Processo nº 663/2009
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 07 de Julho de 2011
ASSUNTO:
- Falta de fundamentação e falta de fundamentos
- Audição de interessados
- Nulidade do acto
SUMÁRIO:
- Não se deve confundir a falta de fundamentação com a falta de fundamentos; a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
- O dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
- A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo.
- Se um procedimento administrativo da autorização foi viciado pela intervenção criminosa, intervenção essa determinante e decisiva nas medidas adoptadas, é razoável e adequada a conclusão de que o acto final dele resultante se encontrar maculado também pelo crime.
- Nesta conformidade, independentemente da validade intrínseca desses actos, os mesmos têm de ser declarados nulos por imposição legal nos termos da al. c) do nº 2 do artº 122º do CPAC, por ser fruto do crime.
- A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
- Contudo, a preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.
O Relator,
Processo nº 663/2009
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 07 de Julho de 2011
Recorrente: Companhia de A Internacional, Lda.
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Companhia de A Internacional, Lda., melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Chefe do Executivo da RAEM, de 28/05/2009, pelo qual:
“a) declarou nulo o seu acto de 25 de Agosto de 2006, em que homologou o parecer da Comissão de Terras nº 75/2006 de 17 de Agosto de 2006, concordando com concessão acima mencionada, bem como as condições constantes da minuta do contrato anexa ao mesmo parecer;
b) declarou a nulidade da autorização concedida aos projectos de aproveitamento, projectos de arquitectura e todos os outros projectos relacionados com o terreno sito na Rua de XX, outrora Bairro Militar de XX, com a área de 2.245 metros quadrados; e
c) relativamente à questão de reembolso da primeira prestação do prémio de seguro, no valor de MOP$3.500.000,00, já efectuada, o assunto será analisado conjuntamente com processo de pedido de indemnização a ser instaurado pelo Governo da RAEM.”
Alegando, em sede de conclusão:
1. A decisão recorrida estriba-se no Acórdão proferido no âmbito do Proc. 53/2008 do TUI, mas, salvo o devido respeito, fá-lo erradamente.
2. Se outros motivos não houvesse, bastaria para se concluir dessa forma a consideração dos termos do nº 1 do art. 576º do CPC e do art. 4º do CPP, aplicável ex vi pelo art. 1º do CPAC segundo o qual "a Sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga", não podendo servir de fundamentação para a decisão recorrida.
3. Em todo o caso, o Acórdão nunca refere que concretos actos de B violaram a lei, nem que lei foi violada, do mesmo modo que naquele Acórdão não declarou qualquer nulidade por violação das regras do direito Administrativo.
4. Os "despachos" de B, ao longo da marcha do processo, não passam de meros actos internos, preparatórios da decisão final.
5. A violação de meros procedimentos administrativos, mesmo quando determinam sanções penais, podem não determinar qualquer nulidade, no âmbito do direito administrativo.
6. Até porque único arguido naquele processo 53/2008 foi o Ex-Secretário, B, e este não foi condenado por quaisquer actos administrativos em concreto, mas tão-só por interferir e influenciar nos procedimentos administrativos, questão que, ao nível do direito administrativo, acarretaria apenas a sanção da anulabilidade, naturalmente sanada à data da produção daquele Acórdão.
7. Mostra-se, pois, incompreensível e infundamentado que o Chefe do Executivo declare nulo o seu próprio acto, com base no Acórdão do Proc. 53/2008.
8. O acto de homologação do Chefe do Executivo incide sobre o Parecer da Comissão de Terras nº 75/2006, e não sobre quaisquer parecer ou despachos que o Ex-Secretário tenha proferido no âmbito da marcha do processo.
9. É no âmbito da Comissão de Terras que se realiza a análise global de todo o processo e se prepara e emite o parecer obrigatório previsto no artigo 121.º da Lei n.º 6/80/M, conjugado com o artigo 3.º, alínea a) da Decreto-Lei n.º 60/99/M, assim como se congregam os instrumentos técnicos e formais para o Despacho de concessão.
10. Alem do mais, o TUI, no Acórdão 53/2008, deu como não provado que a Comissão de Terras tivesse sido influenciada ou sofrido a interferência do Ex- Secretário para emitir parecer favorável.
11. Portanto, e tendo em conta que o acto administrativo objecto da declaração de nulidade, é a homologação do Parecer da Comissão de Terras n.º 75/2006, este acto tem de ser considerado um acto absolutamente legal e lícito e um acto absolutamente inatacável quer do ponto de vista do direito administrativo (como também do ponto de vista do direito penal).
12. Em todo o caso e se fosse possível censurar as decisões do ex-Secretário ao longo do proçesso administrativo subsequente, e que o objecto dos seus despachos tivessem sido fossem contrários aos fins do seu cargo, o certo é que um tal vício sempre seria apenas o de desvio de poder, conforme, aliás, se declara no Acórdão n.º 53/2008.
13. E, nos termos conjugados dos artigos 122º e 124º do CPA, a sanção prevista na lei para o desvio de poder não é a nulidade, mas sim a anulabilidade.
14. Em todo o caso, as decisões do ex-Secretário não se integram em qualquer desvio de poder.
15. As sua decisões executaram a política do Chefe do Executivo e do Governo, anunciadas publicamente na comunicação social e na Assembleia Legislativa de Macau
16. Essas opções estão consubstanciadas nas Linhas de Acção Governativa de 2004 e 2005 e são do conhecimento público.
17. Pelo que se terá de concluir que não existe nenhuma divergência entre o fim legal e o fim real nos despachos proferidos por B, isto é, não existe desvio de poder.
18. Por outro lado, o TUI fez, salvo o devido respeito, uma interpretação jurídica errada da Lei de Terras, ao entender «os lugares de estacionamento situados num edifício não devem ser considerados como "terrenos" previstos no art. 76º».
19. Essa interpretação que não é vinculativa para os demais Tribunais e instâncias.
20. A recorrente perfilha o entendimento do Departamento Jurídico da DSSOPT no sentido de que «não pode ser feita uma interpretação literal desse artigo, dizendo-se que "apenas pode haver troca de terrenos por terrenos".
