Processo n.º 746/2010
(Recurso civil e laboral)
Data: 6/Outubro/2011
RECORRENTES :
Recurso Principal
A
Recurso Subordinado
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (澳門旅遊娛樂有限公司)
RECORRIDAS :
As Mesmas
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A melhor identificada nos autos, patrocinada por advogada, veio interpor contra Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.”, Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, com sede em Macau, Região Administrativa Especial de Macau, no Hotel Lisboa, 9º andar, acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação da Ré, a título de créditos laborais a pagar- lhe a quantia de MOP$255.437,00 acrescida dos respectivos juros a contar desde a citação.
Julgada a causa, foi decidido condenar a Ré a pagar o montante de HKD$3.311,35, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da sentença.
Da decisão final vem recorrer a parte A. alegando basicamente que as gorjetas devem integrar o salário do trabalhador, insurgindo-se ainda quanto às fórmulas de cálculo e pronunciando-se ainda contra a admissibilidade do pedido reconvencional, entendendo não dever ser aqui apreciado.
A STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. defende a bondade do decidido, mas recorre subordinadamente, continuando a pugnar pela procedência do seu pedido reconvencional em que pedia a devolução do valor das gorjetas, continuando a defender que estas não integram o salário e pronunciando-se ainda pelas fórmulas que em todo o caso entende deveren ser aplicáveis ao caso.
Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
Nestes autos foi dada por assente a seguinte factualidade :
a) O A. Trabalhou para a R. entre 21/07/1982 e 01/08/1993 inicialmente como Assistente de Clientes e após 1983 como croupier.
b) Como contrapartida da actividade que exercia na R., o A. durante o período referido em A), recebeu, uma quantia fixa diária e outra variável resultante das gorjetas entregues pelos clientes da R. as quais eram por esta distribuídas.
c) Entre os anos de 1989 e 1993, o A. recebeu ao serviço da R. os seguintes rendimentos anuais.
1989 – MOP$93,702.00
1990 – MOP$140,474.00
1991 – MOP$156,560.00
1992 – MOP$142,125.00
1993 - MOP$118,851.00
d) O A. presto serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
e) A ordem e o horários dos turnos são os seguintes.
- 1º dia das 15.00 às 10.99 horas e das 23.00 às 03.00 horas do dia seguintes;
- 2º dia das 11.00 às 15.00 horas e das 19.00 às 23.00 horas;
- 3º dia das 07.00 às 11.00 horas e das 03.00 às 07.00 horas do dia seguinte;
f) A quantia fixa diária referida em B) até 30/06/1989 era de MOP$4,10 de 01/07/1989 até ao final da relação laboral HKD$10,00;
g) A A. nunca gozou de descansos semanais;
h) Sem que, por isso, a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial ou disponibilizado outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviço;
i) A A. trabalhou para a R. nos feriados obrigatórios.
j) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial;
k) A R. nunca autorizou que a A. gozasse os dias de descanso anual;
l) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial;”
III - FUNDAMENTOS
1. Os presentes recursos, visto o seu objecto que passa em grande medida pela apreciação das mesmas questões, não deixarão de ser tratados unitariamente, identificando-se as seguintes questões a tratar:
- Do pedido reconvencional
- Da natureza jurídica do acordo celebrado entre as partes;
- Do salário justo; determinação da retribuição; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
- Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.
- Dos juros.
2. A Ré deduziu pedido reconvencional, peticionando a devolução do montante pecuniário auferido a título de gratificações ou de luvas ou de gorjetas e fosse considerado válido o contrato celebrado segundo o qual a A. renunciou às quantias pecuniárias auferidas em dia de descanso anual e nos dias feriados.
O Mmo Juiz veio a julgar tal pedido improcedente, basicamente, por considerar que não se verificavam os requisitos do enriquecimento sem causa, fundamento do pedido, até por não ter havido empobrecimento algum por parte da Ré.
A A. entende que o pedido não devia sequer ter sido recebido, pois que o pedido da acção e da reconvenção não assentaria na mesma causa de pedir, não se verificaria uma situação de compensação, não existiria uma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência.
Esta questão que ora vem colocada foi já apreciada por este Tribunal de Segunda instância que se pronunciou por diversas vezes sobre a inadmissibilidade do pedido reconvencional tal como deduzido pela Ré.1
E não nos afastamos ainda aqui do que tem sido decidido sobre esta matéria, sufragando a teses vertida na decisão ora recorrida.
