Processo n. 964/2009 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Junho de 2011
Descritores: - Prescrição de créditos laborais
- Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
SUMÁRIO:
I- Entre o prazo de 15 anos para a verificação da prescrição, fixado no Cod. Civil de 1999, e o de 20, estabelecido no Cod. Civil de 1966, aplicar-se-á o segundo, se o seu termo ocorrer primeiro, face ao disposto no art. 290º, nº1.
II- Para esse efeito, não se aplica ao contrato entre um trabalhador do casino e a STDM as normas dos arts. 318, al. e) do Cod. Civil de 1966 e 311º, al. c) do Cod. Civil vigente porque a relação laboral assim firmada entre as partes é de trabalho e não equivalente à do contrato doméstico.
III- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
IV- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
V- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
VI- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual durante a vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
Proc. N. 964/2009
Recorrentes: A e STDM
Recorridos: Os mesmos
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$715.214,96 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados) e descansos anuais não gozados desde 4 de Agosto de 1990, data em que para a ré começou a trabalhar, até 24 de Julho de 1992, altura em que cessou a relação laboral entre ambos.
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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador, julgando parcialmente prescritos os créditos peticionados, concretamente os referentes ao descanso anual de 1984 a 2001.
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Dessa decisão recorreu o autor – recurso admitido com subida diferida - formulando as seguintes conclusões:
“1- Não é verdade que os créditos reclamados pelo Autor (créditos resultantes de não gozo dos descansos semanais e anuais e dos feriados obrigatórios) possuem a natureza de prestação renovável, tanto na vigência do Código Civil de 1966 como no actual Código Civil de Macau.
2 - Pelo que violou a sentença, que julgue procedente a excepção da prescrição do pedido relativo ao descanso anual, o artigo 310.º, al. g) do Código Civil de 1966.
3 - No caso concreto, é todo o regime contido no Código Civil de 1966 que tem aplicabilidade e não o novo regime de Código Civil de Macau por falta de regulamentação específica no domínio do direito de trabalho.
4 - A prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício.
5 - O legislador prevê situações, ligadas a relações de especial proximidade e confiança e até de conflito de interesses, em que não é justo que a inércia prolongada do titular do direito no seu exercício seja desvalorada e daí a previsão legal das chamadas causas bilaterais de suspensão do prazo de prescrição.
6 - Uma das causas bilaterais de suspensão do prazo de suspensão é a pendência da relação de trabalho doméstica.
7 - No nosso entender, a particular relação de trabalho propriamente dita tem toda a semelhança, na sua essência, com a relação de trabalho doméstica, e todos os elementos necessários (subordinação jurídica, retribuição) estão plenamente verificados em ambos os tipos de contrato de trabalho. Ao fim e ao cabo, pode afirmar-se que o contrato de trabalho doméstico é uma sub-espécie do contrato de trabalho.
8 - Existe uma zona de intersecção “teleológica entre esses dois tipos de contrato de trabalho que justificaria tratamento legal semelhante.
9 - Se assim é, significaria que o legislador teria alargado o âmbito da causa bilateral de suspensão prevista na alínea e) do artigo 318.º do Código Civil de 1966 a todas as relações laborais e não apenas às relações laborais de trabalho doméstico.
10 - Na verdade, o ponto comum ou zona de intersecção reside-se no facto de que a inibição no exercício do direito por parte do trabalhador doméstico, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que pode, inclusivamente, colocar em risco o seu emprego, verifica-se da mesma maneira na relação de trabalho propriamente dito, não se descortina, alguma diferença de carácter substantivo.
11 - Assim, e perante a lacuna legislativa verificada na ordem jurídica de Macau (no âmbito de Código Civil de 1966), o intérprete do direito deve procurar colmatar a mesma lacuna, recorrendo à analogia.
12 - Se assim é, não é difícil de concluir que, por aplicação analógica do artigo 318.º, al. e) do Código Civil de 1966, o prazo de prescrição dos créditos emergentes da relação laboral só começa a correr a partir da cessação do contrato de trabalho.
13 - Pelo que o artigo 318.º, al. e) do Código Civil de 1966 foi também violada”.
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Não houve contra-alegações.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 26/08/2009, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 611.838,70.
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É dessa sentença que, inconformada, a STDM agora recorre, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
“A. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso semanal e nos feriados obrigatórios remunerados, por parte do Autor, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pelo ora Recorrido, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização com base no regime do salário mensal e abrangendo realidades distintas que são o salário diário recebido pelo Recorrido e as gratificações ou gorjetas recebidas de terceiros, liberalidades dos clientes frequentadores dos casinos, distribuídas aos então colaboradores ou trabalhadores da Recorrente.