De facto, quanto a esta matéria a jurisprudência tem entendido que a "troca ou permuta" consiste num "contrato inominado em que há a prestação de uma coisa por outra, desde que se verifique uma equivalência entre o valor dos bens imóveis a trocar ou se existindo diferença de valor esta pode ser satisfeita com uma compensação que venha colmatar apenas uma pequena diferença de valor entre os bens trocados".
Pelo que, «pode concluir-se que nada obsta sobre o ponto de vista legal que seja feita a permuta do terreno situado na Rua XX pelos dois pisos do silo situado na Rua XX, como solicitado pela "Companhia A Internacional", desde que haja equivalência entre o valor desses bens» (ponto 3 da Informação 16/DJDEP/2005, sublinhados nossos)
21. Esse Parecer aponta no sentido de que, «legalmente, nada parece impedir que se opte pela troca do terreno da Rua XX pelos dois pisos para estacionamento público do silo da Rua XX, a favor da Região Administrativa Especial de Macau, desde que se verifiquem as condiçães exigidas para este tipo de contrato» (pág. 4 da Informação 16/DJDEP/2005, sublinhados nossos.)
22. Os despachos de B no sentido de prosseguimento do processo para a troca do terreno pelos 2 pisos de auto-silo não violaram, pois, a Lei de Terras e não foram sequer objecto da Acusação que deu lugar ao processo 53/2008,
23. Termos em que a Decisão Recorrida deve ser anulada, por violação da lei, nos termos do previsto no art.º 124º do CPA, em virtude de ter sido feita uma errada aplicação do artigo 122, nº 1, alínea c) do CPA ao acto de homologação do Chefe do Executivo de "declarar nulo o seu acto de 25 de Agosto de 2006, em que homologa o parecer da Comissão da Terra n.º 75/2006" e ao acto de "declarar nula a autorização concedida aos projectos de aproveitamento", já que estes actos são válidos, legais e lícitos e por isso inatacáveis de ponto de vista do Direito Administrativo e do Direito Penal.
24. Por outro lado, a Decisão recorrida padece do vício de falta de fundamentação, violando nos arts. 114º e 115º do CPA, não podendo estribar-se no Acórdão do TUI para se alcançar tal desiderato.
25. A Decisão Recorrida, para além de enfermar das ilegalidades supra alegadas, violou ainda o direito ao contraditório cujo exercício se estabeleceu por via do direito de audiência prévia e por via do princípio geral de participação dos administrados no procedimento administrativo, previsto no art. 93 do CPA.
26. O Chefe do Executivo não ouviu previamente a Recorrente antes de Proferir o Despacho objecto do presente Recurso.
27. Pelo que a Decisão Recorrida padece do vício de violação de lei, sendo a Decisão Recorrida nula nos termos do artigo 122.º, n.º2, alínea d) do CPA, uma vez que aquela decisão ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental.
28. Se tivesse que proceder a declaração de nulidade, o respectivo regime tinha efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tivesse sido prestado, tal como previsto no art. 282.º, n. 1.º do Código Civil.
29. O dever de restituição é uma imposição legal que vincula o Chefe do executivo.
30. Por causa deste dever jurídico, se o Chefe do Executivo considerasse que a homologação neste processo da concessão fosse nula, o Governo estava obrigado a restituir de imediato o prémio no valor de MOP$3.500.000,00, que foi prestado pelo Recorrente por causa do mesmo processo, não podendo proceder à retenção desse valor.
31. Também nessa parte, o Despacho recorrido padece do vício da violação da lei, porquanto viola o regime da nulidade previsto no artigo 282.º, n. 1.º do Código Civil.
*
Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 428 a 449 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
Não foram apresentadas as alegações facultativas.
*
O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“Vem “Companhia de A Internacional, Lda”, impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 28/5/09 que declarou nula a sua homologação do parecer da Comissão de Terras nº 75/2006, relacionada com a concessão à recorrente de um terreno sito na R. XX – Quartéis XX, por troca com dois pisos de parque de estacionamento no lote 9-A da Av. XX, assacando-lhe vícios de violação de lei, por errada aplicação do artº 122º, nº 1 c) CPA e atropelo do 282º,, nº 1, C.C., falta de fundamentação e ausência de audiência prévia, argumentando, em síntese, naquilo que reputamos de fundamental,
- não ter sido ouvida previamente à tomada da decisão em crise ;
- não poder a decisão fundar-se e estribar-se apenas no acórdão do TUI, já que o mesmo apenas constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga, não podendo ser sustentáculo válido do decidido ;
- ser a homologação do parecer da Comissão de Terras um acto legal e lícito, quer do ponto de vista administrativo, quer penal, não se tendo provado que aquela decisão tenha sido implementada ou sofrido interferência do ex S.T.O.P. para emitir parecer favorável, não tendo, aliás, aquele sido condenado pela prática efectiva de qualquer acto administrativo mas tão só por interferência ou influência nos procedimentos, sendo que o vício daí decorrente apenas se poderia reportar a desvio de poder, conducente à mera anulabilidade e, finalmente,
- impunha-se aquando da declaração de nulidade a restituição imediata do prémio prestado pela recorrente referente ao processo, não se podendo proceder à retenção do valor correspondente.
Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
Desde logo, como bem acentua a recorrida, a audiência prévia “destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados”.
Face à repercussão pública da condenação do ex S.T.O.P., relativa à conduta criminosa do mesmo, atinente à utilização da sua competência e influência na instrução de alguns procedimentos administrativos da DSSOPP, no sentido de autorizações relativas a concessões, trocas e modificações de utilização e planeamento de terrenos e obras de construção, em seu benefício ilegítimo, “esquemas” em que se enquadrou, manifestamente, o “negócio” de que a recorrente era parte e que originou o despacho em apreço, mal se compreende a sua eventual surpresa face ao decidido, já que o mesmo decorreria, inevitàvelmente, do escrupuloso cumprimento dos dispositivos legais imanentes.
