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Processo n. 49/2008 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Julho de 2011
Descritores: - Prescrição de créditos laborais
- Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
-Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados)
- Juros

SUMÁRIO:
I- Entre o prazo de 15 anos para a verificação da prescrição, fixado no Cod. Civil de 1999, e o de 20, estabelecido no Cod. Civil de 1966, aplicar-se-á o segundo, se o seu termo ocorrer primeiro, face ao disposto no art. 290º, nº1.
II- Para esse efeito, não se aplica ao contrato entre um trabalhador do casino e a STDM as normas dos arts. 318, al. e) do Cod. Civil de 1966 e 311º, al. c) do Cod. Civil vigente porque a relação laboral assim firmada entre as partes é de trabalho e não equivalente à do contrato doméstico.
III- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
IV- Considera-se, ao abrigo do art. 17º, do DL 101/84/M, que se o trabalhador não gozou o dia de descanso semanal, nem o novo dia de descanso (substitutivo) que a lei estabeleceu para o compensar, mesmo que tenha recebido a remuneração pelo serviço prestado nesses dias, terá que ser compensado com mais um dia de salário pela compensação não gozada (salário x1).Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
V- De acordo com o DL 101/84/M, os feriados obrigatórios do 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro, são gozados sem perda de remuneração. Mas se o empregado trabalhar nesses dias, terá direito a remuneração complementar (+50%) se o serviço for indispensável para fazer face a acréscimo de trabalho não previsível (art. 21º, n. 2) e, nesse caso, a fórmula a utilizar será salário x1,5. Nos outros casos, deverá receber um dia de salário, porque a tanto o obriga o art. 28º (salário x1).
Quanto aos obrigatórios não remunerados, tal como acontece com o pagamento dos dias de descanso semanal, terá o trabalhador a receber a remuneração do dia de trabalho se efectivamente o prestou, sem qualquer compensação adicional (salário x 1).
VI- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
Quanto aos não remunerados, nos termos do art. 20º, n. 2, haverá acréscimo de salário em 50% se o trabalhador prestar serviço para fazer face a acréscimo de trabalho (nesse caso, a fórmula será salário x 1,5). Nos restantes casos, tal como nos dias de descanso semanal, a indemnização corresponde a mais um dia de salário (salário x1).
VII- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
VIII- Os juros de mora pelas compensações devidas por trabalho indevidamente prestado são contados a partir da data da sentença da 1ª instância que procede à liquidação do respectivo valor, no caso de ela vir a ser totalmente confirmada na instância de recurso.
Se, porém, a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do crédito, então a mora começa a contar-se a partir da data desta.