B. De acordo com o douto teor de fls. 101 a 102v dos autos e o constante na página 17 da Sentença dos autos, o Mmo Tribunal recorrido considerou prescritos o pedido de não gozo de descanso anual, matéria de que a Recorrente, naturalmente, não recorre, concordando inteiramente com o julgado, excepto quanto ao ano de 2002 que aqui se recorre, não tendo este ano sido abrangido pela Excepção de Prescrição - teor de fls. 102 e páginas 23 e 24 da Douta Sentença.
C. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pelo A., ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito, culposo e punível.
D. E, de acordo com os artigos 17º, 20º e 24º, todos do RJRT de 1989, qualquer dos diplomas, aqui, aplicáveis, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora ou do empregador, - e consequentemente um direito a indemnização ou a uma compensação - quando, o trabalhador ou o empregado seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e aquela entidade empregadora não o remunere nos termos da lei.
E. Pelo que, por omissão de pronúncia, a Sentença é desde logo nula, devendo ser revogada, sem prejuízo do que abaixo e adiante se irá ainda concluir e expor.
F. Não podendo, de todo, proceder os montantes e valores expostos nas tabelas apresentadas nas páginas 19, a 24 e 26 da douta Sentença recorrida, porque, deveria ter-se descontado os montantes recebidos pelo Recorrido em singelo, nas pretensas quantias a eventualmente apurar, o que igualmente o Mmo Tribunal a quo não fez, ao arrepio do mais alto entendimento do Mmo TUI.
G. Nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, ou sequer culposo, logo, não punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descanso semanal e em feriados obrigatórios pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que o A. precisava da autorização da R. para ser dispensado ao serviço.
H. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da R. e ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido, i. e., a ilicitude e a culpa do comportamento da R., ora Recorrente.
I. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário - em função do trabalho efectivamente prestado (artigos 26º e 27º do RJRT de 1989).
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
J. O Autor, ora Recorrido, não estava dispensado do ónus da prova, quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em Audiência de Discussão e Julgamento, por meio de testemunhas ou através de meio de prova documental ter de facto, provado, que dias, alegadamente não gozou.
K. Assim sendo, o douto Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., aqui ora Recorrido.
L. Nos termos do número 1 do artigo 3420 do Código Civil de 1966 e do artigo 3350 do Código Civil de 1999, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”;
M. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos da base instrutória, cabia ao A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou, proibiu, impediu ou negou o gozo de dias de descanso (sejam descansos semanais ou em dias feriados).
N. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, culposa ou punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
O. Sendo, assim, a douta Sentença nula, devendo ser revogada e substituída por outra decisão da parte do MIno Tribunal ad quem.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
P. O número 1 do artigo 5º do RJRT de 1989, dispõe que este diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o artigo 6º dos mesmos diplomas que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
Q. O facto de o A., ora Recorrido, ter beneficiado de um generoso e vantajoso esquema de distribuição de gratificações ou de gorjetas dos Clientes dos casinos que a Ré explorou entre 1962 e 2002, e que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe à entidade empregadora o dever de pagar um salário justo.
R. É que, pois, caso o ora Recorrido auferisse apenas um “salário justo” - da total responsabilidade da Recorrente, e pago na íntegra por esta - certamente que, esse salário seria inferior ao rendimento total que o ora Recorrido, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado ou funcionário da ora Recorrente.
S. Não concluindo - e nem sequer se tendo debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da douta sentença ora em crise, devendo ser a mesma revogada ou alterada quanto a esta questão, da pretensa falta de descanso semanal ou de gozo dos feriados obrigatórios remunerados e não remunerados.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
T. A aceitação do ex-trabalhador, ora Autor e aqui Recorrido de que aos dias de descanso semanal e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
U. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica de Macau, consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 70º e seguintes do Código Civil de 1966 e dos artigos 67º e seguintes do Código Civil de 1999, consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso semanal e nos dias de feriados obrigatórios).
V. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
W. Destarte, deveria o Mmo Tribunal recorrido, ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
X. Ao trabalhar voluntariamente - e realce-se, não ficou, em nenhuma sede, provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o ora Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
Y. E, não tendo o Recorrido, sido impedido ou proibido de gozar quaisquer dias de descanso semanal ou em quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da Ré/Recorrente ao A.lRecorrido, quanto àqueles.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
Z. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo Juiz a quo quando considera que o A., ora Recorrido era retribuído com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário em função do trabalho efectivamente prestado.
AA. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como o aqui Recorrido é a mesma há cerca de 40 anos: auferia um salário diário, neste caso, de HKD$10,00 e, depois de HKD$15,00, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado e a comparência ao serviço.