Na verdade, estabelece o artigo 17º do CPT:
“1- O pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
2- O réu se propõe obter a compensação;
3- Entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção exista subsidiariedade, complementaridade ou dependência.”
Em resumo elencamos aqui as razões essenciais para não admitir a reconvenção na situação sub judice.
Muito embora exista uma relação entre os dois pedidos - que tem que ver com a relação laboral existente - para além disso não se observa qualquer outra conexão entre os dois pedidos. Na acção o trabalhador pede as compensações devidas pelo não gozo de determinados descansos; nem sequer se pode dizer que peticiona salários não pagos. Na reconvenção a entidade patronal pede a devolução das gorjetas entregues.
E sobre isto não se deixa de observar uma contradição insanável no pedido que formula, porquanto se pede as gorjetas porque elas não eram salário, então por que razão as entregou ao trabalhador? Se eram gorjetas com que legitimidade pede a devolução baseada em eventual enriquecimento em causa se se se tratava de dinheiro entregue pelos clientes? Será que irá devolver esse dinheiro aos clientes?
Se não, o enriquecimento que se configura reverte contra si.
Por outro lado, configurando-se essa entrega a que procedeu, como integrante do salário, - como adiante e reiteradamente se te sustentado nesta Instância – então, ainda aí, não faz sentido que se radique aí qualquer pedido reconvencional, por falta manifesta de fundamento para tal e por não autonomização de qualquer crédito da entidade patronal em relação ao pedido do trabalhador.
E quanto se vem dizendo tanto basta para concluir que não há lugar a qualquer compensação, já que não existe reciprocidade de créditos ou uma oposição de direitos entre as partes, configurando-se sem o mínimo fundamento a sua pretensão, não se podendo tutelar o recurso a um procedimento adjectivo que à partida se mostra destituído de sentido ou fundamento.
Essa falta manifesta de fundamento para esse pedido resulta do facto de não vir explicado o porquê da entrega indevida desses montantes, já que mesmo na perspectiva da Ré, sendo gorjetas puras, elas pertenciam aos trabalhadores, por outro lado; não se tratava de dinheiro que fosse da Ré razão porque não se compreende que seja esta a pedir o indevidamente entregue.
O pedido da Ré é um verdadeiro non sense que quase toca as raias da má-fé.
Como já se assinalou no processo acima citado “Ora, o que a ré pede não é o reconhecimento e a consequente satisfação de nenhum crédito contra a autora-credora, mas sim a devolução de importâncias que a esta havia entregue. Mas os argumentos utilizados pela ré para a pretensão que formula, que se limitam a entrar em rota de colisão com a pretensão da autora, só acentuam a vertente exceptiva de que tais importâncias não devem fazer parte do salário; e nesse sentido é questão que pode ser, e é conhecida, enquanto parte integrante do núcleo do mérito substantivo da acção.
O que acaba de dizer-se conflui para a apreciação do último dos requisitos (nº3). Vistas as coisas pelo prisma acabado de referir, não se pode dizer que seja acessória, complementar ou dependente a relação material subjacente relativamente ao pedido da causa principal. Se tomarmos como referência a doutrina que emerge do Ac. do STJ de 22/11/2006, Proc. nº 06S1822, logo se torna patente que o caso não se assemelha à hipótese da norma. Na verdade, nenhuma daquelas características (acessoriedade, complementaridade e dependência) se verifica nas hipóteses em que a um pedido do autor é contraposto um pedido conflituante do réu assente numa questão autónoma. No caso, o que moveu a autora foi o não gozo de dias de descanso contemplados na lei com uma especial remuneração (portanto, violação da legislação laboral), em cujo cálculo a impetrante inclui as gorjetas; o que move a ré reconvinte é a devolução de somas de dinheiro de gorjetas que havia, admitamos por facilidade de raciocínio e exposição, “dado” (a título de liberalidade) ou “pago” (a título de remuneração). Mas a verdade é que, fosse a que título fosse, essa questão - se até poderia relevar em sede de abuso de direito, na medida em que a reconvinte age agora por causa de atitude que livremente tomou (o que pode configurar venire contra factum proprium: Ac. STJ de 17/04/2008, Proc. nº 07S4747) – é estudada na perspectiva do mérito da acção. E quando os fundamentos em que os pedidos da acção e da reconvenção são completamente diferentes, como é o caso, a jurisprudência é unânime em não admitir a segunda (a título de exemplo Ac. do STJ de 19/01/2011, 557/06.2TTPRT.P1.S1).”
