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Processo n. 194/2008
(Recurso Laboral)
Data do acórdão: 23 de Junho de 2011
Descritores: - Prescrição de créditos laborais
- Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
- Juros
   
SUMÁRIO:
I- Entre o prazo de 15 anos para a verificação da prescrição, fixado no Cod. Civil de 1999, e o de 20, estabelecido no Cod. Civil de 1966, aplicar-se-á o segundo, se o seu termo ocorrer primeiro, face ao disposto no art. 290º, nº1.
II- Para esse efeito, não se aplica ao contrato entre um trabalhador do casino e a STDM as normas dos arts. 318, al. e) do Cod. Civil de 1966 e 311º, al. c) do Cod. Civil vigente porque a relação laboral assim firmada entre as partes é de trabalho e não equivalente à do contrato doméstico.
III- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
IV- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, “sem prejuízo da correspondente remuneração”; mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
V- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 24/89/M, terá direito de auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
VI- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).

Proc. N.194/2008
Recorrentes: STDM,SARL
Recorridos: A


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.


I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$561.790,62 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados) e descansos anuais não gozados desde 04 de Março de 1970, data em que para a ré começou a trabalhar, até 22 de Dezembro de 1994, altura em que cessou a relação laboral entre ambos.
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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador (fls. 122), julgando-a improcedente e, em consequência, não prescritos os créditos peticionados, por considerar existir uma lacuna na legislação no ordenamento jurídico de Macau, a preencher com o recurso ã norma do art. 318º, al. c), do Cod. Civ. e, assim, proceder como nas relações de trabalho doméstico. Logo, por considerar que o prazo se conta após a cessação da relação laboral.
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Dessa decisão recorreu a STDM, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Os créditos laborais que a A., ora Recorrida, invoca porque anteriores a 5 de Junho de 2002, encontram-se prescritos, pelo decurso do prazo de 5 anos, previsto na alínea f) do artigo 303º do CC e na alínea g) do artigo 310º do CC de 1966, relativamente a cada uma das prestações peticionadas;
2. Os créditos peticionados pela ex-trabalhadora, A. e Recorrida, reconduzem-se às compensações por descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios remunerados, alegadamente não gozados;
3. A retribuição paga aos trabalhadores possui uma configuração celular, autónoma e independente das restantes prestações suas congéneres;
4. No caso dos autos, foi acordado pelas partes que a retribuição era devida por cada dia de trabalho, sendo que caso a trabalhadora não prestasse qualquer actividade laboral em determinado dia não seria remunerada;
5. Ou seja, se, por hipótese, a A. apenas trabalhasse de forma interpolada durante uma semana, um mês ou todo o ano, apenas receberia pelos dias em que prestou trabalho e não pela totalidade dos dias em que manteve uma relação laboral com a R.;
6. Do exposto, conclui-se que cada dia de trabalho era um único dia, independente dos demais, e que a A. apenas seria remunerada se prestasse efectivamente a sua actividade, não lhe sendo paga qualquer retribuição caso essa actividade não fosse prestada;
7. O mesmo se diga em relação aos créditos respeitantes a dias de descanso;
8. O direito ao gozo de dias de descanso semanal, anual ou em feriados obrigatórios, vence-se por mero decurso do tempo, sendo a sua cadência, no caso dos dias de descanso semanal, de uma vez por semana; no caso dos dias de descanso anual, de seis vezes por ano; e, no caso dos feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados), de 9 ou 10 vezes por ano;
9. Assim, em cada sete dias de trabalho, vence-se o direito a um dia de descanso semanal; em cada 365 dias vence-se o direito a seis dias de descanso anual; e em cada feriado obrigatório vence-se o direito ao gozo desse dia;
10. Ou seja, os créditos ora peticionados pela A., reportam-se a direitos que se renovam periodicamente; e, se os créditos ora peticionados se reportam a direitos renováveis periodicamente, também eles (os créditos) são renováveis periodicamente;
11. Estando sempre em causa prestações que são independentes umas das outras e que se vencem sucessivamente, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos para cada um dos salários e compensações reclamados pela A., pelo facto de serem periodicamente renováveis (prestações sucessivas, continuativas, periódicas, continuadas, com trato sucessivo ou reiteradas);
12. Por outro lado, no entender da recorrente, “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”, nos termos gerais do número 1 do artigo 306º do CC de 1966, pelo que não existe qualquer lacuna no que a esta matéria respeita;
13. O prazo de prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito; Decorreram mais de 2 anos sobre o termo da relação laboral entre A. e R., pelo que já não se verifica a causa de suspensão de prescrição, prevista na alínea c) do número 1 do artigo 311º do CC;
14. Não se pode aplicar (analogicamente) ao prazo de prescrição dos créditos reclamados nos autos a causa bilateral da suspensão prevista pela alínea e) do artigo 318º do CC de 1966;
15. Não existe qualquer lacuna no Ordenamento Jurídico de Macau, no que respeita à matéria das causas bilaterais de suspensão do prazo da prescrição;
