Processo nº 619/2008
Relator: Lai Kin Hong
Data do acórdão: 16 / 06 / 2011
Descritores: Marcas
Símbolos gráficos
Confundibilidade
SUMÁRIO
I- A marca exerce uma função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência.
II- Não existe a susceptibilidade de confundibilidade de origem e proveniência nos símbolos utilizados nas marcas e , uma e outra destinadas a máquinas e veículos pesados e ligeiros.
Lai Kin Hong
Processo nº 619/2008
Recurso Jurisdicional
(Civil e laboral)
A, com sede em Epplestrasse, ..., D-7XXXX, Estugarda; Alemanha, nos termos do art. 275º do RJPI, recorreu no TJB dos despachos proferidos pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia, datados de 18 de Abril de 2007, que determinaram a concessão do registo das marcas nºs 2XXXX e 2XXXX.
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Foi, a seu tempo, proferida sentença de improcedência do recurso.
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É dessa sentença que a então autora recorre jurisdicionalmente, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
“a) As marcas em confronto são constituídas, no seu essencial, por estrelas de três pontas inseridas em linhas circulares e apresentam, desde logo por esse facto um elevado grau de semelhança entre si;
b) Não obstante os seus diferentes pormenores, a figura base de tais marcas e a sua imagem global é muito semelhante;
c) O consumidor ao deparar com produtos da Recorrida assinalados com marcas formadas por estrelas de três pontas inseridas numa linha circular, que assinalam produtos semelhantes aos que assinalam as marcas da Recorrente formadas por estrelas de três pontas e inseridas numa linha circular será naturalmente induzido em situações de erro, de confusão ou de associação entre tais sinais;
d) O consumidor médio poderá ser levado a crer que os vários produtos assinalados por estrelas de três pontas inseridas em círculos provêm da mesma empresa ou grupo de empresas, o que é tanto mais provável quanto é sabido que a Recorrente é uma grande organização empresarial, titular de uma vasta carteira de marcas;
e) A própria Recorrida reconheceu (no artigo 20º da alegação que apresentou no tribunal recorrido) que a Recorrente tem sido titular de diferentes versões de marcas constituídas por estrelas de três pontas;
f) Perante o aparecimento de uma outra marca constituída por uma estrela de três pontas nada mais natural do que atribuir a sua proveniência à empresa titular das famosas marcas formadas por estrelas de três pontas;
g) Na visão simplificada que o público retém das marcas conserva na memória que a Recorrente é proprietária das marcas de estrelas de três pontas e não os respectivos pormenores;
h) Muitas vezes as marcas aparecem em pequenas dimensões, o que naturalmente fará que se tome mais improvável que o consumidor se possa aperceber dos seus pormenores e apenas retenha uma visão global das mesmas;
i) Ao invés do que conclui a sentença, o facto de uma marca ser muito conhecida não pode ser factor determinante para se ver afastada a imitação;
j) Pelo contrário, sendo uma marca muito conhecida, mais facilmente o consumidor irá associar a essa marca uma outra que entretanto surja no mercado e apresente semelhanças com essa que já conhece, conforme é Jurisprudência dos tribunais de todo o mundo;
k) Uma estrela de três pontas é uma estrela de três pontas, apareça ou não com uma coroa de louros;
1) Aliás, a Recorrente tem usado ao longo dos anos e tem registado em diferentes países marcas compostas por figuras de estrelas de três pontas, umas vezes com outras vezes sem a tal coroa de louros, designadamente com as seguintes configurações:
o que a Recorrida acaba por reconhecer no artigo 20 da contra-alegação que apresentou em primeira instância;
m) O facto de as marcas em causa conterem um elemento nominativo B não pode ser determinante e legitimar a imitação da marca da Recorrente, pois o consumidor pode nem se aperceber, nem sequer ler, essa parte nominativa da marca, atendendo até à dimensão relativa dos vários elementos constitutivos das marcas em causa;
n) Na verdade, nas marcas em causa o conjunto figurativo formado pela estrela inserida num círculo é de uma dimensão que corresponde sensivelmente a uma dimensão tripla da que é dada à palavra B no conjunto as constitui;
o) Por outro lado, é tão conhecida e afamada a marca da Recorrente constituída pela figura de uma estrela de três pontas inserida num círculo que, perante as marcas mistas ora em causa formadas pela estrela de três pontas inserida num círculo é natural que essa estrela chame mais a atenção do consumidor do que a palavra B;
p) Mesmo lendo a palavra B o consumidor poderá sempre pensar que uma marca constituída por essa palavra e pela figura de uma estrela de três pontas inserida num círculo de três pontas será uma nova marca pertencente à Recorrente, titular de várias marcas constituídas pela figura de uma estrela de três pontas inserida num círculo;
q) Na indústria e no comércio de automóveis, as marcas figurativas são de extrema importância; tanta ou mais do que as marcas nominativas, como se sabe através de variadíssimos exemplos, desde as argolas Audi ao emblema da Porsche (nesse sentido o Acórdão do Tribunal Federal Alemão de Patentes, em caso semelhante ao presente, conforme doe, nº 1 de que se protesta juntar o original);
r) Para se apurar da semelhança entre marcas deve atender-se sobretudo ao conjunto de elementos que as constituem e não aos seus vários elementos individualmente considerados;
s) A impressão geral deixada pelas marcas cujo registo se acha em causa é a de uma estrela de três pontas inserida num círculo e que essa é também a impressão geral deixada pelas marcas da Recorrente A;
t) As marcas nºs N/2XXXX e N/2XXXX constituem imitação das marcas formadas por estrelas de três pontas previamente registadas pela Recorrente.
