vinculação legal ou de regras da experiência.
Pelo crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 128.º do Código Penal, foi o arguido condenado na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão, sendo que a penalidade que cabe ao crime é a de 10 a 20 anos de prisão.
Pelo crime de incêndio de relevo em edifício, previsto e punível pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, foi o arguido condenado na pena de 6 (seis) anos de prisão, sendo que a penalidade que cabe ao crime é a de 3 a 10 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 18 (dezoito) anos e 7 (sete) meses de prisão, havendo que ter em conta que a pena unitária variaria entre 16 e 22 anos de prisão (artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal).
As penas concretamente aplicadas aos dois crimes e a pena unitária não se mostram desproporcionadas e não se mostra provado nenhum facto com relevo atenuativo, nem mesmo os alegados pelo recorrente no recurso.
O recurso é, pois, manifestamente improcedente.
Impõe-se, portanto, a rejeição do recurso (artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC, suportando ainda a quantia de MOP$2.000,00 (duas mil patacas), nos termos do n.º 4 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Fixam os honorários do defensor do arguido em mil patacas.
Macau, 25 de Julho de 2012.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai ﹣
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Processo n.º 47/2012