Perante isto, o que se verifica é que a acção prosseguiu e o Mmo Juiz veio a julgar a questão em termos de fundo, entendendo que não se verificavam os requisitos do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 467º do CC, fundamento do pedido da Ré.
Mostrando-se ultrapassada a questão da admissibilidade do pedido reconvencional é sobre a decisão proferida e ora sob escrutínio que temos que nos debruçar.
E para concluir mui singelamente que as razões acima referidas e levaram à conclusão da não admissibilidade servem aqui os propósitos de apreciação da questão substantiva e controvertida, parecendo evidente que não há aqui qualquer empobrecimento da Ré. Se entende que as gorjetas assumem tal natureza tout court, trata-se de dinheiro que foi avançado pelos clientes, não se percebendo como pode pedir a restituição daquilo que não é seu.
Onde está o seu empobrecimento?
Não interessa desenvolver aquilo que se mostra evidente, donde remetermo-nos ainda aqui para o teor da sentença recorrida.
Mantendo o decidido, improcedentes se julgam os recursos interpostos sobre esta matéria.
3. As restantes questões que vêm colocadas foram abordadas em vários e abundantes arestos dos Tribunais de Macau, referindo-se que em praticamente todos eles se conseguiu uma unanimidade de entendimento, tanto na 1ª Instância, como neste Tribunal de Segunda instância.2
Depois disso, sobrevieram algumas decisões do TUI3, que decidiu contrariamente à posição que granjeara unanimidade total numa questão fundamental, qual seja a de saber se as gorjetas dos trabalhadores dos casinos da STDM integravam o salário.
Perante tais decisões daquele Alto Tribunal, essa questão, bem como as outras que se colocavam, foram já tratadas devidamente numa série de acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância e nesta secção em particular, aí se explicando, com o devido respeito, as razões do não acatamento da interpretação do TUI, cientes de que a responsabilidade pela uniformização da Jurisprudência não pode depender unicamente do critério de cada julgador, devendo ser implementada pelo legislador.4
Por essa razão, nessa, bem como nas restantes questões, remetemo-nos para a Jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância.
Ressalva-se a inflexão nessa Jurisprudência, a partir de 31/3/2011, v.g. com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI, apenas para os cálculos de algumas compensações relativamente aos descansos não gozados.
3. Posto, isto, passa-se de imediato à abordagem das questões que vêm colocadas no recurso, o que se fará, pelas razões acima aduzidas, em termos sintéticos.
A primeira questão que se deve apreciar é a da caracterização da relação jurídica existente entre a recorrente e a recorrida, o que se reconduz, no fundo, a saber se estamos ou não perante um contrato de trabalho entre ambos celebrado.
Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a parte autora e a ré, em que aquela, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções desta, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar.
Temos assim por certo que o contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar naquela área dos casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia, contrato esse que deve ser remunerado com uma retribuição justa.
4. Fundamentalmente, o que está em causa é saber se as gorjetas integram o salário do trabalhador. Anote-se que o que interessa é a consideração do que seja o salário para efeitos das compensações a contemplar, face ao que reclamado vem nos autos.
O cerne da questão residirá em saber se, face à matéria de facto, melhor apreendida pelas Instâncias, filtrada e burilada através de tantos e tantos outros processos, se ela não predispõe num outro sentido compreensivo mais abrangente da realidade com que deparamos nos casos da STDM e neste em particular.
A questão não pode ser desenquadrada do seu todo, do rendimento efectivo expectável, da prática adoptada e reiterada anos e anos a fio, da natureza específica da exploração e actividade de um casino, da realidade diversa da de outros ordenamentos em termos de Direito comparado.
O carácter de liberalidade e eventualidade das gorjetas é contrariado pelo facto de as mesmas, no caso dos casinos da STDM, serem por esta reunidos, contabilizados e distribuídos e não se diga que o sistema de contabilização e distribuição pela empresa representa o sistema mais justo e que mais beneficia o trabalhador não é argumento decisivo, pois que sempre se pode entender que essa prática se insere no próprio processo contratual entre as partes e que por isso mesmo o trabalhador espera com uma forte probabilidade vir a auferir uma massa de rendimentos, só por via dela anuindo à celebração daquele contrato de trabalho.