Proc. N. 49/2008

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, representada pelo M.P., moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$ 230.319,47, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios, descansos anuais e licença de maternidade não gozados desde o início até ao termo da relação laboral.
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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador, julgando parcialmente prescritos os créditos resultantes da violação ao direito ao descanso semanal e feriados obrigatórios vencidos em data anterior a 12/12/1986, bem como os créditos resultantes da violação ao direito ao descanso anual referentes aos anos de 1984 e de 1985.
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Dessa decisão recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões:
1.) A prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício;
2.) O legislador prevê situações, ligadas a relações de especial proximidade e confiança e até de conflito de interesses, em que não é justo que a inércia prolongada do titular do direito no seu exercício seja desvalorada e daí a previsão legal das chamadas causas bilaterais de suspensão do prazo de prescrição;
3.) Uma das causas bilaterais de suspensão do prazo de suspensão é a pendência da relação de trabalho doméstica;
4.) No nosso entender, a particular relação de trabalho propriamente dita tem toda a semelhança, na sua essência, com a relação de trabalho doméstica, e todos os elementos necessários (subordinação jurídica, retribuição) estão plenamente verificados em ambos os tipos de contrato de trabalho. Ao fim e ao cabo, pode afirmar-se que o contrato de trabalho doméstico é uma sub-espécie do contrato de trabalho;
5.) Existe uma zona de intersecção teleológica entre esses dois tipos de contrato de trabalho que justificaria tratamento legal semelhante;
6.) Se assim é, significaria que o legislador teria alargado o âmbito da causa bilateral de suspensão prevista na alínea e) do artº 318 do Código Civil de 1966 a todas as relações laborais e não apenas às relações laborais de trabalho doméstico;
7.) Na verdade, o ponto comum ou zona de intersecção reside no facto de que a inibição no exercício do direito por parte do trabalhador doméstico, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que pode, inclusivamente, colocar em risco o seu emprego, verifica-se da mesma maneira na relação de trabalho propriamente dito, não se descortina, alguma diferença de carácter substantivo;
8.) Assim, e perante a lacuna legislativa verificada na ordem jurídica de Macau (no âmbito de Código Civil de 1966), o intérprete do direito deve procurar colmatar a mesma lacuna, recorrendo à analogia;
9.) Se assim é, não é difícil de concluir que, por aplicação analógica do artº 318, al. E) do Código Civil de 1966, o prazo de prescrição dos créditos emergentes da relação laboral só começa a correr a partir da cessação do contrato de trabalho.
10.) Como a relação de trabalho entre a Autora e a Ré apenas cessou em Março de 1993, nenhum dos créditos reclamados pela Autora se encontra prescrito.
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A STDM apresentou contra-alegações, tendo-as concluído da seguinte maneira:
1. Andou bem o Tribunal a quo ao julgar “prescritos os créditos da Autora resultantes do direito ao descanso semanal, feriados obrigatórios vencidos em data anterior a 12 de Dezembro de 1986, bem como os créditos resultantes da violação do direito ao descanso anual referente aos anos de 1984 e 1985” - por considerar que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos gerais do art. 306º, nº 1 do Código Civil de 1966.
2. Por outro lado, a Recorrida considera que jamais se poderá aplicar analogicamente a causa bilateral da suspensão do art. 318º, al. e) do Código Civil de 1966 ao caso sub judice.
3. A Recorrente, ao ter entendido que o regime prescricional aplicável era o do Código Civil de 1966, não pode ignorar que esse diploma não previa como causa de suspensão do prazo prescricional o decurso da relação laboral não doméstica, nem os dois anos posteriores ao termo do contrato de trabalho (que veio a ser reconhecida pelo legislador do actual Código Civil).
4. Só podemos concluir que o legislador considerou que a situação do trabalho doméstico merecia um tratamento distinto, por acarretar uma situação de dependência que não existe na relação de trabalho não doméstico (maxime pelo facto do trabalhador doméstico viver na casa do empregador).
5. Ora, analisando o art. 318º, al. e) do Código Civil de 1966 e perante a especificidade oferecida por aquela disposição legal, só podemos concluir que o legislador entendeu não prever como causa de suspensão as restantes relações de trabalho (ou seja, de trabalho não doméstico).
6. Desta forma, entende a Recorrida que o legislador do Código Civil de 1966 decidiu prever diversas causas de suspensão que entendeu serem dignas de protecção jurídica, não contemplando a situação que veio a ser criada pelo legislador do Código Civil (a da al. c) do nº 1 do art. 311 º do Código Civil - cfr. Nota de Abertura do C00rdenador do Projecto, Cfr. Miguel Urbano, pág. XIX e XX do CC).
7. Neste sentido, só podemos concluir que não existia qualquer lacuna e que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”, nos termos gerais do art. 306º, nº 1 do Código Civil de 1966.
8. Deste modo, devem considerar-se prescritos os créditos da Autora resultantes da violação do direito ao descanso semanal e feriados obrigatórios vencidos em data anterior a 12 de Dezembro de 1986, bem como os créditos resultantes da violação do direito ao descanso anual referente aos anos de 1984 e 1985. Em face de todo o exposto, afigura-se ser de manter o despacho ora recorrido.
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O processo prosseguiu a sua normal tramitação, vindo a final a ser proferida sentença datada de 25/07/2007, que julgou parcialmente procedente a acção e condenou a STDM a pagar à autora a quantia indemnizatória de Mop$ 170.114,42.
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É desta sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações a autora apresenta as seguintes conclusões:
DESCANSO SEMANAL (DE 1984 A FEVEREIRO DE 1986)
A. Quanto à indemnização pelo descanso semanal referente aos anos 1984 a 1986 o direito de a reclamar não prescreveu conforme demonstrado no recurso de fls. 103 a 108v que sobe com o presente nos termos do disposto no art.º 112.º, n.º 4 do C PT, pelo que se remete para a tabela supra reproduzida donde constam os dias descanso semanal não atendidos pela sentença recorrida, no valor de MOP$28.436,21.
DESCANSO SEMANAL (RJRL)
B. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal violou a interpretação do disposto no artigo 17º nº 6, a) do RJRL fixada nos acórdãos proferidos por unanimidade pelo Tribunal de Segunda Instancia no Recurso nº 255/2006, de 9 de Novembro de 2006, e no Recurso nº 188/2002, 416/2006 e 311/2006, bem como, por exemplo, a doutrina sobre esta matéria fixada na jurisprudência comparada do Tribunal Superior do Trabalho do Brasil, Enunciado nº 146.
C. Assim, além da remuneração mensal que já recebeu, a ora Recorrente tem também o direito a receber o dobro da retribuição normal diária (cfr. art.º 17.º, n.º 6, a) do RJRL), acrescida da indemnização de igual valor por não ter gozado o competente dia de descanso compensatório (cfr. art.º 17.º, n.º 4 do RJRL).
D. Se assim não fosse, o disposto no art.º 17.º, n.º 4 do DL n.º 101/84/M seria letra morta, i.e., um preceito esvaziado de sentido útil e cuja violação pela entidade empregadora não importaria qualquer consequência.
E. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal no valor de MOP60,088.86 deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.º, n.os 4 e 6,a) e 26.º, n.º 1 do RJRL, fixando-se agora esse valor em MOP92,250.99 de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 3.
DESCANSO ANUAL (DL n.º 101/84/M)
F. A decisão de arbitrar qualquer compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso anual, deverá ser revogada por violação do disposto no artº 23º, nos 1 e 24º, nº 2 do DL nº 101/84/M, de 25/08, fixando-se esse valor em MOP6,641.76.
DOS FERIADOS REMUNERADOS (DL n.º 101/84/M)
G. O Tribunal a quo não fixou qualquer indemnização pelo trabalho prestado pela A. nos feriados obrigatórios remunerados relativos ao período de vigência do DL nº 101/84/M, de 25/08.
H. Quando o trabalhador trabalhe em dia de feriado remunerado, terá direito:
(i) à sua remuneração mensal normal pelo facto de ter trabalhado,
(ii) a mais um dia de descanso compensatório pelo facto de ter trabalhado quando a lei o dispensara de o fazer, e
(iii) à correspondente remuneração desse dia de dispensa remunerada.
I. Esta decisão do tribunal recorrido no sentido de não atribuir qualquer compensação à recorrente por conta do trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios remunerados, viola o disposto no art.os 20.º, n.º 2 e 3, 23.º, n.º 1, in fine, 28.º, n.º 1 e 30.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, segundo a qual os quais a A. devia ter sido dispensado da prestação do trabalho sem perda de remuneração e, por conseguinte, viola o disposto no art.º 42.º, n.º 3 do novo Código de Processo do Trabalho, fixando-se esse valor em MOP6,641.76, de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X2.
DOS FERIADOS NÃO REMUNERADOS (DL n.º 101/84/M)
J. Quando o trabalhador trabalhe em dia de feriado obrigatório não remunerado, além da remuneração mensal, adquire também o direito a ser compensado pelo dia de dispensa ao trabalho de que não beneficiou.
K. Se assim não fosse, o disposto no art.º 20.º, n.º 2 do DL nº 101/84/M, de 25/08, seria letra morta, i.e., um preceito esvaziado de sentido útil e cuja violação pela entidade empregadora não importaria qualquer consequência.
L. A decisão de não arbitrar qualquer indemnização pelo trabalho prestado até 1989 nos dias de feriados obrigatórios não remunerados, deverá ser revogada por violação do disposto nos art.ºs 20.º, n.º 2, 23.º, n.º 1, in fine, 28.º, n.º 1 e 30.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, segundo os quais a A. devia ter sido dispensado da prestação do trabalho sem perda da remuneração mensal e, por conseguinte, do art.º 42. 0, n.º 3 do novo Código de Processo do Trabalho (CPT), fixando-se esse valor em MOP6, 782. 91, de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 1.
DOS FERIADOS REMUNERADOS (RJRL)
M. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X n.º de dias X 1) de cálculo do montante da compensação pelo trabalho prestado durante os feriados obrigatórios remunerados no valor de MOP3,195.22, deverá ser revogada por violação do disposto no art.os 19.º, n.ºs 2 e 3 e art.º 28.º, n.º 3 do RJRTM e, por conseguinte o art.º 42.º, n.º 3 do novo Código de Processo do Trabalho (CPT), e a jurisprudência do TSI, nomeadamente o Acórdão em 8 de Junho de 2006, fixando-se esse valor em MOP9,585.72, de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 3.
DOS FERIADOS NÃO REMUNERADOS (RJRL)
N. O Tribunal a quo fixou apenas um acréscimo salarial de 50% a título de indemnização pelo trabalho prestado pela A. nos feriados obrigatórios não remunerados.
O. Esta decisão deverá ser revogada por violação do disposto no art.os 19.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1 e art.º 28.º, n.º 3 do RJRTM segundo os quais a A. devia ter sido dispensado da prestação do trabalho sem perda da remuneração mensal e, por conseguinte, por violação do art.º 42.º, n.º 3 do novo Código de Processo do Trabalho, fixando-se esse valor em MOP2, 506. 56, de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 1.
DOS JUROS VENCIDOS
P. A situação em apreço configura-se como um caso de iliquidez aparente, em que o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, a contemplada na 1.ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil [actual art.º 794.º , n.º 3 do Código Civil de Macau].
Q. Não se diga que só no momento da decisão judicial ficou firmado (e a Ré teve conhecimento) que o valor variável (percentagem sobre as gorjetas) da remuneração integrava o conceito de salário fixado no artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 101 /84/M.
R. Na verdade, o facto de só por decisão judicial a Ré ter sido convencida desse facto não justifica o não pagamento de juros, na medida em que, nos termos do art. 6º do CCP, actual 5.º do CCM, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.
S. A Ré pode discordar desse entendimento e querer discutir a questão em tribunal, esperando que o seu entendimento prevaleça, mas esse é um risco que terá de correr por sua conta e que de forma nenhuma poderá afectar o direito do A. a ser indemnizada do prejuízo decorrente do não cumprimento pontual da obrigação.
T. A decisão do tribunal recorrido no sentido de que os respectivos juros apenas podem ser calculados a partir do transito em julgado, deverá ser revogada e substituída outra que fixe os juros desde as datas de vencimento dos créditos a que os juros respeitam, por violação do art.º 42.º, n.º 3 do CPT ex vi da disposições conjugadas dos art.os 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 20.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 101/84/M e 805.º, n.º 2, b) do CCP, actual art.º 794.º, n.º 2, al. b) do CCM.