BB. Acresce que a fórmula do salário diário nunca foi contestada pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
CC. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o então RJRT de 1989, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da Autonomia da Vontade (vertente da liberdade contratual), prevista no artigo 1º do mesmo diploma laboral.
DD. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era retribuído de acordo com um salário mensal, a douta Sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
EE. Salvo o devido respeito por mais douto entendimento diverso, a R. e ora Recorrente, entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é errada, ao tentar estabelecer como imperativo (ou seja, o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como sendo dispositivo (i. e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
FF. E, é importante salientar, esse entendimento por parte da Mma. Juíza a quo do douto Tribunal recorrido, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pelo A, ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
GG. O trabalho prestado pelo ora Recorrido em dias de descanso foi sempre retribuído em singelo.
HH. A retribuição já paga pela R./Recorrente ao ora Autor/Recorrido por esses dias, deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A./Recorrido tinha direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990 (que alterou este último RJRT de 1989 pela primeira vez), aplicando-se aqui aquele diploma após a aludida alteração.
II. Tal como é entendido, hoje em dia, desde 2007, pela mais Alta Instância Jurisdicional em Macau, o Mmo TUI, em pelo menos três doutos arestos sobre esta precisão questão que envolveu - igualmente, - a ora Recorrente.
JJ. O trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. as alíneas a) e b) do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989), tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão, ao que parece na opinião da Recorrente.
KK. Ora, nos termos do número 4 do artigo 26º do RJRT de 1989, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do número 6 do artigo 17º, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal, remunerados nos termos do que for acordado com a entidade empregadora.
LL. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
MM. A decisão aqui em recurso, enferma assim de ilegalidade por errada aplicação da alínea b) do número 6 do artigo 17º e do artigo 26º, ambos do RJRT de 1989, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a ora Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso semanal, o que, expressamente, se requer.
Ainda, concluindo, deverá também, ser considerado pelo Mmo Tribunal ad quem:
NN. Relativamente à questão de Direito e ao aspecto jurídico nuclear deste litígio,
OO. As gratificações, luvas, prémios irregulares, prémios de produtividade, ou as gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gratificações ou as luvas ou os prémios, ou as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da ora Recorrente.
PP. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999, e agora na R.A.E.M., pelo Tribunal de Última Instância, em três decisões proferidas em 2007 (duas) e em 2008 (uma), até hoje, as únicas sobre esta questão de Direito juridicamente nuclear no presente litígio.
QQ. Também neste sentido se tem pronunciado a Doutrina de uma forma pacifica e unanimemente, quer em Portugal, quer em Macau, quer na Europa.
RR. Assim, também, o entendeu o douto Tribunal de Última Instância de Hong Kong, em douto Acórdão datado de 28 de Fevereiro de 2006:
SS. “I am to the view that, subject to the possibility that sections 41 (2) and 41 C(2) are to be read to cover contractual commission accruing and calculated on a daily basis in amounts varying from day to day, no commission is to be included in the calculation of holiday pay and annual leave pay”. - Recurso final com o n.º 17/2005 (Direito e processo civil), em recurso do processo inicial com o n.º 204/2004.
TT. Repare-se que este excerto da decisão do Mmo T.U.I. de Hong Kong também se debruça sobre a compensação pelo trabalho prestado em dia de repouso, considerando que a haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso, aquela não inclui nem se calcularia tendo em conta elementos estranhos e alheios ao salário do aí peticionante.
UU. E, o mesmo se passa, neste caso concreto decidendo, salvo melhor entendimento, Juízo e opinião.
VV. E a legislação comparada de Portugal: o Despacho n.º 20/87 de 27 de Fevereiro, publicado na II - Série, n.º 59, de 12 de Março de 1987; o Despacho Normativo 24/89, de 17 de Fevereiro de 1989; o Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro de 1989; o Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro de 1995; a Portaria n.º 1159/90, de 27 de Novembro de 1990; a Portaria n.º 129/94, de 1 de Março de 1994 ; e a Portaria n.º 355/2004, de 5 de Abril de 2004.
WW. O punctum crucis essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo da entidade empregadora.
XX. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade, no sinalagma entre a prestação do trabalho do trabalhador e a sua remuneração pela entidade empregadora.
YY. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”.
ZZ. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas/gratificações/luvas/prémios irregulares, de salário, vencimento, remuneração ou retribuição - vejam-se os artigos 2º e 3º da Lei n.º 2/78/M, de 25 de Fevereiro de 1978.
AAA. Neste sentido, qualifica o Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM, S. A., como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
BBB. Ainda, e na doutrina portuguesa, por exemplo, no mesmo sentido, a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho afirma que, “as gratificações ou prémios atribuídos ao trabalhador não integram, em princípio, o conceito de retribuição, porque não correspondem a um dever do empregador mas ao seu animus donandi, nem constituem contrapartida do seu trabalho prestado658-659. (...) Por fim, debate-se o problema da qualificação das gratificações e outras prestações patrimoniais em que o trabalhador recebe não do empregador mas de terceiros (por exemplo, as gorjetas dadas aos empregados de um restaurante ou de um hotel, ou aos croupiers do casino, pelos clientes). Crê-se que a qualificação como retribuição destas prestações é de afastar pelo facto de não serem atribuídas nem devidas pelo empregador, não podendo, assim, corresponder a qualquer contrapartida do trabalho prestado662.” - páginas 552 e 553, Volume II, “Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais”, Julho de 2006, itálico no original da obra.
CCC. E, agora na Jurisprudência portuguesa, por exemplo, decidiu-se igualmente que: “III - As gratificações dadas por terceiros ao trabalhador não se consideram como integrantes do direito à retribuição devida pela entidade patronal;” -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Almeida Devesa, de 23 de Janeiro de 1996, processo número 004309, número do documento SJ199601230043094, disponível em www.dgsi.pt.
DDD. Ou, ainda, por exemplo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Março de 1995, o mesmo acordou que: “II - As gratificações recebidas dos clientes pelos empregados dos Casinos e repartidas pelos trabalhadores, segundo o processo fixado na lei (DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, e Portaria n. 1159/90, de 27 de Novembro), não constituem retribuição dos trabalhadores, nos termos dos arts. 82 e 88 da LCT69.” - Douto aresto relatado pelo Senhor Desembargador Dinis Roldão, processo número 0098094, número do documento RL199503080098094, também disponível no mesmo sítio da internet, em www.dgsi.pt.
EEE. N a verdade, a reunião, guarda, recolha e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, S. A., mas com a colaboração e intervenção de uma Comissão Paritária composta por empregados de casino, funcionários da tesouraria e ainda de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a todo esse procedimento.
FFF. Apenas a distribuição das gratificações, gorjetas, ou, das luvas, cabia e coube sempre e apenas em exclusivo à Ré/Recorrente.
GGG. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Tribunal a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto decidendo.
HHH. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gratificações ou luvas ou gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, S. A., aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e a DICJ.
III. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
JJJ. Nem, diga-se, de iure constituendo, ou de lege ferenda, nos vários projectos de novo RJRT, discutidos desde 2007 até meados de 2008, que se irá incluir um mínimo salarial ou o que será quantitativamente e qualitativamente o referido «salário justo» seja do conhecimento público.
KKK. A actual Lei das relações de trabalho - «LRT» - que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2009, exclui, nos seus artigos 57º a 65º - Capítulo V - da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto de 2008, as gratificações ou luvas ou gorjetas do conceito de remuneração base, não as incluindo em qualquer dos acréscimos à mesma retribuição base.
LLL.Veja-se, nesse sentido, o teor do número 1 do artigo 59º da LRT.
MMM. E, no seguimento, os números 2. a 6. do artigo 59º, e os artigos 60º e 61 º da mesma nova LRT a entrar futuramente em vigor, na R.A.E.M.
NNN. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia, - acredita a Recorrente, - levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações, luvas ou gorjetas.
OOO. O valor dos rendimentos médios mensais no sector do jogo e aposta em casino em Macau, ascendeu, no ano de 2007, a cerca de mais de 11 mil patacas mensais (MOP11.000,00), enquanto que nas outras áreas económicas e produtivas, os rendimentos apenas ultrapassaram as 7 mil patacas mensais (MOP7.000,00), o que, desde logo, demonstra o atractivo por aquela actividade, que a ora Recorrente levou a cabo até 2002.
PPP. A Recorrente, ao que parece, não poderia ser condenada, à luz de um conceito de salário mensal ou de retribuição média diária ou de remuneração normal, quando estão em causa os descansos semanais e em dias de feriados obrigatórios remunerados e, não remunerados.
QQQ. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização a arbitrar, quanto às questões enunciadas e em litígio, só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
RRR.Finalmente, a R./Recorrente, gostaria ainda de invocar os três doutos Acórdãos n.os 28/2007, 29/2007, e 58/2007, respectivamente datados de 21 de Setembro de 2007,22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, nos quais o Mmo TUI demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
SSS. A Sentença proferida pelo Mmo Tribunal Judicial de Base em 26 de Agosto de 2009 ora posta em crise, deverá ser revista e reformulada, absolvendo-se a ora Recorrente e considerando as presentes Alegações de Recurso procedentes por provadas, fazendo V. Exas a costumada Justiça.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
- A R. foi, desde o início da passada década de sessenta até 31 de Março de 2002, a concessionária, em regime de exclusividade, de uma licença de exploração de jogos de fortuna e azar em casino (alínea A) dos factos assentes).