É verdade que quanto à perspectiva tributária incidente sobre as gorjetas esse argumento não se mostra decisivo.
Na perspectiva tributária de direito público, o imposto profissional é um imposto parcelar, estruturado cedularmente, mediante o qual se submete a regime específico de incidência, determinação da matéria colectável e taxa os rendimentos decorrentes do trabalho, por conta de outrem ou por conta própria. Englobam-se nesse tipo de rendimento as gratificações ou gorjetas espontânea e livremente entregues, na sequência de uma reiterada prática social, pelos beneficiários de um determinado serviço ou trabalho, e por causa deste, aos que executaram esses serviço ou trabalho.5
Não obstante o princípio da autonomia privada, há que ter em conta, principalmente no que respeita à liberdade de estipulação do conteúdo, determinadas normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, as quais limitam a liberdade contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo.
As gorjetas dos trabalhadores da STDM, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, estando nós seguros de que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário de miséria.
Não se deixam de encontrar no Direito Comparado situações em que a gorjeta integra o valor da remuneração, assim acontecendo no Brasil, compreendendo-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago directamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber e considerando-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.
Salvaguardando a diferença de sistemas, assim acontece igualmente nos EUA.
Assim acontece em Hong Kong, onde o Court of Final Appeal decidiu ratificar o entendimento do Court of Appeal no sentido de que as gorjetas deviam integrar o salário com argumentos próximos dos acima expendidos.6
Por outro lado, em Portugal, não minimizando a douta doutrina citada pelo TUI, não se deixa de assinalar, como acima se referiu, que a realidade fáctica diverge em ambos os ordenamentos e num ponto que se nos afigura essencial, qual seja o de em Portugal o rendimento mínimo estar garantido por lei.
5. Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
Provou-se que o trabalhador em questão trabalhou nos dias de descanso semanal, anual e também feriados obrigatórios e não recebeu qualquer acréscimo.
Para que haja erro manifesto na apreciação da prova tem de resultar da alegação da parte recorrente e dos elementos dos autos a probabilidade de existência de erro de julgamento, o que decorre da indicação não só dos pontos considerados incorrectamente julgados, como da indicação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa (cfr. artigo 599º, n.º 1, a) e b) e 629º do CPC).
No que ao ónus da prova respeita só importaria apreciar a questão em caso de falta de prova dos factos alegados pela parte a quem cabia o ónus de provar os factos integrantes do seu direito(cfr. o n.º 1 do art. 335° do CC), de forma a daí retirar as devidas consequências.
6. Da liberdade contratual.
Ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística em sede do processo de realização do Direito, temos que atender necessariamente ao “princípio do favor laboratoris”, princípio que para além de “orientar” o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
Do que acima fica exposto decorre que se A. e Ré podiam acordar nos montantes da retribuição (e o problema que se põe nessa sede não é já o do primado da liberdade contratual mas sim o da determinação da vontade das partes quanto à integração dessa retribuição) já o mesmo não acontece quanto ao gozo dos dias de descanso, férias e feriados e sua remuneração.
7. Da errada interpretação e aplicação do n.° 4, do art. 26° do RJRT - da violação do n.° 2 do art. 564º do CPC
E ainda da configuração do salário como mensal.
As características e natureza do trabalho, tal como vem provado, harmonizam-se mais com o considerar que se tratava de um salário mensal, estando a remuneração não já dependente do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
Da redacção do n.º 4 do artigo 26º decorre uma consequência importantíssima na interpretação das normas que atribuem as compensações pelo trabalho prestado nesses dias. É que o n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, - os trabalhadores que auferem um salário mensal...não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos (períodos de descanso semanal e anual e feriados obrigatórios) - visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nesses períodos e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
Essa posição, no respeitante ao tipo do salário da parte A., releva para aplicação do n.º 6 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na actual redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, já que na hipótese de pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, por força do n.º 6, é ao disposto na sua alínea a) que se atende e já não ao determinado na sua alínea b).
8. Da lei aplicável.
Ainda aqui nos remetemos para o desenvolvimento feito nos acórdãos já citados.
Posto isto, assim se entra na análise da correcção da sentença recorrida quanto ao apuramento das compensações devidas pela entidade patronal, por violação dos diferentes tipos de descanso do trabalhador e assim do invocado erro de direito em relação às pertinentes normas reguladoras daquelas compensações.
Neste caso particular acompanhamos as fórmulas adoptadas na Jurisprudência quase unânime deste Tribunal, unanimidade que sofreu até ao momento apenas a excepção da compensação do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios e a inflexão a partir de 31/3/2011, com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI .
Desde então, as fórmulas passaram a ser as seguintes:
No âmbito do
Descansos semanais
Descansos anuais
Feriados Obrigatórios
DL101/84/M
X17
X1
X18
DL24/89/M
X2
X19
X3
9. Os rendimentos deste processo constam da matéria acima dada como provada.
Ano
Salário Médio Diário
1
1989
260.28
2
1990
390.20
3
1991
434.88
4
1992
394.79
5
1993
560.61
10. Trabalho prestado em dia de descanso semanal
Assim, configura-se o seguinte quadro para o DESCANSO SEMANAL
Ano
número de dias
vencidos e não gozados
(A)
remuneração
diária média
em MOP
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B x 2)
1989
15
260.28
7,808.40
1990
52
390.20
40,580.80
1991
52
434.88
45,227.52
1992
52
394.79
41,058.16
1993
30
560.61
33,636.60
Total das quantias
→
168,311.48
Vs o total na sentença:
2.014,90
10. Descanso anual
Em sede de DESCANSO ANUAL,
Ano
número de dias
vencidos e não gozados
(A)
remuneração
diária média
em MOP
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B x 1)
1989
2
260.28
520.56
1990
6
390.20
2,341.20
1991
6
434.88
2,609.28
1992
6
394.79
2,368.74
1993
4
560.61
2,242.44
Total das quantias
→
10,082.22
Vs o total na sentença:
720,00
11. Feriados obrigatórios
Em sede de FERIADOS OBRIGATÓRIOS,
Ano
número de dias
vencidos e não gozados
(A)
remuneração
diária média
em MOP
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B x 3)
1989
1
260.28
780.84
1990
6
390.20
7,023.60
1991
6
434.88
7,827.84
1992
6
394.79
7,106.22
1993
5
560.61
8,409.15
Total das quantias
→
31,147.65
Vs o total na sentença:
480,00
13. Concluindo,
Os valores encontrados para a compensação dos descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios alteram-se em conformidade com os mapas supra, mais se concluindo pela existência dos apontados vícios de facto e de direito nos apontados termos.
Tudo visto e ponderado, resta decidir,
IV - DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam os Juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal de Segunda Instância, em conferência,
- em julgar parcialmente procedente o recurso da decisão final e, improcedente o recurso subordinado, assim, em condenar a Ré STDM a pagar à A. a quantia apurada em conformidade com os mapas supra, ou seja, quantia essa paga a título de compensação pelos descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios, assim revogando, nessa parte, o decidido;
- em condenar no pagamento dos juros de mora, a contar a partir do momento desta decisão, vista a alteração verificada em relação à liquidação feita em 1ª Instância.
Custas do recurso pela Ré e na 1ª Instância na proporção dos decaimentos.
Macau, 6 de Outubro de 2011,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Cfr., por todos, Ac. 537/2010, de 28/7/2011
2 - Processos 241/2005, 297/05, 304/05, 234/05, 320/05, 255/05, 296/05, respectivamente de 23/5/06, 23/2/06, 23/2/06, 2/3/06, 2/3/06, 26/1/06, 23/2/06, 330/2005 , 3/2006, 76 /2006.
3 - Processos 28/2007, 29/2007, 58/2007, de 21/7/07, 22/11/07 e 27/2708, respectivamente
4 - Cfr. processos, deste TSI, de 19/2/09, 314/2007, 346/2007, 347/2007, 360/2007, 370/2007
5 - Parecer da PGR n.º P001221988, de 18/11/88
6 - Proc. 55/2008, de 19/1/09, betweeen Lam Pik Shan and HK Wing On Travel Service Limited, in http://www.hklii.org/hk
7 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
8 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
9 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 a fórmula era x2
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746/2010 1/21