U. A Ré constituiu-se em mora no terceiro dia útil subsequente ao termo do período (de descanso anual, semanal ou de feriado obrigatório) a que o salário respeitava, pelo que deve ao Recorrente juros vencidos sobre as quantias devidas por conta do trabalho prestado nos períodos de descanso semanal e feriados obrigatórios.
A decisão do tribunal recorrido no sentido de que os respectivos juros apenas podem ser calculados a partir da data do trânsito em julgado da sentença, deverá ser revogada e substituída outra que fixe os juros desde as datas de vencimento dos créditos a que os juros respeitam.
Também a STDM recorreu da sentença, formulando nas alegações as seguintes conclusões:
I. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso, por parte da Autora, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pela Autora, ao condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dia de descanso anual como se a Ré tivesse impedida a Autora de gozar aqueles dias, e com base no regime do salário mensal
II. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pela A, ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
III. E, de acordo com os arts. 20º, 17º, 4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigada a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
IV. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela Ao, não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título ~ relembre-se que, em relação aos dias de descanso de feriados obrigatórios apenas ficou provado que a A. podia pedir dias de descanso cuja autorização ficava dependente da vontade de Ré para (cfr, resposta ao quesito 23º).
V. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A, ora Recorrido, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
VI. A R. não concorda com a matéria dada como provada nos quesitos 24º, 26º e 25º (repetido), pois a única conclusão a retirar da apreciação de todos os documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas que depuseram em audiência, é não ter ficado provado que:
a) Ré tenha indeferido qualquer pedido da Autora para gozar dias de descanso; e, em especial,
b) Não ficou provado que a Autora não tenha gozado todos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios previstos por lei.
VII. A A, ora Recorrida, não estava dispensada do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou, o que não o fez.
VIII. No entanto, foi precisamente com base na matéria de facto constante dos quesitos 24º, 26º e 25º(repetido), que o Tribunal a quo condenou a ora Recorrente no pagamento de urna indemnização pelo não gozo de dias de descanso.
IX. Assim, na ausência de um facto constitutivo com base no qual o Tribunal a quo pudesse dar como provado o não gozo de dias de descanso por parte da A, ora Recorrida, não se entende corno pôde o Tribunal Judicial de Base ter condenado a Recorrente.
X. Assim, sendo totalmente omissa quanto à questão fundamental do não gozo de dias de descanso pela A, ora Recorrida, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A, ora Recorrida.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XI. Nos termos do nº1 do art. 335º do Código Civil (adiante CC) “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
XII. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 24º, 26º e 25º (repetido) da base instrutória, cabia à A, ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
XIII. Com base nos factos constitutivos do direito alegado pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que a esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
XIV. E, de acordo com os arts. 20º, 17º, 4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigada a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
XV. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A, não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que apenas ficou provado que a A.precisava da autorização expressa da R. para ser dispensada dos serviços.
XVI. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A, ora Recorrida, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
XVII. Requer-se, pois, que V. Exas se dignem revogar a sentença ora em crise e julgar a matéria de facto em conformidade com o ora exposto e, consequentemente, absolver a R. da Instância.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XVIII. O nº 1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XIX. O facto da A ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, e que fazia parte do seu rendimento expectável. Contudo tal não implica aceitar que se considerem as gorjetas como parte do salário.
XX. Não concluindo pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XXI. A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
XXII. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67º e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
XXIII. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XXIV. Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XXV. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XXVI. E, não tendo a Recorrida, sido impedida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM à Recorrida.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
XXVII. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que a A., ora Recorrida, era remunerada com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário.
XXVIII. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como o aqui Recorrido, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de HKD$10.00, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
XXIX. Acresce que o “esquema” do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judicias nos processos pendentes.
XXX. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no art. 1º do RJRT.
XXXI. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que a A., ora Recorrida, era remunerada com um salário mensal, a sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
XXXII. O que o Mmo. Juiz a quo faz na sua sentença - diga-se, apesar da discordância, doutamente fundamentada - é fazer a sua interpretação pessoal do conceito, desligando-se da realidade dos factos e da vontade das partes, esquecendo o essencial: desde sempre foi entendido pelos trabalhadores e STDM que o pagamento do salário corresponderia exactamente e efectivamente ao seu “esforço” laboral diário, isto é, ao período em que o trabalhador acordou com a entidade patronal trabalhar.
XXXIII. Por outro lado, traz o Mmo. Juiz à colacção os conceitos da “assiduidade” e “estabilidade da relação laboral” como aferidores da determinação do “tipo” de salário. No entanto, são critérios que em nada limitam este entendimento, por se tratarem de conceitos circunstanciais e essencialmente subjectivos, que dizem respeito às opções pessoais de cada trabalhador e à sua postura na prestação dos serviços.
XXXIV. Por isso mesmo se verificavam diferenças substanciais nos rendimentos dos trabalhadores (assiduidade) e na duração da relação laboral (estabilidade): simplesmente porque os que auferiram mais decidiram trabalhar “mais dias” e os que trabalharam na STDM durante 40 anos, decidiram “lá ficar” mais tempo!
XXXV. Não existe fonte de direito que indique a assiduidade e a estabilidade como requisitos formais ou objectivos que comprovem que um determinado trabalhador aufere salário mensal, ou como bitola de aferição entre “salário mensal” e “salário diário”.
XXXVI. Assim, entende a ora Recorrente, que o julgador deverá atender à vontade das partes, a correlação entre “serviços prestados” e “pagamento do salário” e as características próprias do mercado do jogo e laboral de Macau.
XXXVII. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas. no sentido de fixar o salário auferido pela A., ora Recorrida, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
XXXVIII. O trabalho prestado pela Recorrida em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
XXXIX. A remuneração já paga pelo ora Recorrente à ora Recorrida por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que a A. tinha direito, nos termos do DL 24/89/M, de 3 de Abril.
XL. Maxime, o trabalho prestado em di~ de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do n.º 6 do art.º Ir do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
XLI. Ora, nos termos do art. 26º, n.º 4 do RJRT, salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos do art. 17º, n.º 6, al. b), os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com o empregador.
XLII. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
XLIII. A decisão recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da al. b) do nº 6 do art. Ire do artigo 26º do RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda concluindo:
XLIV. As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
XLV. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999.
XLVI. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
XLVII. O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
XLVIII. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
XLIX. Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
L. Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção de croupiers, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
LI. Além disso, o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são
critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos croupiers, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
LII. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.
LIII. Apenas em absoluto dever de patrocínio a R. aceita compensar a A pelo salário não pago durante o período de 35 dias de licença de maternidade estipulado por lei.
L1V. Ora, a primeira da filha da A nasceu em 1989 e a segunda filha nasceu em 1 de Julho de 1992, - altura em que a A, na data do nascimento da primeira filha auferia diariamente MOP$4,10 e na data do nascimento da segunda filha da A., não conseguiu a mesma provar qual o seu rendimento.
LV. Assim sendo, o Rendimento Salarial a contar para efeitos de cálculo da indemnização devida pela licença do parto é de MOP$4,10/dia.
LVI. Nestes termos, a compensação eventualmente devida pelo parto nunca poderá ascender a mais de MOP$ 143.5,00 [(MOP$4,10x35=143.5)] e não MOP$4.940.30 como decidido pelo Juiz a quo. Em relação ao terceiro parto, não se provou qual o rendimento da Ano ano de 1992, ano do nascimento da terceira filha da A., pelo que não se poderá determinar o montante a ser indemnizado à A.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Autora começou a trabalhar para Ré em 21 de Abril de 1982. (al. A) da matéria de facto assente)
2. A Autora foi admitida como empregada de casino. (al. B) da matéria de facto assente)
3. No decurso da relação entre Autora e Ré, esta entregava à Autora duas quantias: Uma quantia fixa e outra variável. (al. C) da matéria de facto assente)
4. A quantia fixa foi de MOP$4.10 por dia, desde 21/4/1982 até 30/6/1989; de HK$10,00 por dia desde 1/7/1989 até à data da cessação da relação existente entre Autora e Réu. (al. D) da matéria de facto assente)
5. Tanto a parte fixa como a parte variável relevavam para efeitos de imposto profissional. (al. E) da matéria de facto assente)
6. A parte variável era composta pelo dinheiro recebido dos clientes, vulgarmente designadas por “gorgetas”. (al. F) da matéria de facto assente)
7. As “gorgetas” eram distribuídas por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo, de acordo com a sua antiguidade e categoria profissional. (al. G) da matéria de facto assente)
8. A Autora prestava o trabalho por turnos fixados pela Ré do seguinte modo: 1º e 6º turnos: das 7h00 até às 11h00 e das 3h00 até às 7h00; 3º e 5º turnos: das 15h00 até às 19h00 e das 23h00 até às 3h00; e 2º e 4º turnos: das 11h00 até às 15h00 e das 19h até às 23h00. (al. H) da matéria de facto assente)
9. Em 12 de Junho de 1989 a autora deu à luz uma filha - Winnie Weng Yin Puno (al. I) da matéria de facto assente)
10. Em 1 de Julho de 1992 a autora deu à luz uma filha - Debbie Wai Yin Puno (al. J) da matéria de facto assente)
11. A composição do salário da Autora, integrando a parte fixa e variável, foi acordada verbalmente entre esta e a Ré. (resposta ao ponto 1º da base instrutória)
12. Autora e Ré acordaram também que a Autora tinha direito a receber as gorgetas conforme o método vigente na sua entidade patronal. (resposta ao ponto 5º da base instrutória)
13. As gorgetas entregues pelos clientes da Ré eram por esta reunidas, contabilizadas e depois distribuídas através de uma comissão por ela constituída. (respostas aos pontos 6º e 7º da base instrutória)
14. A Ré proibiu, expressamente, a Autora de guardar quaisquer gorgetas entregues pelos clientes dos casinos. (resposta ao ponto 10º da base instrutória)
15. A Autora auferiu, durante o ano de 1984, o rendimento anual de MOP$60,836.00. (resposta ao ponto 11º da base instrutória)
16. A Autora auferiu, durante o ano de 1985, o rendimento anual de MOP$85,389.00. (resposta ao ponto 12º da base instrutória)
17. A Autora auferiu, durante o ano de 1986, o rendimento anual de MOP$95,254.00 (resposta ao ponto 13º da base instrutória)
18. A Autora auferiu, durante o ano de 1987, o rendimento anual de' MOP$87 ,933.00. (resposta ao ponto 14º da base instrutória)
19. A Autora auferiu, durante o ano de 1988, o rendimento anual de MOP$92,713.00. (resposta ao ponto 15º da base instrutória)
20. A Autora auferiu, durante o ano de 1989, o rendimento anual de MOP$46,580.00. (resposta ao ponto 16º da base instrutória)
21. A Autora auferiu, durante o ano de 1990, o rendimento anual de MOP$69,169.00. (resposta ao ponto 17º da base instrutória)
22. A Autora auferiu, durante o ano de 1991, o rendimento anual de MOP$105,606.00. (resposta ao ponto 18º da base instrutória)
23. A Autora sempre recebeu o salário regular e periodicamente. (resposta ao ponto 19º da base instrutória)
24. O gozo de dias de descanso não era remunerado. (resposta ao ponto 21º da base instrutória)
25. A Autora podia pedir dias de descanso cuja autorização ficava dependente da vontade da ré. (resposta ao ponto 22º da base instrutória)
26. A Autora entre 21 de Abril de 1982 e o fim do ano de 1992, nunca gozou qualquer dia de descanso semanal, nem recebeu qualquer compensação pelo trabalho prestado nesses dias. (respostas aos pontos 23º e 24º da base instrutória)
27. A Autora entre 21 de Abril de 1982 e o fim do ano de 1992, nunca gozou os dias de feriado obrigatório, nem recebeu qualquer compensação pelo trabalho prestado nesses dias. (respostas aos pontos 25º e 26º da base instrutória)
28. A Autora, entre 21 de Abril de 1982 e o fim do ano de 1992, nunca gozou qualquer dia de descanso anual, nem recebeu qualquer compensação pelo trabalho prestado nesses dias. (respostas aos pontos 27º e 28º da base instrutória)
29. Em meados de Outubro de 1988, a autora requereu licença de maternidade por ordem da ré. (respostas aos pontos 30º e 31º da base instrutória)
30. A autora foi autorizada a gozar licença de maternidade. (resposta ao ponto 32º da base instrutória)
31. A autora não foi trabalhar em virtude do parto num período não concretamente apurado e que a ré nesse período não lhe pagou qualquer salário. (respostas aos pontos 33º e 34º da base instrutória)
  32. Este foi o segundo parto da autora. (resposta ao ponto 35º da base instrutória)
  33. Em meados de Dezembro de 1991, a autora requereu licença de maternidade por ordem da ré. (respostas aos pontos 36º e 37º da base instrutória)
  34. A autora foi autorizada a gozar licença de maternidade. (resposta ao ponto 38º da base instrutória)
  35. A autora não foi trabalhar em virtude do parto num período não concretamente apurado e que a ré nesse período não lhe pagou qualquer salário. (respostas aos pontos 39º e 40º da base instrutória)
  36. Este foi o terceiro parto da autora. (resposta ao ponto 41º da base instrutória)
  37. A autora cessou a relação laboral com a ré no final do ano de 1992. (resposta ao ponto 43º da base instrutória).
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III- O Direito
1- Recurso do despacho saneador
O despacho saneador considerou estarem prescritos os créditos resultantes da violação ao direito ao descanso anual no ano de 1984 e 1985 e os referentes à violação do direito ao descanso semanal e feriados obrigatórios vencidos antes de 12/12/1986. A autora, porém, considera que nenhum estaria prescrito, pois que o prazo de prescrição só se iniciaria a partir da cessação da relação laboral, face à aplicação analógica do art. 318º, nº1, al. e), do Cod . Civil
Conheçamos, então, da prescrição.
Acompanhamos, por comodidade e economia de meios, o acórdão deste TSI de 11/06/2009, no Proc. 78/2009, por corresponder à jurisprudência que vem sendo seguida de modo constante. “(…) Importa não esquecer que os créditos não são os salários, mas sim as compensações por direitos não gozados. E esses direitos não são prestações renováveis, pela razão simples, desde logo, que não se chegaram a verificar. E mesmo em relação aos salários dos trabalhadores, a prestação de trabalho não se coaduna com a natureza de uma qualquer prestação renovável, antes se traduzindo na contrapartida de um serviço prestado durante um certo período, sob direcção e instruções da entidade empregadora, correspondendo cada salário a um trabalho próprio, não se podendo dizer que o salário seguinte é a renovação do anterior. Ainda, a não consideração de um prazo curto de prescrição insere-se num entendimento que leva a considerar que a relação de proximidade existente pode condicionar o exercício do direito pela parte do trabalhador, pelo que deve ele mostrar-se protegido, como acontecia anteriormente para o serviço doméstico e agora para as relações de trabalho em geral.
(…) Estabelece o art. 306º do Código Civil de 1966 que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse prazo se inicia o prazo da prescrição”. Não está prevista, de modo expresso, entre as causas bilaterais de suspensão reguladas no art. 318º do Código Civil de 1966, a situação que agora nos ocupa e relativa a créditos emergentes de relação de trabalho não-doméstico. Com efeito, o Código Civil de 1966, prevendo embora a figura do contrato de trabalho, relegou para legislação especial a sua regulamentação – cfr. art. 1152º e 1153º do Código Civil de 1966. O art. 318º do Código Civil de 1966, regulando sobre as causas bilaterais da prescrição, determina, entre o mais que agora não releva, que a prescrição não começa nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (al. e) do art. 318º do Código Civil). (…) Por aplicação da regra geral, dir-se-á que o prazo de prescrição em relação a cada um dos créditos aqui reclamados iniciou o seu curso com o respectivo vencimento, uma vez que, a partir daí a parte Autora passou a estar em condições de exercer os seus direitos. Assim, em relação aos créditos vencidos relativos ao período situado entre o início e o dia correspondente a vinte anos antes da tentativa de conciliação ou da respectiva notificação ter-se-á verificado a prescrição. (…) Não há lacuna na presente situação. A lacuna, como diz o Prof. Oliveira Ascensão, é uma fatalidade, uma 2 incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste2. Fatalidade que vai ao ponto de se negar a sua própria existência, porquanto no ordenamento jurídico não pode haver verdadeiras lacunas, enquanto ausência de solução jurídica para o caso omisso.3 Só perscrutando, interpretando e valorando o ordenamento podemos dizer se há ou não uma lacuna. Ora, na obediência daquelas tarefas, logo se divisa uma norma genérica que abarca a situação em apreço, norma essa que decorre do disposto no artigo 306º, n.º 1 do CC66 - aplicável ao tempo da relação laboral invocada -, complementada pelo art. 307º que estipula para os casos de rendas perpétuas ou vitalícias ou para os casos de prestações análogas, em que a prescrição do direito do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga. (…). Há uma regra relativa ao início da prescrição e as situações em que o legislador quis que o prazo se suspendesse, tendo a preocupação de elencar, entre milhentas situações possíveis, apenas umas tantas e, no que respeita às causas bilaterais da suspensão, somente uma meia dúzia de casos. Pretendeu o legislador que essa previsão fosse meramente exemplificativa? Seguramente que não. A letra e o espírito da norma, afastam essa possibilidade. As situações causas de suspensão da prescrição, são demasiado concretas, específicas e particulares para comportarem essa natureza. No que ao trabalho doméstico respeita é particularíssima essa previsão, não podendo o legislador ignorar que a par desse tipo de relação de trabalho existiam todas as restantes relações laborais, não fazendo sentido que teleologicamente pretendesse abranger todas as relações laborais a partir daquela particularização. Se o legislador excepcionou para o serviço doméstico uma causa de suspensão de prescrição, a interpretação analógica está vedada em relação às normas excepcionais - art. 11º do CC66 e 10º do CC99. (…) E em termos de interpretação, ainda que o princípio não seja absoluto, estamos em crer que vale aqui o brocardo ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit. Nem por razões teleológicas se aceita uma interpretação extensiva como se pretende. São por demasiado evidentes todas as razões que podiam justificar uma protecção do trabalhador por via desse instituto, dadas as particulares relações, teias, dependências, receios, anseios, instabilidades que se criam nas relações laborais, que nem vale a pena desenvolver por demais o tema, aliás, bem focalizado na decisão recorrida. Mas são igualmente diferentes e visíveis as diferenças entre a relação laboral comum e o serviço doméstico. Este, a merecer um tratamento autónomo em Macau e no direito Comparado e apartar-se daquele. Ora são essas razões de diferença que fazem perceber a opção do legislador e tanto basta para afastar uma razão teleológica de aplicação da causa de suspensão da prescrição estabelecida para o serviço doméstico em relação a todas as relações laborais. Afigura-se não se estar perante uma situação não prevista nem regulada, não sendo legítimo ao aplicador da lei substituir-se ao legislador no aperfeiçoamento e melhoria do sistema laboral e protecção do trabalhador. Admite-se que possa haver alguma limitação na liberdade e na vontade do trabalhador, mas importa não esquecer que todas as situações que o legislador contemplou contêm sempre alguma razão que pode justificar a sua inércia e passividade. E dessa constatação será legítimo extrapolar para se considerar suspensa a prescrição quando se suspeite dessa inibição? Afigura-se que essa há-de ser uma opção do legislador. Nesta conformidade, sem necessidade de outros desenvolvimentos somos a julgar parcialmente procedente o recurso interposto e a considerar, um prazo normal de prescrição de 20 anos, a iniciar-se com o vencimento de cada uma das prestações em dívida...”.
Cremos que a transcrição daquele segmento do acórdão serve para iluminar, sem mais acrescentos, a solução a dar ao caso (vide ainda o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007). E sobre o dies a quo da contagem do prazo diz-se no Ac. do TSI de 31 de Março de 2011, Proc. 780/2007:
“Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende o recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 311º, al. c), do C.C. vigente, segundo o qual “a prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos decorridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
Ora, em primeiro lugar, desta última disposição não decorre que o prazo apenas se inicia com o termo da relação laboral. Ao dizer no seu proémio que “a prescrição não se completa” está a partir de um pressuposto, que é o de haver um prazo já iniciado, o qual não terminará senão ao fim de um período de dois anos após o termo do contrato de trabalho. Trata-se, em suma, de uma disposição que estabelece uma suspensão do prazo prescricional e não um diferimento do “dies a quo”.
Em segundo lugar, na medida em que ela traz à luz do dia uma estatuição até então inexistente, a ideia de uma novação parece sair reforçada. Quis o legislador tomar posição expressa pela primeira vez sobre o assunto, não sendo legítimo inferir que essa sempre fora a sua intenção implícita contida na legislação anterior.
Mas regressemos ao art. 318º do C.C. de 1966. Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
Quer isto dizer que por aplicação do prazo de prescrição de vinte anos (Código Civil de 1966), só se mostrariam prescritos os créditos anteriores a 12/01/1987 ( e não 12/12/86, como por lapso o referiu o despacho saneador), face à data em que ocorreu a citação para a contestação (12/01/2007).
Improcede, pois, o recurso do saneador interposto pela autora, sem prejuízo, no entanto, da correcção que se haverá de fazer no tocante às datas limite de que a sentença se serviu, face à conclusão que acabámos de extrair sobre a data a considerar para o efeito.
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2- Recursos da sentença
2.1- Foram dois os recursos interpostos contra a sentença. Comecemos pelo da STDM.
Defende a recorrente STDM que a sentença seria nula quanto aos factos dados como apurados, por não se ter demonstrado que o trabalhador esteve impedido (e só nessa circunstância haveria ilícito) de gozar os dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios ou sequer que nunca os tenha gozado.
A nosso ver, não tem razão. Com efeito, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Quanto ao impedimento invocado, algo mais adiante diremos.
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Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
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Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Diferente se nos afigura já a questão do erro na apreciação da prova. A solução antevê-se, porém, fácil.
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º, n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa numa convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível controlar.
Portanto, à falta de melhores elementos, não se pode dar razão à recorrente sobre este ponto.