16. Esta matéria, em especial no que concerne a créditos decorrentes do contrato de trabalho, está contida na alínea c) do número 1 do artigo 311º do CC;
17. Militam a favor da inaplicabilidade da causa bilateral da suspensão prevista na alínea e) do artigo 318º do referido CC de 1966 ao caso dos autos, os seguintes argumentos:
i) É inverosímil que o legislador se tenha esquecido de proceder ao alargamento de âmbito de aplicação de um regime que estabeleceu para uma especial forma de prestação de trabalho (doméstico) ao trabalho subordinado comum;
ii) Tendo o legislador previsto especialmente essas relações laborais no artigo 318º do Código Civil de 1966, crê a Recorrente que aquele pretendia excluir todas as outras;
iii) A alínea e) do artigo 318º do CC de 1966 é uma norma excepcional, que tem em consideração características próprias do contrato de trabalho doméstico e que impõem um tratamento diferenciado relativamente às demais relações laborais;
iv) Enquanto norma excepcional, a alínea e) do artigo 318º do CC de 1966, não comporta aplicação analógica, nos termos do abrigo do disposto no artigo 11º do CC de 1966;
v) A “zona de intersecção teleológica” identificada pelo Tribunal a quo, alegadamente existente entre o contrato de trabalho comum e o contrato de trabalho doméstico e que justificaria a analogia proposta, resume-se à situação de subordinação jurídica (que, alegadamente, teria gerado a inibição do exercício dos direitos da trabalhadora);
vi) Salvo o devido respeito, parece à Recorrente que esta interpretação é forçada e incorrecta, na medida em que a subordinação jurídica vigora em qualquer contrato de trabalho, e é uma característica essencial do mesmo, pois caso aquela não se verifique estaremos perante uma figura afim do contrato de trabalho(como contrato de mandato ou prestação de serviços); com efeito,
vii) Nos termos do número 1 do artigo 1.079º do CC e do artigo 1.152º do CC de 1966, “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” - ou seja, de forma juridicamente subordinada;
viii) A subordinação jurídica não e suficiente para justificar a aplicação de uma norma excepcional prevista para o contrato de trabalho doméstico às relações de trabalho comuns, como ficou entendido no despacho recorrido; e
ix) Não se encontra outro ponto comum relevante entre o contrato de trabalho que vigorava entre A. e R. e o contrato de trabalho doméstico que não a subordinação jurídica;
x) Nos termos do número 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro, o contrato de trabalho doméstico é definido como o contrato pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou especificas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros;
xi) A A. foi contratada pela R. como funcionária de casino e não como trabalhadora doméstica;
xii) A Ré, “Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.”, é uma sociedade comercial anónima, tendo muito pouco em comum com um agregado familiar; na verdade,
xiii) Quando cessou a sua actividade, em 31 de Março de 2002, a ora Ré tinha contratado quase 5000 trabalhadores;
xiv) A norma ínsita na alínea e) do artigo 318º do CC de 1966 não pode ser analisada isoladamente como parece fazer o M.mo Tribunal recorrido; com efeito,
xv) Não obstante a referida norma prever que a prescrição não começa nem corre “entre quem presta trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar”,
xvi) O Ordenamento Jurídico português (artigo 38º da Lei do Contrato de Trabalho de 1969 e artigo 381º do Código do Trabalho), continha e contém normas que determinam o prazo de prescrição de um ano contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, para créditos resultantes desse contrato e da sua violação;
xvii) As relações de trabalho doméstico são expressamente excluídas do âmbito de aplicação dos Regimes Jurídicos das Relações de Trabalho de 1984 e 1989 (cfr. n.º 3 dos artigos 3º dos Decreto-Lei n.º 101/84/M de 25 de Agosto e Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril); assim, por maioria de razão,
xviii) Se a legislação estabelecida para o trabalho subordinado comum não se aplica ao trabalho doméstico, a norma excepcional da a1. e) do artigo 318º do CC de 1966 prevista para o trabalho doméstico não se aplica ao trabalho subordinado comum.
18. No entender da ora Recorrente, a aplicação da norma contida no alínea e) do artigo 318º do CC de 1966 aos créditos reclamados nos autos, conjugada com a determinação de que o prazo de prescrição aplicável aos mesmos é de 20 anos, conduz a uma situação claramente iníqua, que certamente não corresponde à intenção do legislador português (mens legislatoris);
19. Note-se: o Ordenamento Jurídico português, a que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo se socorreu para integrar uma alegada lacuna, prevê (e previa) o prazo de prescrição de 1Ano e não de 20 anos para créditos como os peticionados nos presentes autos;
20. Por outro lado, caso existisse no Ordenamento Jurídico de Macau uma lacuna no que concerne à matéria da prescrição de créditos resultantes do despacho recorrido, seria na norma contida no número 1 do artigo 38º da LCT (idêntico ao actual número 1 do artigo 3810 do CT português), que encontraríamos o caso análogo a que nos socorrer para integrar a alegada lacuna;
21. Demonstrada que está a inaplicabilidade ao caso dos autos da alínea e) do artigo 318º do CC de 1966, deve entender-se que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido” e que se encontram prescritos os créditos reclamados pela A. anteriores a 5 de Junho de 2002, pelo decurso do prazo de 5 anos, previsto na alínea f) do artigo 303º do Código Civil de Macau (CC).
*
Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 17/12/2007, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 377.097,00, acrescida de juros de mora à taxa de 9,75% a contar do trânsito até integral pagamento
*.
É dessa sentença que, inconformada, a ré STDM interpõe o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
I. O Acórdão de que ora se recorre é nulo por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso, por parte da Autora, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pela Recorrida, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dia de descanso anual como se a Ré tivesse impedido a Autora de gozar aqueles dias, e com base no regime do salário mensal que nunca foi a realidade dos factos.
II. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito e culposo.
III. E, de acordo com os artigos 17º, 21 º e 23 º do RJRT de 1984 e dos artigos 17º, 20º e 24º, todos do RJRT de 1989, qualquer deles aplicável, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora - e consequentemente, direito a indemnização – quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
IV. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela, não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que a A. precisava da autorização da R. para ser dispensada ao serviço.
V. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A., ora Recorrida, i. e., a ilicitude e a culpa do comportamento da R., ora Recorrente.
VI. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário - em função do trabalho efectivamente prestado.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
VII. A Autora, e ora Recorrida, não estava dispensada do ónus da prova quanta ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias, alegadamente, não gozou.
VIII. Assim sendo, o Meritíssimo Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A., ora Recorrida.
IX. Nos termos do número 1 do artigo 342º do Código Civil de 1966 e do artigo 335º do Código Civil de 1999, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
X. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos da base instrutória, cabia à A., ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou, proibiu, impediu ou negou o gozo de dias de descanso (sejam semanais, anuais ou feriados).
XI. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, culposa ou punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A, não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XII. O número 1 do artigo 5º de ambos os dois RJRT (de 1984 e de 1989), dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o artigo 6º de ambos os dois e mesmos diploma legais que, os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XIII. O facto de a A., ora Recorrida, ter beneficiado de um generoso e vantajoso esquema de distribuição de gratificações ou de gorjetas dos Clientes dos casinos que a Ré explorou entre 1962 e 2002, e que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe à entidade empregadora o dever de pagar um salário justo.
XIV. É que, pois, caso a ora Recorrida auferisse apenas um “salário justo” - da total responsabilidade da Recorrente, e pago na íntegra por esta - certamente que, esse salário seria inferior ao rendimento total que a ora Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
XV. Não concluindo - e nem sequer se tendo debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade do douto Acórdão ora em crise, devendo ser a mesma revogado e/ou alterado quanto a esta questão.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XVI. A aceitação da trabalhadora de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
XVII. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica de Macau consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 70º e seguintes do Código Civil de 1966 e os artigos 67º e seguintes do Código Civil de 1999, consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso semanal, férias anuais e os feriados obrigatórios).
XVIII. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XIX. Destarte, deveria o Mmo Tribunal recorrido, ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XX. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a ora Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XXI. E, não tendo a Recorrida, sido impedida ou proibida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da Ré/Recorrente à A./Recorrida.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
XXII. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Acórdão do Tribunal recorrido, quando considera que a A., ora Recorrida, era retribuída com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada coma assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário em função do trabalho efectivamente prestado.
XXIII. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como a aqui Recorrida, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário de, no caso, MOP 4.10, primeiro, e depois de HKD$ 10.00 por dia, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
XXIV. Acresce que a fórmula do salário diário nunca foi contestada pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
XXV. Trata-se de uma disposição contratual valida e eficaz de acordo com os dois RJRT, de 1984 e de 1989, que prevêem, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no artigo 1º dos dois diplomas laborais de Macau.
XXVI. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que a A., ora Recorrida, era retribuída de acordo com um salário mensal, o douto Acórdão recorrido parece desconsiderar toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
XXVII. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a ora Recorrente entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é errada, ao tentar estabelecer como imperativo (ou seja, o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como sendo dispositivo (i. e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
XXVIII. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo Tribunal recorrido teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pelo A, ora Recorrida, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
XXIX. O trabalho prestado pelo Recorrida em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
XXX. A retribuição já paga pela ora R./Recorrente à ora Recorrida por esses dias, deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que a A. tinha direito, nos termos do Decreto-Lei n.º1101/84/M, de 25 de Agosto, e depois do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e, finalmente, nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990 (que alterou o RJRT de 1989 e aqui aplicável).
XXXI. Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. as alíneas a) e b) do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989), tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
XXXII. Ora, nos termos do número 4 do artigo 26º do RJRT em vigor, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do número 6 do artigo 17º, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com a entidade empregadora.
XXXIII. Nos termos do artigo 28º do RJRT de 1984, o salário referido a um determinado período (como é o caso dos Autos), já inclui o salário correspondente aos períodos de descanso semanal, férias anuais e feriados obrigatórios.
XXXIV. No RJRT de 1984 não existe uma norma como a do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989, nem uma norma Como a do artigo 24º do actual RJRT.
XXXV. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
XXXVI. A decisão recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da alínea b) do número 6 do artigo 17º e do artigo 26º, ambos do actual RJRT, bem como do número 28º do RJRT de 1984, o que importa a revogação da parte do Acórdão que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda e concluindo:
XXXVII. As gratificações, luvas, prémios ou gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gratificações ou as luvas ou os prémios, ou as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da ora Recorrente.
XXXVIII. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999, e agora na R. A. E. M., pelo Tribunal de Última Instância.
XXXIX. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacifica e unanimemente.
XL. O punctum crucis essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo da entidade empregadora.
XLI. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade, no sinalagma entre a prestação do trabalho do trabalhador e a sua remuneração pela entidade empregadora.
XLII. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Professional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”.
XLIII. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas/gratificações/luvas/prémios irregulares, de salário ou de retribuição - artigos 2º e 3º da Lei n.º 2/78/M, de 25 de Fevereiro de 1978.
XLIV. Neste sentido, qualifica o Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM, S.A., como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
XLV. Na verdade, a reunião, guarda, recolha e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, S. A., mas com a colaboração e intervenção de uma Comissão Paritária composta por empregados de casino, funcionários da tesouraria e ainda de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a todo esse procedimento.
XLVI. Apenas a distribuição das gratificações, gorjetas, ou das luvas cabia e coube apenas em exclusivo à Ré/Recorrente.
XLVII. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Tribunal a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto decidendo.
XLVIII. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gratificações ou luvas ou gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, S.A., aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e a DICJ.
XLIX. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
L. Nem, diga-se, de iure constituendo, ou de lege ferenda, nos vários projectos de novo RJRT, discutidos desde 2007, se irá incluir um mínimo salarial ou o que será quantitativamente e qualitativamente o referido «salário justo», que seja do conhecimento público.
LI. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
LII. Finalmente, a Ré gostaria ainda de invocar, os Doutos Acórdãos 28/2007 e 29/2007 respectivamente, de 21 de Setembro de 2007, e 22 de Novembro de 2007, nos quais o Tribunal de Última Instância demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
LIII. Relativamente à questão dos juros - de mora - pretensamente devidos pela ora Recorrente.
LIV. Apenas por hipótese e cautela de bom patrocínio, tendo em conta a divergência da fundamentação com a douta decisão final(fls. 305v e 306νs. 307v e 308) a Ré e ora Recorrente se ocupa expressamente desta questão, e quanta a ela, discorda do exposto em: “a partir da decisão proferida na 1ª instância, por esse ser o momento da liquidação da dívida"(o teor de fls. 305v da douta Acórdão), sempre diremos que aqui se reitera o exposto nos artigos 41º a 53º da Contestação dos Autos;
LV. Assim, os juros, caso existam e sejam exigíveis à ora Ré e ora Recorrente, apenas se contam a partir do trânsito em julgado da decisão.
LVI. Veja-se nesse sentido, que é a melhor opinião e doutrina em Macau, o exposto na página 54 do mesmo acórdão recorrido, e toda a jurisprudência do TSI.
LVII. A decisão ora em crise deverá ser revista e reformulada, absolvendo a ora Recorrente, considerando as presentes alegações de Direito procedentes por provadas.
*
A, representada pelo M.P., apresentou contra-alegaçoes, sustentando a improcedência do recurso, a fls. 377 a 379v, em termos que aqui damos por reproduzidos.
*
Cumpre decidir.

II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
- A Autora trabalhou para a Ré entre 4 de Março de 1970 e 22 de Dezembro de 1994 como empregada de casino (alínea A) da Especificação).
- Como contrapartida da sua actividade laboral, a Autora, desde o início da relação laboral com a Ré e até à respectiva cessação, recebeu, de dez em dez dias, uma quantia fixa diária de MOP$4.10 até 30 de Junho de 1989, e de HKD$10.00 desde 1 de Julho de 1989 (alínea B) da Especificação).
- Além disso, a Autora recebeu, de dez em dez dias, uma parte, variável, das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os trabalhadores desta (alínea C) da Especificação).
- As gorjetas eram distribuídas por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo (alínea D) da Especificação).
- Entre os anos de 1984 e 1994, a Autora recebeu, ao serviço da Ré, os seguintes rendimentos anuais:
1984 – MOP$117,092.00
1985 – MOP$119,625.00
1986 – MOP$116,532.00
1987 – MOP$124,714.00
1988 – MOP$134,703.00
1989 – MOP$154,852.00
1990 – MOP$166,590.00
1991 – MOP$163,111.00
1992 – MOP$169,063.00
1993 - MOP$191,629.00
1994 – MOP$193,221.00 (alínea E) da Especificação).
- Sobre esses rendimentos incidiu imposto profissional nos termos que constam da certidão de rendimentos de fls. 18 cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea F) da Especificação).
- A Autora prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal (alínea G) da Especificação).
- A ordem e o horário dos turnos são os seguintes (alínea H) da Especificação).
- 1º e 6º turnos: das 7 às 11 horas e das 3 às 7 horas;
- 3º e 5º turnos: das 15 às 19 horas e das 23 às 3 horas;
- 2º e 4º turnos: das 11 às 15 horas e das 19 às 23 horas.
- Nos dias em que a Autora não prestou serviço efectivo não recebeu, da parte da Ré, qualquer remuneração (alínea I) da Especificação).
- As gorjetas referidas na alínea c) da matéria de facto assente eram distribuídas pela entidade patronal segundo um critério por esta fixado (resposta ao quesito 1º).
- Na distribuição interna das gorjetas, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e departamento em que trabalhavam (resposta ao quesito 3º).
- A Ré sempre pagou à Autora, regular e periodicamente, a respectiva quota-parte das gorjetas (resposta ao quesito 6º).
- As gorjetas sempre integravam o orçamento normal da Autora (resposta ao quesito 7º).
- O qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica (resposta ao quesito 8º).
- A Autora sempre prestou serviços nos seus dias de descanso semanal (resposta ao quesito 9º).
- Sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação salarial nem compensado com outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviços (resposta ao quesito 10º).
- A Autora prestou serviço à Ré nos feriados obrigatórios de 1 de Outubro de 1984, de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos de 1985, 1986, 1987 e 1988 bem como de 1 de Janeiro de 1989 (resposta ao quesito 11º).
- A Autora prestou também serviço à Ré nos restantes feriados obrigatórios, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano de 1984, 3 dias do ano novo chinês, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos de 1985, 1986, 1987 e 1988, bem como 3 dias do ano novo chinês do ano de 1989 (resposta ao quesito 12º).
- Sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação salarial (resposta ao quesito 13º).
- A Autora prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994 (resposta ao quesito 14º).
- A Autora prestou serviço nos feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994 (resposta ao quesito 15º).
- A Autora prestou serviço à Ré nos dias de descanso anual (resposta ao quesito 16º).
- Nos dias de descanso em que a Autora trabalhou, auferiu os respectivos rendimentos (resposta ao quesito 20º).

***

III- O Direito

A- Recurso do saneador (prescrição)

A ré STDM, na sua contestação, havia defendido que os créditos laborais invocados pela A. anteriores a 05/06/1992, porque com mais de 5 (cinco) anos, segundo o art. 303º, al. f), do Cod. Civil, estariam prescritos, tendo em conta a data da sua citação para os termos da acção, que se teria verificado em 5 de Junho de 2007.
No saneador foi decidido, porém, que o prazo aplicável seria de vinte anos (art. 306º, do C. C. de 1966) - porque completados antes do de quinze contados sobre a data da entrada em vigor do novo Código - o qual se contaria a partir somente do termo da relação laboral, tal como nos contratos domésticos, ao abrigo do art. 318º, al. e), do C.C., aplicável por analogia à situação dos autos. Por essa razão não estariam prescritos os créditos.

Desse despacho interpôs a STDM recurso jurisdicional (ver conclusões supra).
Apreciando.
Em primeiro lugar, importa dizer que a legislação laboral de Macau (DL n. 101/84/M, de 25/08 e, posteriormente, o DL no 24/89/M, de 3/ de Abril) nada estatuem, especificamente, sobre o regime de prescrição dos créditos emergentes das relações laborais. E se é certo que o Código Civil previa a figura do contrato de trabalho, a verdade é também que não regulamentou o seu regime, remetendo-o para legislação especial (arts. 1152º e 1153º). Regulamentação que viria a surgir com o Decreto-Lei no 49408, de 24/11/1969, que no seu art. 38º estabeleceu um prazo de prescrição de um ano para todos os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer ao trabalhador, contando-se esse prazo “a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. Assim, em matéria de prescrição, haverá que recorrer ao regime do Código Civil, importando apenas averiguar se o anterior de 1966, se o de 1999.
O art. 290º, n.1 do Cod. Civil actual (que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1999) estabelece que o prazo fixado em lei nova, desde que mais curto do que o fixado em lei anterior, será aplicado aos prazos que já estiverem em curso. Contudo, ainda de acordo com a referida norma, o início desse prazo só se dá a partir da entrada em vigor da nova lei, “a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, caso em que essa será a lei aplicável.
Ora, o prazo ordinário de 15 anos fixado na lei nova (art. 302º, do C.C. vigente) contado desde 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014, enquanto o de 20 anos (art. 309º, C.C. anterior) se completaria antes disso. E para tanto se concluir basta pensar que, mesmo contado o prazo a partir do limite máximo – o correspondente ao termo da relação laboral, ocorrido em Dezembro de 1994 – o período de 20 anos terminaria em Dezembro de 2014. E se isto é assim tendo por base de contagem a data da cessação da relação laboral, por maioria de razão se haverá de concluir se atendermos como “dies a quo” qualquer data em que, antes daquela cessação, se entenda que o direito pudesse ser exercido pelo trabalhador em relação a cada um dos seus autonomizados créditos.
Tratando-se a prescrição de um instituto que beneficia o credor, em razão da lassidão do devedor e em vista da estabilização das relações e da segurança do comércio jurídico, cremos, assim, que o regime da lei antiga será o aplicável ao caso em apreço, além do mais por ter sido, inclusivamente, ao seu abrigo que toda a relação laboral se estabeleceu (durou entre 4 de Março de 1970 e 22/12/1994).
Mas a recorrente defendia que deveria ser de cinco anos o prazo de prescrição.
Todavia, a questão está consolidada neste TSI em sentido diferente. A título de exemplo, veja-se o que foi dito no Ac. n. 810/2009, de 12/10/2009:
   “ (…) E não de 5 como se chega a defender, já que se não trata aqui de uma prestação renovável. Importa não esquecer que os créditos não são os salários, mas sim as compensações por direitos não gozados. E esses direitos não são prestações renováveis, pela razão simples, desde logo, que não se chegaram a verificar. E mesmo em relação aos salários dos trabalhadores, a prestação de trabalho não se coaduna com a natureza de uma qualquer prestação renovável, antes se traduzindo na contrapartida de um serviço prestado durante um certo período, sob direcção e instruções da entidade empregadora, correspondendo cada salário a um trabalho próprio, não se podendo dizer que o salário seguinte é a renovação do anterior. Ainda, a não consideração de um prazo curto de prescrição insere-se num entendimento que leva a considerar que a relação de proximidade existente pode condicionar o exercício do direito pela parte do trabalhador, pelo que deve ele mostrar-se protegido, como acontecia anteriormente para o serviço doméstico e agora para as relações de trabalho em geral”.
*
Mas, obtida esta conclusão, outra questão já se coloca.
Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende o recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 311º, al. c), do C.C. vigente, segundo o qual “a prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos decorridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
Ora, em primeiro lugar, desta última disposição não decorre que o prazo apenas se inicia com o termo da relação laboral. Ao dizer no seu proémio que “a prescrição não se completa” está a partir de um pressuposto, que é o de haver um prazo já iniciado, o qual não terminará senão ao fim de um período de dois anos após o termo do contrato de trabalho. Trata-se, em suma, de uma disposição que estabelece uma suspensão do prazo prescricional e não um diferimento do “dies a quo”.
Em segundo lugar, na medida em que ela traz à luz do dia uma estatuição até então inexistente, a ideia de uma novação parece sair reforçada. Quis o legislador tomar posição expressa pela primeira vez sobre o assunto, não sendo legítimo inferir que essa sempre fora a sua intenção implícita contida na legislação anterior.
Mas regressemos ao art. 318º do C.C. de 1966. Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
*
E como proceder para o apuramento concreto da prescrição?
Tendo em consideração duas disposições: a do art. 306º, n.1 e a do art. 323º, n.1, do C.C. de 1966. Ou seja, tendo-se em conta que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (1ª) e que o prazo se interrompe com a citação (2ª). Assim sendo, visto que a citação ocorreu em 05/06/2007, este será o marco a considerar. Prescritos estarão os créditos até 05/06/1987.
Pelo exposto, merece parcial provimento o recurso interposto do saneador quanto à matéria da prescrição.
*
B) Recurso da sentença

