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Processo nº 69/2010
Data do Acórdão: 23JUN2011


Assuntos:
Contrato a favor de terceiro


SUMÁRIO

Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 69/2010

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV3-09-0012-LAC, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a GUARDFORCE (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedente a acção:

  A, melhor identificado nos autos, vem instaurar a presente acção de processo comum do trabalho contra GUARDFORCE (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada, com os demais sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$297.455,00, acrescida de juros legais vincendos até efectivo e integral pagamento.
  Para tanto alega o A. o seguinte:
  - A R. celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. Vários contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais esta sociedade recrutaria mão de obra não residente em Macau para trabalhar para a Ré;
  - Aqueles contratos de prestação de serviços estabelecem o regime de recrutamento dos trabalhadores e determinadas cláusulas quanto a despesas relativas à admissão de trabalhadores, remuneração, horário de trabalho, alojamento, assistência, deveres dos trabalhadores, causas de cessação do contrato e repatriamento , prazo do contrato, entre outras.
  - Foi ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços que o A. foi recrutado por aquela sociedade para prestar trabalho para a R.
  - Contudo, os contratos de trabalho celebrados com a Ré contêm cláusulas menos favoráveis ao A. do que as que constam dos contratos de prestação de serviços celebrados entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.
  - Mais invoca que a R. ao abrigo do despacho de autorização de importação de mão-de-obra estava vinculada às cláusulas constantes do contrato de prestação de serviços.
  - Com base na diferença entre as cláusulas constantes desse contrato de prestação de serviços e as que constavam do contrato de trabalho celebrado entre a R. e o A. vem este pedir a condenação daquela no pagamento do que se encontra em falta.
  - Finalmente alega que prestou trabalho em dia de descanso semanal sem que a R. lhe tenha pago a compensação legal.
  A R. contestou alegando em síntese que:
  - O A. não é parte no contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, pelo que, não é o mesmo eficaz relativamente àquele.
  - Os requisitos mínimos exigíveis decorrentes da alínea d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 constituem pressupostos meramente formais.
  - A R. sempre cumpriu as obrigações assumidas em relação ao A. decorrentes do contrato individual de trabalho outorgado consigo.
  - Era da vontade do A. não gozar o dia descanso semanal para auferir salário superior, sendo remunerado pela R. à hora ou seja, em função do período de trabalho efectivamente prestado, pelo que, não tem direito ao crédito que reclama.
  Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente.
  Por despacho de fls. 157/159 foi indeferida a intervenção provocada da Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda..
  Foi proferido despacho saneador, e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a discussão da causa.
  Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
  Nestes autos foi dada por assente a seguinte factualidade:
a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
d) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 45/94”, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Dezembro de 1994, de admissão de setenta novos trabalhadores vindos do exterior;
e) Do contrato referido em d) cuja cópia está a de fls. 134 a 140 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
f) A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes;
g) Entre 15 de Fevereiro de 1995 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
h) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré;
i) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades;
j) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
k) A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros cinco contratos individuais de trabalho, cujas cópias constam de fls. 48 a 65 e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;
l) Entre 15 de Fevereiro de 1995 e 30 de Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,500.00;
m) Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,700.00 (muito embora constasse do contrato de trabalho assinado com o Autor que este teria direito a auferir MOP$1,500.00);
n) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais;
o) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais;
p) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais;
q) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais;
r) Entre 15.02.1995 e 30.06.1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora;
s) Entre 01.07.1997 e 30.06.2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
t) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora;
u) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora;
v) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora;
w) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora.
x) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em 2008;
y) Entre 15 de Fevereiro de 1995 e 30 de Junho de 1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia;
z) Entre 15 de Fevereiro de 1995 e 30 de Junho de 1999 o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia;
aa) Entre 01.07.1999 e 30.06.2002 o A. prestou 5298 horas de trabalho extraordinário;
bb) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 o A. prestou 946 horas de trabalho extraordinário;
cc) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 o A. prestou 3887 horas de trabalho extraordinário;
dd) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 o A. prestou 1416 horas de trabalho extraordinário;
ee) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 o A. prestou 1132 horas de trabalho extraordinário;
ff) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
gg) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho;
hh) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»;
ii) Entre 7/02/2001 e 15/01/2002 o Autor não gozou 48 dias de descanso semanal;
jj) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório;
kk) Foi por declaração de vontade do próprio Autor, que durante o período compreendido entre 07 de Fevereiro de 2001 e 15 de Janeiro de 2002 trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal.
  As questões a decidir nesta sede processual consistem em conhecer da:
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R.;
2. Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e se o mesmo produz efeitos na esfera jurídica do A.
3. Caso seja dada resposta afirmativa à ultima parte da questão anterior saber se o A. tem créditos sobre a R. e seu montante;
4. Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e respectiva compensação.
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R.;
  «Diz-se contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade ou direcção desta» - Cit. de António de Lemos Monteiro Fernandes em Direito de Trabalho, Vol. I, 6ª Ed., 1987, pág. 48 -.
  Ficou demonstrado nas alíneas g) a j) que entre 15 de Fevereiro de 1995 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança” trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré, era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades e durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
  Destarte, embora a questão não seja posta em crise pelas partes, duvidas não subsistem que entre o A. e a R. foi celebrado um contrato de trabalho.
  Considerando que o A. trabalhou para a R. entre 15.02.1995 e 31.05.2008, as disposições legais aplicáveis são as do Decreto-Lei nº 24/89/M de 3 de Abril.
  Caracterizado o contrato celebrado entre A. e R. importa agora dirimir a segunda questão colocada.
2. Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e se o mesmo produz efeitos na esfera jurídica do A.
  Relativamente a esta matéria o que resulta das alíneas c) a e) da factualidade assente é que a R. celebrou vários contratos que apelidou de prestação de serviços com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau. Foi com base num desses contratos, o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 45/94” e ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Dezembro de 1994, de admissão de setenta novos trabalhadores vindos do exterior que a R. outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor. Daquele contrato, cuja cópia está a de fls. 134 a 140 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau.
  Qual será a natureza jurídica deste contrato?
  Contrato de trabalho face ao referido supra não será de certeza uma vez que ninguém, nomeadamente o A., se obriga a prestar determinada actividade intelectual ou manual a outra pessoa.
  Uma figura que se poderia equacionar seria a do contrato para pessoa a nomear, o qual consiste em uma das partes se reservar a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta ultima.
  Porém, no contrato para pessoa a nomear o que ocorre antes da nomeação do amicus electus é que o contrato tem eficácia relativa, ou seja, ele é eficaz entre as partes1.
  Ora, face à sua definição esta figura tem de ser afastada pois, no caso em apreço entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não foi celebrado nenhum contrato para pessoa a nomear. O que ocorreu, foi que a Sociedade em causa se obrigou a recrutar pessoal.
  Por outro lado, ainda que teoricamente se pudesse conceber a celebração de um contrato de trabalho para pessoa a nomear, era necessário que entre os contraentes originais, in casu a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, se tivesse celebrado um contrato de trabalho, em que uma das partes se obrigava a prestar determinada actividade intelectual ou manual para outra, com a cláusula de em sua substituição poder indicar outra pessoa que assumiria as suas obrigações e direitos.
  Ora, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não se obrigou a prestar qualquer actividade intelectual ou manual, mas antes um serviço, o recrutamento de pessoal.
  Finalmente, sendo o contrato de trabalho por natureza uma espécie que exige a existência de uma pessoa singular concretamente determinada e identificada no lado do trabalhador, nunca os contratos celebrados com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau poderiam ser classificados como contratos de trabalho.
  Logo, a hipótese estaria completamente arredada.
  Uma outra figura que poderia aqui estar presente seria a do contrato a favor de terceiro o qual ocorre quando um dos «contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), estranho à relação contratual».2
  Consagra o artº 437º do C.Civ a noção de contrato a favor de terceiro definindo-o nos seguintes termos: «Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita».
  Neste tipo de contrato, segundo a definição legal e doutrinal a obrigação “é de efectuar uma prestação”. Os contraentes atribuem «através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário»3
  Distingue Antunes Varela na obra citada este tipo de contrato daqueles outros, obrigacionais, «cuja prestação principal se destina a terceiro, mas sem que este adquira previamente, segundo a intenção dos contraentes e o próprio conteúdo do contrato, qualquer direito (de crédito) à prestação.4
  No contrato a favor de terceiro a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um outro contrato.
  Ora, no caso dos autos do teor do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau o que resulta é que esta ultima se comprometia a recrutar determinado numero de pessoas para virem a ser contratadas pela R. para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições. Não há aqui a obrigação de prestar, de atribuir determinada vantagem patrimonial imediata para o beneficiário, mas sim a obrigação de celebrar um outro contrato, a saber, o contrato de trabalho.
  Finalmente refere ainda Antunes Varela na obra já citada a pág. 334 que destes contratos «não podiam nascer obrigações para terceiro, como também não podiam surgir direitos para quem não era parte no acordo contratual».
  Ou seja, pela natureza do contrato a favor de terceiros, nunca esta figura poderia servir para caracterizar o contrato celebrado entre a R. e a empresa que recrutou o A.
  Poderíamos ainda equacionar a figura do contrato de cedência de trabalhadores.
  Nestes tipo de situações o que ocorre é que determinada empresa cede a outra os seus trabalhadores, ficando muitas das vezes a obrigação de pagar a remuneração a cargo da cessionária bem como a definição dos termos e condições em que a actividade é prestada, mantendo-se o poder disciplinar na empresa cedente.
  O ponto fulcral desta figura exige que entre a empresa cedente e o trabalhador se tenha celebrado um contrato de trabalho.
  Ora, no caso em apreço é alegado e ficou provado que os trabalhadores desconheciam quando contrataram com a R. a existência do contrato celebrado entre a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e a R.
  E não alegam em momento algum que tivessem celebrado um contrato de trabalho com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau. Logo, se não eram funcionários desta empresa, nem tal se alega, nunca poderia verificar-se a figura do contrato de cedência de mão de obra.
  Finalmente, resta-nos a figura do contrato de promessa, porém o contrato de promessa é aquele em que as partes ou apenas uma delas se obrigam a contratar em determinados termos5.
  Não repugna que no caso em apreço a R. se tenha obrigado a contratar, a celebrar contratos de trabalho em determinados termos.
  Mas essa obrigação foi assumida perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e não perante o aqui A. ou outrem.
  Destarte, nunca poderia o aqui A. reclamar o que quer que fosse da R. pois esta perante si não assumiu obrigação alguma.
  Mas ainda que se pudesse entender que tinha havido uma promessa de contratar com pessoa a nomear, o que ocorreria não seria a violação do contrato de trabalho mas do contrato de promessa.
  Sobre esta questão veja-se o que a propósito escreve António de Lemos Monteiro Fernandes na Obra já citada a pág. 245:
  «A promessa pode ser, frequentemente, confundida com o próprio contrato de trabalho, visto que, não raro, fica entendido entre os contraentes que só em momento posterior ao da celebração do negócio começarão a produzir-se os seus efeitos (início do trabalho, crédito retributivo). Existem, com efeito, situações em que, após o estabelecimento de consenso acerca da futura admissão do trabalhador ao serviço de um empregador, umas das partes aparece a denunciar tal consenso, pretendendo que, assim, se opera a frustração de uma promessa de contrato e não a rescisão de um contrato já celebrado. Quando tal iniciativa pertence ao empregador, a opção entre essas duas qualificações assume particular relevo: o não cumprimento da promessa é, decerto, indutor de responsabilidade por prejuízos, mas não judicialmente suprível, dada a inaplicabilidade do art. 830.º; C.Civ o efeito prático-jurídico visado (neutralização do vínculo) consuma-se. Mas se, ao invés, a situação for encarada como de ruptura do contrato de trabalho, haverá despedimento individual que, nos termos da lei, pode ser declarado nulo e ver inutilizados os seus efeitos, mediante a reintegração do trabalhador (art. 12.º LDesp.)».
  Tudo visto, o que se impõe concluir é que entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não foi celebrado nenhum contrato de trabalho, nem contrato de pessoa a nomear ou a favor de terceiros.
  O que dali resulta é que a referida sociedade recrutaria pessoal que a R. depois contrataria para trabalharem para si, prometendo esta contratá-los em determinadas condições que não cumpriu.
  Sendo assim, o que houve por banda da R. foi uma promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear em determinadas condições que não tendo sido cumprida, salvo melhor opinião, apenas poderia legitimar o beneficiário da promessa – a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau – a reclamar os prejuízos em que haja incorrido pelo incumprimento.
  Situação que seria de cariz meramente obrigacional, excluída da jurisdição do direito de trabalho, e em que o eventual lesado seria a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, caso desse incumprimento tenham resultado prejuízos para si. Prejuízos que teria de alegar e provar.
  Mas essa relação obrigacional entre a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não importa aqui tratar, uma vez que, o A. tal como configura a acção vem reclamar do incumprimento do contrato de trabalho celebrado com a R. E aquando da celebração desse contrato de trabalho o A. nem sequer sabia do que havia sido contratado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, relação jurídica à qual é completamente alheio e que por não ser sujeito dela nem a conhecer nunca lhe criou a expectativa de vir a ser beneficiário da mesma.
  Para que o trabalhador pudesse eventualmente reclamar de algum prejuízo que para si tivesse resultado por a R. não ter contratado consigo como prometeu fazer à Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, estaríamos, como já referimos no âmbito de uma relação jurídica obrigacional e não laboral, havia litisconsórcio necessário quanto aos Autores que teriam de ser a dita sociedade e o actual A. e apenas podiam pedir a condenação da R. no pagamento da indemnização dos prejuízos sofridos por força do incumprimento do prometido, caso tivessem existido prejuízos.
   Assim sendo, somos forçados a concluir que consistindo a causa de pedir na violação das clausulas do contrato de trabalho, sendo o contrato de trabalho aquele que foi celebrado entre A. e R. e não integrando a relação contratual de trabalho o contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, não pode o R. vir aqui invocar este outro contrato do qual nem sequer é sujeito.
  Isto é, o contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não produz qualquer efeito na relação laboral contratada entre A. e R. não tendo assim qualquer fundamento legal os pedidos formulados com base no mesmo.
  Finalmente, e quanto a toda a matéria que se alega relativamente às condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau, relativamente à contratação de mão de obra estrangeira, para não nos alongarmos mais, cabe apenas referir que daquelas não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, sendo certo que, ainda que o fizesse a consequência apenas poderia ser a de revogação de autorização de contratação de mão de obra estrangeira, não tendo qualquer reflexo, por também esta ser extra partes, na relação contratual de trabalho celebrada entre A. e R., pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregado de contratar em determinados termos e caso se entendesse – o que não se concede – que havia um acto administrativo a impor a contratação em determinados termos, à semelhança do ocorreria com a violação do contrato de promessa de contratar, também aqui, estaríamos perante a violação do acto administrativo e suas consequências, mas nunca no âmbito de incumprimento do contrato de trabalho.
3. Caso seja dada resposta afirmativa à ultima parte da questão anterior saber se o A. tem créditos sobre a R. e seu montante;
  Fica prejudicada a apreciação desta questão face à resposta dada anterior.
4. Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e respectiva compensação.
  Resta-nos apreciar a questão do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
  Dos contratos de trabalho celebrados entre o A. e R. está dado por assente que o salário pago era mensal.
  Nos termos do artº 6º do Decreto-Lei 24/89/M não são admitidos acordos entre empregador e trabalhador dos quais resultem condições menos favoráveis para este do que as que resultam do referido diploma legal.
  Nos termos do nº 1 do artº 17º do indicado Decreto-Lei «todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição».
  Com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 32/90/M à alínea a) do nº 6 do indicado artº 17º o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago aos trabalhadores que auferem salário mensal pelo dobro da retribuição mensal.
  Contudo o que resulta da factualidade assente é que o trabalhador foi pago pelo trabalho prestado nesses dias mas em singelo.
  Logo terá apenas a receber o montante em falta, ou seja o equivalente a um dia de trabalho6.
  Da alínea ii) o que resulta é que o trabalhador entre 07.02.2001 e 15.01.2002 prestou 48 dias de descanso semanal, sendo que face à alínea o) o salário mensal nesse período era igual a MOP$2.000.
  Logo, o valor de cada dia de trabalho prestado será igual a MOP$66,67 (2.000:30), sendo o valor da indemnização a pagar igual a MOP$3.200,16 (MOP$66,67x48).
  Destarte, deve a R. ser condenada a pagar ao A. a quantia de MOP$3.200,16 a titulo de compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, não tendo direito a quaisquer outras quantias peticionadas, sendo nessa parte julgada improcedente a acção.
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência condena-se a R a pagara ao A. a quantia de MOP$3.200,16, sendo a R. absolvida do remanescente do pedido.
  Custas a cargo da A. e R. na proporção do decaimento.
  Registe e Notifique.

Não se conformando com essa sentença, veio o autor A recorrer dela concluindo e pedindo que:

Conclusões:
1. Ao invés do que concluiu o Tribunal a quo, as disposições legais aplicáveis serão, nomeadamente as constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro – diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes –, pelo que entender que se aplica, sem mais, o Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, constitui um manifesto erro na aplicação do Direito;
2. Porém, caso aos autos se devessem aplicar as disposições do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, haveria então que retirar da sua aplicação todas as suas legais consequências, maxime em matéria de descanso semanal, feriados obrigatórios, férias, salário justo e, bem assim, de indemnização rescisória por denúncia unilateral por parte da Ré, porquanto em causa estariam preceitos inderrogáveis constantes do Regime Jurídico das Relações Laborais;
3. Ainda que não se compreenda bem as razões que terão levado o Tribunal a quo a concluir que “(...) entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não foi celebrado nenhum contrato de trabalho, nem contrato de pessoa a nomear ou a favor de terceiros”; para, acto contínuo, completar que “(...) o que houve por banda da R. foi uma promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear em determinadas condições que não tendo sido cumpridas (...)”, a construção jurídico-civilistica constante da Sentença revela-se de todo desnecessária em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, pelo que a decisão se revela incorrecta, por errada qualificação jurídica;
4. Porém, caso se entenda que a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo se revelava necessária, ainda assim a conclusão enferma de um vício de raciocínio, visto que, em qualquer dos casos, os únicos beneficiários da promessa seriam os trabalhadores e, in casu o Autor, e nunca a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau;
5. Ao contrário do que terá entendido o Tribunal a quo, a questão central dos presentes autos traduz-se no desrespeito pela Ré do procedimento legal e positivo, designadamente o constante do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e, bem assim o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 21 de Dezembro de 1994, que in casu autorizou a Ré a admitir setenta novos trabalhadores vindos do exterior nos quais se incluiu o Autor, aqui Recorrente;
6. Assim, a premissa na qual se fundou a decisão do Tribunal a quo para julgar os presentes autos é incorrecta e em muito se afasta dos factos e fundamentos trazidos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré, sendo a mesma nula nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 571.º do Código do Processo Civil;
7. Por outro lado, ao contrário do que erradamente concluiu o Tribunal a quo, em caso algum é verdade que a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor tenha consistido na violação das cláusulas do contrato de trabalho;
8. Com efeito, da simples leitura da Petição Inicial salta à vista que o Autor na sua concreta causa de pedir, plasmou o seu “raciocínio jurídico” em quatro pressupostos, que em caso algum autonomizáveis: i) no conteúdo imperativo do normativo constante do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, enquanto diploma regulador da contratação de mão-de-obra não residente; ii) no conteúdo do «Despacho de autorização governativa» que permitiu Ré a importação e posterior contratação do Autor, enquanto trabalhador não residente; iii) no conteúdo do «contrato de prestação de serviços» que a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.; iv) no conteúdo do «contrato individual de trabalho» celebrado com a Ré;
9. Assim, tendo o Tribunal a quo se afastado do quid decisório, sem que para tal apresente as razões de facto ou de Direito, é a Sentença nula por ausência de qualquer fundamento legal;
10. É, no mínimo, problemático que o Tribunal a quo tenha concluído que das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau relativamente à contratação de mão de obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ ou empregado de contratar em determinados termos;
11. Com efeito, a importação de mão-de-obra não-residente encontra-se sujeita a concretas e determinadas regras de procedimento e de conteúdo constantes, desde logo, do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro;
12. Ao que acresce que, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, deixa clara a sua natureza assumidamente normativa, e de cariz imperativo, na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes e que, em caso algum, pode ser afastada pelas partes;
13. Do mesmo modo, o Despacho da «entidade governamental competente» que autoriza a contratação de trabalhadores não residentes) condiciona a entidade interessada (in casu a Ré) à apresentação prévia de um «contrato de prestação de serviços» celebrado com uma “terceira entidade – fornecedora de mão-de-obra não residente” (in casu a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau);
14. Por esta razão, todos os «contratos de prestação de serviços» celebrados entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., são remetidos ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho (hoje, DSAL) para efeitos de verificação e aprovação dos requisitos tidos como mínimos exigíveis para o efeito, “designadamente – os indicados na al. d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro”;
15. Assim, uma vez aprovadas as condições tidas como mínimas, designadamente, as constantes da al. e) do n.º 9 do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, a Ré estava obrigada a contratar o Autor, na medida em que as referidas condições foram previamente aprovadas ou em condições que não poderiam, em caso algum, ser inferiores a elas;
16. Com efeito, a fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão – de ordem pública – maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
17. A não se entender assim, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, mais não é do que letra morta e o Despacho do órgão do Governo competente para autorização de não residentes a um simples papel de embrulho que uma vez utilizado pouca ou nenhuma utilidade futura terá...
18. Ou melhor, a fraude ao regime jurídico em caso algum poderá premiar o infractor... razão pela qual à Ré em caso algum deverá ser possível que retire vantagens materiais de ter incumprido dolosamente as suas obrigações legais, nomeadamente no que respeita à obrigação de dar cumprimento aos termos da autorização para a importação de mão-de-obra emitida nos termos legais;
19. Efectivamente, permitir que uma parte não cumpra obrigações legais impostas por lei e depois que venha escudar-se nesse mesmo incumprimento para retirar vantagens financeiras é, no mínimo, inaceitável e constitui uma censurável forma de exploração da parte mais fraca, a quem foi, aliás, ocultado os termos aprovados para a sua importação.
20. Não tendo a Sentença dedicado uma única referência ao procedimento de importação e contratação de mão-de-obra não residente, maxime ao conteúdo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, limitando-se a emitir um juízo de valor, “para não nos alargarmos mais”, e sem especificar os fundamentos de facto ou de direito que lhe dão guarida é a mesma nula, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 571.º do Código do Processo Civil;
21. Na concreta forma de cálculo utilizada para compensar o Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, a douta decisão procede a uma errada aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, porquanto ao Autor é devido o dobro do valor normal da sua retribuição e não apenas o equivalente a um dia de salário;
22. Tendo na Sentença ficado prejudicada a análise de toda a matéria relativa ao subsídio de alimentação e subsídio de efectividade e constante da matéria de facto dada por provada nas alíneas ff) e hh), respectivamente, e, bem assim, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a alínea i) do pedido junto com a Petição Inicial, a Sentença proferida pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Base é nula, por violação da al. d) do n.º 1 do art. 571.º do Código de Processo Civil.
  Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deverá a Sentença do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base ser declarada nula pelas razões supra expostas e substituída por outra, porquanto só assim se fará a já costumada JUSTIÇA!

Notificada a Ré ora recorrida, contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 288 a 293 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica do celebrado entre o Autor e a Ré como contrato individual de trabalho.

Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.

Por razões que passaremos a expor infra, não se vê razão para não manter o já decidido acerca dessa mesma questão.

Tendo em conta a qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, feita nesses Acórdãos tirados nos processos mais ou menos congéneres, já podemos antever com segurança que iremos ficar dispensados de analisar a bondade da parte das conclusões tecidas e das qualificações jurídicas operadas pelo Exmº Juiz a quo, ora impugnadas pelo Autor ora recorrente, nomeadamente a existência ou não de um regime legal de contratação dos trabalhadores não residentes até à publicação da Lei nº 21/2009, e a da natureza jurídica e do alcance normativo do Despacho nº 12/GM/88 de 01FEV.

Assim, de acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:

1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada; e

2. Dos créditos e dos juros moratórios reclamados pelo Autor.

Passemos então a apreciá-las.

1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada

Tal como dissemos supra, a propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré GUARDFORCE e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada e que não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.

Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.

Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e a serem afectados ao serviços à Ré.

E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.

O Tribunal a quo não qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil, pura e simplesmente porque no contrato a favor de terceiro a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um outro contrato.

Então vejamos.

Reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.

Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórios a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.

Finalmente quanto às razões em que se apoiou o Exmº Juiz a quo ao não qualificar como contrato a favor de terceiro o celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, é de subscrever integralmente as seguintes razões já expostas no Acórdão deste Tribunal tirado em 19MAIO2011 no processo nº 574/2010:

    Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
    Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
    Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
    É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
    Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.4
    Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.5
    A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
    Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
    Não estamos certos desta aparente linearidade.
    A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
    Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
    Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.6
    Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.7
    As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
    Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
    O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
    Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.8
    Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).9
    Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”10

Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.

2. Dos créditos e dos juros moratórios reclamados pelo Autor.

Pela qualificação jurídica por nós operada supra do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação prometida, tem o direito à prestação (direito a ser contratado pela Ré nas condições definidas naquele contrato) que nasce imediatamente na sua esfera jurídica

Vem reclamar o Autor ora recorrente dos créditos resultantes das diferenças salariais, das horas extraordinárias, do subsídio de alimentação e do subsídio de efectividade.

Apesar de esses créditos peticionados não terem sido objecto do conhecimento por parte do tribunal recorrido por o considerar prejudicado pela solução dada à acção intentada pelo Autor, impõe a regra da substituição consagrada no artº 630º/2 do CPC que este Tribunal de Segunda Instância conheça do mesmo pedido, sempre que disponhamos dos elementos necessários.

Ficou provada na primeira instância a seguinte matéria de facto pertinente:

* Do contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;

* Entre 15FEV1995 e 31MAIO2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;

* Entre 15FEV1995 e 30SET1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1.500,00;

* Entre OUT1995 e JUN1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1.700,00;

* Entre JUL1997 e MAR1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais;

* Entre ABR1998 e FEV2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais;

* Entre MAR2005 e FEV2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00 mensais;

* Entre MAR2006 e DEZ2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais;

* Entre 15FEV1995 e 30JUN1997, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8,00 por hora;

* Entre 01JUL1997 e 30JUN2002, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora;

* Entre 01JUL2002 e 31DEZ2002, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora;

* Entre 01JAN2003 e 28FEV2005, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora;

* Entre 01MAR2005 e 28FEV2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora;

* Entre 01MAR2006 e 31DEZ2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,50 por hora;

* Entre 15FEV1995 e 30JUN1999 o Autor trabalhou em turnos de 12 horas por dia;

* Entre 01JUL1999 e 30JUN2002 o Autor prestou 5298 horas de trabalho extraordinário;

* Entre 01JUL2002 e 31DEZ2002 o Autor prestou 946 horas de trabalho extraordinário;

* Entre 01JAN2003 e 28FEV2005 o Autor prestou 3887 horas de trabalho extraordinário;

* Entre 01MAR2005 e 28FEV2006 o Autor prestou 1416 horas de trabalho extraordinário;

* Entre 01MAR2006 e 31DEZ2006 o Autor prestou 1132 horas de trabalho extraordinário;

* A ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;

* Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho;

* A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»;

* Entre 07FEV2001 e 15JAN2002, o Autor não gozou 48 dias de decanso semanal;

* Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório; e

* Foi por declaração de vontade do próprio Autor, que durante o período compreendido entre 07FEV2001 e 15JAN2002 trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal.

Com essa factualidade assente, já estamos em condições para apurar os créditos fundados no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, qualificado por nós como contrato a favor de terceiro, quais são:

* diferenças salariais;
* horas extraordinárias;
* subsídios de alimentação;
* subsídios de efectividade; e
* compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.

* diferenças salariais

Vem o autor reclamar as diferenças entre o salário definido no contrato de prestação de serviço e o pago pela Ré durante todo o período de tempo da relação laboral entre ele próprio com a Ré.

Mostrando-se os valores parcelares e o global das diferenças salariais especificados pelo Autor na petição inicial conformes com a matéria de facto assente acima transcrita, é de condenar a Ré no pagamento ao Autor a quantia ai contabilizada no valor global de MOP$107.320,00.

* horas extraordinárias

Como vimos na matéria de facto assente, é de 8 horas diárias o horário de trabalho do Autor.

O que significa que o Autor tem direito ao pagamento de um salário extra nas horas para além das horas diárias.

O Autor pediu sempre um acréscimo no valor de MOP$1,00 por cada hora extraordinária prestada em todas as parcelas dos créditos alegadamente devidos.

A propósito de um pedido nos mesmos termos formulado, decidiu o acima já citado Acórdão 574/2010 onde se salienta:

“Cremos não haver aqui base legal para este acréscimo, a título de trabalho extraordinário, não sendo aqui de entrar com critérios de equidade – apenas possível quando legalmente prevista, convencionada ou mediante acordo das partes (cfr. art. 3º do CC) - , face à matéria dada como provada.
Assim sendo, importa apenas pagar as diferenças salariais, excluindo o pretenso acréscimo de MOP$1,00, por hora.”

É de subscrever esse sensato entendimento que demos aqui por integralmente reproduzido para julgar improcedente o pedido desse acréscimo de MOP$1,00 por hora.

Assim, a remuneração por cada hora extraordinária deve ser calculada com base no salário diário de MOP$90,00 definido no contrato de prestação de serviços, isto é MOP$90,00/8horas=MOP$11,25.

Da matéria de facto provada resulta que são nos seguintes períodos de tempo que o Autor tem direito à diferença entre o valor do salário por hora calculado no contrato de prestação de serviços e o valor que lhe foi pago pela Ré:

i) de 15FEV1995 a 30JUN1997;
ii) de 01JUL1997 a 30JUN2002;
iii) de 01JUL2002 a 31DEZ2002;
iv) de 01JAN2003 a 28FEV2005;
v) de 01MAR2005 a 28FEV2006; e
vi) de 01MAR2006 a 31DEZ2006.

i) de 15FEV1995 a 30JUN1997;

Neste período de tempo, a diferença é MOP$11,25 – MOP$8,00 = MOP$3,25

O autor prestou neste mesmo período 4 horas extraordinárias por dia.

Com o acréscimo de MOP$1,00 o valor global peticionado é de MOP$14.756,00.

Está assim implicitamente alegado o número total das horas extraordinárias prestadas pelo Autor, que é 3472 horas (14.756,00/MOP$4,25)

Não tendo aquele valor (MOP$14.756,00) sido objecto da impugnação específica na contestação apresentada pela Ré, e excluindo o pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, o Autor tem direito a receber MOP$11.284,00 (MOP$3.25 X 3472 horas).

ii) 01JUL1997 a 30JUN2002

Neste período de tempo, a diferença é MOP$11,25 – MOP$9,30 = MOP$1,95

O autor prestou neste mesmo período 5298 horas extraordinárias.

Sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, o Autor tem direito a receber MOP$10.331,10 (MOP$1,95 x 5298 horas).

iii) de 01JUL2002 a 31DEZ2002

Neste período de tempo, a diferença é MOP$11,25 – MOP$10,00 = MOP$1,25

O autor prestou neste mesmo período 946 horas extraordinárias.

Sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, o Autor tem direito a receber MOP$1.182,50 (MOP$1,25 x 946 horas).

iv) de 01JAN2003 a 28FEV2005

Neste período de tempo, a diferença é MOP$11,25 – MOP$11,00 = MOP$0,25

O autor prestou neste mesmo período 3887 horas extraordinárias.

Sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, o Autor tem direito a receber MOP$971,75 (MOP$0,25 x 3887 horas).

v) de 01MAR2005 a 28FEV2006

Neste período de tempo, sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, como a Ré já remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora, quantia essa que é superior a MOP$11,25, o Autor não tem direito a receber mais.

vi) de 01MAR2006 a 31DEZ2006.

Neste período de tempo, sem direito ao pretenso acréscimo de MOP$1,00 por hora, como a Ré já remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,50 por hora, quantia essa que é superior a MOP$11,25, o Autor não tem direito a receber mais.

* subsídios de alimentação

Tendo-se a Ré limitado a impugnar os créditos peticionados resultantes dos subsídios de alimentação apenas com fundamento na circunstância de não ter este subsídio sido acordado no contrato individual de trabalho celebrado entre ela própria e o Autor e nada tendo contradito quanto ao número dos dias de trabalho alegados pelo autor, este tem direito a receber a quantia global peticionada no valor de MOP$72.840,00.

* subsídios de efectividade

Tendo-se a Ré limitado a impugnar os créditos peticionados resultantes dos subsídios de efectividade apenas com fundamento na circunstância de não ter este subsídio sido acordado no contrato individual de trabalho celebrado entre ela própria e o Autor e nada tendo contradito quanto ao valor contabilizado pelo autor, este tem direito a receber a quantia global peticionada no valor de MOP$58.320,00.

* compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal

A sentença entende que por cada dia de trabalho de descanso semanal, o Autor tem direito a receber o montante equivalente a um dia de trabalho, uma vez que ficou provado que o Autor já foi pago pelo trabalho nesse dia em singelo.

Vem agora o Autor pedir a atribuição de MOP$8.640,00 (MOP$90 X 48 X 2), com fundamento no artº 17º/6-a) do D.L. nº 24/89/M de 03ABR, para o qual remete o ponto 10 do contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré (vide fls. 50v dos p. autos).

Na esteira da jurisprudência pacífica do TSI a este propósito (cf. nomeadamente os Ac. deste TSI nos proc. 780/2007, 912/2009), temos vindo a entender que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho voluntariamente prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Aplicando esta fórmula aos factos provados nos presentes autos, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$8.640,00 (MOP$90,00 X 48 X 2).

Finalmente quanto aos juros, é de observar-se o decidido na jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI tirado em 02MAR2011, no processo nº 69/2010.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré GUARDFORCE (MACAU) – SERVIÇOS DE SEGURANÇA, LIMITADA a pagar ao Autor A a quantia de MOP$270.889,35.

Custas pelo recorrente e pela recorrida, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.

Notifique.

RAEM, 23JUN2011



Lai Kin Hong
(Relator)


Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)


João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Veja-se João de Matos Antunes Varela em Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 348.
2 Antunes Varela na obra citada supra a pág. 329.
3 Antunes Varela na obra citada a pág. 329.
4 Antunes Varela na obra citada a pág. 330.
5 Antunes Varela na obra citada a pág. 262 e seguintes.
  6 Sobre esta matéria o Tribunal de Ultima Instância de Macau já se pronunciou em vários Acórdãos, nomeadamente, processo nº 28/2007 de 21.09.2007, processo nº 29/2007 de 22.11.2007 e processo nº 58/2007 de 27.02.2008.
4 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
5 - Leite de Campos, ob. cit., 17
6 - Obrigações, 1966, 55
7 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
8 - Leite de Campos, ob. cit.27
9 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
10 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
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Ac. 69/2010-1