Processo n. 347/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 30/06/2011
Descritores: Revisão de sentença
Divórcio
Bens situados em Macau
SUMÁRIO
1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
3- É de confirmar a decisão da Conservatória do Registo Civil da República Popular da China, competente segundo as leis deste país, que autoriza e regista o divórcio por “conciliação civil” ou mútuo consentimento, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública ou qualquer obstáculo à sua revisão.
Processo n. 347/2010
Revisão de sentença
Acordam na 2ª Instância da RAEM
I - Relatório
A, divorciada, comerciante, residente na Avenida Sir Anders Ljungstedt nº XX, XX, r/c “A”, em Macau, vem intentar contra,
B, divorciado, médico, com domicílio profissional em 中國廣東省佛山市XX(郵政編號:XX),
ACÇÃO DE REVISÃO E CONFIRMAÇÃO
DE SENTENÇA ESTRANGEIRA,
nos termos e com os fundamentos seguintes:
1º
A e R. contrairam casamento na Conservatória do Registo Civil da China de 中國廣東省韶關市武江區 em 4 de Maio de 1990.
2º
Por decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil de 中國廣東省佛山市禪城區 transitada em julgado em 8 de Agosto de 2007, foi decretado o divórcio entre as ora partes. (doc. nº 1)
3º
De acordo com o prescrito no Código Civil, Direito da Família, “Ao divórcio por mútuo consentimento decretado pelo Conservador do Registo Civil é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto na presente secção” (artº1634º) e,
4º
“As decisões proferidas nestes termos produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria.”
5º
Ou seja, e em conclusão, o legislador equiparou, para todos os legais efeitos, as sentenças de divórcio por mútuo consentimento proferidas pelo Conservador do Registo Civil às sentenças judiciais, pelo que, também neste caso, as mesmas devem ser revistas e confirmadas pelo Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M. a fim de poderem, validamente, vigorar na ordem jurídica da R.A.E.M.
6º
O documento referido no artigo 2º não deixa dúvidas quanto à respectiva autenticidade e inteligência de conteúdo
7º
Por outro lado, no processo nada existe de contrário aos princípios de ordem pública, nem quaisquer ofensas das regras do direi to privado em vigor em Macau.
8º
Não está proposta no tribunal de Macau qualquer acção para revisão da sentença aqui em causa.
9º
A decisão já transitou em julgado.
Tudo visto,
10º
Está a sentença em condições de ser revista e confirmada pela ordem jurídica de Macau, à luz do artigo 1199º e seguintes do Cód. Processo Civil.
Nestes termos deve a referida sentença ser revista e confirmada para produzir efeitos em Macau, para o que se requer a V. Exas, mandem citar o R. para, querendo, e dentro de 15 dias, contestar a presente acção, seguindo-se os mais trâmites até final.
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Foi lavrado o despacho de fls. 14 e 15, o qual apenas sujeita a revisão o acordo de divórcio entre requerente e requerido na parte referente às pessoas, não já quanto à partilha de bens.
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Oportunamente citado, o requerido B, veio apresentar a seguinte contestação:
I - Excepção
1. A requerente pede no Requerimento que o Tribunal de Segunda Instância da RAEM proceda à revisão e confirmação quanto ao “Acordo de Divórcio” assinado em 8 de Agosto de 2007 pelas partes e que foi carimbado pela Conservatória do Registo Civil do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan; (vd. o Doc. 1 anexado no Requerimento)
2. Nesse sentido, o presente processo de revisão e confirmação de decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau tem como objecto o dito “Acordo de Divórcio”.
3. Nos termos do n. 1 do art. 1199.º do Código de Processo Civil:
“Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas. ……” ;
4. E, nos termos do art.º 3.º do «Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau» assinado aos 28 de Fevereiro de 2006 pelo Tribunal Supremo Popular da RPC com a RAEM:
“Das decisões condenatórias com trânsito em julgado proferidas por tribunal de uma das Partes, pode o interessado pedir a sua confirmação e execução ao tribunal competente da outra Parte.
Das decisões que não sejam condenatórias ou que não careçam de ser executadas, quando seja necessário o recurso a procedimento judicial para serem confirmadas, pode o interessado pedir apenas a sua confirmação ao tribunal da outra Parte, bem como utilizá-las directamente como prova em processos no tribunal da outra Parte.”