Apenas a STDM recorreu da sentença, nos termos constantes das conclusões acima transcritas.
Começa por dizer que a sentença é nula, por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento por sua parte do gozo dos dias de descanso, ao tipo de salário auferido pelo autor e à indemnização pelo não gozo do descanso anual. E acrescenta que, sendo a indemnização peticionada com base em responsabilidade civil, para a prova da ilicitude da ré haveria que provar-se que o trabalhador fora obrigado a trabalhar contra a sua vontade.
É preciso começar por dizer, que tal alegação não aponta para a nulidade da sentença. Do que se trataria, seria de uma errada interpretação da matéria da causa, errada subsunção dos factos ao direito ou errada aplicação do direito ao caso. Só que, mesmo nessa hipótese, a sanção não seria a nulidade da sentença, mas a sua revogação e, portanto, o provimento do recurso.
O que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu.
Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios? Prevalecerá o regime convencional sobre o regime legal?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador, que durante décadas, recebeu elevados rendimentos. Tanto no caso da natureza do contrato, como no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admita o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao império normativo.
Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
*
Nas conclusões seguintes, o recorrente insurge-se contra a indemnização fixada, em especial contra a fórmula de cálculo fixada na sentença. Todavia, para apuramento de um dos factores que integram a fórmula importa que afirmemos previamente a natureza do contrato e o valor do salário em causa.
A recorrente começou a trabalhar para a recorrida em 1970 como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária a quantia fixa diária de MOP$ 4,10 até 30/06/1989 e de HK$10,00 desde 1/07/1989 até Junho de 1992. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

*
E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Isso, aliás, resulta da matéria de facto especificada (alíneas B), C) e D) da especificação) Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebeu uma quantia fixa diária de MOP$ 4,10 durante um período e de HKD$10,00 a partir de certa altura (facto 2 da matéria de facto assente). Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração (facto 9 ou alínea I da especificação). Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio comprovado nos autos. De resto, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal.

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Como calcular a compensação?
Como o contrato atravessou a vigência dos DL n.s 101/84/M e 24/89/M, o apuramento dos valores compensatórios tem que obedecer a ambos os diplomas, consoante o período a que respeite o trabalho nos dias de descanso, sem esquecer, porém, que alguns deles estão prescritos, como atrás foi julgado.

Vamos por partes. Assim:

a) Descanso semanal
Descanso semanal na vigência do DL n. 101/84/M

A sentença considerou que a prestação de trabalho em dias de descanso semanal não confere direito a qualquer compensação pecuniária.
Desta decisão desfavorável ao trabalhador por este não foi interposto recurso jurisdicional. Razão pela qual este TSI se abstém de qualquer pronúncia censória.

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Descanso semanal na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa certa perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Noutra perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como concluiu a sentença recorrida.
O valor devido (porque inferior ao limite peticionado) será de Mop$ 287.273,96.
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b) Descanso anual
b)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1, tal como atribuído na sentença, que assim não merece reparo.
Acontece que a sentença havia entendido que nenhum crédito estava prescrito, enquanto nós entendemos estarem prescritos os créditos anteriores a 5/06/1987, pelo que há que fazer a devida correcção proporcional relativamente ao ano de 1987.
O valor a considerar é, pois, de Mop$ 4.102,79.
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c) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1.
Acontece que a sentença entende que a compensação deve ser calculada com base em dois dias de salário (fórmula AxBx2), com o que a STDM nas suas alegações expressamente se conformou (ver fls. 346 dos autos).
Razão pela qual o TSI nada pode fazer, senão aceitar o valor encontrado na 1ª instância, já que nesta parte não há dissensão entre decisão e recurso.
A importância ascende, pois, a Mop$ 33.397,50.
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c) Feriados obrigatórios
c).1 - Na vigência do DL n. 101/84/M
A sentença não atribuiu qualquer valor indemnizatório. Ora, como o trabalhador interessado não recorreu da sentença e o objecto do recurso interposto pela STDM não abrange esta matéria, até por lhe ser favorável, está o TSI impedido de se pronunciar sobre o tema.
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b). 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
- Feriados remunerados
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, conforme decidiu a sentença. Assim, aceitar-se-á o valor além fixado, que monta a Mop$ 46.870,20.
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IV- Decidindo
Face ao que vem de ser dito, acordam em:
1- Conceder parcial provimento ao recurso interposto do despacho saneador e, em consequência, julgar prescritos os créditos salariais anteriores a 05/06/1987.
Custas por recorrente e recorrido na proporção de vencido.
2- Conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pela STDM e, em consequência, confirmar e revogar a sentença nos termos acima expostos e, por via disso, condenar a STDM a pagar a A a quantia de Mop$371.644,45, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
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Macau, T.S.I. 23 / 06 / 2011.
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong
(com declaração de voto)


※ Rectificado por Acórdão proferido em 07-Julho-2011.








Processo nº 194/2008
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 23JUN2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong