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 Processo n.º 649/2006
  (Recurso Contencioso)
   
  Data: 21/Julho/2011


Assuntos:

- Processo disciplinar;
- Audição do arguido em fase de inquérito; direito de defesa

SUMÁRIO :
    1. No processo disciplinar, nomeadamente na fase de instrução há diligências que são obrigatoriamente impostas por lei, como é o caso da audição do arguido (art.º 329º, n.º 3), já que é ele o protagonista principal do procedimento, aquele sobre quem recai a responsabilidade pela prática do facto ou factos, razão pela qual há todo o interesse em ouvir a sua verdade.
    2. A audição do arguido numa primeira fase do processo disciplinar configura-se assim como uma garantia do seu direito de defesa, que no caso de não se observar, não deixará de inquinar fatalmente todo o procedimento.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira



Processo n.º 649/2006
(Recurso Contencioso)

Data : 21 de Julho de 2011

Recorrente: A

Recorrido: Secretário para a Segurança
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, casado, Chefe de Primeira n.º XXXXXX do Corpo de Bombeiros, devidamente identificado nos autos, vem impugnar o despacho de 7/11/06 do Exmo Senhor Secretário para a Segurança que, em sede disciplinar, o puniu com a pena de 150 dias de suspensão, assacando-lhe afronta dos artigos 338°, n.° 3 ETAPM e 114°, n.º 1 e 115°, n.º 1, 1ª parte do CPA, invocando, para o efeito, vícios reportados ao acto propriamente dito (caso da assacada falta de fundamentação e inconformismo quanto à dosimetria disciplinar usada), e a cada um dos processos disciplinares que foram apensados.
Para tanto alega, fundamentalmente e em síntese:
    O despacho recorrido é, nos termos legais, contenciosamente recorrível para o Venerando Tribunal de Segunda Instância e o presente recurso tempestivo é fundado em interesse legítimo.
    Não existe prova nos autos que possa alicerçar a conclusão de que o recorrente haja tido qualquer influência no facto de a sua mulher ter dirigido cartas a várias entidades, superiores hierárquicos do recorrente, denunciando factos de que o recorrente estava a ser vítima no serviço.
    Os elementos probatórios em que se funda tal imputação passam pelas declarações prestadas nos autos pelo recorrente e por sua mulher, as quais não oferecem qualquer base de sustentação de tal conclusão.
    O acto recorrido padece de nulidade idêntica à da acusação, visto que não reflectiu qualquer circunstância que tenha permitido ajuizar as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que o recorrente, através da sua mulher, haja escrito tais cartas.
    O recorrente nunca foi ouvido como arguido no processo relativamente às cartas escritas pela sua mulher.
    Desconhece os factos concretos descritos nas cartas que a entidade recorrida entendeu que não correspondem à verdade e consubstanciam os elementos típicos das infracções disciplinares por que foi condenado.
    Quer no acto recorrido quer na acusação não consta a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes da infracção, nomeadamente, a indicação das datas, modo e lugares da/s infracção/ões cometida/s.
    Desse facto resulta a nulidade do acto por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental.
    A nulidade da acusação foi arguida e solicitada a sua declaração pelo recorrente, sem que quer o instrutor quer a entidade recorrida se tenham pronunciado sobre ela.
    Tal omissão de pronúncia faz incorrer o acto recorrido, uma vez mais, na violação de lei.
    Não há nos autos prova de que o ora recorrente tenha infringido os deveres gerais de obediência, de correcção e de aprumo.
    Nunca praticou qualquer facto demonstrativo de incumprimento dos deveres que a lei impõe ou omissão da prevenção da violação da mesma.
    Não incumpriu as leis, regulamentos e instruções relativas ao serviço nem mostrou falta de moderação na linguagem.
    A acusação, bem como o acto recorrido, não descreveram qualquer facto demonstrativo de que o recorrente não adoptou procedimentos justos e ponderados, linguagem correcta e atitudes firmes e serenas.
    Não praticou acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro das FSM.
    O recorrente deu, em tempo oportuno, o devido andamento às solicitações, pretensões e reclamações que lhe foram apresentadas, informando-as, quando necessário, com vista à solução justa que devam merecer.
    No caso de incêndio ocorrido no dia 12/10/04, o recorrente informou de imediato, de forma pronta e com toda a verdade, o seu superior directo, Chefe Principal XXX e o Chefe do Departamento Operacional das Ilhas, Chefe Principal XXX.
    O recorrente foi ferido, no acto de controlo da situação e foi transportado ao Hospital Conde S. Januário, havendo, após alta, elaborado de imediato o respectivo relatório, no qual constam todos os elementos necessários ao conhecimento da ocorrência.
    Tendo-lhe sido ordenado que elaborasse de novo um outro relatório mais pormenorizado, procedeu à elaboração de novo relatório, no qual constam todos os dados da ocorrência.
    De acordo com o juízo duma pessoa média, não é exigível que uma comunicação telefónica feita no local duma ocorrência de incêndio, homicídio e avaria de escada mecânica dos bombeiros, situação altamente complexa, seja perfeita e sem qualquer esquecimento.
    A comunicação feita no local depende da posição, tempo, ponto de vista em que o agente se encontrava, indispensável às informações oportunamente dirigidas.
    A conservação e manutenção das instalações, viaturas e todos os equipamentos da corporação é da competência da Divisão de Serviços e da unidade subordinada da mesma, Unidade de Reparações e Conservações.
    Não é da responsabilidade do recorrente a negligência ou falha da conservação e manutenção da escada mecânica colocada na viatura V.54 do Corpo de Bombeiros.
    De acordo com o relatório divulgado ao público pela referida comissão de investigação, não foi atingida uma conclusão clara no sentido da verificação de erro ou negligência, mas, antes, dados pareceres no sentido da necessidade de melhorar o serviço de combate aos incêndios em circunstâncias idênticas.
    Nessa medida, o recorrente não violou os deveres de zelo e de lealdade, porque já dera todas as informações necessárias, com a maior prontidão e veracidade, aos seus superiores hierárquicos.
    O recorrente também não foi ouvido como arguido neste processo referente ao mencionado incêndio, o que consubstancia, uma vez mais, a nulidade resultante da falta de audiência do arguido.
    Não praticou qualquer acto de desrespeito para com o seu colega, Chefe de Primeira XXX, antes o tratando com o respeito devido, por ser ele mais antigo na mesma categoria do recorrente.
    Houve um desentendimento entre o recorrente e o Chefe de Primeira XXX, em virtude de que o recorrente ter recebido uma ordem do Chefe Principal XXX para elaborar o relatório da Corrida do Grande Prémio e o mencionado Chefe de Primeira ter entendido que na competência para tal acto era sua.
     O recorrente não violou as disposições nos n.ºs 1 e 2, alínea c) do art. 11º do EMFSM.
    De acordo com o parecer da Junta de Saúde lançado no registo da inspecção feita ao recorrente, em sessão ordinária de 17/6/05, foi-lhe recomendada uma transferência para um ambiente de trabalho diferente.
    Mau grado com conhecimento desse facto, o superior hierárquico do recorrente não tomou qualquer medida no sentido da implementação do referido parecer.
     Não é punível o acto de almoçar do recorrente, antes de tomar um medicamento que lhe fora medicamente prescrito, porque é legal e compreensível, mal se compreendendo que tenha sido objecto de participação superior.
     Verifica-se, em consequência, no caso, uma circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, pois, porque é paciente do foro psiquiátrico, limitara-se a exercer um direito fundamental e vital.
     Também não foi ouvido como arguido no correspondente processo, o que consubstancia nulidade do processo por falta de audiência do arguido.
     Naquele dia, o recorrente não saiu do seu local de serviço, antes ali havendo permanecido até às 17H45, embora estivesse escalado em serviço dentro do horário de expediente.
     Constitui um facto notório que os agentes de serviço escalados nos serviços de rotina à hora de expediente não são obrigados a prévia autorização superior para tomar o almoço.
     Não infringiu o dever de assiduidade previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 13° do EMFSM.
    Para haver actuação culposa é preciso que, pelo lado positivo, o agente disponha de capacidade para ser objecto de censura e, pelo lado negativo, que não concorra qualquer circunstância que exclua essa mesma culpa.
     Os superiores do recorrente não só não mostraram interesse pela saúde do recorrente, antes, e pelo contrário, o pressionaram intensamente, através dos sucessivos processos de averiguações e disciplinares.
    O recorrente ficou surpreendido e receoso por lhe terem sido instaurados tantos processos disciplinares.
    Algumas das alegadas infracções foram praticadas um ano antes da instauração do procedimento disciplinar, sem que tenha participado e promovido a instauração do respectivo procedimento de imediato.
    O recorrente chegou a requerer a sua transferência para outro ambiente de trabalho, mas foi impedido pelo Chefe do Departamento Operacional de Macau, Chefe Principal XXX, de o fazer, havendo este indeferido o seu pedido.
    O que é demonstrativo de que a instauração de processos disciplinares contra o recorrente violou os princípios da boa convivência, da solidariedade e da camaradagem entre os elementos das Forças de Segurança Pública de Macau.
     Não se verificam as circunstâncias agravantes do n.º 2, alíneas d), f) e h) e no n.º 4 do art. 201.° do EMFSM.
    A acusação não descreve quais os factos que integram a alegada premeditação.
    Verificam-se as circunstâncias dirimentes da sua responsabilidade disciplinar previstas nas alíneas b) e e) do art. 202° do EMFSM.
    Beneficiaria, aliás e sempre, da circunstância atenuante prevista pela alínea f) do art. 200º do EMFSM, a inexistência de intenção dolosa.
    O acto recorrido não contém qualquer fundamentação para a decisão sancionatória aplicada.
     O acto recorrido violou o art. 338°, n.º 3 do ETAPM) e os art. 114.° n.º 1, alínea a) e 115.°, n.ºs 1, 1ª parte e 2, ambos do CPA, enfermando da nulidade prevista na alínea d) do n.° 2 do art. 122° do C.P.M.
     Sofrendo, ainda, da nulidade resultante da nulidade da acusação, conforme se deixou referido, a qual se projecta na decisão disciplinar.
    Termos em que, conclui, deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se, pelas apontadas ilegalidades resultantes dos vícios de violação de lei, o acto recorrido, com todas as consequências legais.

    O Exmo Senhor Secretário para a Segurança da RAEM, vem, nos termos do art. 53.° n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, apresentar a sua contestação, alegando em sede conclusiva:
    O recorrente não é um bombeiro comum, mas um chefe dos bombeiros da categoria superior, sabendo melhor que o pessoal comum o mecanismo para apresentação de queixa e o respectivo procedimento no exército militar.
    O recorrente, pretextando que fosse tratado de forma injusta, desrespeitando as leis e disciplinas, depreciou, a nome do terceiro, a dignidade das pessoas de que ele desgostou.
    O recorrente não observou os deveres restritivos, nem exercitou devidamente o seu direito fundamental à queixa que lhe é atribuído pela Lei, chegando a perder vista do mecanismo para funcionamento eficaz do exército militar.
    Neste caso, quem presta o serviço não é departamento da administração pública ordinário, mas é exército militar bem hierarquizada e rigorosamente disciplinada, é esquadra de bombeiro exclusivamente destinada ao socorro ao desastre e acidente público.
    O arguido faz o que quer sem ter em conta o regime, sabe apenas como se esquiva da responsabilidade.
    Embora o recorrente negasse o acto que lhe foi imputado, isto não impede que o titular do poder de castigo disciplinar forme sua convicção sobre a culpa do arguido em concordância com os diversos indícios fortes racionais.
É verdade que a acusação não explicitou quando e onde o agente praticou os actos imputados, não quer isto dizer que a infracção disciplinar imputada não foi concretizada, e na realidade, o recorrente conheceu-o bem. Não se vê o prejuízo aos seus direitos de defesa e audiência.
    O recorrente, na sua contestação subida nos autos, formulou várias reclamações na prospectiva jurídica em face aos factos imputados.
    Como não é invocável o art. 262.° n.º 1 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, nomeadamente não conduz à nulidade insuprível resultante da falta de audiência do arguido sobre a acusação ou de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
    O despacho de punição determinou a infracção imputada ao arguido como violação do deveres disciplinares, não deixando de ser correcto.
    O que foi apurado é que o arguido, ao tratar esse incêndio, obviamente não comunicou de imediato ao seu superior a situação do local sobretudo não informou sobre a situação dos veículos danificados, de tal forma que obsta o socorro.
    Então, ao tratar uma situação crítica, a comunicação poderá ser não oportuna e posterior ao caso? A razão alegada para reclamação é obviamente irracional.
    De acordo com os dados dos autos, o arguido em 15 de Novembro de 2004, pelas 17h55, cobrou ao outro colega materiais, sem sucesso, a seguir interpelou-lhe no tom grosseiro e desrespeitador: se tens ódio comigo ou não, venha aqui a prejudicar me !
    É o facto irrefutável, sendo suportado pelo depoimento da testemunha em causa.
    Segundo os dados dos autos, foi provado que o arguido, em 25 de Julho de 2005, pelas 13h12, ao tratar o incêndio ocorrido no Bloco ...°, Edif. Kin Wa, da Areia Preta, enquanto administrador do centro de controlo, ausentou-se do posto para almoçar, deixando os feridos esperados de tratamento.
    Após o caso, o recorrente pretextou que precisava tomar comprimidos por instrução do médico e que só deixou o local depois de o incêndio ser apago e os feridos salvados,
    Da sua maneira de ser, pode-se considerá-lo como um bombeiro egoísta, irresponsável e desprovido do espírito de sacrifício.
    É de salientar que os últimos três fundamentos de factos imputados citaram o relatório final do auto disciplinar cujo teor bem explicou os factos imputados e fundamentos de direito.
    Face ao exposto, considera-se que o acto recorrido não enfermou de nenhum vício referido pelo recorrente nem dos outros vícios que originam a anulabilidade.
    
    Pelo que pede se julgue improcedente o recurso e se mantenha, na íntegra, a eficácia do acto recorrido.
    
    O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
    Vem A , chefe de 1ª do Corpo de Bombeiros, impugnar o despacho de 7/11/06 do Secretário para a Segurança que, em sede disciplinar, o puniu com a pena de 150 dias de suspensão, assacando-lhe afronta dos artigos 338°, n.° 3 ETAPM e 114°, n.º 1 e 115°, n.º 1, 1ª parte do CPA, invocando, para o efeito, vícios reportados ao acto propriamente dito (caso da assacada falta de fundamentação e inconformismo quanto à dosimetria disciplinar usada), e a cada um dos processos disciplinares que foram apensados.
    Seguindo precisamente a ordem adoptada pelo recorrente, teremos que o mesmo, no âmbito do proc. Disciplinar D/07/05/FEV detecta a falta de constituição e audição como arguido, bem como o facto de na acusação contra si deduzida não constar a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes das infracções, nomeadamente a indicação das datas, modo e lugar das mesmas, bem como falta de resposta à arguição dessa nulidade em sede do procedimento disciplinar, ao que acrescenta inexistir, de todo o modo, nos autos comprovativo factual de tais infracções.
    Cremos assistir-lhe alguma razão.
    Se alguma dúvida pode existir no que concerne à alegada falta de audição do recorrente relativamente às infracções imputadas no âmbito deste processo disciplinar, pois o próprio admite e reproduz o constante de fls. 188 do instrutor onde, além do mais, expressa que "não sabia e não concordava com a sua mulher em escrever carta a Sua Excelência! Chefe do Executivo ...", o que, por si só, demonstra o conhecimento da imputação e a sua perspectiva sobre a mesma, o mesmo não se poderá dizer relativamente à existência do preenchimento dos requisitos mínimos exigíveis do libelo acusatório.
    No âmbito do proc. disciplinar em questão, foi o recorrente punido, entre o mais, por “... no período entre 27 de Agosto de 2004 e 19 de Novembro de 2004, através do seu cônjuge XXX, mandou 4 vezes cartas aos gabinetes do Chefe do Executivo e do Secretário para a Segurança, pela síntese do conteúdo das cartas pode-se verificar a intenção da apresentação de queixa contra os dirigentes do Corpo de Bombeiros, dizendo que os mesmos praticavam vários actos injustos contra o arguido, indicando também o próprio Comandante do Corpo de Bombeiros como tendo praticado vários factos que consubstanciam infracções disciplinares de falta de respeito e de arbitrariedade ...”.
    Ora bem : imputando-se ao recorrente o facto de ter impulsionado e instrumentalizado intencionalmente a sua mulher no sentido da elaboração e envio daquelas cartas, importava que, na verdade, na acusação referente a essa imputação se concretizasse, no mínimo, o meio, lugar e modo em que tal "instrumentalização" foi levada a cabo, não bastando, como é óbvio, a mera imputação do juízo conclusivo "instrumentalizou", sob pena de o visado ficar, como ficou, impossibilitado de exercer cabal e eficaz direito de defesa, à míngua de factos precisos e individualizados donde aquele juízo de valor possa ter sido extraído.
    E, a verdade é que a falta do exercício de defesa, designadamente em sede disciplinar, corresponde à falta de audiência do arguido, a qual, por sua vez, constitui nulidade insuprível, por preterição de formalidade essencial, prevendo-se, aliás, expressamente tal forma de invalidade nos termos do n.º 1 do art. 262° DO EMFSM.
    Mas, mesmo a assim se não entender, a verdade é que, no escrutínio do acervo probatório constante dos autos e respectivo instrutor, não se alcança o comprovativo daquela "instrumentalização intencional" por parte do recorrente relativamente ao seu cônjuge no que tange à elaboração e envio das cartas em questão, sendo certo que não basta, pela análise do conteúdo dessas cartas, a dedução que terá sido, forçosamente, o recorrente a fornecer a informação nelas contida à sua mulher : mesmo partindo desse juízo de valor, o mesmo não habilita, por si, à conclusão de que terá sido o recorrente quem a impulsionou e instrumentalizou à elaboração e envio de tais missivas - e, essa é a imputação por que viria a ser punido - , tomando-se inócua, por gratuita a expressão da entidade recorrida no sentido de que "de acordo com grande volume de provas existentes no processo, faz a gente acreditar profundamente que o arguido impulsionou, por várias vezes, sob forma consciente, o seu cônjuge para a apresentar as queixas acima mencionadas".
    Sem a concretização, consubstanciação e especificação de tal "grande volume de provas", a "convicção" não passa disso mesmo : mera convicção, não estribada, não fundamentada, sem relevância para o efeito.
    Donde, desta feita, a ocorrência de erro nos pressupostos subjacentes à decisão sancionatória, a determinar a respectiva anulação.
    Sendo certo que a ocorrência de qualquer dos assinalados vícios e consequentes formas de invalidade necessariamente contaminarão todo o acto, independentemente da apreciação da matéria atinente aos restantes processos disciplinares apensos e por se nos não afigurar, num juízo apriorístico, que do conhecimento respectivo resulte necessariamente melhor tutela dos interesses e interesses legítimos do recorrente (n.º 6 do art. 74°, CPAC), somos a dispensar-nos a dos mesmos conhecermos e, pelo motivos expostos, a pugnar pelo provimento do presente recurso.
    Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
    
   II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
   
   Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
   O processo é o próprio e não há nulidades.
   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade ad causam.
  Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do recurso.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
 
O acto ora recorrido foi notificado ao recorrente nos seguintes termos:

    “Processo disciplinar: Processo n.º D/07/05/FEV
    Arguido: Chefe de 1.ª classe do Corpo de Bombeiros, n.º XXXXXX, A (A)
    
     Foi plenamente provado neste processo que o arguido A (A), chefe de 1.ª classe do Corpo de Bombeiros, n.º XXXXXX, realizou as infracções disciplinares que lhe são imputadas na Acusação que está constante das fls. 420 a 433 dos autos, em suma:
     O arguido, chefe de 1.ª classe do Corpo de Bombeiros A, enviou cartas, por quatro vezes durante o período de 27 de Agosto de 2004 a 19 de Novembro de 2004, através da sua esposa XXX (XXX), ao Gabinete do Chefe do Executivo e Gabinete do Secretário para a Segurança. Pelo conteúdo dessas cartas, concluiu-se que as suas finalidades são dedução de queixas contra os dirigentes do Corpo de Bombeiros que tinham feito ao arguido vários tratamentos injustos e contra o chefe-mor que tinha feito várias infracções disciplinares indelicadas e autoritárias. As 4 cartas já estão respectivamente constantes das fls. 171 a 181 dos autos e das fls. 201 a 210, cujos teores aqui se dão por reproduzidos integralmente.
     A fim de provar a veracidade das 4 cartas mencionadas, procedeu-se investigações nas quais todos os respectivos envolventes foram questionados, em consequência, objectivamente, não houve quaisquer fundamentos que comprovam os factos referidos.
     No entanto, a grande quantidade de provas constante dos autos revela que o arguido conduziu deliberadamente a sua esposa a deduzir por várias vezes as queixas supramencionadas; para além disso, o mesmo efectuou ainda as condutas semelhantes por mesmo meio enquanto o serviço estava a processar as respectivas investigações, com o objectivo óbvio de eximir o processo de queixa constante do art.º 253.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau vigente.
     Quanto às queixa e contestação acima expostas, é difícil para os queixosos honestos comuns a entender porque é que não deduziu as queixas referidas neste processo por via formal mas através de terceiro se forem verdadeiras as alegações, por outro lado, é de salientar que as ditas queixas compreendem subjectivamente difamação e injúria, conduta essa mostra a finalidade óbvia de se furtar de responsabilidade criminal eventual.
     O arguido deve entender bem, sobretudo no Corpo em que presta serviços, os limites de execução dos direitos de queixa e excepção que as leis básicas lhe atribuem. Entretanto, o arguido, bem sabendo que as queixas ofenderam a personalidade e dignidade do dirigente que a lei protege, conduziu ainda, deliberadamente e por várias vezes, a esposa a fazer as tais condutas, facto esse mostra a sua má personalidade e carácter irresponsável.
     As condutas efectuadas à margem referenciadas violaram os deveres constantes da alínea a) do n.º 3 do art.º 5.º, alíneas a) e d) do n.º 2 do art.º 6.º, alínea d do n.º 2 do art.º 11.º e alínea f) do n.º 2 do art.º 12.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau vigente.
     Para além disso, o arguido sujeita-se ainda à imputação de 3 infracções disciplinares referidas na Acusação, como são fundados os factos da imputação, ora vem se confirmar o teor constante das fls. 566 a 578 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente e serve como parte integrante do presente despacho. As infracções disciplinares revelam principalmente em falta de dedicação na prestação de serviço e destruição do funcionamento efectivo da Forças, é confirmada ainda a violação aos deveres constantes da alínea b) do n.º 2 do art.º 8.º, alíneas a) e d) do n.º 2 do art.º 9.º, alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º e alínea b) do n.º 2 do art.º 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau vigente.
     A conduta do arguido é agravada por força das alíneas d), f) e h) do n.º 2 do art.º 201.º do mesmo Estatuto.
     Pelo exposto, tomando em consideração a gravidade das infracções disciplinares mencionadas e usando da faculdade conferida pela alínea 7 do Anexo IV referido no n.º 2 do art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999 previsto no n.º 1 da Ordem Executiva n.º 13/2000 e rectificado pelo Regulamento Administrativo n.º 35/2001, decide-se, ao abrigo do art.º 237.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau vigente, aplicar a pena de suspensão por 150 dias ao arguido A (A) - chefe de 1.ª classe do Corpo de Bombeiros.
     Notifique que o arguido pode intentar recurso contencioso para o TSI dentro do prazo de 30 dias quanto ao presente despacho (incluindo os documentos citados do presente despacho).
    
    Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 7 de Novembro de 2006
    Secretário para a Segurança “

    IV - FUNDAMENTOS
    
    1. Nulidade resultante da falta de fundamentação do acto sancionatório
    Ao incorporar o relatório de fls. 566 a 578, relativo às três infracções disciplinares que lhe foram imputadas, o acto recorrido contém a fundamentação indispensável para a decisão sancionatória aplicada.
    Pelo facto desse relatório integrado pela decisão sancionatória não ter sido levado ao conhecimento do arguido tal não significa que ele não se pudesse aperceber totalmente das razões e fundamentos da sanção que lhe foi aplicada.
    É certo que a fundamentação (exigível porque se trata de acto que afecta direitos ou interesses legalmente protegidos ou que pode impor sanções - art. 114.°, n.° 1, al. a), do Código de Procedimento Administrativo, deve ser expressa, bastando sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 115º, n.º 1, 1.ª parte, ainda daquele Código). 1
    Não deixamos até de concordar com uma boa prática para que aponta o mesmo autor acima citado quando entende que quando se trate de decisão sancionatória a fundamentação não deve circunscrever-se a uma mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, como o permite a parte final do n.º 1 do art. 115º do CPA, a notificação ao arguido deva levar ao conhecimento do arguido o teor desses textos, como parte integrante do respectivo acto decisório, para que o destinatário possa apreender, sem limitações ou reservas, a razão de ser da sua punição e ajuizar sobre se a decisão peca por algum vício que justifique uma eventual impugnação pela via do recurso.
    Mas também não é menos certo que a lei permite esse tipo de fundamentação por referência e não se vê que o princípio seja limitado em alguns tipos de processos.
    Tanto mais e isto é o mais importante é que por essa via o arguido tem possibilidade de saber do alcance da fundamentação do acto ou de solicitar o seu cabal esclarecimento nos termos do art. 70º do CPA.
    Neste sentido aponta a Jurisprudência de Macau.2
    Donde, não ocorrer o apontado vício de insuficiência de fundamentação não se mostrando violado simultaneamente o art. 338.°, n.º 3 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, ex vi art. 256.° do EMFSM e os art. 114.° n.º 1, alínea a) e 115.°, n.ºs 1, 1.ª parte e 2, ambos do CPA.
    
    2. Da falta de constituição e audição como arguido, bem como o facto de na acusação contra si deduzida não constar a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes das infracções e respectivo circunstancialismo de tempo e lugar
    Tem razão o recorrente.
    A falta de audição do arguido em processo disciplinar - referimo-nos ao processo relativo às cartas escritas pela mulher do recorrente - constitui violação do direito de defesa e gera a nulidade do acto sancionatório por preterição desse direito fundamental como é sobejamente consabido.
    No âmbito dos procedimentos sancionatórios, mais do que um direito de audiência dos interessados, está em causa um direito de audiência e defesa. Por este motivo, e na medida em que o direito de defesa em procedimentos sancionatórios constitui um direito, liberdade e garantia, a não realização deste trâmite naqueles procedimentos conduz à nulidade do acto administrativo, por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental.
    E se tal não resultasse dos princípios gerais sempre importa atentar no artigo 262º, n.º 1 do Estatuto Militarizado das FSM que determina:
    “É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido sobre os artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.”
    Princípio reforçado como facto de mesmo na fase do Inquérito a lei prever que o instrutor deva ouvir o arguido sobre os factos que são objecto do Inquérito.
    Não é, pois, somente, depois da acusação que alei prevê o direito de audição, mas ainda numa fase prévia, como resulta do artigo 329º, n.º3 do ETAPM:
    “1. A instrução compreende todo o conjunto de averiguações e diligências destinadas a apurar a existência de uma infracção disciplinar e a determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, recolhendo todas as provas em ordem a proferir uma decisão fundamentada.
2. O instrutor procederá oficiosamente a todas as diligências necessárias às averiguações a que se refere o número anterior, ouvindo para tanto o participante, as testemunhas por este indicadas até um máximo de três por cada facto e, sem limitação de número, as demais que julgar necessárias, procedendo a exames e outras diligências de prova e fazendo juntar aos autos o certificado do registo disciplinar do arguido.
3. O instrutor deverá obrigatoriamente ouvir o arguido em declarações, até, ao termo da instrução e poderá acareá-lo com as testemunhas ou com o participante, podendo ele fazer-se assistir do seu defensor sempre que assim o pretender.
4. O arguido pode requerer ao instrutor que promova as diligências que considere essenciais para a descoberta da verdade e este requerimento apenas pode ser indeferido quando o instrutor, em despacho fundamentado, o declarar dilatório por considerar suficiente a prova já produzida.
    (...)”
    (Sublinhado nosso)
    Da redacção desta norma e comparativamente até com o regime anterior e em relação àquilo que em termos de Direito Comparado se passa em Portugal3, em que a audição do arguido é facultativa, tal audição é obrigatória, assumindo-se como uma formalidade essencial.
    Nem se diga que o seu direito de defesa está garantido em sede de contestação, pois que o arguido tem todo o direito a evitar que seja formalizada acusação contra ele, bem podendo numa fase anterior pronunciar-se, juntar e arrolar prova que evitem a formalização da acusação, já por si estigmatizante, reconhecendo-se ser legítimo pugnar pela sua não dedução quando infundada.
    Para além de que mesma na óptica da verdade material e transparência da Administração essa diligência não deixa de se reputar objectivamente como de grande relevância ainda nessa fase procedimental.
    Sob pena até de perderem sentido as palavras do legislador quando se impõe como obrigatória essa diligência.
    Este mesmo cunho de obrigatoriedade flui das palavras da Doutrina produzida em Macau sobre o regime aqui vigente pela pena do Conselheiro Leal-Henriques, enquanto diz “... há diligências que são obrigatoriamente impostas por lei, como é o caso da audição do arguido (art.º 329º, n.º 3), já que é ele o protagonista principal do procedimento, aquele sobre quem recai a responsabilidade pela prática do facto ou factos, razão pela qual há todo o interesse em ouvir a sua verdade.” 4
    A audição do arguido numa primeira fase do processo disciplinar configura-se assim como uma garantia do seu direito de defesa, que no caso de não se observar, não deixará de inquinar fatalmente todo o procedimento.
    Nem se diga que a referência ao facto de aludir a um conhecimento das cartas, como transparece de fls 188 (em sede de processo de averiguações) invalida essa afirmação, porquanto se trata de uma sede procedimental completamente diferente, por um lado, e, por outro, daí não resulta que estivesse inteirado da imputação que lhe era feita e responsabilidade assacada.
    Aliás essa questão foi suscitada no âmbito do processo disciplinar, aquando da contestação, e dela não foi conhecida
    Assim, não já pela não constituição formal do arguido como decorre do Processo Penal, mas sim por não ter sido ouvido o arguido quando a lei a tal o impunha, sobrevindo dessa forma uma limitação do exercício de defesa, designadamente em fase da instrução, ainda em momento antes da dedução da acusação, em processo disciplinar, tal omissão não deixa de corresponder a uma falta de audiência do arguido, a qual, por sua vez, constitui nulidade insuprível, por preterição de formalidade essencial.
    
    3. Da instrumentalização da mulher do recorrente por parte deste no sentido de a incentivar a escrever as referidas cartas.
    No âmbito do proc. disciplinar n.º D/07/05/FEV, foi o recorrente punido, entre o mais, por “... no período entre 27 de Agosto de 2004 e 19 de Novembro de 2004, através do seu cônjuge XXX, mandou 4 vezes cartas aos gabinetes do Chefe do Executivo e do Secretário para a Segurança, pela síntese do conteúdo das cartas pode-se verificar a intenção da apresentação de queixa contra os dirigentes do Corpo de Bombeiros, dizendo que os mesmos praticavam vários actos injustos contra o arguido, indicando também o próprio Comandante do Corpo de Bombeiros como tendo praticado vários factos que consubstanciam infracções disciplinares de falta de respeito e de arbitrariedade ...”.
    
    Ora, não há elementos que permitam concluir no sentido daquela instrumentalização, que o recorrente tenha sido o mentor ou sequer que soubesse atempadamente do envio daquelas cartas.
    E essa falta de prova é corroborada com a análise da prova produzida já em Tribunal, resultando até que a esposa do recorrente estava muito preocupada com o seu estado de saúde e foi de sua iniciativa que enviou as ditas cartas.
    Responsabilizar o recorrente por actos praticados pela sua mulher viola as regras mais básicas derivadas do princípio da culpa.
     Sempre importaria, na verdade, em todo o caso, concretizar os elementos de facto, em que a entidade recorrida se baseou para chegar àquela imputação, ficando-se sem saber ainda o circunstancialismo em que tal se terá verificado.
    Não basta emitir um juízo conclusivo, baseado numa suspeita, num raciocínio a partir de uma presunção, o que para além do mais limita, se não mesmo, impossibilita mesmo a cabal defesa do arguido.
    Assim, ainda aqui se conclui pela verificação de erro nos pressupostos de facto, o que determina a anulação do acto sancionatório.
    Não obstante a ocorrência de qualquer dos assinalados vícios determinarem a nulidade do acto, contaminando-o na sua totalidade, não deixaremos ainda de tecer algumas considerações concernentes aos restantes processos, visto disposto no artigo 74º, n.º 5 do CPAC.
    
    4. Quanto ao processo disciplinar n.ºD/83/04/NOV
    Alega-se uma divergência entre as declarações oralmente prestadas e a comunicação escrita, na sequência de um incêndio e uma actuação muito complicada, na decorrência da qual o recorrente foi ferido e levado para o Hospital.
    Estando a descrição da ocorrência feita em sucessivos relatórios elaborados pelo recorrente, pretende-se sancionar o agente a partir de uma divergência numa informação verbal dada no teatro das operações, sem avaliar a relevância dessa divergência e sem levar em linha de conta com o facto de os relatórios elaborados por escrito conterem um acervo de informações globalmente consideradas.
    E sem levar em linha de conta a comunicação ao Chefe Operacional das Ilhas em cumprimento das instruções existentes, não obstante o incêndio se ter verificado em Macau.
    Acresce que a alegada insatisfação dos cidadãos ter-se-á ficado a dever, como resulta dos elementos dos autos e da prova testemunhal produzida neste Tribunal de uma avaria numa viatura, não sendo de imputar erro ou negligência ao recorrente.
    Não obstante este quadro e circunstancialismo a falha do recorrente e se traduziu na não comunicação da avaria dos veículos parece ser merecedora de alguma censura, perspectivando-se uma falta de informação que faça diminuir a operacionalidade na resposta a uma situação de emergência, para mais no seio de um Corpo de intervenção que actua em situações que impõem uma resposta pronta, decidida e adequada às proporções do flagelo.
    Uma actuação zelosa passaria opor informar daquelas avarias de forma a suprir essas baixas.
    Quanto à pretensa falta de constituição de arguido, não se deixa ainda aqui de observar que não foi observado o 329º, n.º 3 do ETAPM, valendo aqui as considerações acima tecidas quanto a tal omissão.
     Donde sermos a concluir pela verificação tão somente de violação dos deveres de zelo que lhe foi assacada, o que, contudo, não deixa de ficar prejudicado pela referida nulidade decorrente da violação do direito de defesa por falta da sua audição em fase procedimental anterior à acusação.
    
    5. Quanto ao processo disciplinar n.ºº D/02/05/JAN
    Da alegada falta de respeito ao Chefe XXX
    Defende o recorrente que o imputado acto não consubstanciou mais do que um mero desentendimento entre o recorrente e o Chefe de Primeira XXX, em virtude do facto do recorrente ter recebido uma ordem do Chefe Principal XXX para elaborar o relatório da Corrida do Grande Prémio, o que criou uma colisão entre ambos, por uma razão que lhe foi totalmente alheia.
    Todavia, todos os dados necessários para elaborar o tal relatório estavam com o Chefe de Primeira XXX.
    As palavras concretamente proferidas, naquele quadro, - “se tens ódio comigo ou não, não venhas aqui prejudicar-me” - não se afiguram como integrantes da violação das disposições nos n.ºs 1 e 2, alínea c) do art. 11.° do EMFSM.
    
    6. PROCESSO DISCIPLINAR N.º AS/47/05/AGO - D/05/SET: DO INCÊNDIO OCORRIDO NO EDIFÍCIO KIN WA DO BAIRRO DA AREIA PRETA EM 25 DE JULHO DE 2005
    6.1. QUESTÃO PRÉVIA
    Diz o recorrente, Chefe do Centro de Controlo/DOM, que foi investido naquele cargo em 07 de Fevereiro de 2005 (cfr. fls. 347 dos autos do processo disciplinar).
    E de acordo com o parecer da Junta de Saúde lançado no registo da inspecção feita ao recorrente pela Junta de Saúde, em sua sessão ordinária de 17 de Junho de 2005: "Os membros da junta de Saúde acham. unanimamente aquele agente deve ser transferido do ambiente de trabalho actual para o outro e colocado no trabalho de 2.ª Linha" (cfr. fls. 294 dos autos do processo disciplinar).
    Curiosamente, mau grado o superior hierárquico do recorrente bem soubesse o conteúdo do parecer médico, emitido por uma comissão específica e competente, e a gravidade da situação, não tomou qualquer medida no sentido da implementação do referido parecer, a fim de evitar consequências que pudessem ocorrer; a referida inspecção foi requerida pelo Chefe do Departamento Operacional de Macau, Chefe Principal XXX, através da Proposta n.º 381/DOM/2005, datada de 10/05/2005 (cfr. fls. 289 a 290 dos autos do processo disciplinar).
    O facto ocorreu em 25 de Julho de 2005 (cfr. fls. 312 dos autos do processo disciplinar), i.e, após ter conhecimento do parecer da Junta de Saúde.
    E conclui pela não punição do acto de almoçar do recorrente, antes de tomar um medicamento que lhe fora medicamente prescrito, porque é legal e compreensível, mal se compreendendo que tenha sido objecto de participação superior.
    Pensamos não assistir razão ao recorrente, pois que não há uma relação de causa e efeito entre o acto de almoçar, nas circunstâncias concretas e não se comprova a necessidade de tomar os medicamentos.
    Se o recorrente estava impossibilitado de desempenhar cabalmente as suas funções teria de colocar a questão, nomeadamente em termos de baixa médica e tomar posição oportuna quanto a eventual indeferimento de pedido de transferência.
    Na verdade, segundo os dados dos autos, comprovou-se que o arguido, em 25 de Julho de 2005, pelas 13h12, ao tratar o incêndio ocorrido no Bloco ...°, Edif. Kin Wa, da Areia Preta, enquanto administrador do centro de controlo, ausentou-se do posto para almoçar, deixando os feridos à espera de tratamento.
    O recorrente veio a pretextar que precisava de tomar comprimidos por instrução do médico e que só deixou o local depois de o incêndio ser apagado e os feridos salvos, mas como se disse, trata-se de matéria que acabou por não se comprovar, mesmo face â prova produzida já em Tribunal.
    6.2. Como parece falecer-lhe razão no que tange ao facto de invocar que a instauração de processos disciplinares contra o recorrente violou os princípios da boa convivência, da solidariedade e da camaradagem entre os elementos das Forças de Segurança Pública de Macau, consagrados pela alínea h) do n.º 2 do art. 12.° (dever de aprumo) do EMFSM, ao longo de vários anos, para mais quando padecia de doença do for psicológico.
    Com todo o respeito pela personalidade e doença de cada indivíduo, estamos em crer que esta alegação não a conduz a nada. Trata-se apenas de um processo de intenções, não baseada em factos de forma a convencer da injustiça de tal instauração e a convencer de uma pretensa vitimização e perseguição por parte da Instituição.
    6.3. Alega ainda o recorrido que não foi ouvido como arguido o recorrente e mais uma vez valem as razões acima expendidas quanto a esta matéria.
    
     7. Das circunstâncias agravantes, dirimentes e atenuantes
    Como está bem de ver se concluímos pela inexistência de infracção no concernente ao envio das cartas, prejudicada está a apreciação sobre a existência das referidas circunstâncias agravantes.
    8. Como incomprovadas de forma manifesta se mostram as circunstâncias dirimentes da sua responsabilidade disciplinar previstas nas alíneas b) e e) do art. 202.º do EMFSM, - porque sofreu doença do foro psicológico e tem recebido tratamento médico daquela especialidade médica, doença essa que, bem como o medicamento que toma, o priva acidental e involuntariamente do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática dos actos -, sendo que quanto à inexigibilidade alegada - de que não podia impedir outra pessoa, ou, neste caso concreto, a sua mulher de escrever uma carta - tal até parece contrariar a sua tese de que a actuação daquela se processou à sua margem.
    
    9. Como não ocorre a circunstância atenuante prevista pela alínea f) do art. 200º do EMFSM, a inexistência de intenção dolosa.
    
    10. Em todo o caso, como se disse, a falta de audiência do arguido e o erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão sancionatória em relação a parte do procedimento não deixarão de invalidar o acto na sua totalidade.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso, anulando o acto em vista da nulidade decorrente da violação do direito de audiência e defesa plasmado, desde logo no artigo 329º, n.º3 do ETAPM e sempre em vista da anulabilidade do acto por erro nos pressupostos de facto, como acima referido.
    Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
               Macau, 21 de Julho de 2011,
               
João A. G. Gil de Oliveira Presente
(Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho

Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
               
1 - Cfr Leal-Henriques,, Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, 258
2 Fundamentação jurídica por remissão, Acs. do TUI, n.º 21/2004, de 14/07/2004; n.º 22/2006, de 13/09/2006; n.º 28/2006, de 18/07/2007.

3 - cfr. art. 46º da Lei 58/2008, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas. E daí que não seja fácil encontrar Jurisprudência Comparada sob o tema, ou a encontrada vai em sentido diverso visto carácter facultativo expresso de tal audição
4 - Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, 232
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649/2006 1/32