Processo n.º 43/2011 Data do acórdão: 2011-7-7
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– julgamento de factos
S U M Á R I O
Como depois de analisada a fundamentação probatória do acórdão recorrido, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal a quo, ao ter formado a sua livre convicção sobre os factos então sob julgamento, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou das legis artis em matéria de julgamento da matéria de facto, a decisão condenatória impugnada não pode padecer do vício de erro notório na apreciação da prova, assacado pelo arguido recorrente.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 43/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente arguido: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 288 a 293 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-08-0259-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por força do qual ficou condenado como co-autor material de três crimes consumados de roubo, p. e p. pelo art.o 204.o, n.o 1, do Código Penal de Macau (CP), em um ano e seis meses de prisão por cada crime, e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por três anos, com regime de prova, bem como no pagamento de indemnização pecuniária a favor dos três ofendidos dos autos, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir “a anulação do julgamento” “em caso de dúvida sobre a verificação dos factos imputados e que constituíram a base da pena aplicada” e/ou o reenvio do processo para novo julgamento a fim de sanar o vício de erro notório na apreciação da prova, por entender que a decisão recorrida violou o princípio de in dubio pro reo, porquanto, e na essência, “os dois ofendidos foram claros ao alegarem não terem visto o ora recorrente na altura dos factos. Os então menores, testemunhas de acusação, foram também claros ao alegarem não ter o ora recorrente nada a ver com os crimes porque vinha acusado”.
Ao recurso respondeu o Ministério Público materialmente no sentido de manutenção do julgado (cfr. o teor da resposta de fls. 311 a 316).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 324 a 325v), pugnando também materialmente pela confirmação do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como ponto de partida para a solução do objecto do recurso, é de atender à fundamentação fáctica do acórdão recorrido, de acordo com a qual, e na sua essência, se considerou provado que o arguido, de modo livre, voluntário e consciente, com intuito de tirar objectos valiosos dos três ofendidos contra a vontade destes, por meio de divisão de tarefas e planeamento acordado em conjunto com quatro menores, sabendo que assim fazendo iria ser punido por lei, ficou ele deliberadamente, e segundo o plano previamente acordado com tais quatro menores, a vigiar apenas à distância do local de roubo, enquanto esses quatro foram praticar actos de roubo contra os três ofendidos dos autos, tendo, por outro lado, o Tribunal Colectivo a quo, nas páginas 6 (a partir do quarto parágrafo) a 7 (nos primeiros quatro parágrafos), concretamente a fls. 290v a 291, tecido fundamentação concreta do processo de formação da sua livre convicção sobre os factos, na qual o Tribunal a quo resumiu, inclusivamente, o teor das declarações do arguido e dos depoimentos de outras pessoas ouvidas em audiência de julgamento, tendo até referido que embora dois dos menores consortes do arguido, chamados B e C, tenham declarado na audiência de julgamento que o arguido não participou nos actos de roubo, foram lidas em audiência as declarações então pelos mesmos dois prestados no Ministério Público, as quais já relataram o decurso das coisas relativas à comparticipação do arguido no caso, pelo que decidiu o Tribunal a quo acreditar na versão fáctica anteriormente dada por esses dois menores.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Depois de analisado o teor da motivação do recurso, é de observar que no fundo, pretende o arguido sindicar o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido.
Pois bem, ante os elementos acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, não se vislumbra ao presente Tribunal de recurso que o Tribunal a quo, ao ter formado a sua livre convicção sobre os factos então sob julgamento, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou das legis artis em matéria de julgamento da matéria de facto, sendo certo que:
– do facto de dois dos ofendidos terem dito na audiência que não viram o arguido no local do roubo (cfr. o resumo dos depoimentos desses dois ofendidos, feito pelo Tribunal recorrido na página 6 do seu aresto) não se pode deduzir necessariamente que o arguido não tenha praticado os factos em comparticipação com os quatro menores, visto que essa resposta daqueles dois dos ofendidos até foi muito lógica: se o arguido se limitou a vigiar à distância, é natural que eles não viram o arguido no local do roubo;
– por outra banda, da versão fáctica avançada em audiência pelos dois dos quatro menores praticantes dos actos de roubo no sentido de que o arguido não tenha praticipado nesses actos, não resulta necessariamente que o arguido é inocente, já que tal como explicou o Tribunal recorrido, este optou por acreditar na versão fáctica anteriormente dita por esses dois menores no Ministério Público.
Não pode, assim, o arguido vir aproveitar a sede de recurso para fazer impor subjectivamente o seu ponto de vista sobre o julgamento da matéria de facto então feito criteriosamente pelo Tribunal a quo.
Em suma, não deixa de naufragar o recurso do arguido, por a decisão recorrida não padecer da alegada violação do princípio de in dubio pro reo, nem do assacado erro notório na apreciação da prova.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o supra exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça.
Comunique o presente acórdão (com cópia do acórdão recorrido) ao Processo Comum Singular n.o CR1-10-0170-PCS do Tribunal Judicial de Base.
Macau, 7 de Julho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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