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Processo n.º 986/2010 Data do acórdão: 2011-7-7
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – declarações da arguida
  – Ministério Público
  – inquérito
  – confissão dos factos
  – art.o 325.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
As declarações então prestadas pela arguida ao Ministério Público em sede de inquérito, por si só, não podem ser consideradas como integrantes de uma “confissão integral e sem reservas dos factos” para os efeitos eventualmente a relevar do disposto na alínea a) do n.o 2 do art.o 325.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 986/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrida arguida: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido em versão bilingue a fls. 43 a 50 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-08-0046-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, na parte em que absolveu a arguida A, aí já melhor identificada e julgada à revelia consentida, do inicialmente também acusado crime consumado de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, arguida essa que ficou apenas condenada como autora de um crime consumado de uso de documento falso, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 3, da mesma Lei, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, veio a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar a condenação directa da arguida no crime por que vinha absolvida, com fundamento na alegada falta de fundamentação e na invocada existência do vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal de Macau (CPP) (cfr. o teor da motivação do recurso de fls. 54v a 57v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a arguida no sentido de manutenção do julgado, por entendida improcedência da motivação do Ministério Público (cfr. a resposta de fls. 59 a 60).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 69 a 70), pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, decorrem os seguintes elementos pertinentes à solução do recurso:
1. Segundo a acusação deduzida em chinês pelo Ministério Público a fls. 22 a 23 dos autos, na parte referente aos factos de crime de falsificação de documento:
– em Maio de 2007, em Macau, na Avenida do Almirante Lacerda, a arguida entregou a um suspeito de nome “B” mil e quinhentas patacas e duas fotografias suas, tendo obtido, posteriormente, o bilhete de identidade de residente de Macau n.o XXXXXXX(X) falsificado, emitido a favor de C, cuja fotocópia se encontra apreendida nos presentes autos (a fl. 4);
– a arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, servindo-se de dinheiro para fazer com que outra pessoa fizesse para ela documento de identificação falso, a fim de poder trabalhar em Macau.
2. Contudo, a propósito desses factos nomeadamente descritos no libelo acusatório, o Tribunal Colectivo a quo acabou por dar apenas provado que:
– em data e local e por via não apurados, a arguida obteve um bilhete de identidade de residente de Macau falsificado, com o n.o XXXXXXX(X), e com o nome C como sendo titular do mesmo.
3. Segundo o auto de interrogatório de arguida no Ministério Público (lavrado a fls. 14 a 15 dos autos), esta declarou que:
– “o original do B.I.R.M. mencionado nos presentes autos foi adquirido em Macau, junto a um desconhecido de alcunha “B” do sexo masculino, cuja identidade completa e paradeiro desconhece, nos finais de Maio do ano 2007”;
– “entregou 2 (duas) fotografias a este desconhecido para efeito de aquisição do referido BIRM”;
– “passado de 2 (dois) dias, este desconhecido entregou-lhe o B.I.R.M. no estado como o original do B.I.R.M. acima referido, isto é, com os elementos de identidade que não são da sua pertença, exceptuando a fotografia”;
– “pagou a este desconhecido MOP $1.500,00 quando a arguida recebeu o tal B.I.R.M.”.
4. Na fundamentação probatória da sua livre convicção formada sobre os factos, o Colectivo a quo explicou, nomeadamente na página 12 do seu acórdão a fl. 48v dos autos, que:
– “Após valorado toda a prova produzida em audiência, e apesar de a arguida ter admitido em declarações prestadas nos Serviços do Ministério Público aquando do inquérito, e de cujas declarações foram lidas em audiência ao abrigo do disposto na alínea a) do no1 do artigo 338o do Código de Processo Penal, de ter pedido auxílio a um desconhecido para a ajudar na falsificação do referido documento de identificação, fornecendo-lhe dinheiro e fotografias, entendeu ainda o colectivo que tais declarações, isoladamente e desacompanhadas de outras provas, são insuficientes para afastar as razoáveis dúvidas para poder concluir com a necessária certeza de que a arguida tenha, efectivamente, praticado o imputado crime de falsificação, uma vez que se desconhece se a arguida quando da prestação das ditas declarações se fez de forma livre, espontânea e fora de qualquer coacção, sendo certo que tais declarações não configuram uma confissão integral e sem reservas por parte da arguida”.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Dos elementos coligidos na parte II do presente aresto de recurso, resulta claro que o Tribunal a quo já fundamentou a sua decisão de julgamento da matéria de facto atinente ao inicialmente também acusado crime de falsificação de documento, pelo que improcede o primeiro dos vícios esgrimidos pelo Ministério Público na motivação do recurso.
E agora no tocante ao remanescente imputado vício de erro notório na apreciação da prova, não se mostra manifestamente desrazoável, à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações e mesmo à luz das legis artis vigentes no campo do julgamento da matéria de facto, a análise prudente das coisas feita pelo Colectivo recorrido, porquanto as declarações então prestadas pela arguida ao Ministério Público (e já acima transcritas na parte II do presente aresto de recurso), por si só, não podem ser, também no entender do presente Tribunal ad quem, consideradas como integrantes de uma “confissão integral e sem reservas dos factos” para os efeitos eventualmente a relevar do disposto na alínea a) do n.o 2 do art.o 325.o do CPP, pelo que é compreensível que tais declarações, no caso, desacompanhadas de outros elementos de prova, não tenham servido de base razoavelmente sólida à formação da convicção positiva do Tribunal a quo (no sentido de dar por provados) sobre os acima referidos factos descritos na acusação com pertinência à verificação do crime de falsificação de documento.
Improcede, assim, o recurso, sendo de manter, nos seus precisos termos, a decisão da Primeira Instância, na parte ora concretamente impugnada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do Ministério Público.
Sem custas.
Fixam em mil patacas os honorários da Ilustre Defensora oficiosa da arguida, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 7 de Julho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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