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Processo n. 160/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Julho de 2011
Descritores:
- Salário
- Gorjetas


SUMÁRIO:
- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.



Proc. N. 160/2010


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, representado pelo M.P., moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização no valor de Mop$ 129.471,92, correspondente aos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 05/11/2009, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 2.768,66.
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É dessa sentença que, inconformado, o autor recorre, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário do A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas B), C) e D) dos Factos Assentes e nas resposta ao quesito 6.º da Base Instrutória.
B. A quase totalidade da remuneração do A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. alínea B) dos Factos Assentes, o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina portuguesa invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
J. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (resposta ao quesito 6.º da Base Instrutória).
K. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas alíneas B), C) e D) dos Factos Assentes e na resposta ao quesito 6.º da base Instrutória.
L. A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (alíneas C) dos Factos Assentes e resposta ao quesito 6º da Base Instrutória.
M. O pagamento da parte variável da retribuição do A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador.
N. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição do A deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
O. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pelo A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
P. Acaso se entenda que o salário do A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
Q. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pelo A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário do A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 27.º; 28.º; 29 n.º 2, 36.º todos do Decreto-lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
R. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios.
S. Termos em que a decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal no valor de de MOP$ 35.55 e HKD 1,688.60 deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.º, n.os 4 e 6, a) do RJRL, fixando-se esse valor em MOP $101,677.42 por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
T. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também da alíneas F) e G) dos Factos Assentes.
U. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
V. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
W. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o do A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
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A STDM apresentou contra-alegações, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1 - Com todo o respeito por entendimento diverso, as gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes pelos empregados de casino não fazem parte do salário.
2 - A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3 - No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4 - Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pelo(a) A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5 - Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos do(a) A., ora Recorrente), nunca o Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6 - O Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7 - Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
8 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do(a) Recorrente, não se pode dizer que ao(à) A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do(a) Recorrente e sua família.
9 - Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto Tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, é entendimento da R. que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”
10 - Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dias de feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
11 - Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida à Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos Acórdãos do TUI, proferidos no âmbito dos Processos n.ºs 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
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Entretanto, também a STDM recorreu subordinadamente, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
1 - Admitindo a Ré, aqui Recorrente Subordinada, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o(a) A., ora Recorrida Subordinada, tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dias de feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
2 - Com o devido respeito, a R., ora Recorrente Subordinada, entende que não se encontra em mora relativamente a quaisquer compensações enquanto o crédito reclamado não se tornar líquido, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, e que ainda que “apenas pela ré [fosse] interposto [recurso] e [este] [viesse] a ser julgado improcedente ou não a [viesse] a condenar a pagar quantia inferior”, os juros só seriam devidos a partir do trânsito em julgado de uma eventual decisão condenatória que a final viesse a ser proferida.
3 - É que, como se sabe, nos termos do disposto no artigo 794º, número 4 do Código Civil, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tornar líquido e, no entendimento da ora R., tal iliquidez não lhe é imputável.
4 - Quanto à natureza ilíquida do crédito não restam dúvidas, pois logo na Petição Inicial e na Contestação, A. e R. deixaram bem patente que não estão de acordo quanto ao quantum de um montante indemnizatório eventualmente devido. Quanto à origem de tal iliquidez, resulta claro que a mesma reside na diferente interpretação que as partes (e o próprio Tribunal a quo) fazem das normas jurídicas aplicáveis ao caso dos autos, não devendo a R. ser prejudicada por fazer uso do direito de defesa jurisdicional que lhe assiste, salvo mais douto entendimento.
5 - Assim, em qualquer caso, considerando que a R., aqui Recorrente Subordinada, e o(a) A., ora Recorrida Subordinada, não estão de acordo quanto ao quantum indemnizatório eventualmente devido, este apenas se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
6 - E porque o montante da indemnização apenas foi definido no âmbito da presente acção, aquele só poderá ser considerado líquido com trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença em crise deu por assente a seguinte factualidade:
a) O Autor trabalhou para a Ré entre 01.07.1988 e 29.09.1992 como empregado de casino.
b) Como contrapartida da actividade que exercia na Ré, o Autor, durante o período referido em A), recebeu, uma quantia fixa diária de MOP$4,10 desde o inicio da relação laboral até 30.06.1989 e de HKD10,00 de 01.07.1989 até á cessação da relação laboral e outra variável resultante das gorjetas entregues pelos clientes da R.
c) As gorjetas eram distribuídas por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
d) Entre os anos de 1989 e 1990, a Autora recebeu, ao serviço da Ré, os seguintes rendimentos anuais:
1989 – MOP$ 71.530,00
1990 – MOP$ 98.324,00
1991 – MOP$ 87.383,00
1992 – MOP$ 73.725,00
e) Sobre os valores referidos supra foi liquidado e pago imposto profissional, tudo conforme consta no documento de fls. 14 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
f) O Autor prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
g) A ordem e o horário dos turnos são os seguintes:
- 1º e 6º turnos: das 7 às 11 horas e das 3 às 7 horas.
- 3º e 5º turnos: das 15 às 19 horas e das 23 às 3 horas;
- 2º e 4º turnos: das 11 às 15 horas e das 19 às 23 horas.
h) O A. podia pedir à R. o gozo de dias de descanso nos quais não auferia qualquer remuneração.
i) Os trabalhadores recebiam quantitativos diferentes consoante a categoria, tempo de serviço e departamento onde trabalhavam, fixados previamente pela entidade patronal;
j) As gorjetas sempre integraram o orçamento normal do A.;
k) A Autora sempre teve a expectativa do recebimento das gorjetas com continuidade periódica;
l) A A. nunca gozou de descansos semanais;
m) Sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação salarial ou disponibilizado outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviço;
n) O A. trabalhou para a R. nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro de 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro de 1990 e 1991 e 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio de 1992;
o) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial;
p) O A. trabalhou nos feriados obrigatórios de 1 dia de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989 a 1991 e de 1 dia de Cheng Meng, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de 10 de Junho de 1992;
q) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial;
r) A Autora trabalhou 4 dias de descanso anual no ano de 1989, 6 dias de descanso anual de 1990 e 1991 e 4 dias e meio de descanso semanal de 1992;
s) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial;
t) No momento em que contratou a Autora, a Ré disse-lhe que não poderia gozar descanso semanal, feriados obrigatórios nem descanso anual.
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III- O Direito
A sentença recorrida decidiu que do salário não faziam parte as gorjetas que a STDM entregava aos seus trabalhadores, nomeadamente o ora recorrente.
O autor, no recurso, insurge-se contra esse entendimento e defende que do salário devem fazer parte as gorjetas que recebia dos jogadores do casino. Além disso, impugna também a fórmula de cálculo que a sentença seguiu no que concerne à indemnização correspondente ao não gozo dos dias de descanso semanal.
Em recurso subordinado, a STDM, além de sustentar o julgado, subordinadamente impugna as fórmulas de cálculo nele utilizadas.
Sendo assim, porque as matérias de um e de outro recursos estão directamente relacionadas entre si, delas faremos apreciação conjunta.
Vejamos, pois.
Discute-se em 1º lugar se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não, e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, entre os mais recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada nesta parte.
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2- Ultrapassada esta questão, resta extrair as devidas consequências indemnizatórias.
Para o cálculo da indemnização, teremos que partir de diferente base salarial, que agora incluirá toda a massa remuneratória, incluindo as gorjetas, e não apenas o valor diário base percebido.
Considerar-se-á, assim, face ao rendimento apurado (facto d), dos factos assentes) que o valor do salário diário (incluindo as gorjetas) foi de Mop$ 121,18, 198,69, 273,12, 242,73, 270,05, nos anos de 1988, 1989, 1990, 1991 e 1992, respectivamente.
Dito isto, avancemos para a atribuição da indemnização.
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a) Descanso semanal

a) Na vigência do DL n. 101/84/M

Importa somente assinalar que o período situado entre o início da relação laboral e 30/04/1989 foi considerado prescrito, sem que dele tivesse havido recurso jurisdicional. A ser assim, nenhuma indemnização ao abrigo deste diploma será de conceder, por não estar em apreciação no recurso.

b) Na vigência do DL n. 24/89/M

A sentença entendeu que o factor multiplicador era o 1 na fórmula AxBx1 (em que A é o número de dias vencidos e não gozados e B o valor do salário diário).
O recorrente cuida, porém que o factor multiplicador deve ser o 2, ao passo que a STDM, no seu recurso subordinado, ampara o julgado.
Apreciemos.
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).

N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,

N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.

Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).

Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:

- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1).

Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como o defende o recorrente/autor.

Assim, nesta parte a sentença não pode ser confirmada. A indemnização atinge, pois, o valor de Mop$88.413,84.

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b) Descanso anual

b)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada se determinará, face à prescrição decidida no saneador.

b) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
Considerou a sentença que o factor multiplicativo era o 3. Com o seu silêncio nas suas alegações de recurso o autor aceitou esse factor, mas a STDM defende que só deve ser atendido o factor 1.
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2 (neste caso, porém, não obstante a sentença não ter fixado valor compensatório relativamente ao ano de 1992, sendo certo que a relação terminou em Junho deste ano, a verdade é que o recorrente não a censurou no recurso, pelo que esta instância está impedida de se pronunciar sobre o assunto: art. 589º, n3 do CPC).
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Sendo assim, o empregador ou pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1.
Nesta parte, procede o recurso da STDM.
A importância a atribuir ascende, pois, a Mop$ 5.105,08 (seguindo aqui de perto o mapa de fls. 42 da sentença e os valores diários em função do rendimento anual do autor, tendo em consideração as gorjetas integradas no salário.)


c) Feriados obrigatórios

c). 1 - Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada está em causa, pelas razões acima apontadas.

c). 2- Na vigência do DL n. 24/89/M

Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3.
A sentença, porém, considerou que o factor multiplicador seria o 2, ao passo que a STDM defende ser 1.
A ser assim, seremos forçados a aceitar o valor atribuído na sentença, dada a não interposição de recurso por parte do autor/trabalhador e a posição da recorrente STDM. O valor a atribuir será, pois, de Mop$9.685,46 (seguindo aqui de perto o mapa de fls. 42 da sentença e os valores diários em função do rendimento anual do autor, tendo em consideração as gorjetas integradas no salário.)

*
Em suma, o valor total monta a Mop$ 103.204,38.
Nesta conformidade, o autor/recorrente apenas decai parcialmente, na medida em que considerava que o valor a atribuir no que respeita aos descansos semanais era de Mop$ 101.677,42, ao passo que o fixado neste aresto é de apenas Mop$ 88.413,84, sendo a diferença explicada pelo facto de o recorrente não ter levado em linha de conta a prescrição decretada no saneador, de que não interpusera recurso.

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IV- Decidindo

Face ao exposto, acordam em:
1- a) Conceder provimento parcial ao recurso principal interposto pelo autor; e
b) Conceder parcial provimento ao recurso subordinado interposto pela STDM.

Consequentemente,
2- Acordam em revogar a sentença e, em virtude disso, condenar a STDM a pagar ao recorrente a quantia de Mop$103.204,38, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.
Custas em ambas as instâncias pelo recorrente/autor e pela recorrente/ré, na proporção do decaimento.
TSI, 07 / 07 / 2011.
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)









Processo nº 160/2010
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 07JUL2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
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