u) Noutros países em que a Recorrida tentou obter o registo de marcas de constituição idêntica à das marcas nºs N/2XXXX e N/2XXXX o registo de tais marcas tem vindo a ser recusado com fundamento em que as mesmas constituem imitação das famosas marcas da Recorrente constituídas por estrelas de três pontas (v. o Acórdão de 5.12.2007 do Tribunal Federal de Patentes Alemão e o despacho de 2.4.2008 do Instituto de Propriedade Intelectual de Taiwan de que se juntam cópias como does. 1 e 2 de que se protestam juntar os originais).
v) A sentença recorrida é contrária à lei, pois desrespeitou o disposto nos artigos 214º e 215º do RJPI”.
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A entidade recorrida também apresentou alegações, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença impugnada deu por assente a seguinte factualidade:
“a) No dia 30 de Agosto de 2006, a “B Group Co. LTD.”, com sede em ...... Development Area, ......, Hunan Province 41...., China, requereu o registo da marca n.º N/2XXXX, para produtos incluídos na classe 7.ª;
b) No mesmo dia, a referida sociedade, requereu o registo da marca n. º N/2XXXX, para produtos incluídos na classe 12a;
c) Tal marca consiste no seguinte:
d) O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), nº 44 - II Série, de 1 de Novembro de 2006;
e) Desde Setembro de 1988, a Requerente é titular do registo das marcas 9XXX destinada a produtos da classe 7ª e 9XXX destinada a produtos da classe 12a, a qual consiste no seguinte:
f) A 2 de Janeiro de 2007, a “A”, apresentou Reclamação contra os pedidos de registo das marcas referidas nas alíneas a) e b).
g) Por despacho de 18 de Abril de 2007 da Ex.ª Senhora Chefe do DPI, foram concedidos os registos das marcas referidas nas alíneas a) e b), termos que constam de fls. 67 a 72 e 65 a 70 dos processos administrativos apensos e aqui se dão por reproduzidos no seu teor.
h) Os despachos de concessão das marcas N/2XXXX e N/2XXXX, foram publicados no BORAEM nº 23 - II Série, de 6 de Junho de 2007.
i) No dia 6 de Julho de 2007 deu entrada neste Tribunal Judicial de Base o presente recurso”.
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III- O Direito
O que se discute nos presentes autos é fácil de equacionar: as marcas nºs N/2XXXX e N/ 2XXXX, são susceptíveis de confusão com qualquer dos modos por que se apresenta a marca XXX, que tem por elemento central uma estrela de três pontas, tal como sucede em ?
Vejamos.
Como é sabido, e emerge do art. 197º do RJPI, aprovado pelo DL n. 97/99/M, de 13 de Dezembro, só pode ser objecto de protecção, mediante um título de marca, …”o sinal ou conjunto de sinais de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A forma ampla com que a noção é vertida na norma tem sido objecto de estudo diverso, mas para o caso que aqui nos interessa, importa apenas que nos fixemos nos seus aspectos jurídicos essenciais.
Assim, genericamente, a marca visa, entre outras funções, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa1.
O consumidor, em defesa de quem a marca em última instância é registada, através dela associa, rápida, fácil e comodamente o produto e as suas qualidades a uma determinada origem ou proveniência. Isto é, sabe que está perante um produto que procede de uma empresa determinada. Embora a marca não tenha por missão garantir a qualidade do produto (embora o empresário procure mantê-la de forma a defender, conservar ou ampliar a sua clientela), ao menos permite que o produto ou serviço seja imediatamente associado ao produtor ou ao prestador2. A última palavra na escolha pertence ao consumidor, é certo, mas para tanto ele deve ter a certeza de que está a fazer a opção consciente e livre. Ou seja, ele tem que saber o que compra e a quem3 compra.
O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra geral, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra4.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos5.
Mas, o mesmo diploma diz ainda que “ o registo da marca é recusado quando a marca, constitua, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória” (art. 214º, nº1, al. b)).
E também diz que o registo da marca é recusado quando:
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los (nº1, al.c)). Ou quando a marca ou alguns dos seus elementos contenha “a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina; b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada” (nº2).
Ora, confrontando as marcas registandas com as marcas já registadas de que é titular a A, não consideramos que existe a semelhança, quer em relação aos elementos figurativos quer aos nominativos, susceptível de induzir facilmente os consumidores em erro ou confusão.
Importa realçar, para reforçar esse entendimento nosso, que os produtos (veículos automóveis) objecto das marcas registandas e registadas destinam-se a um específico universo de consumidores que não pode deixar de conhecer as marcas registadas (XXX) que consabidamente gozam de prestígio a nível mundial.
Assim sendo, é-nos não provável que os consumidores daquele universo comprem os veículos marcados com a marca registanda (B) convencidos de que estão a comprar uma viatura fabricada por XXX.
Sem mais delonga, resta decidir.
IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 09 / 06 / 2011.
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
José Cândido de Pinho (vencido conforme voto que anexo)
Proc. nº 619/2008
Voto de vencido
Os sinais gráficos destas marcas são, em nossa opinião, confundíveis. Evidentemente que, como em muitos outros casos acontece, numa comparação rigorosa e de minúcia, se encontram diferenças várias entre elas. Mas a verdade é que, para este efeito, não se deve colocar uma ao lado da outra, pois esse não é o pressuposto da protecção. Quer dizer, quando a lei quer evitar a confusão de marcas, não está senão a pensar na semelhança, na parecença, nos pontos comuns ou de contacto e, portanto, na primeira impressão ou na impressão do momento que se colhe de uma e doutra, mais do que nas suas dissemelhanças. Por essa razão, o juiz, para avaliar da eventual afinidade, não deve colocar as marcas uma ao lado da outra, mas examiná-las em tempos sucessivos, primeiro uma, depois outra1. Aliás, é essa também a impressão que conta para efeito de confundibilidade de marcas. E no caso de um emblema, sinal ou símbolo, como é aquele que a XXX utiliza, pouco mais permanece no córtex cerebral das pessoas senão a sensação fugaz da imagem retida a partir de um breve relance para um veículo em movimento. A marca em causa , destinada a máquinas no registo N/2XXXX (escavadoras, perfuradoras, etc) e a veículos de espécie diversificada no registo N/2XXX (camiões, autocarros, mas também veículos ligeiros) quando transposta para um símbolo físico e em objecto metálico colocado em lugar estratégico das viaturas, em especial no ponto do capot que a XXX usualmente destina ao efeito (e nada proibiria que a marca B pudesse fazer o mesmo), pode, efectivamente, induzir o público em confusão e levá-lo a pensar que está perante o mesmo ou muito semelhante símbolo de distinção que a marca germânica utiliza. Nessas circunstâncias, o observador, o consumidor, o público, ficaria com a mesma sensação que tem ao olhar, em igualdade de circunstâncias, para o símbolo da XXX aplicado no mesmo sítio da respectiva viatura2. Em última análise, iria pensar que esta nova marca, pelas suas características, seria oriunda da mesma empresa titular daquela prestigiada marca europeia e, com isso, ser levado a crer estar em presença de um produto com iguais ou parecidas natureza e qualidade. Precisamente, o que a protecção às marcas pretende evitar. A ser assim, revogaria a sentença recorrida e anularia a decisão que concedeu as marcas em causa (art.230º, nº1, al. b) do citado diploma).
TSI, 16 / 06 / 2011
José Cândido de Pinho
1 Luis M. Couto Gonçalves, in “Função da Marca”, na obra colectiva Direito Industrial, Vol. II, Almedina, pag. 99 e sgs.
2 Neste sentido, Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Denominações Geográficas e marca”, na citada obra, a pag.371 e sgs.
3 Não nos referimos, obviamente, à relação directa entre comprador e imediato revendedor, mas sim, à indirecta estabelecida entre o adquirente final e o produtor ou fabricante.
4 Sobre o assunto, Adelaide Menezes Leitão, in “Imitação servil, concorrência parasitária e concorrência desleal”, na obra colectiva citada, Vol. I, pag. 122/128.
5 José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pag.393
1 Neste sentido, em Portugal, o Ac. do STJ, de 25/03/2004, Proc. nº 03B3971, in http://www.dgsi.pt
2 E se aventarmos a hipótese de esse observador ser proprietário de um veículo XXX, é de admitir que pense que a estrela do seu carro já não tem mais carácter distintivo e único, perdendo aquela que era uma das suas mais valias.
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