打印全文
Processo n.º 16/2011 Data do acórdão: 2011-7-7
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – âmbito de conhecimento do objecto do recurso
– insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
  – erro notório na apreciação da prova
– emprego ilegal
– presunção da existência da relação de trabalho
– art.o 16.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004
S U M Á R I O
1. Mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas.
2. Na falta de qualquer contestação escrita à acusação, e se o tribunal recorrido já deu por inteiramente provada toda a matéria fáctica então descrita no libelo, não pode haver assim qualquer lacuna na investigação de todo o tema probando objecto do processo penal em causa, pelo que improcede o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
3. Como depois de analisados os elementos decorrentes do texto do acórdão recorrido, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal a quo, ao ter formado a sua livre convicção sobre os factos então sob julgamento, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou das legis artis em matéria de julgamento da matéria de facto, a decisão condenatória impugnada não pode padecer do vício de erro notório na apreciação da prova, assacado pelo arguido recorrente.
4. O art.o 16.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, reza que para os efeitos previstos no n.o 1 do mesmo artigo, “presume-se existir relação de trabalho sempre que um indivíduo é encontrado em obras de construção civil a praticar actos materiais de execução das mesmas”.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 16/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente arguido: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 136 a 139 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-09-0234-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por força do qual ficou condenado como autor material de três crimes consumados de emprego ilegal, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, em sete meses de prisão por cada crime, e, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com a condição de pagar, dentro de trinta dias, cinquenta mil patacas de contribuição pecuniária à Região Administrativa Especial de Macau, veio o 1.o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a absolvição dos ditos crimes, com pretendida renovação da prova, por entender que a decisão recorrida padecia dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova (cfr. o conteúdo, na parte em comum, da motivação stricto sensu do recurso e das conclusões dessa motivação, então apresentada a fls. 163 a 179 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de manutenção do julgado, por opinada improcedência da argumentação do recorrente (cfr. o teor da resposta de fls. 182 a 183v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 199 a 200v), pugnando também materialmente pela confirmação do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como ponto de partida para a solução do objecto do recurso, é de atender à fundamentação fáctica do acórdão recorrido, em conformidade com a qual, e na parte que ora interessa, se considerou provado, na sua essência, que:
– em Dezembro de 2007, o 1.o arguido A tomou de arrendamento uma loja sita na Taipa, pelo que empregou B (2.o arguido), C (3.o arguido) e D (4.o arguido) para proceder às obras de decoração da loja, incluindo os trabalhos de furar parede e de limpeza, etc., com remuneração ainda não determinada;
– ao empregar aqueles três, o arguido sabia que os mesmos eram residentes do Interior da China, não portadores de documento exigido por lei de Macau para aqui poderem trabalhar legalmente, e, não obstante, os empregou;
– em 26 de Dezembro de 2007, cerca das dez horas da manhã, na dita loja, B estava a proceder às obras de furar a parede, C estava a fazer limpeza do chão, e D estava a prestar ajuda aos trabalhos de B e de C;
– o decurso da prestação de trabalhos de B, C e D por conta do 1.o arguido na mesma loja foi visto pelos guardas do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) no exercício das funções, tendo aqueles três sido apanhados;
– o 1.o arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, com a intenção de estabelecer relação de trabalho com pessoas não titulares de documentos legalmente exigidos para o efeito;
– o 1.o arguido sabia que a sua conduta violava a lei de Macau, e iria ser punida.
Outrossim, ao fundamentar a sua convicção formada sobre os factos, o Tribunal Colectivo a quo afirmou no sexto parágrafo da página 4 do seu aresto (a fl. 137v) que tal convicção se baseou nos depoimentos dois dois guardas do CPSP, e nos documentos constantes dos autos.
E por outro lado, do exame dos autos decorre que:
– foram os dois guardas policiais referidos no acórdão recorrido que descobriram os 2.o, 3.o e 4.o arguidos a trabalhar na loja dos autos no dia 26 de Dezembro de 2007 (cfr. o teor do auto de participação lavrado pelo CPSP a fls. 2 a 3v);
– o recorrente exerceu o seu direito ao silêncio na audiência de julgamento em primeira instância (cfr. o teor da acta de fls. 134 a 135);
– os 2.o, 3.o e 4.o arguidos foram condenados no acórdão recorrido como autores materiais de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.o 324.o, n.o 3, do Código Penal de Macau (CP), praticado por eles em 27 de Dezembro de 2007 quando foram ouvidos na qualidade de testemunha para efeitos de memória futura no Juízo de Instrução Criminal;
– o Tribunal recorrido deu por provada toda a matéria fáctica acusada (cfr. o teor da matéria de facto descrita como provada na fundamentação do acórdão recorrido, comparado com o teor da matéria de facto imputada no libelo de fls. 49 a 50v);
– não foi apresentada nenhuma contestação escrita à acusação.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, depois de analisado o teor da motivação do recurso, vê-se que inicialmente, na motivação stricto sensu do recurso, o 1.o arguido imputou à decisão recorrida, e a título principal, os vícios de falta de fundamentação, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e de erro notório na apreciação da prova, e, subsidiariamente, o exagero na fixação do montante de contribuição pecuniária, enquanto na parte das conclusões da sua motivação do recurso, assacou à decisão impugnada a contradição entre os factos provados, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e o erro notório na apreciação da prova.
Assim sendo, e na esteira do entendimento jurisprudencial deste TSI já acima referido, apenas cumpre conhecer, nesta sede recursória, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e de erro notório na apreciação da prova, e já não da questão de falta de fundamentação nem da questão do exagero na fixação do montante da contribuição pecuniária (por estas duas questões não terem sido mencionadas nas conclusões da motivação).
Ora, em primeiro lugar, quanto ao esgrimido vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, não assiste razão ao recorrente, porquanto na falta de qualquer contestação escrita à acusação, e se o Tribunal recorrido já deu por inteiramente provada toda a matéria fáctica então descrita no libelo, não pode haver assim qualquer lacuna na investigação de todo o tema probando objecto do processo penal em causa.
E agora no tocante ao vício de erro notório na apreciação da prova, não se vislumbra a este Tribunal ad quem, ante os elementos acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, que o Tribunal a quo, ao ter formado a sua livre convicção sobre os factos então sob julgamento, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou das legis artis em matéria de julgamento da matéria de facto, sendo certo que:
– não deveria ter o recorrente citado, em abono da sua veementemente defendida inocência criminal, o teor das declarações então prestadas pelos 2.o, 3.o e 4.o arguidos em sede de memória futura, por estes três terem ficado supervenientemente acusados da prática do crime do art.o 324.o, n.o 3, do CP, precisamente por causa da prestação dessas declarações no Juízo de Instrução Criminal;
– o facto de o recorrente ter ficado silente na audiência de julgamento em primeira instância não implica a inexistência de prova incriminatória, pois chegaram a depor na mesma audiência os dois guardas do CPSP que tinham visto o decurso da prestação dos trabalhos por aqueles três indivíduos na loja dos autos, sendo, por outro lado, líquido que até a própria norma do n.o 2 do art.o 16.o da Lei n.o 6/2004 reza que para os efeitos previstos no n.o 1 do mesmo art.o 16.o, “presume-se existir relação de trabalho sempre que um indivíduo é encontrado em obras de construção civil a praticar actos materiais de execução das mesmas”, presunção essa que é, aliás, aplicável ao caso concreto dos autos.
Não padecendo assim a decisão recorrida do falado vício de erro notório na apreciação da prova, não deixam de cair por terra, por arrastamento, também a conexamente arguida violação do princípio de in dubio pro reo, e a conexamente imputada falta de comprovação do dolo do recorrente na prática dos crimes de emprego ilegal ou falta de comprovação do estabelecimento das três relações de trabalho dos autos, não podendo, pois, o arguido vir aproveitar a sede de recurso para fazer impor subjectivamente o seu ponto de vista sobre o julgamento da matéria de facto então feito criteriosamente pelo Tribunal a quo.
Por fim, também há-de naufragar a pretendida renovação da prova, por inverificação dos seus pressupostos legais, exigidos na parte inicial do n.o 1 do art.o 418.o do Código de Processo Penal de Macau.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça.
Macau, 7 de Julho de 2011.


______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 16/2011 Pág. 1/10