A nulidade em questão resulta, pois, como mera declaração de situação adveniente de acórdão do TUI, sendo que dessa declaração resultou, desde logo, a total ineficácia produzida desde a prolacção do acto, a ninguém vinculando o mesmo, sendo que, nestes parâmetros, mal se vê a obrigatoriedade da participação do interessado particular.
Não ficaria, é certo, mal, numa Administração que se deseja cada vez mais aberta, transparente e participativa, a eventual comunicação prévia do a decidir : simplesmente, tal não se impunha como obrigatório, tanto bastando para a não ocorrência do vício.
Depois, a declaração de nulidade encontra-se fundada nos precisos termos da subsunção legal empreendida, ou seja, através do externado claramente se entende que aquela decisão foi tomada tendo em conta, designadamente, o disposto na al c) do nº 1 do artº 122º CPA, isto é, por se ter considerado que o acto declarado nulo derivava da prática de crime, tornando-se, a este nível, caricato esgrimir com o facto de o douto acórdão do TUI não poder servir de fundamento à decisão recorrida, quando, como se viu, é a própria lei a reportar-se ao “objecto de crime” como fonte de nulidade.
A consubstanciação de tal asserção fundou-se, pois, e bem, precisamente no conteúdo do decidido no âmbito do proc. 53/2008 do TUI, donde ressalta, à saciedade, ter sido considerada criminosa a conduta do ex S.T.O.P. relativamente a vários procedimentos administrativos, concretizada aquela na forma geral que acima se apontou, entre os quais se enquadra o que originou o acto de concessão declarado nulo, razões por que o externado pela decisão ora em crise se apresenta como claro, suficiente e congruente, ficando um cidadão médio em perfeitas condições de apreender as razões de facto e de direito em que se estribou o decidido, o que não deixou de suceder com a recorrente.
No que tange à pretensa ofensa da lei, torna-se inócua a tentativa da recorrente em escrutinar, pela via administrativa, a legalidade intrínseca, quer do parecer da Comissão de Terras, quer da homologação do mesmo pela entidade aqui recorrida. Com o devido respeito, dando de barato tal circunstância, não é disso que aqui se trata : independentemente da validade intrínseca desses actos, o que ressalta é que os mesmos resultaram de procedimento administrativo em que, pelas instâncias competentes, foi detectada intervenção criminosa no procedimento, intervenção essa determinante e decisiva nas medidas adoptadas e, daí que se veja como razoável e adequada a conclusão de que o acto final dele resultante se encontrar maculado pelo crime.
Desta perspectiva resulta também que, como é óbvio, para tal conclusão, não careceria o “perpetrador” dos ilícitos criminais ter efectivamente praticado acto administrativo “strictu sensu” : o que releva, ressaltando, aliás, do douto acórdão do TUI, é que o mesmo, ilìcitamente e com intuito de proveito próprio, interveio, por variadas formas e oportunidades, junto da DSSOPT, por forma a condicionar decisivamente o parecer da Comissão de Terras e, por via deste, a homologação da concessão pelo Chefe do Executivo, tanto bastando para a “mácula” inerente do despacho final.
Se, analisada em concreto, a actuação do ex S.T.O.P. no âmbito do procedimento puramente administrativo, a mesma conduziria à ocorrência de vício de poder ou qualquer outro, tendo como forma de invalidade a anulabilidade ou nulidade dos actos correspondentes, é questão puramente espúria para o que agora nos ocupa, sendo certo, porém que, com os dados disponíveis, decorrentes do acórdão a que nos vimos reportando, a conclusão, a tal nível, não poderia deixar de ser, com os mesmo fundamentos legais, a da nulidade desses actos por corresponderem a objecto de crime.
Finalmente, como é sabido, “Excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica”- artº 20, CPAC.
O pretendido pela recorrente relativamente à devolução, à restituição pelo prémio prestado não se enquadra, manifestamente, em tais permissas, sendo certo que, por outro lado, o facto de se não ter ordenado tal restituição aquando da declaração de nulidade da homologação em nada afecta a validade dessa decisão, tratando-se ( a ser devida aquela devolução) de mero acto subsequente.
Razões por que, não se vislumbrando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sejamos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
*
II – Factos
Com base nos documentos juntos aos autos e do P. A., considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. 09.01.2004 - Requerimento da Companhia de A Internacional, Ltd (adiante A), na sequência das notícias dos órgãos de comunicação social e do expresso nas Linhas de Acção Governativa para 2004 enunciadas pelo Chefe do Executivo quanto ao problema da falta de estacionamento, que fosse considerada uma alteração do projecto já aprovado em 4 de Agosto de 2003 para a Av. XX nº 9-A, de modo a integrar um espaço público destinado a estacionamento, para ser adquirido pela RAEM em numerário ou permuta com outro terreno (Doc. nº 1).
2. 09.01.2004 - Nesse requerimento o ex-Secretário lavrou o seguinte "despacho": "À DSSOPT p/abrir o processo e para dar seguimento".
3. 10.01.2004 - No mesmo requerimento o Director da DSSOPT fez o seguinte "despacho": "Ao DSODEP para abertura do processo e informação".
4. 15.01.2004 - Ofício da DSSOPT nº 028/2463.01/DSODEP/2004, a comunicar que para análise da proposta de transferência onerosa para a RAEM de auto-silos para estacionamento público de automóveis, era necessário que a A viesse juntar certos documentos (Doc. nº 2).
5. 12.03.2004 - Requerimento da A, na sequência do ofício anterior, que menciona uma reunião com o Director da DSSOPT e propõe local para permutar com o auto-silo, acompanhada de Estudo Prévio (Doc. nº 3).
6. 15.03.2004 - Nesse requerimento o ex-Secretário fez o seguinte despacho: "À DSSOPT p/abrir o processo e para dar seguimento".
7. 15.03.2004 - No mesmo requerimento, sem data, mas talvez por ser a mesma, o Director da DSSOPT fez o seguinte Despacho: "Ao DSODEP para dar seguimento e analisar o projecto solicitando pareceres ao DPU/DUR e DT ... ".
8. 31.03.2004 - Acta da reunião entre representantes e técnicos da A e Director e Técnicos da DSSOPT onde foi apreciado o pedido de transmissão onerosa de duas caves do parque de estacionamento subterrâneo do edifício da XX (Doc. nº 4 ).
9. 06.04.2004 - Reunião havida na DSSOPT com a A, onde foram colocadas questões de carácter técnico.
10. 21.04.2004 - Requerimento da A a juntar um novo projecto de arquitectura sobre a parte do auto-silo público do edifício a construir (Doc. nº 5). 11.05.2004- Requerimento da A (Talão nº 2410), a requerer a alteração do projecto de fundações do edifício da Av. XX ( Doc. n.º 6). 12.05.2004 - Requerimento da A a reiterar o mesmo pedido de troca (Doc. nº 7).
11. 28.05.2004 - Requerimento da A (Talão nº 2743), a juntar documentação pedida (Doc. nº 8).
12. 03.08.2004 - Requerimento da A (Talão nº 4587), a solicitar a alteração do projecto de estruturas e prosseguimento de execução da obra da Av. XX por não ser aconselhável a sua suspensão devida à aproximação da época dos tufões. (Doc. nº 9).
13. 25.08.2004 - Ofício da DSSOPT nº 95/SOTDIR/2004 a comunicar "que por despacho do Exmo. STOP foi determinado a abertura do processo e prosseguimento das negociações tendentes à construção e aquisição pela RAEM de dois pisos de estacionamento público na obra de construção na Av. XX nº 9-A, mediante concessão por ajuste directo, do terreno sito na Rua de XX (antigo bairro militar de XX com área aproximada de 2383 m2" (Doc. nº 10).
14. 15.09.2004 - Requerimento da A (Talão nº 4890) a juntar a alteração do projecto de arquitectura do edifício da Av. XX tendo em conta a construção dos dois auto-silos para estacionamento público (Doc. nº 11).
15. 12.11.2004 - Despacho do Director da DSSOPT: "Concordo e Aprovo como proposto. Dê-se conhecimento ao DSODEP". Este Despacho foi lavrado sobre pareceres da técnicos da hierarquia e da informação DURDLC/Construção que se pronuncia sobre os projectos de alteração com os números de entrada 2410, 4587 e 4890 (Doc. nº 12).
16. 06.01.2005 - É emitida a Informação nº 004/DSODEP/2005 em que se analisa o pedido da A de cedência onerosa a favor da RAEM de dois pisos subterrâneos no prédio situado na Av. XX para instalação de um auto-silo público por troca de um terreno no antigo Bairro de XX e o pedido de concessão do mesmo terreno para aproveitamento em conjunto com um terreno adjacente, efectuado pela Companhia de Fomento Predial XX, Limitada. (Doc. nº 13).
17. 21.05.2005 - Parecer sobre a informação nº 004/DSODEP/2005, elaborado pelo Director da DSSOPT dirigido ao Secretário, em que submete à consideração superior a autorização para a aquisição de dois pisos de estacionamento público; a fixação do valor dos dois pisos de acordo com o Regulamento Administrativo 16/2004; a proposta de que seja exigido o pagamento da contribuição especial pela falta de 26 lugares de estacionamento privado nos termos do previsto no DL 42/89/M e Despacho 25/GM/95; a proposta de que se dê seguimento à elaboração da minuta do contrato de concessão do terreno sito na Rua XX após aprovação do respectivo estudo prévio; a proposta de que se dêem seguimento às questões técnicas da titularidade do terreno; e a proposta de serem indeferidos os pedidos de concessão das Companhias XX e XX (Doc. nº 14).
18. 26.01.2005 - Despacho do Secretário sobre o Parecer anterior "Concordo".
19. 28.02.2005 - Ofício da DSSOPT nº /2463.01 e 1118.02/DSODEP/2005, da DSSOPT a comunicar à A "que por despacho do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 26 de Janeiro de 2005, foi deferido o pedido de cedência onerosa a favor da RAEM de uma fracção autónoma, composta por dois pisos em cave, destinada a auto-silo público, do edifício em construção situado na Avenida XX nº 9ª e Rua XX nos 15 e 17, em Macau, pela concessão do terreno, com área de 3.569m2, sito no antigo Bairro Militar na Rua XX, em Macau, nas condições a seguir descriminadas: (....)" (Doc. nº 15).
20. 02.03.2005 - Ofício da DSSOPT a juntar a PAO relativa ao terreno da Rua XX (Doc. nº 16).
21. 23.03.2005 - Requerimento da A (Talão nº 1902) a requerer a aprovação do ante-projecto de arquitectura do terreno da Rua XX (Doc. nº 17).
22. 17.05.2005 - Informação do Chefe substituto do DURDLC sobre o Ante-projecto de aproveitamento do terreno da Rua XX, junto com o requerimento 1902, onde são colocadas várias objecções à sua aprovação e que mereceu a concordância do Director por despacho de 27.05.2005 (Doc. nº 09.06.2005 - Ofício da DSSOPT nº 7349/DURDEP/200S, de 09.06.2005, a pronunciar-se sobre o projecto de arquitectura 1902 e a comunicar "que de acordo com o despacho do Director destes Serviços de 27 de Maio, vimos comunicar a V. Exas. que o projecto em referência deve ser sujeito às seguintes alterações: ( ... )" (Doc. nº 19).
23. 06.09.2005 - Requerimento da A, entrada nº 5552 de 06.09.2005, a juntar novo projecto de arquitectura de acordo com o solicitado no ofício 7349/DURDEP ( Doc. nº 20).
24. 29.11.2005 - Ofício da DSSOPT 16387/DURDEP/2005 a comunicar que, por despacho do Director de 24 de Novembro, o projecto deve ser alterado e deve obedecer aos pontos seguintes: (....) (Doc. nº 21).
25. 10.01.2006 - Requerimento da A (Talão nº 388), a juntar o projecto de arquitectura corrigido, nos termos do ofício 16387 (Doc. nº 22).
26. 21.03.2006 - Ofício da DSSOPT nº 4524/DURDEP/2006, a comunicar que, por despacho do Director Substituto, o projecto foi considerado passível de aprovação (Doc. nº 23).
27. 06.06.2006 - Ofício da DSSOPT nº 333/1118.02 e 2463.0l/DSODEP/2006, a comunicar que "De acordo com o Despacho do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 29 de Maio de 2006, junto se remete a V. Exas. a minuta do contrato, elaborada nesta DSSOPT, relativamente ao terreno referenciado no assunto em epígrafe, a fim de V. Exas. se pronunciarem sobre as condições nela estipulada." (Doc. nº 24).
28. 14.06.2006 - Requerimento da A (Talão nº 4086), a comunicar que aceita os termos do contrato (Doc. nº 25).
29. 17.08.2006 - Reunião da Comissão de Terras onde foi analisado o processo e se emitiu parecer obrigatório no sentido de "ser deferido o pedido referido em epígrafe, ao abrigo do disposto nos artigos 29º/1.c) e 49º e seguintes, todos da Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, nos termos e condições constantes da minuta anexa ao presente parecer e do qual se considera parte integrante para todos os efeitos" (Doc. nº 26).
30. 25.08.2006 - Parecer do STOP onde consta que "Compulsando o processo acima referido, emito parecer favorável, de acordo com as condições estipuladas no Parecer nº 75/2006 da Comissão de Terras, o qual proponho que seia homologado pelo Senhor Chefe do Executivo" (Doc. nº 27).
31. 25.08.2006 - Homologação do Chefe do Executivo da Parecer da Comissão de Terras lavrado sobre o parecer do STOP.
32. 19.10.2006 - Ofício da DSSOPT nº 203/DATSEA/2006, da Comissão de Terras, a comunicar que em relação ao processo nº 49/2006, "junto remeto a minuta das condições de contrato relativas ao assunto supra mencionado, a fim de mediante prévia e expressa declaração de aceitação de V. Exa., a apresentar nesta DSSOPT no prazo de 20 dias a contar da data do recebimento deste ofício, o Chefe do Executivo mande publicar em Boletim Oficial o despacho que titula o presente contrato, conforme dispõe o art. 125º e 127º do Lei de Terras em vigor:" (Doc. nº 28).
33. 26.10.2006 - Requerimento da A (Talão nº 7173) a juntar declaração expressa de aceitação das condições do contrato e a juntar recibo do pagamento do prémio (Doc. nº 29).
34. 22.04.2009 – Ac. do TUI, proferido no Proc. nº 53/2008, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
35. 07.05.2009 – Proposta nº 086/DSODEP/2009, da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
36. 19.05.2009 – Parecer do Secretário para Obras Públicas e Transportes, que concordou a proposta acima em referência.
37. 28.05.2009 – Despacho do Chefe do Executivo da RAEM, ora acto recorrido, proferido na proposta acima identificada, com o seguinte teor: “同意劉仕堯司長之意見及報告書之建議 ”.
*
III – Fundamentos
O objecto do presente recurso contencioso consiste em apreciar as seguintes questões:
- Falta de fundamentação do acto recorrido e validade dos actos declarados nulos;
- Falta da audição prévia
- Não restituição do prémio
Passamos agora pela análise das mesmas.
I. Da falta de fundamentação e validade dos actos declarados nulos:
Imputa a recorrente ao acto recorrido o vício da falta de fundamentação, por entender que “a única fundamentação introduzida pela Decisão Recorrida é o Acórdão do TUI no processo nº 53/2008.”, o qual “não pode servir de fundamentação à Decisão Recorrida porque o objecto dos actos declarados nulos não só não foram objecto da Acusação, como não são objecto do Acórdão.” (artºs 79º e 80º da petição inicial).
Segundo a alegação da recorrente, ressalta desde logo que ela confundiu a falta de fundamentação com a falta de fundamentos; a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões de facto e de direito que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo.
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Aliás, a recorrente percebeu perfeitamente o discurso justificativo da decisão tomada, mas simplesmente não o concorda.
O que a recorrente pretende imputar, deve ser o vício da falta de fundamentos.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
Nos termos do nº 4 do artº 74º do CPAC, a errada qualificação pelo recorrente dos fundamentos do recurso não impede o conhecimento dos mesmos pelo Tribunal.
Vamos ver se há falta de fundamentos.
O Acórdão condenatório do Proc. nº 53/2008 do TUI serviu de base da declaração das nulidades em questão, no qual foram considerados provados os seguintes factos que dizem respeito ao caso sub justice:
“1. Entre 20 de Dezembro de 1999 e 6 de Dezembro de 2007, o arguido B desempenhava a função de Secretário para os Transportes e Obras Públicas da Região Administrativa Especial de Macau.
2. Durante o período em que o arguido desempenhava a função de Secretário para os Transportes e Obras Públicas, exercia as competências nas seguintes áreas da governação: ordenamento físico do território, regulação dos transportes, aeronaves e actividades portuárias, infra-estruturas e obras públicas, transportes e comunicações, protecção do ambiente, habitação económica e social, e meteorologia.
3. A Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas funcionam na dependência e sob a direcção do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
4. A partir de data não apurada, o arguido B decidiu utilizar a sua competência disposta no cargo de Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a interferir nos procedimentos administrativos relativos à concessão, modificação de planeamento de terrenos, e construção de prédios para que fossem autorizados os respectivos pedidos apresentados por certas pessoas ou companhias à RAEM; ou a interferir directa ou indirectamente nos resultados de apreciação de concessão da obras pública, introduzindo ou designando determinada companhia de construção que participou no concurso público a ser a adjudicatária, com dispensa de concurso público, ele adjudicou directamente a concessão de respectivas obras públicas, no intuito de receber o dinheiro ou outros interesses como contrapartidas. Ou aproveitando o exercício das suas funções, recebeu de certas empresas e pessoas dinheiro ou outros interesses como contrapartidas, na concessão de determinados terrenos, na emissão antecipada de licenças de obras de construção e no concurso de uma determinada obra pública.”
(...)
“15. C é comerciante de Macau, presidente-fundador da Associação dos Empresários do Sector Imobiliário de Macau, possuindo e desempenhando cargos em várias companhias em Macau, designadamente:
(1) Companhia de Construção e Investimento Predial D, Lda., na qual ele possuía 74.85% de acções, e era o gerente-geral, ao tempo de constituição da sociedade;
(2) Companhia de Construção e Investimento Predial E, Limitada, onde ele possuía 50% de acções, sendo nomeado como o gerente geral da companhia. Em Março de 2006, ele fundou, em nome de duas companhias das Ilhas Virgem Britânicas -- F Investments Limited e G Investment Limited, as companhias H, Limitada e I, Limitada, e em nome das quais, ele comprou todas as acções de Companhia de Construção e Investimento Predial E, Limitada, tomando o controlo da companhia na qualidade de administrador não accionista;
(3) Companhia de Construção e Investimento Predial J, Limitada, onde ele possui 85% de acções e é o gerente-geral;
(4) Companhia de Investimento e Fomento Predial K (Internacional) Limitada, onde ele possuía 65% de acções e era o gerente-geral, ao tempo de constituição do sociedade;
(5) Companhia de Investimento e Fomento Predial L (Internacional) Limitada, onde ele possuía 50% de acções e era o gerente-geral, ao tempo de constituição do sociedade;
(6) Companhia de Investimento e Desenvolvimento Continental M Limitada, onde ele possuía, em nome próprio, 40% de acções. Aproximadamente em Abril de 2006, ele comprou, através da companhia fundada nas Ilhas Virgem Britânicas intitulada N Developments Limited, 55% das acções daquela companhia e é o gerente geral dela;
(7) Companhia de Investimento e Desenvolvimento O Limitada, onde ele possui 49.7% de acções, e é o gerente-geral;
(8) Companhia de Investimento e Desenvolvimento Predial D Art, Limitada, onde ele possuía, em nome de Companhia de Construção e Investimento Predial D, Lda., 35% de acções, e era o gerente-geral não accionista, ao tempo de constituição do sociedade;
(9) Companhia de Investimento P, Limitada, onde ele possui, em nome de Companhia de Construção e Investimento Predial D, Lda., 50.85% de acções;
(10) Sociedade de Investimento e Fomento Predial Q, Limitada, onde ele possui, em nome de Companhia de Investimento P, Limitada, 98.48% de acções, e é o gerente-geral não accionista;
(11) Companhia de Investimentos R, Limitada, onde ele chegou a possuir, através de Sociedade de Investimento e Fomento Predial Q, Limitada, 99.92% de acções, e era o gerente-geral não accionista;
(12) Sociedade de Investimento S Internacional, Limitada, onde ele chegou a possuir, em nome próprio, 38.5% de acções, e em nome da Companhia de Construção e Investimento Predial D, Lda., 50% de acções, e era o gerente-geral;
(13) Companhia de A Internacional, Limitada, onde ele chegou a possuir, em nome da Companhia de Construção e Investimento Predial D, Lda. e da Companhia de Construção e Investimento Predial J, Limitada, 85% de acções, e era o gerente-geral não accionista; (o sublinhado e mais carregado são nossos)
(14) T – Companhia de Construção e Fomento Predial, Limitada, onde ele possui, em nome da Companhia de Construção e Investimento Predial D, Lda., 45% de acções, e é o vice-gerente-geral não accionista;
(15) Companhia de Investimento Predial U, Limitada, onde ele possui, em nome da Companhia de Investimento e Fomento Predial L (Internacional) Limitada e da Companhia de Investimento e Fomento Predial Multiple K (Internacional) Limitada, 70% de acções, e é o gerente-geral não accionista.
(...)
“150. No início do ano 2004, C decidiu ceder, a título oneroso, alguns lugares do parque de estacionamento do prédio a construir pela Companhia sob o seu nome no terreno confinando com a Avenida de XX n.º XX, e com a Rua de XX n.º XX a XX, ao Governo da RAEM, em troca do dinheiro ou do terreno do Governo.
151. Tendo receio de que o referido pedido fosse impedido pela oposição da DSSOPT, C resolveu aproveitar o poder que o arguido B tinha e a sua influência para, através dele, interferir no processo administrativo da apreciação e autorização, a fim de o seu pedido ser deferido pelo Governo da RAEM.
152. Para isso, C combinou com o arguido B se este, no uso do seu poder e a sua influência, interferisse no respectivo processo de autorização administrativa para o seu pedido ser deferido pelo Governo da RAEM, iria receber um estabelecimento comercial num prédio de uso comercial e residencial a construir no lote XX da Avenida de XX, a título de retribuição.
153. Em 9 de Janeiro de 2004, C, em nome da Companhia de A Internacional, Limitada, entregou o pedido directamente ao Gabinete do SOPT, requerendo ao arguido B para ceder onerosamente ao Governo, no total de 181 lugares de automóveis e 32 lugares de motociclos nos dois andares do parque de estacionamento do prédio que ele pretendeu construir no terreno confinado com a Avenida de XX n.º XX, e com a Rua de XX n.º XX a XX, em troca do dinheiro ou terrenos concedidos pelo Governo.
154. No mesmo dia, o arguido B mandou instaurar o processo quanto ao aludido pedido mediante o despacho, dizendo: “À DSSOPT para abrir o processo e para dar seguimento”.
155. A DSSOPT, na apreciação e autorização do respectivo pedido de C, chegou a pôr em causa a incongruência do números de lugares que este efectivamente ofereceu com o número que tinha sido prometido.
156. Depois, C resolveu trocar os referidos lugares de estacionamento por uma parcela do terreno com uma área de 3569m2 localizada na Rua de XX – Quarteis XX.
157. Para isso, C combinou com o arguido B para este, no uso do seu poder, interferir no respectivo processo de autorização administrativa, de forma a que fosse deferido pelo Governo da RAEM o seu pedido que se destinava à troca dos supraditos lugares de estacionamento por uma parcela do terreno com uma área de 3569m2 localizada na Rua de XX – Quarteis XX.
158. Em 12 de Março de 2004, C e V, em nome da Companhia de A Internacional, Limitada, entregaram o pedido directamente ao Gabinete do Secretário da SOPT, requerendo que trocasse com o Governo da RAEM os referidos dois andares do parque de estacionamento localizado na Avenida de XX, e na Rua de XX, por um terreno com uma área de 3569m2 localizado na Rua de XX – Quarteis XX.
159. No dia 15 de Março de 2004, o arguido B mandou instaurar o processo referente ao aludido pedido mediante o despacho: “À DSSOPT para abrir o processo e para dar seguimento”.
160. Os dois despachos proferidos pelo arguido B eram com a intenção de mostrar à DSSOPT que o pedido de C já foi deferido, por forma a impor pressões às entidades subalternas para estas submeterem o relatório de análise e a proposta a favor da autorização do pedido, conforme a sua vontade.
161. O conteúdo dos aludidos despachos do arguido B fez com que a DSSOPT estivesse consciente de que foi consentido o pedido de C e sentisse pressões ao apreciar e autorizar o respectivo pedido.
162. Além disso, o arguido B ordenou verbalmente a DSSOPT para promover a aprovação do respectivo pedido de C.
163. Ao lado da Companhia de A Internacional, Limitada, há mais duas companhias que também entregaram o pedido para lhes ser concedido o terreno na Rua de XX – Quarteis XX.
164. A Companhia de Promoção Predial W Lda, em 10 de Março de 2004, pediu, através da carta mandada para o arguido B, que lhe fosse concedido o terreno; no mesmo dia, o arguido B limitou-se pronunciar no despacho: “À DSSOPT p/ estudar”.
165. Durante o andamento do processo, o arguido B várias vezes orientou o director da DSSOPT para acompanhar e acelerar o processamento do aludido pedido de C, tendo manifestado o que precisava era apenas concretizar o plano proposto por C, não sendo necessário todavia considerar os planos submetidos pelas outras companhias.
166. Em 7 de Junho de 2004, o Director da DSSOPT, no relatório de análise n.º 58/DPO/2004, elaborado quanto ao plano da construção entregue pela Companhia de Promoção Predial W Lda, mandando pôr de parte o pedido da concessão da terreno desta empresa, por considerar que superiormente foi determinado o seguimento da troca deste terreno da RAEM por um espaço destinado a silo público num edifício particular em construção, cujo processo e negociação decorre presentemente através do DSODEP ....
167. Em 21 de Janeiro de 2005, o Director da DSSOPT, através do parecer emitido no relatório n.º 004/DSODEP/2005, propôs a concessão do referido terreno situado na Rua de XX – Quarteis XX à Companhia de A Internacional, Limitada, tendo permitido o pagamento do prémio desta companhia efectuado com os dois andares do parque de estacionamento localizado no lote XX da Avenida de XX, para além de aprovar a entrega dos lugares de estacionamento em falta substituída pelo pagamento do dinheiro, indeferindo, desta forma, os pedidos das outras companhias que incidiram sobre o mesmo terreno.
168. Em 26 de Janeiro de 2005, o arguido B proferiu o despacho de concordância relativamente ao parecer acima referido.
169. Em 28 de Fevereiro de 2005, C assinou um termo de compromisso, tendo-o entregue ao arguido B.
170. No referido termo de compromisso, o C identificou-se como proprietário do prédio do uso comercial e habitacional em construção localizado no lote XX, da Avenida de XX, alegando que um dos estabelecimentos comerciais daquele prédio pertenceria à Companhia X Limited, aliás prometeu registar os direitos e interesses deste mesmo estabelecimento comercial na Conservatória de Registo, uma vez construído tal prédio ou notificada pela companhia X Limited no momento apropriado.
171. O estabelecimento comercial no referido termo de compromisso que C prometeu dar à Companhia X Limited, é o benefício retributivo que tinha sido prometido ao arguido B pela sua intromissão e a influência no respectivo processo administrativo a fim de poder ser aprovado o mesmo pedido pelo Governo da RAEM.
172. A Comissão de Terras deliberou em 17 de Agosto de 2006 não opor ao aludido pedido de C.
173. Em 25 de Agosto de 2006, o arguido B emitiu o parecer, por forma a aprovar a concessão da referida terreno, tendo o parecer sido homologado pelo Governo da RAEM.
174. A respeito da referida matéria, o arguido B anotou no “Caderno de Amizade 2004”: “C: Y trocada pela Rua de XX (Loja da Y)”, “lugar de estacionamento da XX trocada por lado oposto de TDM→Loja da Y 200”, anotou no “Caderno de Amizade 2005”: “C: Y trocada pela Rua de XX→Loja da Y” e “C: Y trocada pela Rua de XX, Loja da Y”, anotou no “Caderno de Amizade 2006”: “C: Loja da Y”.
175. Além disso, o arguido B várias vezes registou, no caderno Luxe 2005, os factos a respeito do supradito pedido de C que se destinava à troca dos lugares de estacionamento por terreno, por exemplo: no lugar do 4 de Janeiro: “parque de estacionamento XX → Rua de XX” e no lugar do 10 de Janeiro: “XX → Rua de XX”, no lugar de 14 de Março: “C: XX”, no lugar de 14 de Abril: “XX → Rua de XX (C)”.
176. O referido terreno situado na Rua de XX – Quarteis XX foi avaliado pela Direcção das Finanças no valor de MOP115.172.333,00 patacas.
177. Em 8 de Dezembro de 2006, os agentes do CCAC encontraram, num cofre da residência do arguido B o termo de compromisso atrás referido e as várias plantas de concepção referentes ao caso do desenvolvimento da área lote 9A confinando com a Avenida de Y e com a Rua de XX n.º 15 a 17.
178. Em 8 e 15 de Dezembro de 2006, os agentes do CCAC encontraram na residência e no gabinete do arguido B, no total de catorze documentos não assinados, entre os quais uns datados de 17/11/04, 22/03/05, 14/04/05, 11/07/05, 9/8/05, 22/9/05, 3/3/06, 10/5/06 e 31/3/06 continham a menção da troca dos terrenos.”
Pelos factos supra descritos, não resta qualquer margem de dúvida de que a concessão do terreno em causa resulta da prática do crime por parte do ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, B e do comerciante C, sócio marioritário da Companhia de Construção e Investimento Predial D, Lda. (74.85% de acções) e da Companhia de Construção e Investimento Predial J, Limitada (85% de acções), que estas, por sua vez, são sócios marioritários (85% de acções) da ora recorrente - Companhia de A Internacional, Limitada.
Por força do disposto do artº 578º do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis (aqui processos contenciosos) em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.
A recorrente, apesar ser uma pessoa colectiva dotada de personalidade jurídica própria, não deveria ser considerada como terceiro, muito menos de boa-fé, nos crimes praticados na concessão do terreno em causa, já que o seu verdadeiro sócio físico maioritário e dominante, C, agiu em nome e para o benefício da recorrente.
Mesmo que a considerasse, por mera hipótese, como um “terceiro”, ela também não fez prova em contrário para ilidir a referida presunção legal.
Nos termos da al. c) do nº 2 do artº 122º do CPAC, os actos cujo objecto constitua um crime são nulos.
Como bem apontou o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal, que quer o parecer da Comissão de Terras, quer a homologação do mesmo pela entidade competente, “resultaram de procedimento administrativo em que, pelas instâncias competentes, foi detectada intervenção criminosa no procedimento, intervenção essa determinante e decisiva nas medidas adoptadas e, daí que se veja como razoável e adequada a conclusão de que o acto final dele resultante se encontrar maculado pelo crime.”
Nesta conformidade, independentemente da validade intrínseca desses actos, os mesmos têm de ser declarados nulos por imposição legal nos termos da al. c) do nº 2 do artº 122º do CPAC, por ser fruto da prática do crime.
Em relação à declaração da nulidade das autorizações concedidas aos projectos de aproveitamento, projectos de arquitectura e todos os outros projectos relacionados com o terreno em causa, é certo que estas não foram declaradas como objecto de crime no Proc. nº 53/2008 do TUI.
Contudo, as mesmas são actos consequentes do acto de concessão do terreno em causa, pelo que uma vez declarada nulidade da primeira, as mesmas sofrem a nulidade consequencial.
Pois, é ilógica continuar subsistir as autorizações concedidas aos projectos de aproveitamento, projectos de arquitectura e todos os outros projectos relacionados com o terreno em causa enquanto a recorrente já não tem o direito de o fazer, em consequência da declaração da nulidade da concessão.
Assim, o acto recorrido na parte que declarou as nulidade da concessão do terreno e das as autorizações concedidas aos projectos de aproveitamento, projectos de arquitectura e todos os outros projectos relacionados com o terreno em causa não merece de qualquer censura.
II. Da falta da audição prévia:
A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se, como bem acentuou a entidade recorrida, “a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados”.
No caso em apreço, não foi procedida a audiência da recorrente antes da tomada da decisão da declaração da nulidade.
Com isto diminuiu os direitos ou interesses legalmente protegidos da recorrente?
A resposta não deixa de ser negativa.
Vejamos.
A doutrina e a jurisprudência portuguesa, cujo sistema jurídico é igual ou semelhante ao nosso, pelo que citamos a título do Direito Comparado, têm vindo a entender que a preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada (Ac. do STA, proferidos nos Recursos nºs 1240/02, 671/10 e 833/10, respectivamente, de 03/03/2004, 10/11/2010 e 11/05/2011).
É justamente o que se passa no caso sub justice.
Como já referimos anteriormente, a recorrente, apesar dotar de personalidade jurídica própria, não pode ser vista como uma pessoa alheia do processo da prática de crime na concessão do terreno em causa, já que o seu real sócio físico maioritário, C, agiu em nome e para o benefício da recorrente.
Assim, bem observou o Dignº Magistrado do Mº Pº que “Face à repercussão pública da condenação do ex S.T.O.P., relativa à conduta criminosa do mesmo, atinente à utilização da sua competência e influência na instrução de alguns procedimentos administrativos da DSSOPP, no sentido de autorizações relativas a concessões, trocas e modificações de utilização e planeamento de terrenos e obras de construção, em seu benefício ilegítimo, “esquemas” em que se enquadrou, manifestamente, o “negócio” de que a recorrente era parte e que originou o despacho em apreço, mal se compreende a sua eventual surpresa face ao decidido, já que o mesmo decorreria, inevitàvelmente, do escrupuloso cumprimento dos dispositivos legais imanentes.
A nulidade em questão resulta, pois, como mera declaração de situação adveniente de acórdão do TUI, sendo que dessa declaração resultou, desde logo, a total ineficácia produzida desde a prolacção do acto, a ninguém vinculando o mesmo, sendo que, nestes parâmetros, mal se vê a obrigatoriedade da participação do interessado particular.”
III. Da não restituição do prémio:
O acto recorrido não negou o direito de reaver o prémio pago por parte da recorrente, simplesmente decidiu tratar o assunto mais tarde.
Como é sabido, o recurso contencioso é de mera legalidade, daí que a questão da oportunidade está fora do seu âmbito de apreciação.
Improcede assim o recurso interposto na sua íntegra.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando o acto recorrido.
Custas pela recorrente, com 20UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
RAEM, aos 07 de Julho de 2011.
_________________________ _________________________
Ho Wai Neng Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
_________________________
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1
Proc. nº 663/2009