5. Entretanto, segundo a definição do termo “decisão” designado no art.º 1199.º do Código de Processo Civil e no art.º 2.º do «Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau»: “a sentença, o acórdão, a decisão, o termo de conciliação e o mandado de pagamento” etc., constatamo-nos que, quer em termos literais quer contextuais, essa “decisão” não abrange as decisões proferidas pelos órgãos extrajudiciais;
6. Das disposições transcritas e do espírito jurídico nelas implicado, constatamo-nos que o objecto a revisar e confirmar pelo Tribunal de Segunda Instância de Macau é apenas as decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau;
7. No entanto, o mencionado “Acordo de Divórcio” constitui apenas um acordo de natureza de documento particular assinado pela requerente e requerido e carimbado pela Conservatória do Registo Civil do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan (na Província de Guangdong da China), mas não consta de qualquer termo da confirmação;
8. Por outro lado, a Conservatória do Registo Civil do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan é apenas órgão administrativo do governo local daquela cidade mas não é órgão judicial, nesse sentido, o acto de confirmação proferido pela dita Conservatória ao “Acordo de Divórcio” não pertence à decisão proferida por órgão judicial, nem pode ser equivalente à decisão (dos órgãos judiciais);
9. Sendo assim, o requerido entende que o presente procedimento de revisão e confirmação não deve ter como objecto o “Acordo de Divórcio”.
10. Pelo exposto, deve ser indeferido o presente procedimento de revisão e confirmação nos termos da alínea a) do art.º 413.º do Código de Processo Civil, por não consistir na “decisão” designada no art.º 1199.º do Código de Processo Civil e não corresponder com o objecto previsto no art.º 2.º do «Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau».
II - Impugnação
11. Suponhamos que não forem procedentes as motivações de excepção acima mencionadas, o requerido entende que também deve ser indeferido o processo de revisão e confirmação do dito “Acordo de Divórcio” à margem referenciado.
12. De facto, a requerente contraiu o casamento com o requerido em 4 de Maio de 1990 na Administração de Assuntos Civis do Distrito de Wujian da Cidade de Shaoguan da Província de Guangdong da China;
13. A requerente e o requerido assinaram o “Acordo de Divórcio” em 8 de Agosto de 2007, acordo esse foi carimbado pela Conservatória do Registo Civil do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan (na Província de Guangdong da China).
14. Salvo o devido respeito perante a requerente, é necessário salientar que é errado o teor dos n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do Requerimento, como o casamento contraído pela requerente e requerido assim como a assinatura do dito “Acordo de Divórcio” foram realizados no Interior da China, devem ser aplicáveis as leis do Interior da China mas não as leis de Macau como alegadas, incluindo o art.º 1634.º do Código Civil e as respectivas disposições relativas à competência do conservador da Conservatória de Registo Civil de Macau.
15. O requerido não opõe ao teor a ser revisar e confirmar pedido pela requerente, sobretudo a vontade de divórcio por mútuo consentimento, o acordo sobre o poder paternal da filha menor C e as matérias da partilha do património comum.
16. Mesmo que suponhamos que o dito “Acordo de Divórcio” mostre-se compatível com as condições e requisitos definidos pelas leis de Macau e em consequência possa ser revisado e confirmado pelo TSI da RAEM, entende o requerido que o teor do presente procedimento só pode ser parcialmente confirmado.
17. Porque o objecto (o “Acordo de Divórcio”) do presente procedimento de revisão e confirmação abrange o acordo de partilha de património comum adquirido após o casamento, cujo teor viola a competência exclusiva dos tribunais de Macau.
18. Nos termos do art.º 20.º do Código de Processo Civil (Competência exclusiva dos tribunais de Macau):
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar: a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau……”
19. Por mais, segundo o despacho proferido pelo MM.o Juiz (constante das fls. 14 a 15 dos autos):
“…… A competência exclusiva dos tribunais de Macau visa proteger os interesses específicos, mediante a reserva da competência.
Quer dizer, nenhuma das decisões proferidas pelas jurisdições do exterior de Macau e que prejudicam a competência exclusiva dos tribunais de Macau podem ser confirmadas e revisadas, nem podem produzir efeitos dentro do nosso ordenamento jurídico .
…… Os pontos 3.3 e 3.4 do Acordo de Divórcio constante das fls. 7 a 9 dos autos apontam que, no que diz respeito à partilha do património comum do casal, já foi concedida à esposa (a requerente) e à filha a propriedade do bem imóvel designado no ponto 3.3 enquanto concedida ao marido (o requerido) a propriedade do bem imóvel designado no ponto 3.4 de acordo com a confirmação do mesmo Acordo, os respectivos bens imóveis situam em Macau.
…… Já foi tratada uma questão típica relativa à acção do direito real na presente acção, e ao mesmo tempo, a decisão proferida possui exactamente o efeito típico daquela espécie de acção, isto é, a transferência de propriedade de bens imóveis. ……”
20. Sendo assim, mesmo que o TSI da RAEM entenda que o “Acordo de Divórcio” supramencionado corresponde com as condições e requisitos definidos pelas leis de Macau e em consequência pode ser revisado e confirmado, o requerido entende que, nos termos do art.º 20.º do Código de Processo Civil (Competência exclusiva dos tribunais de Macau), não pode ser confirmada pelo presente procedimento a parte constante do Acordo em que diz respeito à decisão sobre os bens imóveis situados em Macau.
21. Face ao expendido, o requerido entende que o respectivo “Acordo de Divórcio” só pode ser parcialmente confirmado no presente procedimento - o processo de revisão e confirmação de decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau.
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A requerente não respondeu à matéria da contestação.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido do indeferimento da excepção.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II – Pressupostos Processuais
Competência do tribunal
O R. deduziu a excepção que se avista nos arts. 1º a 10º da sua contestação. Para o contestante, o tribunal de Macau não pode rever e confirmar a decisão do Conservador do Registo Civil da China - que decretou o divórcio entre si e a autora - na medida em que ela, ao contrário do que está previsto no art. 1199º do Código de Processo Civil de Macau e no art. 2º do “Acordo sobre Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Cível e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa de Macau”, assinado em 28 de Fevereiro de 2006, não é uma decisão judicial.
É verdade que as disposições citadas pelo R. falam em “decisões judiciais” ou em decisões proferidas por “tribunais ou por árbitros exteriores de Macau”.
Todavia, se a legislação da República Popular da China permite que o divórcio por mútuo consentimento seja decretado por autoridade administrativa, assim também é no direito de Macau, face ao disposto no art. 1628º do Código Civil. Sendo assim, sob pena de denegação de justiça, nunca poderia este tribunal, à luz de uma interpretação literal não consentânea com a demais legislação aplicável ao caso, deixar de se assumir competente. Quer isto dizer que, para este efeito, os vocábulos contidos naquelas normas devem ser interpretados de modo amplo, para abranger as decisões administrativas emitidas por entidades competentes nos países onde são lavradas. E, para o caso, tais actos de administração devem ter o valor de sentença judicial (neste sentido, ver o Ac. do TSI, de 4/04/2002, no Processo n. 33/2001). E se dúvidas houvesse quanto a isso, bastaria agora prestar atenção aos documentos ora juntos sob iniciativa oficiosa (fls. 57-62 e tradução a fls. 16-21 do apenso “traduções”) para se concluir que aquela é uma forma de se decretar o divórcio (ver, em especial, o documento de fls. 20 do referido apenso).
Assim sendo, nada obsta a que este tribunal profira sentença de confirmação e revisão nos moldes peticionados.
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O Tribunal goza, assim, de competência internacional, material e também em razão da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III- Os Factos
1- Autora e Réu, A e B, respectivamente, contraíram casamento na Conservatória do Registo Civil do Distrito de Wujiang, cidade de Shaoguan, na China, em 4 de Maio de 1990.
2- Em 8 de Agosto de 2007 ambos celebraram um acordo de divórcio, cujo teor é o seguinte (fls. 11-15 do apenso “traduções”):
1. As duas partes divorciaram-se por mútuo consentimento.
2. A requerente não está grávida actualmente. A filha legítima, C, fica confiada à guarda do requerido, ficando atribuído ao requerido o poder paternal. Os alimentos ficam a cargo do requerido, pagando, de só uma vez, à filha as seguintes despesas antes de Janeiro de cada ano: custa de educação no valor de 150.000,00 yuans; custa de vida no valor de 50.000,00 yuans; despesas médicas e seguros de saúde fixados conforme a situação concreta, a filha fica sustentada pelo requerido até que tinha 18 anos de idade.
3. A partilha de bens comuns do casal:
1) Moradia, sita no apartamento n.º A4-XX, Edf. Junjing, Resort “Da Hao Hu” da Aldeia de Henggang da Vila de Dali do Distrito de Nanhai, Cidade de Foshan (佛山市南海區大瀝崗大浩湖度假區駿景豪苑A4座XX房) (cartão da propriedade: n.º da série C2453038 Yue Fang Di Zheng Zi); moradia, sita no n.º XX,Rua Dois Huijing, n.º 4, Cidade de Foshan (佛山市市區惠景二街4號XX房) (cartão da propriedade de posse comum: n.º da série 0279921 Yue Fang Di Gong Zheng Zi), as duas propriedades em apreço ficam para a requerente A, o primeiro outorgante deve assistir a requerente para fazer a transferência do nome das propriedades.
2) Moradia, sita na Rua Vinte Haijing, n.º XX, Comissão de residentes de Guibiyuan, Vila de Beijiao do Distrito de Shunde da Cidade de Foshan (佛山市順德區北滘鎮碧桂園居委會海景二十街XX號) (cartão da propriedade: n.º da série C3047412 Yue Fang Di Zheng Zi), o direito da propriedade fica para o requerido, a requerente deve cooperar com o requerido para fazer transferência de nome da propriedade, ficando a cargo do requerido as custas de transferência e o prémio da concessão do terreno.
3) Moradia, sita no R/C, A, Dynasty Plaza, Avenida Sir Anders Ljungstedt, n.º XX, Macau (n.º de referência 22306-AR/C), essa propriedade fica para, de posse comum, a requerente e a filha, C, sendo 60% da propriedade da requerente e 40% da filha C. Trata-se da renda, cujo valor é distribuído, na proporção de 6:4, à requerente e à filha C, a renda da filha C fica à guarda do requerido para depositar na conta bancária aberta em nome da filha, até que a filha C chegue a 18 anos de idade.
4) Moradia, sita no R/C, 0, Edf. Kam Yuen, Rua Cidade de Coimbra, n.º XX, Macau (n.º de referência 22234-0R/C); moradia, sita no R/C, N, Edf. Kam Yuen, Rua Cidade de Coimbra, n.º 352, Macau (n.º de referência 22234-NR/C), as duas propriedades em apreço ficam para o requerido, a requerente deve assistir o requerido para fazer a transferência de nome.
5) O requerido pagará à requerente no valor de 1.500.000,00 yuans a título de compensação. Ao tratar o acordo de divórcio, o requerido paga primeiramente à requerente no valor de 500.000,00 yuans, o pagamento remanescente no valor de 1.000.000,00 será efectuado, de só uma vez, à requerente após findas tramitações de transferência de nome de todas as propriedades.
6) Após o divórcio, os seguros sociais da requerente ficam a cargo do requerido.
7) Fica cancelado o acordo de reembolso assinado pelas duas partes em 24 de Outubro de 2006.
8) Cada parte fica com os seus bens pessoais.
9) Além do referimento anterior, não existe mais bens comuns em nome das duas partes.
10) As duas partes confirmaram que não há dívida e crédito comuns na constância de matrimónio.
O presente acordo é lavrado em sete exemplares, ficando cada uma das partes com um exemplar, sendo um destinado ao Instituto de Assuntos Civis da Cidade de Foshan, e os restantes quatro ao uso de transferência de nome das propriedades que provisoriamente ficam à guarda do requerido. O presente acordo, após o divórcio ter sido deferido pelos Serviços dos Registos de Casamento, produzirá os devidos efeitos.
O Requerido marido: A Requerente mulher:
(ass.: vide o original) (ass.: vide o original)
08/08/2007 08/08/2007
3- Este acordo foi assinado em 8 de Agosto de 2007 e na mesma data deu entrada e foi registado no Departamento dos Assuntos Civis do Bairro Chancheng da cidade de Fuoshan (fls. 16-21 do referido apenso)..
