Processo nº 596/2010
Data do Acórdão: 30JUN2011
Assuntos:
Ónus de impugnação
Aplicação analógica
SUMÁRIO
1. O legislador do código de 1999 maleabilizou o tradicional “ónus de impugnação especificada”, eliminando a proibição da contestação por negação e dando relevância ao sentido da oposição tomada como um todo.
2. A circunstância de o próprio D. L. nº 24/89/M ter determinado a sua não aplicação às relações laborais com trabalhadores não residentes não obsta a sua aplicação analógica a essas relações laborais, uma vez que a não aplicação é condicional, isto é, só se não aplica se existirem normas especiais nesta matéria.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 596/2010
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV3-09-0066-LAC, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, representado pelo Ministério Público e devidamente id. nos autos, contra a GUARDFORCE (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando a acção parcialmente procedente:
A, melhor identificado nos autos, vem instaurar a presente acção de processo comum do trabalho contra GUARDFORCE (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada, com os demais sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$102.480,70 a titulo de indemnização pelo descanso semanal não gozado nem compensado acrescida de juros legais vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
A R. contestou alegando em síntese se o A. trabalhou nos dias de descanso semanal fê-lo porque queria ganhar mais dinheiro, o A. era pago à hora consoante o numero de horas que trabalhava e caso venha a ser condenada no pagamento de alguma quantia os juros apenas são devidos a contar do trânsito em julgado da decisão.
Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente.
Foi proferido despacho saneador, e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a discussão da causa.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
Nestes autos foi dada por assente a seguinte factualidade:
Dos factos assentes:
a) O Autor foi recrutado pelo Réu a 10 de Março de 1995, onde exerceu as funções de segurança, obedecendo às ordens e orientações da Ré até 10 de Junho de 2006.
b) A Ré celebrava anualmente um contrato com o Autor com a duração de um ano.
c) A R. garantia ao Autor trabalho durante 30 dias por mês calculado num total de 215 horas para o salário mínimo de MOP$2,000.
d) O trabalho que excedesse as 215 horas seria pago conforme o que fosse acordado entre a Ré e o Autor.
e) Desde o início de funções em 10 de Março de 1995 até 10 de Junho de 2006 o Autor sempre prestou os serviços à Réu durante os dias do seu descanso semanal.
f) Desde o início de funções em 10 de Março de 1995 a 3 de Maio de 2001 e de 1 de Junho de 2001 a 28 de Fevereiro de 2005 o Autor trabalhava 12 horas por dia, de 7 de Maio de 2001 a 31 de Maio de 2001 e de 1 de Março de 2005 a 10 de Junho de 2006 8 horas por dia e no dia 4 de Maio de 2001, 2 horas, 5 de Maio de 2001 a 6 de Maio de 2001 1 hora.
g) Nos dias referidos em e) o Autor trabalhou 8 ou 12 horas por dia segundo o calendário referido no item anterior.
h) A Ré pagou ao Autor o trabalho prestado em dia de descanso semanal como dia normal de trabalho.
i) A R. não concedeu ao A. outro dia de descanso nos trinta dias seguintes ao de descanso semanal em que trabalhou.
j) A partir de fevereiro de 2003 o Autor trabalhou nos dias de descanso semanal porque quis.
k) A Ré labora de forma contínua e ininterrupta, vinte e quatro horas por dia.
l) A prestação de serviços da R. não pode ser interrompida.
m) A remuneração do trabalho para além das 215 horas era pago com referência à hora.
As questões a decidir nesta sede processual consistem em conhecer da:
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R. e regime jurídico aplicável;
2. Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e respectiva compensação.
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R. e regime jurídico aplicável;
«Diz-se contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade ou direcção desta» - Cit. de António de Lemos Monteiro Fernandes em Direito de Trabalho, Vol. I, 6ª Ed., 1987, pág. 48 -.
Ficou demonstrado nas alíneas a) e b) que entre 10 de Março de 1995 e 10 de Junho de 2006, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de segurança trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré.
Destarte, embora a questão não seja posta em crise pelas partes, duvidas não subsistem que entre o A. e a R. foi celebrado um contrato de trabalho.
Considerando que o A. trabalhou para a R. entre 10.03.1995 e 10.06.2006 impõe-se definir quais as disposições legais aplicáveis, dado que o Decreto-Lei nº 24/89/M de 3 de Abril se aplica apenas a trabalhadores residentes – artº 3º nº 3 al. d) -.
O Despacho nº 12/GM/88 veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos.
A Lei nº 4/98/M de 29 de Julho define as bases da política de emprego e dos direitos laborais. Embora no seu artigo 9º se definam as condições de contratação de trabalhadores não residentes não se exclui em momento algum a aplicação dos princípios ali consagrados à generalidade dos trabalhadores, sejam eles residentes ou não.
Contudo, até à publicação da recente Lei nº 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não residentes.
Destarte, à mingua de legislação a definir os direitos e deveres da mão-de-obra não residente, resta-nos recorrer aos princípios consagrados na indicada Lei nº 4/98/M.
Na alínea e) do nº 1 do artº 5º da Lei nº 4/98/M consagra-se que «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito (...) a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados».
Ora, não havendo até à publicação da Lei nº 21/2009 diploma a definir o limite máximo da jornada de trabalho, o direito ao descanso semanal e a férias periódicas pagas nem a remuneração do trabalho prestado em dias feriados, impõe-se suprir a lacuna existente nos termos consagrados no artº 9º do C.Civ., isto é, por recurso à norma aplicável aos casos análogos.
Destarte, dando cumprimento ao principio de igualdade consagrado no corpo do nº 1 do artº 5º da Lei nº 4/98/M impõe-se aplicar analógicamente aos trabalhadores não residentes o regime legal consagrado para os trabalhadores residentes que ao tempo a que se reportam os factos em apreciação nestes autos era o que resultava do Regime Jurídico das Relações de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/89/M.
Caracterizado o contrato celebrado entre A. e R. como contrato de trabalho e definido o regime legal que lhe é aplicável, importa agora dirimir a segunda questão colocada.
2. Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e respectiva compensação.
Resta-nos apreciar a questão do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Dos contratos de trabalho celebrados entre o A. e R. está dado por assente que o salário pago era mensal.
Nos termos do artº 6º do Decreto-Lei 24/89/M não são admitidos acordos entre empregador e trabalhador dos quais resultem condições menos favoráveis para este do que as que resultam do referido diploma legal.
Nos termos do nº 1 do artº 17º do indicado Decreto-Lei «todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição».
Com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 32/90/M à alínea a) do nº 6 do indicado artº 17º o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago aos trabalhadores que auferem salário mensal pelo dobro da retribuição mensal.
Contudo o que resulta da factualidade assente é que o trabalhador foi pago pelo trabalho prestado nesses dias mas em singelo.
Logo terá apenas a receber o montante em falta, ou seja o equivalente a um dia de trabalho1.
Da alínea e) o que resulta é que o trabalhador entre 10.03.1995 e 10.06.2006 trabalhou sempre nos dias de descanso semanal, sendo que face à alínea c) o salário mensal nesse período era igual a MOP$2.000.
Ou seja, o A. trabalhou 42 dias de descanso semanal em 1995, 520 dias de descanso semanal de 1996 a 2005 e 23 dias em 2006, perfazendo um total de 585 dias.
Sendo o valor de cada dia de trabalho prestado igual a MOP$66,67 (2.000:30), o valor da indemnização a pagar será igual a MOP$39.001,95 (MOP$66,67x585).
Destarte, deve a R. ser condenada a pagar ao A. a quantia de MOP$39.001,95 a titulo de compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Dos juros pedidos.
Dispõe o nº 4 do artº 794º do C.Civ. que «se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor».
Destarte, sem necessidade de outras considerações, face ao que tem vindo a ser entendido pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente Acórdão proferido no processo nº 426/2007, datado de 26.07.2007, tratando-se no caso em apreço de crédito ilíquido os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quanto indemnizatório.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência condena-se a R a pagara ao A. a quantia de MOP$39.001,95 acrescida dos juros moratórios à taxa legal a contar da presente data, sendo a R. absolvida do remanescente do pedido.
Custas a cargo da A. e R. na proporção do decaimento.
Registe e Notifique.
Não se conformando com essa sentença, veio a Ré GUARDFORCE (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada recorrer dela concluindo e pedindo que:
I. Vem o presente recurso interposto (i) da decisão de fls. 205 e 206 que indeferiu a Reclamação apresentada pela ora Recorrente quanto ao Despacho Saneador proferido nos presentes autos, (ii) da sentença proferida pelo Tribunal a quo que condenou a ora Recorrente a pagar ao Autor, ora Recorrido, a quantia de MOP$39.001,95 (trinta e nove mil e uma patacas e noventa e cinco avos) a título de compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal entre 10 de Março de 1995 e 10 de Junho de 2006, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar da data em que foi proferida a Sentença.
II. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 430.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º , n.º 1 do Código de Processo do Trabalho o despacho proferido sobre as reclamações que incidam sobre a selecção da matéria de facto pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.
III. Em sede de despacho saneador, o Meritíssimo Juiz a quo, considerou como facto assente que “e) Desde o início de funções em 10 de Março de 1995 até 10 de Junho de 2006, o Autor sempre prestou os serviços à Ré durante os dias de descanso semanal.”
IV. A ora Recorrente apresentou reclamação uma vez que o mencionado facto havia sido impugnado em sede de contestação e era manifestamente contraditório com o teor do doc. 3 junto com a petição inicial, requerendo que o mesmo passasse a constar da Base Instrutória.
V. O tribunal a quo indeferiu a reclamação apresentada pela Recorrente, afirmando que: “Compulsada a contestação verifica -se que no artigo 8.º da mesma a R. confessa o facto do art. 9º da contestação e que consta da alínea e) dos factos assentes, pelo que não lhe assiste razão.”
VI. Salvo devido respeito, a decisão em apreço carece em absoluto de razão, uma vez que o teor daquela alínea da matéria de facto assente não corresponde ao teor do artigo 9.º da petição inicial, é manifestamente contrário ao alegado e peticionado pelo Autor no artigo 16.º desse mesmo articulado – onde que afirma que dos 579 dias de descanso semanal a que tinha direito, descansou 192 e trabalhou 387 e peticiona a compensação pelo trabalho prestado nestes 387 dias – bem como o teor do documento n.º 3 junto com a p.i. donde se afere que nem sempre o Autor trabalhou nos seus dias de descanso semanal, documento que constituiu meio de prova com base no qual o douto Tribunal a quo sustentou a resposta que deu aos quesitos 1.º e 2.º da base instrutória.
VII. Deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter dado provimento à reclamação apresentada pela ora Recorrente, e ter feito constar da Base Instrutória o facto controvertido impugnado directamente pela Ré, ou seja: “Durante o período em que durou a relação laboral, ou seja, 10.03.1995 a 10.06.2006 o Autor não gozou 387 dias de descanso semanal?”, possibilitando assim às partes fazer prova deste facto.
VIII. Ao ter indeferido a reclamação apresentada pela Ré, ora Recorrente, o despacho ora em crise sofre do vício de violação de lei por contender expressamente com o disposto no artigo 410.º, n.º 2 e 430.º, n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º , n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
IX. O vicio de que padece aquela decisão é no entanto superável em sede do presente recurso, já que a prova oportunamente apresentada pelo Digno Procurador do Ministério Público, é suficiente e concludente para que o Tribunal a quo pudesse e o Tribunal ad quem possa superar a inexistência de prova produzida após a decisão em crise.
X. Independentemente da ilegalidade do despacho impugnado, e que determinou que não tivessem as partes podido apresentar os meios de prova indispensáveis para se determinar qual o número de dias de descanso semanal que o autor não gozou, a ora Recorrente conforma-se com a alegação e pedido do Autor efectuados no artigo 16.º da sua Petição inicial, tão só no que concerne ao número de dias de descanso semanal não gozados e não no que à medida da indemnização diz respeito, permitindo-se desta forma, à luz do princípio do dispositivo e da vontade das partes, que o Tribunal ad quem supra a contradição resultante do despacho ora em crise e profira decisão aceitando como verdade a alegação do próprio Autor, já aceite também pela Ré, de que prestou trabalho em 387 dias de descanso semanal a que tinha direito.
XI. Mercê do indeferimento da reclamação apresentada pela Ré do Despacho Saneador e da consequente discrepância da alínea e) da matéria de facto assente com os factos e o pedido apresentados pelo Autor, a sentença final proferida contém uma condenação ex vel ultra petitum sem que dos autos existam quaisquer elementos justificativos que a suportem.
XII. Inexistem nos autos provas, quer documentais, quer por confissão das partes que sustentem a afirmação produzida na douta sentença em recurso de que Autor, ora Recorrido, trabalhou os 585 dias de descanso semanal a que teria direito durante o período que durou a relação laboral com a Ré, ora Recorrente, ou seja, de 10.03.1995 a 10.06.2006.
XIII. A tabela apresentada pelo Digno Procurador do Ministério Público no artigo 16.º da Petição inicial, é o único elemento dos autos susceptível de possibilitar às partes e ao Tribunal proceder à determinação dos dias de descanso semanal em que o trabalhador prestou serviço à Ré, ora Recorrente, sendo que da mesma consta apenas que o autor prestou trabalho à Ré em 387 dias de descanso semanal.
XIV. Nunca poderia o Tribunal a quo na parte dispositiva da sentença proferir decisão que condenasse a Ré, ora Recorrente, no pagamento de valores correspondentes a um número de dias superior àquele que foi alegado e cuja compensação foi peticionada pelo Autor.
XV. A possibilidade de condenação ultra petitum tem como pressuposto a existência de elementos que permitam ao tribunal extravasar aquilo que o Autor peticionou, inexistindo nos presentes autos tais elementos, assim,
XVI. Para além de efectuar uma errónea apreciação da prova carreada para os presentes autos, a decisão em crise viola o disposto na alínea e) do n.º 1 do art.571.º do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 43.º n.º 1 do C.P.T., bem assim o disposto no n.º 3 do art.º 42.º do C.P.T., sendo por conseguinte nula.
XVII. No entanto, ainda que assim não se entendesse e ainda que o que se dissesse que a sentença se encontra no âmbito da matéria de facto apurada, sempre se verificaria omissão de pronúncia porquanto a tabela discriminativa do número de dias que o trabalhador assume e aceita ter trabalhado não foi atendida pelo tribunal.
XVIII. A decisão ora em recurso, atenta a lacuna existente quanto à forma de se calcular a compensação a que um trabalhador não residente tem direito por força do trabalho prestado em dia de descanso semanal, concluiu ser de aplicar analogicamente para o efeito o Decreto-Lei n.º 24/89/M.
XIX. O Legislador foi expresso ao determinar que o DL 24/89/M não se aplica às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não-residentes, vide alínea d) do artigo 3.º, afastando assim, expressa e deliberadamente, a semelhança que entre as situações se possa estabelecer e impedindo, sem margem para dúvida, a aplicação analógica do regime estabelecido neste diploma legal ás relações laborais estabelecidas com trabalhadores não residentes.
XX. Encontra-se por isso a decisão recorrida viciada de manifesto erro de julgamento por violação do artigo 3.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
XXI. Ao regime legal a aplicar às relações laborais que se estabeleçam com trabalhadores não residentes deverá sempre ser aplicável o regime contratual assumido e aceite pelas partes e bem assim os princípios gerais de direito de trabalho assumidos pelo nosso direito, como sejam, nomeadamente os previstos no artigo 5.º da Lei 4/98/M,
XXII. Assim o cálculo da remuneração a pagar ao trabalhador pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal ser aplicado de acordo com aquilo que as partes acordaram, ou seja, o pagamento do mesmo como se um dia de trabalho normal se tratasse, o qual se encontra já pago, devendo a Ré, ora Recorrente, ser absolvida do pedido.
XXIII. Caso V. Exa. assim não entenda e considere que a remuneração a pagar ao Autor, trabalhador não residente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal se deve aferir de acordo com a aplicação analógica do preceituado no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, sempre se dirá que deverá ser aplicado o disposto no n.º 6, alínea b) desse artigo e não na alínea a). Com efeito,
XXIV. Não obstante a periodicidade do pagamento do salário ser mensal, a verdade é que o seu quantum era determinado de acordo com as horas de trabalho prestadas pelo Autor, pelo que o valor da compensação a que tem direito pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal é o que resultou do acordo com a ora Ré, e que se encontra devidamente pago.
XXV. Caso V. Exa. assim não entenda e considere que a remuneração a pagar ao Autor, trabalhador não residente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal se deve aferir de acordo com a aplicação analógica do preceituado no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, o que por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se dirá que a condenação da Ré deverá ser reduzida para o montante de MOP25,810.29 (vinte e cinco mil, oitocentas e dez patacas e vinte e nove avos) em consequência de se ter já demonstrado que o autor não trabalhou 585 dias de descanso semanal, mas sim 387.
Normas Jurídicas Violadas pelas Decisões ora em Crise:
- Pela Decisão de fls. 205 e 206: artigo 410.º, n.º 2 e 430.º, no º 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho;
- Pela douta Sentença em recurso: alínea e) do n.º 1 do art.571.º do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 43.º n.º 1 do C.P.T., bem assim o disposto no n.º 3 do art.º 42.º do C.P.T., bem como artigo 3.º, n.º 3 e 17.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, serem as decisões ora em Recurso revogadas, e a final, substituídas por outra que julgue a presente acção improcedente por não provada e absolva a Ré, ora Recorrente do pedido, ou, caso V. Exas. assim não entendam, reduza o valor em que a ora Ré foi condenada de MOP 39,001.95 (trinta e nove mil e uma patacas e noventa e cinco avos), para MOP25,810.29 (vinte e cinco mil, oitocentas e dez patacas e vinte e nove avos) .
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!!!
Notificado o Autor ora recorrido, contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 296 a 301 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
De acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:
1. Do indeferimento da reclamação do despacho saneador;
2. Da condenação ultra petitum;
3. Da aplicação analógica do D. L. Nº 24/89/M
Passemos então a apreciá-las.
1. Do indeferimento da reclamação do despacho saneador
Em sede do saneamento e condensação, elaborado e colocado em reclamação o despacho saneador, veio a Ré reclamar entre outros da matéria especificada sob a alínea e), alegando que tendo esta matéria sido objecto da impugnação expressa no artº 2º da contestação e estando essa matéria especificada em manifesta contradição com o teor do documento constantes de fls. 61 a 94 dos presentes autos, não pode ser considerada matéria provada.
Sobre a reclamação foi proferido o seguinte despacho de indeferiemento:
“Compulsada a contestação verifica-se que no artº 8º da mesma a R. Confessa o facto do artº 9º da contestação (lapso manifesto, pelo contexto certamente queria o Exmº Juiz a quo dizer o artº 9º dapetição inicial) e que consta da alínea e) dos factos assentes, pelo que não lhe assiste razão.”.
Ora, na petição inicial foi alegado pelo Autor sob o artº 9º que (從入職日即1995年3月10日至2006年6月10日,原告在周假日為被告提供服務,每周假日維持12小時工作)“desde o início das funções em 10MAR1995 até a 10JUN2006, o Autor trabalhou para a Ré em dias de descanso semanal, sendo de 12 horas o período de trabalho diário nesses dias.”.
Tal como vimos supra, a Ré entende que esse facto foi impugnado expressamente pelo artº 2º da contestação que tem a seguinte redacção:
2 º - Os demais ou porque são falsos ou porque a Ré desconhece sem obrigação legal de conhecer vão genericamente impugnados, desigadamente para efeitos do disposto no nº 3 do artº 410º do Código de Processo Civil de Macau, aplicável ex vi nº 1 do artigo 1º do Código de Processo do Trabalho de Macau.
Como se sabe, sobre o réu recai o ónus de impugnação.
A propósito do ónus de impugnação, reza o artº 410º do CPC:
Artigo 410.º
(Ónus de impugnação)
1. Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição.
2. Consideram-se reconhecidos os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito.
3. Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
4. Não é aplicável aos incapazes, ausentes, impossibilitados e incertos, quando representados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso, o ónus de impugnação, nem o preceituado no número anterior.
Confrontando este preceito do código vigente com a redacção do artº 490º do CPC de 1961, verifica-se que foi eliminada a proibição da contestação por negação.
De acordo com a nota explicativa do código vigente, o legislador do código de 1999 maleabilizou o tradicional “ónus de impugnação especificada”, eliminando a proibição da contestação por negação e dando relevância ao sentido da oposição tomada como um todo.
Assim, se é certo que, face ao disposto no artº 490º do código de 1961, o artº 2º da contestação que assente na impugnação em termos gerais não tem a virtualidade de obstar ao funcionamento da cominação genérica da lei, por a simples contestação por negação equiparar à contestação não especificada, já não é menos verdade que, à luz do artº 410º do código vigente, a eficácia da impugnação não depende apenas de uma simples negação, mas antes do sentido da contestação tomada no seu todo.
Ora, feita uma leitura atenta do articulado na contestação, verificamos que a Ré se limitou a realçar o carácter voluntário do trabalho prestado pelo Autor em dias de descanso semanal e necessidade de funcionamento contínuo e ininterrupto, vinte e quatro horas por dia da sua empresa, e nada disse para impugnar o alegado pelo Autor no que diz respeito ao facto de o Autor ter trabalhado em dias de descanso semanal e ao invocado número dos dias de descanso semanal em que o Autor trabalhou.
Assim sendo, os factos alegados pelo Autor na petição inicial respeitantes ao seu trabalho em dias de descanso semanal e ao número dos dias de trabalho em descanso semanal não podem deixar de ser considerados confessados por não terem sido objecto da impugnação pela Ré.
Todavia, isso não quer dizer que é de manter o facto assente especificada sob a alínea e) do saneador, uma vez que a expressão originariamente redigida em chinês, algo ambígua, na petição inicial, não denota necessariamente a ideia de que o Autor ter trabalhado sempre ou em todos os descansos semanais ao longo daquele período, mas sugere também a ideia de que o Autor ter trabalhado em dias de descanso semanal não especificados.
Dada essa discrepância registada, é de proceder à rectificação do teor da alínea e) da especificação do saneador, passando a dela constar que “desde o início das funções em 10MAR1995 até a 10JUN2006, o Autor trabalhou para a Ré em dias de descanso semanal, sendo de 12 horas o período de trabalho diário nesses dias.”.
2. Da condenação ultra petitum
A recorrente invoca a existência da discrepância da alínea e) da matéria de facto assente com os factos e o pedido apresentado pelo Autor, nomeadamente no artº 16 da petição inicial.
Ora, com a conclusão a que chegámos no ponto 1, a invocada discrepância passou a constituir uma questão falsa.
Pois, com a rectificação a que procedemos, fica agora assente nessa alínea e) “desde o início das funções em 10MAR1995 até a 10JUN2006, o Autor trabalhou para a Ré em dias de descanso semanal, sendo de 12 horas o período de trabalho diário nesses dias.”
Se assim for, o facto assente na alínea e) já se mostra perfeitamente compatível com o número dos dias de trabalho em dias de descanso semanal detalhadamente discriminado no mapa constante do artº 16 da petição inicial.
Não tendo o artº 16º sido objecto da impugnação nos termos prescritos no artº 410º do CPC, todo o teor alegado pelo Autor no artº 16º da petição inicial tornou-se matéria de facto assente, isto é, durante o período temporalmente identificado na alínea e) da especificação, o Autor trabalhou em 387 dias de descanso semanal.
Assim, ao condenar a Ré a pagar ao Autor a compensação pelo trabalho prestado em 585 dias de descanso semanal, em não apenas em 387 dias alegados pelo Autor, a sentença padece da nulidade a que se refere o artº 571º/1-e) do CPC, por justamente ter condenado em quantidade superior do pedido.
Procede assim o recurso nesta parte.
3. Da aplicação analógica do D. L. Nº 24/89/M
Por força do princípio da igualdade consagrado no artº 5º/1 da Lei nº 4/98/M, a sentença recorrida entende que se aplica por analogia o regime legal estabelecido no D.L.nº 24/89/M aos trabalhadores não residentes até à publicação da Lei nº 21/2009.
Manifestando a sua discordância, a Ré ora recorrente aponta que a preconizada aplicação analógica do D.L.nº 24/89/M fez incorrer a sentença recorrida no vício de manifesto erro de julgamento por violação do artº 3º/3 do mesmo decreto.
Então vejamos.
Como se sabe, até à entrada em vigor da Lei nº 21/2009 não existe no ordenamento jurídico de Macau normativos que regulam o conteúdo das relações juridico-laborais celebradas com trabalhadores não residentes.
O que existe é apenas o Despacho nº 12/88/M e a Lei nº 4/98/M.
Só que nenhum desses actos normativos tem por objectivo regular o conteúdo das relações juridico-laborais celebradas com trabalhadores não residentes, nomeadamente na matéria de direitos, deveres e garantias do trabalhador.
É verdade que do artº 3º/3-d) do D. L. Nº 24/89/M resulta que este diploma não se aplica às relações de trabalho entre empregados e trabalhadores não residentes, as quais são reguladas pelas normas especiais que se encontram em vigor.
Todavia, o problema é que não existe normas especiais reguladoras das relações de trabalho entre empregados e trabalhadores não residentes durante o período a que se reportam os factos dos presentes autos.
Para a recorrente, na circunstância da falta das normas especiais, será aplicado o regime contratualmente assumido e aceite pelas partes e bem assim os princípios gerais de direito de trabalho assumidos pelo nosso direito, como sejam, nomeadamente os previstos no artº 5º da Lei nº 4/98/M.
Na esteira desse raciocínio, defende que in casu o cálculo da remuneração a pagar ao trabalhador pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal ser aplicado de acordo com aquilo que as partes acordaram, ou seja, o pagamento do mesmo como se um dia de trabalho normal se tratasse, o qual se encontra já pago, devendo a Ré, ora Recorrente ser absolvida do pedido.
Para nós, a boa solução quanto ao regime aplicável só poderá ser encontrada mediante a cuidadosa averiguação da razão de ser subjacente ao acima referido artº 3º/3-e) do D.L. nº 24/89/M.
Ou seja, temos de procurar saber primeiro qual é a razão que levou o nosso legislador a decidir a retirar a aplicabilidade do decreto às relações de trabalho entre empregados e trabalhadores não residentes e remetê-las para a lei especial.
A resposta está expressamente dita na Lei nº 4/98/M de 27JUL.
Essa lei, intitulada “Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais”, estabelece no seu artº 9º que:
(Complemento dos recursos humanos locais)
1. A contratação de trabalhadores não residentes apenas é admitida quando, cumulativamente, vise suprir a inexistência ou insuficiência de trabalhadores residentes aptos a prestar trabalho em condições de igualdade de custos e de eficiência e seja limitada temporalmente.
2. A contratação de trabalhadores não residentes não é admitida quando, apesar de verificados os requisitos constantes do número anterior, contribua de forma significativa para a redução dos direitos laborais ou provoque, directa ou indirectamente, a cessação, sem justa causa, de contratos de trabalho.
3. A contratação de trabalhadores não residentes depende de autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
4. O recurso à prestação de trabalho por trabalhadores não residentes pode ser definida por sectores de actividade económica, consoante as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais.
É bem óbvia a intenção do legislador no sentido de que a contratação dos trabalhadores não residentes tem sempre natureza complementar dos recursos humanos locais.
O que justifica que a sua regulação seja remetida para uma lei especial e a diferenciação no tratamento dos trabalhadores locais e dos não residentes.
Da leitura dos normativos desse artº 9º, nota-se que não é admissível o recurso à importação da mão-de-obra por motivo da redução de custos na produção ou na exploração, mas sim por razões estritas da falta de recursos humanos locais disponíveis.
Assim, se o recurso a trabalhadores não residente não puder ter por objectivo reduzir custos da entidade patronal a fim de aumentar a sua competitividade no mercado ou maximizar os seus lucros, a diferenciação no tratamento dos trabalhadores locais e dos não residentes só se justifica no que diz respeito à sua contratação ou importação, e nunca aos seus direitos, deveres e garantias fundamentais.
Aliás estas ideias estão bem patenteadas no texto do artº 9º/1 da mesma lei de base, pois ai estão enfatizadas as condições de igualdade de custos na contratação de trabalhadores não residentes.
Por outro lado, a Lei Básica manda no seu artº 40º a continuação da aplicação das disposições constantes do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, mediante leis da Região Administrativa Especial de Macau.
Nos termos do artº 7º do Pacto, estabelece-se que
Os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa gozar de condições de trabalho equitativas e satisfatórias que assegurem, em especial:
a) Uma remuneração que proporcione como mínimo a todos os trabalhadores:
i) Um salário igual pelo trabalho de igual valor, sem distinções de nenhuma espécie; em particular, deve assegurar-se às mulheres condições de trabalho não inferiores às dos homens, com salário igual para trabalho igual;
ii) Condições de vida dignas para eles e para as suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto.
b) Segurança e higiene no trabalho;
c) Iguais oportunidades de promoção no trabalho à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que não sejam os factores de tempo de serviço e capacidade;
d) O descanso, usufruir do tempo livre, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, assim como a remuneração dos dias feriados.
O que foi justamente concretizado no artº 5º da Lei de Base acima referida.
Reza esse artº 5º com a epígrafe Direitos Laborais que:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade;
b) À igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual;
c) À prestação do trabalho em condições de higiene e segurança;
d) À assistência na doença;
e) A um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados;
f) À filiação em associação representativa dos seus interesses.
2. É garantida especial protecção às mulheres trabalhadoras, nomeadamente durante a gravidez e depois do parto, aos menores e aos deficientes em situação de trabalho.
Por força dessas normas de origem constitucional e da lei ordinária que vimos supra, temos sempre a obrigação de salvaguardar o princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual.
Defende agora a recorrente que na falta das normas especiais reguladoras da forma da compensação de trabalho prestado pelo Autor, enquanto trabalhador não residente, em dias de descanso semanal, deve aplicar-se o acordo contratualmente estipulado, isto é, o pagamento como se um dia de trabalho normal se tratasse.
Só aceitariamos essa tese se do contratualmente acordo resultasse uma forma da compensação mais favorável ao Autor do que o mínimo exigido pela lei geral.
Comparando essa forma de compensação alegadamente acordada entre o Autor e a Ré, e ora defendida pela Ré, com a forma da compensação pelo dobro da retribuição normal legalmente estabelecida no artº 17º/6-a) do D. L. nº 24/89/M, salta à vista que o preconizado pela ora recorrente se mostra menos favorável ao Autor, o que viola o acima citado princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual.
Não é de aceitar a tese da recorrente.
Então como é que vamos preencher a lacuna da lei, resultante da falta das normas especiais a que se refere o artº 3º/3 do D. L. nº 24/89/M.
A este propósito diz o Código Civil no seu artº 9º que:
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
Ora, in casu, com respeito pelo princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual, entendemos que as razões subjacentes ao citado artº 17º do D. L. nº 24/89/M e justificativas da atribuição de uma compensação pelo dobro da retribuição normal valem perfeitamente para a regulação, ora omissa na lei vigente, da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal pelo trabalhadores não residentes.
Nem se diga que a essa solução obsta a circunstância de o próprio D. L. nº 24/89/M ter determinado a sua não aplicação às relações laborais com trabalhadores não residentes, uma vez que a não aplicação é condicional, isto é, só se não aplica se existirem normas especiais nesta matéria.
Não se verificando essa condição, naturalmente nada obsta a aplicação analógica.
Ademais, mesmo que não se recorresse à aplicação analógica do artº 17º do mesmo decreto para a integração da lacuna, a solução seria a mesma, pois pegando do princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual, estamos sempre habilitados para criar uma norma de teor igual a fim de a aplicar ao caso sub judice, ao abrigo do disposto no artº 9º/3 do Código Civil.
Encontrado o regime legal aplicável, já estamos em condições de o aplicar ao caso em apreço.
Por razões expostas no ponto 2 supra, foi por nós declarada nula a sentença por excesso da condenação.
Assim, por força da regra de substituição consagrada no artº 630º do CPC, este Tribunal de recurso deve substituir-se ao Tribunal a quo conhecendo do peticionado pelo Autor.
Ficaram provados na primeira instância e não impugnados pela recorrente os seguintes relevantes e pertinentes:
* A Ré garantia ao Autor trabalho durante 30 dias por mês calculado num total de 215 horas para o salário mínimo de MOP$2.000,00;
* O Autor prestou trabalho nos 387 dias de descanso semanal durante o período compreendido entre 10MAR1995 e 10JUN2006; e
* A Ré já pagou ao Autor o trabalho prestado em dias de descanso semanal como dia normal de trabalho.
Tirando o número total dos dias de descanso semanal que o Autor prestou trabalho, a sentença recorrida não andou mal nos restantes aspectos, nomeadamente no que diz respeito ao factor de multiplicação da compensação e à condenação de um montante equivalente a um dia de trabalho por cada dia de descanso semanal de trabalho.
Na verdade, a sentença entende que por cada dia de trabalho de descanso semanal, o Autor tem direito a receber o montante equivalente a um dia de trabalho, uma vez que ficou provado que o Autor já foi pago pelo trabalho nesse dia em singelo.
Na esteira da jurisprudência pacífica do TSI a este propósito (cf. nomeadamente os Ac. deste TSI nos proc. 780/2007, 912/2009), temos vindo a entender que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho voluntariamente prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Aplicando esta fórmula aos factos provados nos presentes autos, o Autor tem direito a receber MOP$25.799,99, correspondente à metade do dobro da retribuição normal – (MOP$2.000,00/30 X 387 dias X 2 = MOP$51.599,99).
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Ré GUARDFORCE (MACAU) – SERVIÇOS DE SEGURANÇA, LIMITADA, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré a pagar ao Autor A a quantia de MOP$25.799,99, acrescida dos juros moratórios à taxa legal nos termos determinados no Douto Acórdão do TUI tirado em 02MAR2011, no processo nº 69/2010.
Custas pela recorrente e pela recorrido, na proporção do decaimento.
Notifique.
RAEM, 30JUN2011
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
1 Sobre esta matéria o Tribunal de Ultima Instância de Macau já se pronunciou em vários Acórdãos, nomeadamente, processo nº 28/2007 de 21.09.2007, processo nº 29/2007 de 22.11.2007 e processo nº 58/2007 de 27.02.2008.
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Ac. 596/2010-1