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2.2- Da natureza do vínculo e da composição do salário

Nas conclusões seguintes, o recorrente insurge-se contra a indemnização fixada, em especial contra a fórmula de cálculo fixada na sentença. Todavia, para apuramento de um dos factores que integram a fórmula importa que afirmemos previamente a natureza do contrato e o valor do salário em causa.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida em 1988 como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
*
2.3- E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
*
3- Depois, ambos os recorrentes se insurgem conta os valores indemnizatórios atribuídos, discordam da fórmula de cálculo utilizada na sentença recorrida. Apreciaremos, portanto, esta matéria em conjunto.

Como calcular a compensação?
Como o contrato atravessou a vigência dos DL n.s 101/84/M e 24/89/M, o apuramento dos valores compensatórios tem que obedecer a ambos os diplomas, consoante o período a que respeite o trabalho nos dias de descanso, sem esquecer, porém, que alguns deles estão prescritos, como atrás foi julgado.

Vamos por partes. Assim:

a) Descanso semanal

Na vigência do DL n. 101/84/M

A sentença utilizou a fórmula AxBx1 (em que A são os dias de descanso vencidos e não gozados; B é o salário médio diário e 1, o factor correspondente à compensação).

Pois bem. Em cada sete dias de trabalho, o trabalhador tinha direito a gozar um período de descanso de 24 horas consecutivas (art. 17º, n.1, cit. dip.). E se, em vez de o gozar, o trabalhador prestasse trabalho, tinha ele direito a gozar um outro dia de descanso compensatório dentro dos 30 dias seguintes (art. 17º, n. 4). Como proceder, então, nos casos em que o trabalhador prestasse também serviço no dia que deveria ser destinado ao descanso compensatório? Substituindo esse dia de compensação não gozado por um ou por dois dias de salário?

O recorrente trabalhador defende que deverá ser por dois; a recorrente empregadora, STDM, por nenhum. Aquele, pelo facto de considerar ter trabalhado nos dias que eram dedicados ao descanso, tanto no descanso originário, digamos assim, como no substitutivo. Esta, por defender que o trabalhador só teria direito a compensação se não tivesse sido pago pelo trabalho prestado nesse dia. Mas nenhum tem razão.

Com efeito, quando o trabalhador não exerce o seu direito ao descanso no dia devido, a forma que a lei estabelece para o compensar é através da concessão de um novo dia de descanso, que será gozado dentro dos 30 dias posteriores (art. 17º, n.4).

Ora, note-se que no caso dos autos só o primitivo dia de descanso não foi compensado; mas o serviço nele prestado foi pago. Por isso, teria o trabalhador direito a transferir o descanso para outro dia. Mas, se até mesmo esse dia substitutivo tiver sido dia de trabalho, como aconteceu, quando devia ser de descanso? Como proceder?

Dois caminhos se nos afiguram possíveis e qualquer deles conduzirá ao mesmo resultado.
Não esqueçamos que o trabalhador recebeu sempre uma unidade salarial nos dias de trabalho fornecido ao empregador. Pergunta-se, então:

- O trabalhador foi pago pelo valor pecuniário que lhe era devido legalmente? Quer dizer, recebeu aquilo que sempre teria que receber mesmo sem trabalhar?
– Ou apenas foi pago pelo serviço efectivamente prestado?

Analisemos cada uma destas perspectivas (de ora em diante, por comodidade e facilidade, falaremos somente em devido, para nos referirmos ao direito pecuniário correspondente aos dias de descanso semanal anual e feriados; e falaremos em prestado, para aludirmos ao valor pecuniário correspondente ao trabalho efectivamente prestado nesses dias).

1ª Comecemos pela primeira (pagamento do devido).

Em cada dia de descanso que devia ter gozado – mas que não gozou – a STDM pagou ao trabalhador o valor salarial a que ele teria direito. E então diz-se: o patrão pagou ao empregado o dia de descanso. Nada a esse título lhe deve mais. Mas, nessa hipótese, a questão que imediatamente se põe é se, a par do valor que recebeu pelo dia de descanso, o facto de ele ter trabalhado nesse dia também deve ser remunerado.

A resposta a esta pergunta envolve um breve estudo do regime instituído pelo DL 101/84.

O legislador quis que o trabalhador que prestasse serviço nesses dias de descanso haveria de ser compensado com outro dia de descanso a gozar dentro dos 30 dias seguintes ao da prestação do trabalho. É o que diz o art. 17º, n.4 do diploma. Esta circunstância, aliada à letra do n. 5 imediato 1tolerará a interpretação que este dia de trabalho efectivo não deve ser pago? Não nos parece. Efectivamente, se todo o dia de descanso tem um valor pecuniário (tanto é assim que para o diploma “…o salário mensal… inclui o valor do salário dos períodos de descanso semanal…, não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos “(art. 28º, n.1), por maioria de razão valor pecuniário deverá ter o dia de descanso em que o trabalhador gerou riqueza ao seu empregador. Não pensar desta maneira equivaleria a admitir que o empregador, com o beneplácito do legislador, pudesse sem causa (diríamos mesmo, ilegitimamente) enriquecer à custa do trabalhador. Trabalhar de graça em tal circunstância é contra o espírito do texto legal, todo ele geneticamente criado em defesa do trabalhador . Basta ler os artigos iniciais do decreto-lei para se concluir que assim é, em particular para os artigos 5º, n.2 e 6º , onde expressamente se preceitua o modo mais favorável de interpretar o diploma.

Perguntamos, por fim, agora: Terá o artigo 17º, n.5 força suficiente para destruir toda esta construção? Não. Admiti-lo seria ir outra vez contra o sentido da lei, toda ela impregnada de regras e princípios favoráveis ao trabalhador. Admiti-lo seria ver na expressão “prestar serviço voluntário” o mesmo que “prestar serviço gratuito”. Ora, para nós, trabalhar voluntariamente não quer senão dizer trabalhar livremente, não forçadamente.
Não se pode ver na lei um efeito negativo tão grande à esfera do livre prestador, ao ponto de se lhe retirar o direito ao recebimento do valor pecuniário pelo serviço prestado. Isso contradiz as regras de boa hermenêutica. Aliás, para nós, a expressão em causa ainda tem outro sentido.
Ao exprimir-se desse modo, o que o legislador terá querido estabelecer foi que esse direito ao descanso não é irrenunciável. O trabalhador pode trabalhar nesses dias, mas sem a isso ser obrigado (o que até está de acordo com a redacção da parte final do n. 5). Nada mais. Não podemos, portanto, ver na norma aquilo que ela, claramente, na sua letra não diz (art. 8º, n.s 2 e 3, do Cod. Civil).

Repare-se na injustiça que seria admitir que um trabalhador pudesse trabalhar sem contrapartida pecuniária: O trabalhador A Fong não vai trabalhar no dia de descanso. Como o empregador não pode descontar-lhe esse dia (ver artigo 28º, n.1), A Fong leva para casa no final do mês o salário completo. O colega de serviço A Tim vai trabalhar nesse dia e ao fim do mês leva para casa o mesmo salário. Ora, o legislador não pode ter querido alguma vez admitir uma tão monstruosa desigualdade na própria criação do direito.
Não ignoramos que possa haver, a coberto do art. 23º, n.1, quem infira coisa diferente da que nós inferimos. De acordo com a sua leitura, aquele normativo só permitiria o pagamento (“sem perda de salário”) dos dias de descanso anual. A expressão “para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios” não teria outro efeito senão fazer a devida demarcação em relação a estes dias de não trabalho, os quais, sendo direitos dos trabalhadores expressamente consignados, não teriam o mesmo tratamento ao nível remuneratório. Todavia, esta é uma interpretação ablativa que, em nossa opinião, vai precisamente contra o artigo 28º. Aliás, esse foi o lugar próprio do diploma onde, de maneira abrangente, o legislador quis cobrir toda a situação referente ao cálculo do salário, e onde expressamente se diz que os dias de descanso semanal, anual e feriados têm um valor (“valor dos salários dos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios…”) que não pode sofrer qualquer dedução.
Esta questão foi, aliás, objecto de discussão no Conselho Permanente de Concertação Social aquando da alteração deste diploma, com vista à obtenção de consensos sobre aquele que viria a ser o DL 24/89/M. E se quisermos tirar conclusões seguras sobre o assunto, temos que admitir que:

a) Os empregadores não vinham pagando os dias de descanso semanal, pois faziam da lei uma “aplicação de modo elástico” (sic). Era uma prática habitual, ao que parece, mas contrária à lei.

b) O governo de então entendia expressamente que nenhuma alteração se justificava sobre essa matéria porque o dever do pagamento do descanso semanal “…resulta da lei”. Assim, ou a redacção transitava como estava nesse diploma para o novo ou, a eliminar-se do n.2 do art. 28º a expressão “descanso semanal”, haveria que fazer incluir no art. 17º a expressão “sem perda de salário”. Quer dizer, para o representante do legislador, não podia haver qualquer dúvida de que estes dias tinham que ser pagos, tal como estava definido no DL 101/84/M, e tal como haveria de ficar previsto no diploma que a este sucedesse. Porque, “o governo não tem intenção de alterar estas normas, a menos que tal resulte das reuniões”. E a verdade é que não alterou mesmo!

c) Algumas dúvidas mais sérias havia sobre o pagamento dos dias de descanso semanal em relação aos trabalhadores que auferiam “à peça”ou “ao dia”, mas não já em relação aos trabalhadores que auferiam “salário mensal”.
Portanto, a interpretação autêntica, feita a partir da fonte normativa, não deixa margem para dúvidas.

Assim, somos a entender que nesta perspectiva o empregador teria que pagar, além do devido já pago, o trabalho prestado.

Quer isto dizer, em suma, que, na perspectiva equacionada, se o trabalhador foi pago pelo devido, ainda tem a haver o prestado: 1 (um) dia de salário por cada dia de serviço prestado nesses dias. Um dia de salário, porque a lei não prevê expressamente diferente forma de remunerar o trabalhador nesses dias, senão através do art. 28º, n.1, o modo de remunerar: sendo o salário mensal, o cálculo do valor do salário de cada um dos períodos de descanso e dos feriados corresponderá à fracção percentual de todo o período. Logo, um trigésimo. A fórmula é, pois, salário x 1.

2ª Avancemos para a segunda perspectiva (pagamento do prestado).

Nesta hipótese, o empregador pagou ao trabalhador o serviço realizado em cada um desses dias de descanso. Ou seja, remunerou o trabalho prestado. Quid iuris quanto ao devido?

Nesta perspectiva, ainda mais consensual do que a primeira, o empregador não tem como fugir da responsabilidade do pagamento. Neste caso, o referido artigo 28º não permite outra leitura que não seja a de que o empregador tem que pagar o que descontou, isto é, o que não pagou.

Logo, também nesta acepção, a forma de compensar o trabalhador será através do pagamento de 1 (um) dia de salário correspondente a cada dia de descanso não gozado e não pago.

Por tal motivo, em qualquer das perspectivas, a fórmula correcta é: salário médio diário x1.
E, portanto, a sentença não merece censura nesta parte, porque respeitou a lei ao multiplicar os dias de descanso não gozados (A) pelo valor do salário médio (B), vezes o factor 1. A única diferença consiste na eliminação dos dois dias de 1986 e na redução para 50 dos dias de 1987 no mapa de fls. 18 da sentença, face à decisão supra sobre a prescrição a considerar.
O valor a atender será, portanto, Mop$ 27.435,85.

*
Na vigência do DL n. 24/89/M

Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).

N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda:

N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.

Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro,
tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).

Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1).

Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.

Assim, nesta parte a sentença tem que ser confirmada ao atribuir a indemnização no valor de Mop$ 60.088,86.

*
b) Feriados obrigatórios

b).1 - Na vigência do DL n. 101/84/M

- Feriados remunerados

A sentença nada atribuiu neste capítulo. A autora defende que tem direito a um dia de salário compensatório e a STDM entende que nada lhe deve a este título.
Vejamos.

Nos feriados obrigatórios os trabalhadores permanentes devem ser
dispensados da prestação do trabalho (n. 2 do art. 20º) e têm direito à
retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de
Outubro (n.3, do cit. artigo). Estes são os feriados pagos (ou pagáveis).

Portanto, gozando-os, isto é, mesmo sem prestação de trabalho, os
trabalhadores deverão ser remunerados de acordo com a retribuição normal (são dispensados da prestação de trabalho sem perda de
remuneração).

Supôs o legislador que não haveria problemas quanto aos feriados e que, ao menos nesses dias, haveria efectivo descanso. E tanto assim é que abriu as excepções do art. 21º, ao estabelecer que o trabalho só poderia ser prestado nesses dias de feriado obrigatório nos três casos previstos nas três alíneas do n.1.

Mas, e se for realmente prestado trabalho nesses dias de feriado obrigatório remunerado?

Responde o n. 2 do art. 21º : os trabalhadores só receberão acréscimo de salário, em valor não inferior a 50% da remuneração normal, se o serviço for indispensável ao empregador de forma a fazer face a acréscimo de trabalho não previsível.

A estatuição do art. 21º é razoavelmente harmonizável com o disposto no n. 3 do artigo precedente. Quer dizer, nos feriados não gozados nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro (que sempre seriam pagos), o trabalhador receberá acréscimo de salário em função do acréscimo de trabalho mas só na situação prevista na al. b), do n.1.

Nas restantes situações (als. a) e c)), - por exemplo, no caso em que a
prestação de trabalho é necessária para garantir a continuidade do
funcionamento da empresa, de acordo com os usos e costumes, como é a
situação dos “croupiers” dos casinos, que laboram em regime de
continuidade -, pergunta-se: esse trabalho deverá ser remunerado?

Duas propostas de solução:

1ª Proposta: Não. Esse trabalho não será extraordinariamente compensado, porque o legislador não previu tal. Nesta hipótese de trabalho, haveria que
reconhecer: Pode não se concordar grandemente com a solução, mas foi a
que o legislador quis consagrar. A fórmula seria, pois: salário diário x 0.

2ª Proposta: Sim. Se o legislador foi imperativo ao prescrever que o empregador não pode efectuar descontos nos dias de feriado obrigatório (art. 28º, n.1), está aí a ideia de que o número 2 do art. 21º só tem sentido para os casos de acréscimo de salário. Portanto, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço, sempre teria direito a receber a “retribuição correspondente”, então é forçoso pensar que, no caso de ele ir realmente prestar o serviço, a contrapartida do empregador terá que ser remuneratória.
Solução adoptada: A melhor saída para a dúvida (dúvida legítima, perante um diploma confuso, pouco coerente, algo pantanoso) reside no acolhimento da segunda proposta de solução.

Não se pensar assim, equivaleria a ver frustrado o escopo do número do artigo 28º e, tal como acima concluíramos para o serviço prestado em dia de descanso semanal, corresponderia a um enriquecimento (injustificado) do empregador, que de modo nenhum o legislador alguma vez terá querido consagrar à custa do trabalhador. Nesta acepção, portanto, o trabalhador teria sempre que receber o valor da “retribuição correspondente”(art. 20º, n.3), ou seja, o devido, e ainda o valor do trabalho realizado nesse dia - que deveria ter sido de descanso - ou seja, o valor do correspondente trabalho prestado.

Se assim for, fácil se torna concluir o modo de compensar o trabalhador: se ele recebeu o devido, falta-lhe receber o prestado; e se recebeu o valor do trabalho prestado, falta-lhe receber o valor do devido.
Em qualquer dos casos, a fórmula é a mesma: salário diário x 1.
Assim, a indemnização a arbitrar é no valor de Mop $ 3.293,10 (considerando que estão prescritos os créditos anteriores a 12/01/87).
-
-Feriados não remunerados

Problema maior é quanto aos feriados do Ano novo chinês, 10 de Junho, Chong Chao (Dia do Bolo Lunar) e Chong Yeong (Dia dos antepassados).
Estes são feriados não remunerados: o trabalhador tem direito ao seu gozo, mas, gozando-os, nada aufere. Aceita-se o modelo, embora com dificuldade, porque é assim que a lei real e expressamente prescreve. Portanto, o trabalhador pode permanecer em casa, mas perde a remuneração. Neste ponto, tem que interpretar-se a norma do art. 28º, n.1, na parte referente aos feriados, como se reportando aos feriados remunerados somente. Nos restantes, o empregador pode efectuar o desconto, isto é, tem a faculdade de não pagar o feriado gozado.

Como é evidente, se o trabalhador for prestar o serviço nesse dia, terá que
auferir a remuneração correspondente. E como remunerá-lo, então? Nas situações previstas na alínea b) do art. 21º, ela será obtida através da aplicação do factor 1,5, face ao disposto no número 2 do artigo (um dia correspondente ao trabalho prestado no dia, acrescido de metade). Nos restantes casos, valerão as considerações acima expostas para a remuneração dos dias de descanso semanal. O trabalhador terá que receber o salário de 1 (um) dia.

No caso concreto, contudo, não haverá lugar a pagamento desses dias que
foram dias de efectivo trabalho por o trabalhador ter recebido a respectiva
remuneração.
*
b). 2- Na vigência do DL n. 24/89/M

- Feriados remunerados

Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados
remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é
feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.

Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao
dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior?
Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser
superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.

Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.

1ª Perspectiva (pagamento do devido)

O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).

Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.

2ª Perspectiva (pagamento do prestado)

Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.

Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário, tal como o defende a autora recorrente, e não 1 (um), conforme decidiu a sentença.

Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, o que equivale a Mop$ 9.585,66.
-
Feriados não remunerados

Nesta matéria rege o art. 20º, n. 2: haverá acréscimo de salário em 50% no mínimo, mas só nos casos em que, ao abrigo da alínea b) do n. 1 precedente, o serviço for prestado para fazer face ao acréscimo de trabalho não previsível.
O factor a aplicar será 1,5 (o salário de um dia correspondente ao trabalho prestado no dia, acrescido de metade).

Nos restantes casos das alíneas a) e c), valerão as considerações acima expostas para a remuneração dos dias de descanso semanal. Ou seja, trabalhador terá que receber o salário de 1 (um) dia.
A sentença, porém, nada fixará se o dia de trabalho tiver sido remunerado,
isto é, se por ele já o trabalhador tiver recebido o valor correspondente, como foi o caso.
*
c) Descanso anual

c)1- Na vigência do DL n. 101/84/M

O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.

O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:

”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não
tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.

A sentença estabeleceu que a lei nada prevê para a compensação do trabalho prestado nestes dias e que esta disposição só é válida para as relações que terminem dentro do período de vigência do diploma em apreço. E porque a relação deste trabalhador terminou sob o império do DL 24/89/M, o trabalhador não teria direito a qualquer compensação.

Não concordamos. Efectivamente, esta interpretação, de tão restritiva, equivaleria, se bem a entendemos, a concluir que o valor daqueles seis dias de salário só seriam pagos no momento da cessação da relação de trabalho e se o trabalhador ainda não tivesse gozado o respectivo período de descanso anual. Mas não é assim. Julgamos que a norma tem em vista estabelecer o modo como há-de o trabalhador ser retribuído do “respectivo período de descanso anual”, que não chegou a gozar até ao momento em que terminou a relação laboral. A lei diz por outras palavras o seguinte: o trabalhador recebe em dinheiro (no montante salarial) o valor de todos esses dias.

Mas não diz que o trabalhador perca o direito à compensação pelo trabalho prestado nesses dias em anos anteriores ao período a que se refere o número 2.

Portanto, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.

1ª Perspectiva (pagamento do devido):

Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.

Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.

2ª Perspectiva (pagamento do prestado):

Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1.

Andou mal, pois, com o devido respeito, a sentença recorrida (A sentença
decidiu que o trabalhador não tem direito a receber nenhuma importância). A recorrente tem, efectivamente, direito a receber a quantia de Mop$ 3.293,10 (já considerando a prescrição dos créditos anteriores a 12/01/1987).
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c) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M

São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a
duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.

No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar“ (bold nosso).

O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.

Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?

A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.

Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1 (na linha do defendido pela STDM), o que, aplicada, corresponde ao valor indemnizatório de Mop$ 3.477,52.

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d) Licença de maternidade

A recorrente/autora não impugnou a fixação do valor indemnizatório a este título (Mop$ 4.940,30), com o que mostrou conformar-se com ela. O mesmo, porém, não sucedeu com a STDM que, embora aceitando pagar os dias atribuídos na sentença por cada parto (35), discorda do valor indemnizatório de cada um: para si, atendível será o montante diário de Mop$ 4,10 quanto ao filho nascido em 1989, e nenhum quanto ao 2º filho nascido em 1992, por não ter sido apurado o montante do rendimento auferido pela autora durante esse ano.
Parece claro que o raciocínio da recorrente STDM peca por incongruência. Na verdade, se para si o valor indemnizatório por cada um dos dias de licença por maternidade tinha que ser reportado ao salário que considerava devido (sem gorjetas), então ao encontrar o valor de 4,10 patacas quanto ao primeiro nascimento, facilmente encontraria o valor a considerar relativamente ao segundo, já que, como se mostra provado na alínea D) da matéria assente, o salário diário neste segundo momento era de HK$ 10,00.
Mas, enfim, esta questão só se mostra irrelevante porque a interessada trabalhadora não impugnou a sentença nesta parte. De modo que só está por resolver o litígio concernente ao valor a ter em conta relativamente ao 1º parto: se o da sentença (que valorou cada um dos dias em função do rendimento diário da trabalhadora, tal como procedeu para o cálculo da indemnização pelo trabalho em dias de descanso não gozados), ou se o da recorrente STDM (que considera apenas o valor diário da remuneração, sem inclusão das gorjetas).
Mas, como por demais é óbvio, a sentença está certa neste ponto. Se nada há que distinga as duas situações indemnizatórias, na medida em que a base de cálculo terá que ser a mesma, então o rendimento perdido nesses dias terá que ser aquele que foi considerado na sentença. Eis porque sem mais considerandos, se tem que concluir que a STDM não tem razão.
*
Em resumo, o valor global a atribuir, resultante da adição das parcelas 27.439,85, 60.088,86, 3.293,10, 3.477,52, 3.293,10, 9.585,66, perfaz a soma de Mop$ 136.848,09.
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e) Juros
Defende o trabalhador recorrente que os juros se devem vencer desde as datas de vencimento dos créditos respectivos, enquanto a sentença considerou que se devem contar a partir do seu trânsito.

Vejamos.

Não tendo o pagamento sido feito em tempo, considera-se que o empregador se constituiu em mora, ficando a partir desse momento obrigado a reparar os danos causados ao trabalhador-credor (art. 793º do C.C.).

O art. 794º do Cod. Civil estabelece, por seu turno, o momento da constituição em mora, apresentando como regra geral o da interpelação judicial ou extrajudicial para o respectivo cumprimento feita pelo credor (n. 1), ao mesmo tempo que estabelece excepções (n.2). Contudo, para os casos em que o crédito é ilíquido2 no momento em que é reclamado judicialmente – como sucede nos autos – a mora só existe a partir do momento em que ele se torna líquido (n.3), o que, em regra, sucederá com a sentença da 1ª instância pois é nesse instante que o direito fica materialmente definido e revelada toda a sua dimensão.
Só que a definição do direito pode não ter ainda um carácter definitivo, atendendo ao facto de poder haver recurso jurisdicional da sentença. Portanto, o trânsito da sentença é crucial, na medida em que estabiliza o julgado. Mas também aqui há que distinguir entre duas situações, conforme a decisão do recurso confirma ou não a sentença recorrida. Se a confirmação é total, a liquidez definida na 1ª instância mantém-se e, então, entende-se que a mora se reporta à data da sentença. Se a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do direito (leia-se, do crédito), então a mora começa a contar-se somente a partir da data desta.

Esta tem sido a posição deste TSI (v.g., Acs. de 22/06/2006, Proc. n. 14/06 e de 12/03/2009, Proc. n. 683/2007), recentemente confirmada em acórdão do TUI tirado em sede de uniformização de jurisprudência (Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010)
***

IV- Decidindo

Face ao que vem de ser dito, acordam em:
1- Negar provimento ao recurso interposto pela recorrente/autora do despacho saneador;
Custas pela recorrente.

2- Conceder parcial provimento aos recursos interpostos da sentença pela STDM e pela então autora e, em consequência, confirmar e revogar a sentença nos termos acima expostos e, por via disso, condenar a STDM a pagar a A a quantia de Mop$ 136.848,09, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.

Custas pelos recorrentes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

TSI, Macau, 07 de Julho de 2011.


(Relator)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Choi Mou Pan

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong (com declaração de voto)

Processo nº 49/2008
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 07JUL2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Segundo o qual “ A observância do direito consagrado no nº1 não prejudica a faculdade do trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado”
2 2 A obrigação diz-se ilíquida quando, apesar de existência certa, o seu montante não está ainda apurado (Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed., pag. 113).

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