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Processo n.º 35/2011 Data do acórdão: 2011-7-7
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – erro notório na apreciação da prova
  – julgamento de factos
S U M Á R I O

Como depois de examinados todos os elementos decorrentes da fundamentação da sentença recorrida, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal a quo, ao ter formado a sua livre convicção sobre os factos então sob julgamento, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou das legis artis em matéria de julgamento da matéria de facto, a decisão condenatória impugnada não pode padecer do vício de erro notório na apreciação da prova.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 35/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente arguido: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 138 a 140v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-08-0654-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por força do qual ficou condenado como autor material de um crime consumado de uso de documento falso, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 3, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, em sete meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a absolvição desse crime, por entender que a decisão recorrida violou o princípio de in dubio pro reo, o princípio da justiça e a referida norma legal incriminatória (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 145 a 153 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público materialmente no sentido de manutenção do julgado (cfr. o teor da resposta de fls. 155 a 158).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 167 a 168v), pugnando também pela confirmação do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como ponto de partida para a solução do objecto do recurso, é de atender à fundamentação fáctica da sentença recorrida, de acordo com a qual, e na parte que ora interessa, se considerou provado que:
– o arguido, em data não apurada de 2003, conseguiu ver tratado e emitido no Interior da China, mediante dados identificativos falsos, um salvo-conduto para deslocações a Hong Kong e Macau, com o n.o W03XXXXXX, passado em nome de B, e depois, o arguido utilizou este salvo-conduto para se deslocar a Macau, por várias vezes, no período de 16 de Maio de 2003 a 27 de Março de 2005;
– em 29 de Março de 2005, por ter sido envolvido num caso de ofensa corporal, o arguido foi levado à Polícia Judiciária para efeitos de investigação. Nessa altura, o arguido exibiu ao pessoal investigador o referido salvo-conduto;
– depois, o pessoal investigador descobriu na residência do arguido em Macau um passaporte chinês, um salvo-conduto para deslocações a Hong Kong e Macau, e um bilhete de identidade de residente da República Popular da China, todos passados em nome de A, com fotografias do arguido;
– mediante averiguações, sabe-se que o acima referido salvo-conduto então exibido pelo arguido na Polícia Judiciária foi tratado com dados identificativos de outrem.
Outrossim, consta a fl. 107 dos autos um documento alusivo à resposta dada pelas Autoridades Chinesas ao Ministério Público, no sentido de que o salvo-conduto n.o W03XXXXXX é documento autêntico.
Por outro lado, consta de fls. 66 a 66v um termo de identidade e residência, prestado pelo arguido no Ministério Público na fase do inquérito, segundo o qual o seu nome é A.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Depois de analisado o teor da motivação do recurso, é de observar que no fundo, pretende o arguido sindicar o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido na parte em que se concluiu pelo carácter falsificado do salvo-conduto n.o W03XXXXXX.
Pois bem, examinados todos os elementos decorrentes da fundamentação da sentença recorrida, e sobretudo os já acima referenciados na parte II do presente acórdão de recurso, não se vislumbra a este Tribunal de recurso que o Tribunal a quo, ao ter formado a sua livre convicção sobre os factos então sob julgamento, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou das legis artis em matéria de julgamento da matéria de facto, sendo certo que:
– do facto de as Autoridades Chinesas terem respondido ao Ministério Público que o salvo-conduto n.o W03XXXXXX é autêntico, não se pode deduzir necessariamente que, para já, o nome do titular aí inscrito como sendo “B” seja verdadeiro também, posto que tal como afirmou o próprio arguido no ponto 12 da sua motivação do recurso (concretamente a fl. 148 dos autos), o Ministério Público, na fase do inquérito, não pediu às Autoridades Chinesas que investigassem também sobre a veracidade dos dados identificativos inscritos no referido salvo-conduto, mas sim tão-só que se pronunciassem sobre a autenticidade do próprio salvo-conduto, pelo que a dita resposta finalmente dada pelas Autoridades Chinesas a pedido prévio do Ministério Público não afasta logicamente a hipótese de os dados identificativos constantes do salvo-conduto em questão não pertencerem ao próprio arguido;
– aliás, a falsidade do nome “B” constante desse salvo-conduto até condiz com o teor do termo de identidade prestado pelo arguido, o qual declarou aí que o seu nome é A;
– por fim, não pode funcionar a favor do recorrente a tese defendida na sua motivação no sentido de que como os seus dados identificativos constituem matéria indisponível, a identidade então confessada por ele como sendo verdadeira não pode ter qualquer eficácia. É que se fosse válida essa tese, então o passaporte chinês, o salvo-conduto chinês e o bilhete de identidade de residente da República Popular da China descobertos na sua residência em Macau, todos emitidos com os mesmos dados identificativos “confessados” pelo próprio arguido como sendo verdadeiros, e com as fotografias dele, não deixariam de ser falsos também!
Há-de naufragar assim o recurso, sem mais indagação por ociosa, por a decisão recorrida não padecer da alegada violação dos princípios de in dubio pro reo e da justiça, nem do erro notório na apreciação da prova, nem tão-pouco de qualquer contradição na fundamentação, não sendo, pois, desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo na parte em que se considerou que os dados identificativos constantes do salvo-conduto n.o W03XXXXXX são de outrem, e não do próprio arguido.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 7 de Julho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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