- Entre o A. e a R. foi estabelecida um relação em 4 de Agosto de 1990 a qual cessou em 24 de Julho de 2002 (alínea B) dos factos assentes).
- Dessa relação o A. recebia uma quantia fixa, no valor de HKD10,00 por dia, desde o início até 30 de Abril de 1995, e de HKD15,00 por dia, desde de 1 de Maio de 1995 (alínea C) dos factos assentes).
- A distribuição das gorjetas dadas pelos clientes dos casinos era feita a todos os trabalhadores da R., de acordo com a categoria profissional a que pertenciam (alínea D) dos factos assentes).
- Ao gozo de dias de descanso pelos trabalhadores da R., não corresponderia qualquer remuneração (alínea E) dos factos assentes).
- Os trabalhadores da R., eram livres de pedir o gozo de dias de descanso (alínea F) dos factos assentes).
- Desde que tal gozo de dias não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. o pedido era deferido (alínea G) dos factos assentes).
- Pode-se conceber a elaboração de um esquema rotativo de gozo de descansos semanais, anuais e feriados pelos trabalhadores da R. (alínea H) dos factos assentes).
- Da relação referida em B) dos factos assentes, o A. recebia ainda uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- As quais são distribuídas segundo um critério fixado pela (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- O rendimento recebido pelo A. entre os anos de 1990 a 2002 foi de (resposta ao quesito da 5º da base instrutória):
• MOP$27.342,00 em 1990
• MOP$95.410,00 em 1991
• MOP$121.606,00 em 1992
• MOP$138.210,00 em 1993
• MOP$135.292,00 em 1994
• MOP$179.841,00 em 1995
• MOP$187.404,00 em 1996
• MOP$185.642,00 em 1997
• MOP$195.894,00 em 1998
• MOP$176.767,00 em 1999
• MOP$175.594,00 em 2000
• MOP$181.664,00 em 2001
• MOP$189.704,00 em 2002
- A R. foi sempre regular na entrega das gorjetas ao A. (resposta ao quesito da 6 º da base instrutória),
- A contabilização do quantitativo das gorjetas entregues pelos clientes aos trabalhadores da R. era feita exclusivamente por esta (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- O A. era expressamente proibido de guardar as gorjetas dadas pelos clientes dos casinos (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- O horário de trabalho do A. era fixado pela R. por turnos de 4 horas com períodos de descanso de 4, 8 e 16 horas (resposta ao quesito da 9º da base instrutória),
- Desde o início da relação até 24 de Julho de 2002, nunca o A. descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 10º da base instrutória),
- Nunca o A. descansou 6 dias por ano sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- De 4 de Agosto de 1990 até 4 de Maio de 2000, nunca o A. descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo Chinês, no dia 10 de Junho, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e Cheng Meng tendo o A. trabalhado nesses dias (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- Desde 4 de Maio de 2000, o A. não gozou descanso nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo chinês, no dia 20 de Dezembro, no dia seguinte ao dia de Chong Chao, nos dias de Chong Yeong e Cheng Meng tendo o A trabalha nesses dias (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- Sem que a R. tivesse proporcionado qualquer acréscimo no rendimento do A. (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- N em compensado o A. com outro dia de descanso (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- O A. gozou, em 1993, 6 dias de descanso; em 1994, 45 dias de descanso; em 1995, 10 dias de descanso; em 1997, 20 dias de descanso; em 1999,2 dias de descanso; e em 2000, 8 dias descanso (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- As gorjetas eram diariamente reunidas e contabilizadas pela R. e, de dez em dez dias, distribuídas (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- A actividade da R. é rigorosamente contínua não se interrompendo em qualquer dia ou momento, seja em fins de semana, estações de veraneio ou feriados obrigatórios (resposta ao quesito da 200 da base instrutória).
***
III- O Direito
A) Do saneador (a prescrição)
O despacho saneador absolveu a ré do pedido relativamente aos créditos resultantes do descanso anual do período anterior entre 1984 e 2001.
Antes de mais, importa dizer que se vislumbra aqui um nítido lapso de datas, pois só estão em discussão os créditos emergentes de uma relação laboral que se iniciou em Agosto de 1990 (nunca poderia falar-se em prescrição de créditos anteriores a essa data).
Conheçamos, então, da prescrição.
O raciocínio laborioso detectado no saneador é este: os direitos aos descansos semanais, anuais e feriados têm natureza renovável. A mesma natureza não teria já, por exemplo, o direito resultante do não gozo; este não seria renovável (o que aconteceria com o referente ao descanso semanal e feriado). O mesmo não concluiu, porém, quanto ao não gozo do descanso anual, com o argumento de que o trabalhador sempre os pode reclamar passados dois ou três anos, o que significaria que a regularidade e previsibilidade do direito não se perderia com o seu não gozo, aplicando-se-lhe assim o art. 303º, al. f), do CC (isto é, seriam direitos renováveis). Por isso, considerando que o prazo seria de cinco anos estariam prescritos os créditos respectivos, tendo em atenção o disposto aquela disposição legal e em conta que a Ré fora notificada em 31 de Maio de 2007 para a tentativa de conciliação e que a relação laboral cessou em 24 de Julho de 2002. Quanto aos outros direitos resultantes do não gozo do descanso semanal e feriados obrigatórios, o despacho saneador não considerou estarem prescritos todos os ocorridos até 7 de Maio de 1987 (20 anos antes da data da notificação para a tentativa de conciliação, segundo o art. 309º do CC de 1966).
Vejamos.
Acompanhamos, por comodidade e economia de meios, o acórdão deste TSI de 11/06/2009, no Proc. 78/2009, por corresponder à jurisprudência que vem sendo seguida de modo constante. “(…) Importa não esquecer que os créditos não são os salários, mas sim as compensações por direitos não gozados. E esses direitos não são prestações renováveis, pela razão simples, desde logo, que não se chegaram a verificar. E mesmo em relação aos salários dos trabalhadores, a prestação de trabalho não se coaduna com a natureza de uma qualquer prestação renovável, antes se traduzindo na contrapartida de um serviço prestado durante um certo período, sob direcção e instruções da entidade empregadora, correspondendo cada salário a um trabalho próprio, não se podendo dizer que o salário seguinte é a renovação do anterior. Ainda, a não consideração de um prazo curto de prescrição insere-se num entendimento que leva a considerar que a relação de proximidade existente pode condicionar o exercício do direito pela parte do trabalhador, pelo que deve ele mostrar-se protegido, como acontecia anteriormente para o serviço doméstico e agora para as relações de trabalho em geral.
(…) Estabelece o art. 306º do Código Civil de 1966 que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse prazo se inicia o prazo da prescrição”. Não está prevista, de modo expresso, entre as causas bilaterais de suspensão reguladas no art. 318º do Código Civil de 1966, a situação que agora nos ocupa e relativa a créditos emergentes de relação de trabalho não-doméstico. Com efeito, o Código Civil de 1966, prevendo embora a figura do contrato de trabalho, relegou para legislação especial a sua regulamentação – cfr. art. 1152º e 1153º do Código Civil de 1966. O art. 318º do Código Civil de 1966, regulando sobre as causas bilaterais da prescrição, determina, entre o mais que agora não releva, que a prescrição não começa nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (al. e) do art. 318º do Código Civil). (…) Por aplicação da regra geral, dir-se-á que o prazo de prescrição em relação a cada um dos créditos aqui reclamados iniciou o seu curso com o respectivo vencimento, uma vez que, a partir daí a parte Autora passou a estar em condições de exercer os seus direitos. Assim, em relação aos créditos vencidos relativos ao período situado entre o início e o dia correspondente a vinte anos antes da tentativa de conciliação ou da respectiva notificação ter-se-á verificado a prescrição. (…) Não há lacuna na presente situação. A lacuna, como diz o Prof. Oliveira Ascensão, é uma fatalidade, uma 2 incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste2. Fatalidade que vai ao ponto de se negar a sua própria existência, porquanto no ordenamento jurídico não pode haver verdadeiras lacunas, enquanto ausência de solução jurídica para o caso omisso.3 Só perscrutando, interpretando e valorando o ordenamento podemos dizer se há ou não uma lacuna. Ora, na obediência daquelas tarefas, logo se divisa uma norma genérica que abarca a situação em apreço, norma essa que decorre do disposto no artigo 306º, n.º 1 do CC66 - aplicável ao tempo da relação laboral invocada -, complementada pelo art. 307º que estipula para os casos de rendas perpétuas ou vitalícias ou para os casos de prestações análogas, em que a prescrição do direito do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga. (…). Há uma regra relativa ao início da prescrição e as situações em que o legislador quis que o prazo se suspendesse, tendo a preocupação de elencar, entre milhentas situações possíveis, apenas umas tantas e, no que respeita às causas bilaterais da suspensão, somente uma meia dúzia de casos. Pretendeu o legislador que essa previsão fosse meramente exemplificativa? Seguramente que não. A letra e o espírito da norma, afastam essa possibilidade. As situações causas de suspensão da prescrição, são demasiado concretas, específicas e particulares para comportarem essa natureza. No que ao trabalho doméstico respeita é particularíssima essa previsão, não podendo o legislador ignorar que a par desse tipo de relação de trabalho existiam todas as restantes relações laborais, não fazendo sentido que teleologicamente pretendesse abranger todas as relações laborais a partir daquela particularização. Se o legislador excepcionou para o serviço doméstico uma causa de suspensão de prescrição, a interpretação analógica está vedada em relação às normas excepcionais - art. 11º do CC66 e 10º do CC99. (…) E em termos de interpretação, ainda que o princípio não seja absoluto, estamos em crer que vale aqui o brocardo ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit. Nem por razões teleológicas se aceita uma interpretação extensiva como se pretende. São por demasiado evidentes todas as razões que podiam justificar uma protecção do trabalhador por via desse instituto, dadas as particulares relações, teias, dependências, receios, anseios, instabilidades que se criam nas relações laborais, que nem vale a pena desenvolver por demais o tema, aliás, bem focalizado na decisão recorrida. Mas são igualmente diferentes e visíveis as diferenças entre a relação laboral comum e o serviço doméstico. Este, a merecer um tratamento autónomo em Macau e no direito Comparado e apartar-se daquele. Ora são essas razões de diferença que fazem perceber a opção do legislador e tanto basta para afastar uma razão teleológica de aplicação da causa de suspensão da prescrição estabelecida para o serviço doméstico em relação a todas as relações laborais. Afigura-se não se estar perante uma situação não prevista nem regulada, não sendo legítimo ao aplicador da lei substituir-se ao legislador no aperfeiçoamento e melhoria do sistema laboral e protecção do trabalhador. Admite-se que possa haver alguma limitação na liberdade e na vontade do trabalhador, mas importa não esquecer que todas as situações que o legislador contemplou contêm sempre alguma razão que pode justificar a sua inércia e passividade. E dessa constatação será legítimo extrapolar para se considerar suspensa a prescrição quando se suspeite dessa inibição? Afigura-se que essa há-de ser uma opção do legislador. Nesta conformidade, sem necessidade de outros desenvolvimentos somos a julgar parcialmente procedente o recurso interposto e a considerar, um prazo normal de prescrição de 20 anos, a iniciar-se com o vencimento de cada uma das prestações em dívida...”.
Cremos que a transcrição daquele segmento do acórdão serve para iluminar, sem mais acrescentos, a solução a dar ao caso (vide ainda o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007). E sobre o dies a quo da contagem do prazo diz-se no Ac. do TSI de 31 de Março de 2011, Proc. 780/2007:
“Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende o recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 311º, al. c), do C.C. vigente, segundo o qual “a prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos decorridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
Ora, em primeiro lugar, desta última disposição não decorre que o prazo apenas se inicia com o termo da relação laboral. Ao dizer no seu proémio que “a prescrição não se completa” está a partir de um pressuposto, que é o de haver um prazo já iniciado, o qual não terminará senão ao fim de um período de dois anos após o termo do contrato de trabalho. Trata-se, em suma, de uma disposição que estabelece uma suspensão do prazo prescricional e não um diferimento do “dies a quo”.
Em segundo lugar, na medida em que ela traz à luz do dia uma estatuição até então inexistente, a ideia de uma novação parece sair reforçada. Quis o legislador tomar posição expressa pela primeira vez sobre o assunto, não sendo legítimo inferir que essa sempre fora a sua intenção implícita contida na legislação anterior.
Mas regressemos ao art. 318º do C.C. de 1966. Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
Quer isto dizer que por aplicação do prazo de prescrição de vinte anos (Código Civil de 1966), só se mostrariam prescritos os créditos anteriores a 31 de Maio de 1987, data da notificação para a tentativa de conciliação Todavia, porque a relação somente se iniciou em 4/08/1990, nenhum deles se podia dizer estar prescrito.
Procederá, pois, o recurso do saneador.
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B) Recurso da sentença
Do vício da sentença na apreciação da prova
Defende a recorrente STDM que a sentença errou quanto aos factos dados como apurados, por não se ter demonstrado que o trabalhador esteve impedido de gozar os dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios ou sequer que nunca os tenha gozado.
A nosso ver, vê mal o problema a recorrente. Em primeiro lugar, a formulação dos quesitos teve por base a factualidade alegada e não sofreu por parte da STDM reclamação quanto à matéria ora em apreço. Em segundo lugar, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Quanto ao impedimento invocado, algo mais adiante diremos.
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Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador, que durante décadas, recebeu “salários elevadíssimos” (repare-se como o lapso traiu a STDM recorrente ao considerar elevado o salário; para ser elevado o salário era forçoso que nele se incluíssem as gorjetas) para as suas qualificações, tal como o afirma a recorrente (fls. 277 v.). Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
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Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Diferente se nos afigura já a questão do erro na apreciação da prova. Terá andado bem o tribunal “a quo” ao dar por assente a factualidade dos pontos 25, 26 e 27 da matéria provada? A ora recorrente diz que não, por nenhuma das testemunhas ter afirmado que o trabalhador não gozou dias de descanso.
A resposta antevê-se, porém, fácil.
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º , n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa numa convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível de controlar.
Portanto, à falta de melhores elementos, não se pode dar razão à recorrente sobre este ponto.
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Da natureza do vínculo e da composição do salário
Nas conclusões seguintes, o recorrente insurge-se contra a indemnização fixada, em especial contra a fórmula de cálculo fixada na sentença. Todavia, para apuramento de um dos factores que integram a fórmula importa que afirmemos previamente a natureza do contrato e o valor do salário em causa.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida em 1990 como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária a quantia fixa de de HK$10,00 desde o início até 30 de Abril de 1995 e de HK $ 15,00 1/05/1995. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
*
E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração (alínea E) dos factos). Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como apurado nos autos.
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Como calcular a compensação?
Como o contrato não atravessou a vigência do DL n. 101/84/M, o apuramento dos valores compensatórios tem que obedecer somente à vinculação que resulta do DL 24/89.
Vamos por partes. Assim:
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagando o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.
Assim, nesta parte a sentença não pode ser confirmada por ter operado com o factor 3, atribuindo-lhe a indemnização no valor de Mop$ 694.962,90. O valor devido será de Mop$ 463.308,60.
Todavia, face à matéria do art. 16º da Base Instrutória, a esta importância acrescerá o valor dos dias de descanso que gozou, que, por não terem sido pagos, o deverão ser agora em função apenas da remuneração devida em cada um deles (x1), o que perfaz, tal como decidido, o valor de Mop$38.870,10.
Tudo somado, o valor indemnizatório ascende a Mop$ 502.178,70.
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b) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 24/89/M
- Feriados remunerados
Esta lei trouxe inovações em relação à anterior: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3 e não 2, como sentenciado. Todavia, atendendo ao facto de o interessado não ter recorrido e estarmos limitados ao objecto do recurso, não alteraremos, para mais, o que além foi decidido no valor de Mop$ 63.863,60.
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c) Descanso anual
A sentença só atribuiu, nos termos que vinham definidos do despacho saneador, indemnização referente aos dias referentes ao período de 1/01/2002 a 24/07/2002, tendo apurado o valor de Mop$ 1.559,10.
Todavia, como os anteriores não estão prescritos, atendendo à conclusão que alcançámos acima, haverá que indagar qual o valor indemnizatório concernente ao período anterior, tendo em atenção que a relação laboral se iniciou em Agosto de 1990.
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1, o que, aplicada, corresponde ao valor indemnizatório de:
1990: 6x182,30=1.093,80; 1991: 6x261,40=1.568,40; 1992: 6x333,20= 1.999,20; 1993: 6x378,70=2.272,20; 1994: 6x370,70=2.224,20; 1995: 6x492,70=2.956,20;1996:6x513,40=3.080,40;1997:6x508,60= 3.051,60;1998:6x536,70=3.220,20;1999: 6x=2.905,80;2000:6x481,10=2.886,60;
2001: 6x497,70=2.986,20, o que soma Mop$ 30.244,80.
A este valor acresce o referente a 2002, não todavia segundo a fórmula por nós definida (x1), mas segundo a que a própria recorrente aceita a fls. 37 das alegações, isto é, em dobro (x2). Consequentemente, atendendo ao valor diário a considerar (Mop$ 509,70) e aos dias atendíveis (3), a quantia corresponde a Mop$ 3.118,20, tudo perfazendo a quantia de Mop$ 33.363,00.
***
IV- Decidindo
Face ao que vem de ser dito, acordam em:
1- Conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente A do despacho saneador no que respeita à prescrição;
Custas pela recorrida.
2- Conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pela STDM e, em consequência, confirmar e revogar a sentença nos termos acima expostos e, por via disso, condenar a STDM a pagar a A a quantia de Mop$599.405,30, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
Macau, 23 de Junho de 2011.
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong
(com declaração de voto)
Processo nº 964/2009
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 23JUN2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong