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Processo n.º 509/2011 Data do acórdão: 2011-8-5
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – decisão de aplicação de medidas de coacção
  – art.o 100.o, n.o 7, do Código de Processo Penal
  – notificação do despacho de não admissão do recurso
  – notificação pessoal do arguido
  – notificação da defensora do arguido
  – art.o 53.o, n.o 1, alínea e), do Código de Processo Penal
  – art.o 200.o, n.o 1, do Código de Processo Civil
  – art.o 201.o do Código de Processo Civil
  – notificação às partes com mandatário
  – art.o 100.o, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal
  – art.o 403.o, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal
  – notificação da resposta ao recurso
  – direito de resposta à resposta ao recurso
  – art.o 404.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
  – reclamação do despacho de não admissão do recurso
S U M Á R I O
1. Da norma do n.o 7 do art.o 100.o do Código de Processo Penal de Macau (CPP) não resulta qualquer obrigatoriedade de notificação à própria pessoa do arguido, do despacho de não admissão do seu recurso então interposto da decisão de imposição de medidas de coacção.
2. De facto, sendo o recurso obrigatoriamente interposto pela pessoa defensora da pessoa arguida em nome desta nos termos exigidos na alínea e) do n.o 1 do art.o 53.o do CPP, a decisão de não admissão do recurso, então interposto pelo arguido do despacho de aplicação de medidas de coacção, não precisa de ser obrigatoriamente notificada à própria pessoa do arguido, que já foi notificado pessoalmente da decisão de aplicação de medidas de coacção.
3. Como o despacho de não admissão do recurso da decisão de aplicação de medidas de coacção não precisa de ser notificado à própria pessoa do arguido recorrente, mas sim à pessoa da sua advogada defensora, já é de aplicar à notificação desta causídica as normas especialmente previstas nos art.os 200.o, n.o 1, e 201.o do Código de Processo Civil de Macau (ex vi do art.o 4.o do CPP), por serem propriamente respeitantes à “Notificação às partes que constituírem mandatário”, e já não as regras gerais dos n.os 2 e 3 do art.o 100.o do CPP, sendo, por isso, logicamente certo que não é necessário fazer constar na mesma notificação postal dirigida à advogada do recorrente qual a via de impugnação do despacho de não admissão do recurso, até porque essa causídica não é leiga em Direito.
4. Do confronto do n.o 1 com o n.o 2, ambos do art.o 403.o do CPP, decorre líquido que o arguido recorrente não tem direito de responder à questão prévia de extemporaneidade levantada na resposta apresentada pelo Ministério Público ao recurso então interposto da decisão de aplicação de medidas de coacção, pelo que essa resposta do Ministério Público pode e deve ser notificada à advogada defensora do arguido em conjunto com a notificação do despacho judicial proferido em sede do n.o 1 do art.o 404.o do CPP.
5. Tendo a reclamação do despacho de não admissão do recurso sido apresentada fora do prazo legal de dez dias contado do dia em que se considerou legalmente feita a notificação desse despacho à advogada do arguido, não se pode admitir essa reclamação, por extemporânea.
O relator substituto,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 509/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (A)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com o despacho da Mm.a Juíza de Instrução proferido em 15 de Junho de 2011 que lhe tinha determinado o indeferimento da arguição de nulidade/irregularidade da notificação do despacho de não admissão do recurso, então pretendido por ele, da decisão de aplicação de medidas de coacção, bem como a não admissão da reclamação desse despacho de não admissão do recurso, veio o arguido A, já melhor identificado nos autos, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a revogação daquela decisão de 15 de Junho de 2011, com almejada consequente determinação da “notificação do arguido do despacho que não lhe admitiu o recurso relativo às medidas de coacção, proferido a fls. 73 dos autos, nos termos do artigo 100o, n.o 7 do CPP”, e da “admissibilidade da Reclamação para o Venerando Presidente do Tribunal da Segunda Instância do despacho de fls. 73, que não admitiu o recurso interposto pelo arguido relativamente ao despacho que lhe aplicou as medidas de coacção” (cfr. o teor do original da motivação do recurso junto a fls. 151 a 237 do presente processado recursório).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de provimento (cfr. a resposta de fls. 242 a 245).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 251 a 251v), subscrevendo a posição vertida na dita resposta.
Foi feito subsequentemente o exame preliminar pelo ora relator substituto, em sede do qual se entendeu dever o recurso ser decidido em conferência, e independentemente de vistos.
Cumpre agora decidir do recurso, depois de examinados, em sede da conferência realizada hoje, todos os elementos dos autos, também pelos dois Exm.os Juízes-Adjuntos substitutos.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Fluem do exame do presente processado recursório os seguintes factos processuais pertinentes:
1. Em 31 de Março de 2011, A (ora recorrente) foi interrogado pelo Ministério Público e constituído arguido nos respectivos autos de inquérito. E aquando do início desse interrogatório, ele afirmou constituir seu defensor uma Advogada que estava presente no local, vontade essa que foi aceite por essa Advogada (cfr. o teor do auto de interrogatório, a que se referem as fls. 63 e 65 do presente processado recursório).
2. No Primeiro de Abril de 2011, entrou na Secção Central do Juízo de Instrução Criminal um substabelecimento, subscrito em 31 de Março de 2011 pela referida Exm.a Advogada defensora do arguido a favor de um Advogado (cfr. o teor de fls. 66 a 67 do presente processado).
3. No mesmo dia 1 de Abril de 2011, a Mm.a Juíza de Instrução decidiu aplicar ao arguido as medidas coactivas de prestação do termo de identidade e residência, de prestação da caução no valor de cinquenta mil patacas, e de proibição de contactos com cinco testemunhas dos autos, por entender estarem verificados fortes indícios da prática pelo arguido, em autoria material, e na forma continuada, de um crime consumado de abuso de poder, p. e p. pelo art.o 347.o do Código Penal de Macau (cfr. o despacho judicial a que se refere a fl. 68 do presente processado).
4. Desse despacho judicial, foi notificado pessoalmente o arguido no próprio dia 1 de Abril de 2011 (cfr. fl. 69 do presente processado).
5. No mesmo dia 1 de Abril de 2011, foi registada a carta de notificação desse despacho judicial, dirigida ao Exm.o Advogado destinatário do substabelecimento acima referido (cfr. fl. 70).
6. Em 14 de Abril de 2011, foi apresentada, em nome do arguido, à Secção Central do Juízo de Instrução Criminal, a motivação do recurso (subscrita por aquela Exm.a Advogada) do despacho de aplicação de medidas de coacção (cfr. o teor de fls. 2 a 53 do presente processado).
7. A esse recurso, suscitou o Ministério Público na sua resposta (apresentada a fls. 55 a 59 do presente processado), a questão prévia de o recurso ter sido interposto fora do prazo.
8. Em 9 de Maio de 2011, a Mm.a Juíza de Instrução:
– afirmou haver irregularidade do mandato na motivação do recurso (devido mormente à inexistência, nos autos, de mandato escrito conferido pelo arguido a favor daquela Exm.a Advogada);
– e entendeu que mesmo que o arguido viesse a ratificar o acto de interposição do recurso, a interposição do recurso seria sempre extemporânea (por o despacho de aplicação de medidas de coacção ter já sido notificado à própria pessoa do arguido no dia 1 de Abril de 2011);
– razões por que decidiu em não admitir a interposição do recurso (cfr. o teor do despacho a fl. 73 a 73v do presente processado).
9. Em 11 de Maio de 2011, foi registada uma carta dirigida à Exm.a Advogada do arguido, para notificação de “todo o conteúdo do despacho cuja fotocópia se junta”, com junção ainda da “fotocópia da resposta do Ministério Público” (cfr. fl. 74 a 74v).
10. Em 27 de Maio de 2011, a Mm.a Juíza de Instrução mandou (por despacho exarado a fl. 75) arquivar os autos, com aplicação ao arguido de duas UC de taxa de justiça, por entender que já tinha decorrido o prazo legal para o arguido reclamar, para o Mm.o Juiz Presidente do TSI, do despacho de não admissão do recurso.
11. No mesmo dia 27 de Maio de 2011, foi registada a carta de notificação dirigida à Exm.a Advogada do arguido, da qual constava o seguinte conteúdo:
– “Serve a presente para notificar a V. Exa.:
Por despacho datado de 27/05/2011, foi o recorrente condenado no pagamento da quantia da 2 UCs (MOP$1.240,00) e encargos inerentes. Assim, para os termos e efeitos do disposto no arto 81o, do R.C.T. (D.L. no 63/99/M, de 25/10), conjugado com os art.os 48.o a 50.o e 52.o, do mesmo Diploma, junto se envia cópia da liquidação e respectivas guias para pagamento.” (Cfr. fls. 78 a 78v do presente processado).
12. Em 2 de Junho de 2011, o arguido, na pena da sua Exm.a Advogada, escreveu ao Juízo de Instrução Criminal que “... notificado em 30 de Maio de 2011, do despacho proferido em 27 de Maio de 2011 ... que determinou o arquivamento dos autos de recurso..., vem, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 105o, n.o 1 e 106o, al.c) Código de Processo Penal, arguir uma nulidade, e bem assim nos termos concatenados dos artigos 105o n.o 2 e 110o do Código de Processo Penal..., arguir uma irregularidade...” (cfr. fl. 80 e o teor do original da exposição em causa junto a fls. 101 a 109 do presente processado), tendo alegado, para o efeito, e concretamente, na sua essência, que foi efectuada notificação ilegal à Defesa, respeitante ao despacho de não admissão do recurso (porquanto na carta de notificação expedida em 11 de Maio de 2011, foram violados os n.os 2, 3 e 7 do art.o 100.o do CPP), pelo que pediu que fosse feita “a reparação da nulidade ou da irregularidade em causa, nos termos do artigo 110o n.os 1 e 2 do CPP, determinando-se a notificação ao arguido do despacho que não lhe admitiu o recurso interposto quanto ao despacho que lhe aplicou as medidas de coacção, no âmbito dos presentes autos, com vista a assegurar os direitos de defesa do arguido”.
13. Em 8 de Junho de 2011, foi deduzida, pelo arguido, na pena da mesma Exm.a Advogada, a reclamação do despacho de não admissão do recurso da decisão de aplicação de medidas de coacção, para rogar a admissão do recurso então interposto dessa decisão (cfr. o petitório de reclamação de fls. 113 a 143 do presente processado).
14. Em 15 de Junho de 2011, a Mm.a Juíza de Instrução (por despacho exarado a fls. 144 a 145 do presente processado) julgou improcedente a arguição de nulidade/irregularidade acima referida (por entender ela que a carta de notificação do despacho de não admissão do recurso tinha sido feita com observância da lei, sobretudo porque o despacho de não admissão do recurso não carecia de ser notificado à própria pessoa do arguido, e na carta de notificação em causa não era necessário fazer constar qual a via legal de impugnação), e, ao mesmo tempo, decidiu em não admitir, por extemporânea, a reclamação do despacho de não admissão do recurso, com condenação do arguido em duas UC de taxa de justiça.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Antes do mais, cabe frisar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões objecto do recurso, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência dessas questões (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Conhecendo juridicamente em concreto:
No seu petitório de arguição de nulidade/irregularidade (a fls. 101 a 109 do presente processado), começou o arguido ora recorrente por suscitar a nulidade referida expressamente na alínea c) do art.o 106.o do CPP, por entender que à luz do disposto na parte final do n.o 7 do art.o 100.o do mesmo Código, era indispensável fazer a notificação – então omitida – à própria pessoa do arguido, do despacho de não admissão do seu recurso da decisão de imposição de medidas de coacção, e que a não realização dessa notificação, exigida por esta norma processual, comprometeu o exercício do direito de defesa do arguido.
Não procede esta tese do recorrente, porquanto da norma do n.o 7 do art.o 100.o do CPP não resulta qualquer obrigatoriedade de notificação à própria pessoa do arguido, do despacho de não admissão do seu recurso então interposto da decisão de imposição de medidas de coacção.
De facto, o Juizo de Instrução Criminal já cumpriu escrupulosamente esta norma processual, ao ter feito a notificação à própria pessoa do arguido, do despacho de aplicação de medidas de coacção (cfr. o facto processual 4 acima coligido na parte II do presente acórdão de recurso).
E sendo o recurso obrigatoriamente interposto pela pessoa defensora da pessoa arguida em nome desta nos termos exigidos na alínea e) do n.o 1 do art.o 53.o do CPP, é claro que, no caso concreto dos autos, a decisão de não admissão do recurso, então interposto pelo arguido do despacho de aplicação de medidas de coacção, não precisa de ser obrigatoriamente notificada à própria pessoa do arguido, que já foi notificado pessoalmente da decisão de aplicação de medidas de coacção.
No mesmo petitório de arguição de nulidade/irregularidade, opinou também o arguido que a notificação postal então registada em 11 de Maio de 2011, como não continha a cominação e as indicações exigidas nos n.os 2 e 3 do art.o 100.o do CPP, nem continha a menção de qual a via de impugnação do despacho de não admissão do recurso da decisão de aplicação de medidas de coacção, é irregular.
Trata-se, também, de uma tese infundada, visto que como da análise acima feita, resulta congruentemente que o despacho de não admissão do recurso do arguido da decisão de aplicação de medidas de coacção não precisa de ser notificado à própria pessoa do arguido, mas sim à pessoa da sua Exm.a Advogada defensora, já é de aplicar à notificação desta Exm.a Causídica as normas especialmente previstas nos art.os 200.o, n.o 1, e 201.o do Código de Processo Civil de Macau (ex vi do art.o 4.o do CPP), por serem propriamente respeitantes à “Notificação às partes que constituírem mandatário”, e já não as regras gerais dos n.os 2 e 3 do art.o 100.o do CPP, sendo, por isso, logicamente certo que não é necessário fazer constar na mesma notificação postal dirigida à Exm.a Advogada do recorrente qual a via de impugnação do despacho de não admissão do recurso, até porque essa Exm.a Causídica não é leiga em Direito.
E a propósito dessa esgrimida, mas realmente falsa, “irregularidade processual”, é de observar que do confronto do n.o 1 com o n.o 2, ambos do art.o 403.o do CPP, decorre líquido que o recorrente não tem direito de responder à questão prévia de extemporaneidade levantada na resposta apresentada pelo Ministério Público ao recurso então interposto da decisão de aplicação de medidas de coacção, pelo que essa resposta do Ministério Público pode e deve ser notificada – o que foi feito também escrupulosamente pelo Juízo de Instrução Criminal, como se vê através dos factos processuais 7 a 9 coligidos na parte II do presente aresto de recurso – à Exm.a Advogada defensora do arguido recorrente em conjunto com a notificação do despacho judicial proferido em sede do n.o 1 do art.o 404.o do CPP.
E agora a propósito da problemática de alegada ainda admissibilidade da reclamação – deduzida em 8 de Junho de 2011 pela Exm.a Advogada do arguido, em nome deste – do despacho de não admissão do recurso (então interposto da decisão de aplicação de medidas de coacção), também há que naufragar a tese do recorrente, posto que de todo o acima analisado e concluído, se retira que perante os factos processuais 8, 9 e 13 coligidos na parte II do presente acórdão de recurso, o prazo legal de dez dias – legalmente contado, in casu, desde o dia 14 de Maio de 2011 em que se considerou legalmente feita, nos termos do art.o 201.o, n.o 2, do vigente Código de Processo Civil, a notificação do despacho de 9 de Maio de 2011 de não admissão desse recurso à Exm.a Advogada do recorrente em nome deste – para reclamação do próprio despacho de não admissão do recurso já decorreu completamente, há muito, antes daquele dia 8 de Junho de 2011 em que veio a ser apresentado o petitório da reclamação desse despacho.
Resolvidas assim as questões supra analisadas e postas nuclearmente na motivação do recurso do despacho judicial de 15 de Junho de 2011, é de ver que não se pode dar satisfação ao peticionado na parte final da mesma alegação, com o que já não se torna mister conhecer, por estarem logicamente prejudicadas, de todas as outras questões levantadas de modo algo divagador e materialmente repetitivo nessa motivação.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A, do despacho judicial de 15 de Junho de 2011.
Custas deste recurso pelo arguido, com oito UC de taxa de justiça correspondente.
Macau, 5 de Agosto de 2011.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator substituto)
_______________________
Mário Augusto Silvestre
(Primeiro Juiz-Adjunto substituto)
_______________________
Lam Peng Fai
(Segundo Juiz-Adjunto substituto)



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