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IV- O Direito
Uma nota prévia se nos impõe: O R., na parte da sua contestação dedicada à impugnação, exprimiu o entendimento que o acordo de divórcio, no segmento referente à partilha do património adquirido após o casamento, designadamente os bens imóveis situados em Macau, não pode ser objecto de confirmação e revisão à luz do art. 20º do CPC de Macau. Ora, isso foi o que a nossa antecessora tinha afirmado no seu despacho de fls. 14 e 15, há muito transitado, e que aqui se transcreve:
“Os requisitos necessários para a confirmação de decisão proferida por Tribunal do exterior de Macau são os constantes no artº 1200º do Código de Processo Civil, e no seu nº1 al. c) exige que a decisão provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está prevista no artigo 20º do Código de Processo Civil : “A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar: a) As acções relativas a direitos sobre imóveis situados em Macau; b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Como se sabe, a competência exclusiva do Tribunal de Macau é concebida para a protecção de determinados interesses através de uma reserva de jurisdição.
Ou seja, quaisquer decisões provenientes da jurisdição exterior a Macau com ofensa à competência exclusiva dos Tribunais de Macau não podem ser confirmadas e revistas, o que impossibilita a produção da eficácia no nosso ordenamento jurídico.
No presente caso, nos pontos 3.3 e 3.4 do acordo de divórcio, junto a fls.7 a 9 dos autos, constata-se que, por força da homologação do próprio acordo, na parte relativa à partilha dos bens comuns do casal, fica adjudicada à cônjuge mulher, ora requerente, e a filha (em relação ao imóvel referido no ponto 3.3) e ao cônjuge marido, ora requerido (em relação aos imóveis referidos no ponto 3.4), a propriedade dos respectivos imóveis situados em Macau.
Apesar de estarmos perante uma acção de divórcio, o certo é que foi tratada nela uma das questões típicas de uma acção relativa a direitos reais, e que a decisão nela proferida constitui justamente um dos efeitos típicos de uma acção desta natureza, ou seja, translativo da propriedade de um imóvel.
Se houver necessidade de protecção dos interesses através da reserva de jurisdição nas acções relativas a direitos reais, não se vê porque é que os mesmos interesses ou interesses da mesma natureza não merecem da mesma protecção pura e simplesmente por serem tratados numa acção formalmente não classificada como uma acção relativa a direitos reais.
Portanto, esta parte nunca pode ser revista como equiparada à adjudicação por decisão judicial, mas sim apenas como mera promessa obrigacional assumida pelas partes naquela acordo de divórcio, cuja revisão ora se requer.
Assim, mediante o presente processo de revisão de decisões proferidas por tribunais do exterior da RAEM, essa parte do acordo não será reconhecida/como a adjudicação de um imóvel por decisão judicial com a eficácia a que se refere o artº 1199º nº1 do Código de Processo Civil, mas sim quanto muito, uma promessa meramente obrigacional assumida pelas partes intervenientes naquele acordo com vista à transmissão da propriedade daqueles imóveis situados em Macau”.
Logo, fixado já está o âmbito do objecto da decisão que ora proferimos, sem necessidade de nova e escusada incursão fundamentativa sobre o tema.
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Apreciemos, então, os fundamentos da revisão.
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos - de revisão formal - não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação verificada perante o Conservador do Registo Civil de Foshan, na República Popular da China. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que autoriza e regista o divórcio por mútuo consentimento com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e) ) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, o registo do divórcio ocorreu no mesmo dia em que os cônjuges celebraram o acordo, pelo que nenhum impedimento a propósito do trânsito da decisão se verifica.
A aceitação, autorização e registo do divórcio, por outro lado, foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão da Conservatória de Registo Civil de Foshan de 8/07/2007, que autoriza e regista o divórcio por mútuo consentimento entre A e B nos termos do acordo celebrado entre ambos, acima transcrito, excepção feita à parte em que versa sobre a disposição dos bens móveis situados em Macau.
Custas pela requerente.
TSI, Macau, 30 de Junho de 2011
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan