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Processo n.º 663/2010
(Recurso civil e laboral)

Data: 29/Setembro/2011

RECORRENTE :
Recurso Final STDM

Recurso Interlocutório STDM
             
RECORRIDO : A

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    A, melhor identificado nos autos, patrocinado por advogado, veio interpor contra Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.”, Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, com sede em Macau, Região Administrativa Especial de Macau, no Hotel Lisboa, 9º andar, acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação da Ré, a título de créditos laborais a pagar- lhe a quantia de MOP$4.485.067,25, acrescida dos respectivos juros a contar desde o trânsito da sentença.
    Julgada a causa, foi decidido condenar a Ré a pagar o montante de MOP$509.869,31 acrescido de juros de mora à taxa legal a contar do trânsito sentença.
    Foi proferido despacho saneador por força do qual foi julgada improcedente a prescrição arguida na contestação dos créditos reclamados.
    Inconformada com esta decisão, veio a Ré recorrer interlocutoriamente para este Tribunal de Segunda Instância, a fim de obter a revogação da mesma.
    A este recurso não respondeu a A.
    Da decisão final vem recorrer a STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., R. alegando, em rotunda síntese:
    Carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da parte A., ora recorrida, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
    Deve considerar-se que o salário do trabalhador era um salário diário.
    Cabia ao trabalhador provar que a empregadora obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
    Não concluindo pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
    A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
    Ao trabalhar voluntariamente em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o trabalhador optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
    O trabalho prestado em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
    As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
    
    Pronunciando-se sobre quais as fórmulas aplicáveis, pugna pela procedência do recurso.
    
    O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
    
    Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
    Em 01/04/2002 cessou a relação laboral entre Autor e Ré (A)
    A Ré nunca efectuou o pagamento de quaisquer importâncias a título de compensação pelo trabalho prestado pelo Autor durante os seus períodos de descanso semanal, férias e feriados obrigatórios. (B)
    No contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o Autor, ficou acordado que o Autor ia receber em contrapartida do seu serviço, para além de uma dada importância diária como retribuição fixa, uma outra quantia variável vulgarmente designada por "gorjetas". (C)
    As "gorjetas" não se destinavam, em exclusivo, aos trabalhadores que lidavam directamente com os clientes de casinos. (D)
    O Autor não podia ficar com quaisquer "gorjetas" que lhe fossem entregues pelos clientes do casino. (E)
    As "gorjetas" recebidas pelos empregados eram colocadas, por ordem da Ré, numa caixa destinada exclusivamente para esse efeito, e eram contadas diariamente por funcionários da Ré, sob vigilância da Direcção de Coordenação de Inspecção e Coordenação de Jogos, a fim de serem distribuídas de 10 em 10 dias aos diversos empregados consoante uma dada percentagem anteriormente fixada pela Ré. (F)
    Sobre os rendimentos incidiu imposto profissional nos termos que constam da certidão de rendimentos de fls.61, de cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (G)
    Desde o início da relação laboral até 01/04/2002, o Autor recebeu da Ré como contrapartida da actividade laboral prestada, as seguintes quantias:
    
    a) 1984= MOP162,328.00
    c) 1985= MOP182,700.00
    d) 1986= MOP177,180.00
    e) 1987= MOP191,740.00
    f) 1988= MOP251,400.00
    g) 1989= MOP306,400.00
    h) 1990= MOP366,500.00
    i) 1991= MOP381,300.00
    j) 1992= MOP400,920.00
    k) 1993= MOP387,900.00
    1) 1994= MOP408,600.00
    m) 1995= MOP406,400.00
    n) 1996= MOP380,120.00
    o) 1997= MOP367,100.00
    p) 1998= MOP349,600.00
    q) 1999= MOP315,600.00
    r) 2000= MOP334,120.00
    s) 2001= MOP324,800.00
    t) 2002=MOP74.300.00. (H)
    O Autor prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela Ré. (I)
    Nos dias em que não prestou serviço efectivo, o Autor não recebeu da Ré qualquer remuneração. (J)
    O Autor iniciou a sua relação contratual com a Ré no dia 04 de Fevereiro de 1962. (2º)
    O Autor, enquanto ao serviço da Ré, trabalhava sob as ordens, direcção, instrução e fiscalização desta. (3º)
    Durante o período de duração da relação de trabalho com a Ré, o Autor não gozou quaisquer dos dias de descanso anual, de descanso semanal e de feriados obrigatórios. (4º)
    E não gozou de qualquer descanso compensatório. (5º)
    O Autor sempre foi funcionário do Departamento Interno, função essa que lhe garantia o direito a 30 dias de descanso remunerados por ano, desde o início, até ao fim da relação laboral. (12º)
    O Autor sempre exerceu esse direito. (13º)
    O Autor para além dos 30 dias de descanso remunerados por ano, podia ainda gozar dias de descanso extra que quisesse, desde que previamente o solicitasse à sua ex-entidade empregadora. (14º)
    Para tal, bastava que preenchesse um formulário que depois o entregasse nos Recursos Humanos da Ré. (15º)
    O Autor gozou de descanso extra, S dias no ano de 1996, 1 dia no ano de 2001 e 10 dias no ano de 2002. (16º)
    Os trabalhadores da Ré até 2002, incluindo o Autor, podiam gozar dias de descanso não remunerado. (17º)
    Para tal preenchia um formulário. (18º)
    Que eram remetidos à Secretaria da Ré, que os deferia ou não, conforme as suas necessidades específicas no momento em causa.(19º) “
    
    III - FUNDAMENTOS
    
    São dois os recursos a conhecer:
    A - Recurso do saneador sobre a prescrição
    B - Recurso da decisão final
    
    A - Recurso da Saneador
    1. A Ré, na douta contestação que apresentou, invocou a prescrição de todos os créditos reclamados pela Autora.
    No entender da Ré, o prazo geral da prescrição é de cinco anos, nos termos do disposto no art. 303º, f) do Código Civil e interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o seu direito.
    O Mmo Juiz a quo considerou que os créditos não estavam prescritos nos termos do seu despacho de fls 238 a 239.
    2. A legislação de Macau respeitante às relações laborais a partir de 1984, ou seja, o DL 101/84/M, de 25 de Agosto e o vigente DL 24/89/M, de 3 de Abril, não contém um regime específico sobre a prescrição dos créditos emergentes das relações jurídico-laborais.
    Reconhece-se que, na falta de norma laboral específica, é de aplicar a norma geral resultante do Código Civil, 20 anos no CC de 66 e 15 anos no CC de 99.
    Importa indagar qual o prazo que se aplica, se o da lei velha ou o da lei nova? 20 anos do CC velho ou 15 anos do CC novo?
    O novo prazo aplica-se aos prazos que já estiverem em curso, mas conta-se apenas o tempo decorrido na vigência da nova lei, salvo se daí resultar um prazo mais longo do que o da lei anterior, caso em que o prazo continua a correr segundo esta lei (artigo 290º do Código actual).1
    Claro que para a escolha do prazo aplicável, vista a salvaguarda feita na parte final daquele preceito, sempre importará indagar do prazo a quo, isto é, a partir de que momento se iniciará a sua contagem.
    Em bom rigor pode dizer-se que é a nova lei que se aplica aos prazos que já estão a decorrer, importando não esquecer que a lei só dispõe para o futuro. Mas como no caso em apreço, em qualquer das situações a ponderar, o início do prazo sempre seria de computar antes da data da cessação da relação laboral, à data da vigência da nova lei, 1 de Novembro de 1999, sempre resultaria um prazo mais longo, teremos de fazer apelo à previsão da parte final do n.º 1 daquela norma e aplicar a lei antiga, já que ao abrigo da mesma sempre faltará menos tempo para o prazo se completar.
    Claro que para a escolha do prazo aplicável, vista a salvaguarda feita na parte final daquele preceito, sempre importará indagar do prazo a quo, isto é, a partir de que momento se iniciará a sua contagem.
    O prazo a aplicar, visto o início do mesmo e o tempo decorrido até 1 de Novembro de 1999, é, pois, o prazo de 20 anos.
    E não de 5 como se chega a defender, já que se não trata aqui de uma prestação renovável.
    Importa não esquecer que os créditos não são os salários, mas sim as compensações por direitos não gozados. E esses direitos não são prestações renováveis, pela razão simples, desde logo, que não se chegaram a verificar.
    E mesmo em relação aos salários dos trabalhadores, a prestação de trabalho não se coaduna com a natureza de uma qualquer prestação renovável, antes se traduzindo na contrapartida de um serviço prestado durante um certo período, sob direcção e instruções da entidade empregadora, correspondendo cada salário a um trabalho próprio, não se podendo dizer que o salário seguinte é a renovação do anterior.
    Ainda, a não consideração de um prazo curto de prescrição insere-se num entendimento que leva a considerar que a relação de proximidade existente pode condicionar o exercício do direito pela parte do trabalhador, pelo que deve ele mostrar-se protegido, como acontecia anteriormente para o serviço doméstico e agora para as relações de trabalho em geral.
    3. Estabelece o art. 306º do Código Civil de 1966 que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse prazo se inicia o prazo da prescrição”.
    Não está prevista, de modo expresso, entre as causas bilaterais de suspensão reguladas no art. 318º do Código Civil de 1966, a situação que agora nos ocupa e relativa a créditos emergentes de relação de trabalho não-doméstico.
    Com efeito, o Código Civil de 1966, prevendo embora a figura do contrato de trabalho, relegou para legislação especial a sua regulamentação – cfr. art. 1152º e 1153º do Código Civil de 1966.
    O art. 318º do Código Civil de 1966, regulando sobre as causas bilaterais da prescrição, determina, entre o mais que agora não releva, que a prescrição não começa nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (al. e) do art. 318º do Código Civil).
    4. Por aplicação da regra geral, dir-se-á que o prazo de prescrição em relação a cada um dos créditos aqui reclamados iniciou o seu curso com o respectivo vencimento, uma vez que, a partir daí a parte Autora passou a estar em condições de exercer os seus direitos.
    Assim, em relação aos créditos vencidos relativos ao período situado entre o início e o dia correspondente a vinte anos antes da tentativa de conciliação ou da respectiva notificação ter-se-á verificado a prescrição.
     5. Não há lacuna na presente situação.
    A lacuna, como diz o Prof. Oliveira Ascensão, é uma fatalidade, uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste2. Fatalidade que vai ao ponto de se negar a sua própria existência, porquanto no ordenamento jurídico não pode haver verdadeiras lacunas, enquanto ausência de solução jurídica para o caso omisso.3
    Só perscrutando, interpretando e valorando o ordenamento podemos dizer se há ou não uma lacuna.
    Ora, na obediência daquelas tarefas, logo se divisa uma norma genérica que abarca a situação em apreço, norma essa que decorre do disposto no artigo 306º, n.º 1 do CC66 - aplicável ao tempo da relação laboral invocada -, complementada pelo art. 307º que estipula para os casos de rendas perpétuas ou vitalícias ou para os casos de prestações análogas, em que a prescrição do direito do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.
    6. Há uma regra relativa ao início da prescrição e as situações em que o legislador quis que o prazo se suspendesse, tendo a preocupação de elencar, entre milhentas situações possíveis, apenas umas tantas e, no que respeita às causas bilaterais da suspensão, somente uma meia dúzia de casos. Pretendeu o legislador que essa previsão fosse meramente exemplificativa? Seguramente que não. A letra e o espírito da norma, afastam essa possibilidade. As situações, causas de suspensão da prescrição, são demasiado concretas, específicas e particulares para comportarem essa natureza.
    No que ao trabalho doméstico respeita é particularíssima essa previsão, não podendo o legislador ignorar que a par desse tipo de relação de trabalho existiam todas as restantes relações laborais, não fazendo sentido que teleologicamente pretendesse abranger todas as relações laborais a partir daquela particularização.
    Se o legislador excepcionou para o serviço doméstico uma causa de suspensão de prescrição, a interpretação analógica está vedada em relação às normas excepcionais - art. 11º do CC66 e 10º do CC99.
    7. E em termos de interpretação, ainda que o princípio não seja absoluto, estamos em crer que vale aqui o brocardo ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit. Nem por razões teleológicas se aceita uma interpretação extensiva como se pretende. São por demasiado evidentes todas as razões que podiam justificar uma protecção do trabalhador por via desse instituto, dadas as particulares relações, teias, dependências, receios, anseios, instabilidades que se criam nas relações laborais, que nem vale a pena desenvolver por demais o tema, aliás, bem focalizado na decisão recorrida. Mas são igualmente diferentes e visíveis as diferenças entre a relação laboral comum e o serviço doméstico. Este, a merecer um tratamento autónomo em Macau e no direito Comparado e apartar-se daquele.
    Ora são essas razões de diferença que fazem perceber a opção do legislador e tanto basta para afastar uma razão teleológica de aplicação da causa de suspensão da prescrição estabelecida para o serviço doméstico em relação a todas as relações laborais.
    Afigura-se não se estar perante uma situação não prevista nem regulada, não sendo legítimo ao aplicador da lei substituir-se ao legislador no aperfeiçoamento e melhoria do sistema laboral e protecção do trabalhador. Admite-se que possa haver alguma limitação na liberdade e na vontade do trabalhador, mas importa não esquecer que todas as situações que o legislador contemplou contêm sempre alguma razão que pode justificar a sua inércia e passividade. E dessa constatação será legítimo extrapolar para se considerar suspensa a prescrição quando se suspeite desse inibição? Afigura-se que essa há-de ser uma opção do legislador.
    Nesta conformidade, sem necessidade de outros desenvolvimentos somos a julgar parcialmente procedente o recurso interposto e a considerar, um prazo normal de prescrição de 20 anos, a iniciar-se com o vencimento de cada uma das prestações em dívida, ou seja, estão prescritos os créditos vencidos anteriores a 4 de Outubro de 1987, vinte anos anteriores à data da notificação da tentativa de conciliação ( art. 27º, n.º 3 do CPT) e momento em que a empregadora se viu confrontada com a reclamação de tais créditos.
    
    B - Recurso da decisão final
    
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Da natureza jurídica do acordo celebrado entre recorrente e recorrida;
- Do salário justo; determinação da retribuição; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
 - Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.

    As diferentes questões foram abordadas em vários e abundantes arestos dos Tribunais de Macau, referindo-se que em praticamente todos eles se conseguiu uma unanimidade de entendimento, tanto na 1ª Instância, como neste Tribunal de Segunda instância.4
    Depois disso, sobrevieram algumas decisões do TUI5, que decidiu contrariamente à posição que granjeara unanimidade total numa questão fundamental, qual seja a de saber se as gorjetas dos trabalhadores dos casinos da STDM integravam o salário.
    Perante tais decisões daquele Alto Tribunal, essa questão, bem como as outras que se colocavam, foram já tratadas devidamente numa série de acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância e nesta secção em particular, aí se explicando, com o devido respeito, as razões do não acatamento da interpretação do TUI, cientes de que a responsabilidade pela uniformização da Jurisprudência não pode depender unicamente do critério de cada julgador, devendo ser implementada pelo legislador.6
    
    Por essa razão, nessa, bem como nas restantes questões, remetemo-nos para a Jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância.
    
    Ressalva-se a inflexão nessa Jurisprudência, a partir de 31/3/2011, v.g. com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI, apenas para os cálculos de algumas compensações relativamente aos descansos não gozados.
    
    2. Posto, isto, passa-se de imediato à abordagem das questões que vêm colocadas no recurso, o que se fará, pelas razões acima aduzidas, em termos sintéticos.
    
     A primeira questão que se deve apreciar é a da caracterização da relação jurídica existente, o que se reconduz, no fundo, a saber se estamos ou não perante um contrato de trabalho entre ambos celebrado.
    
    Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre o empregado e a empregadora, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar.
    
    Temos assim por certo que o contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar naquela área dos casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia, contrato esse que deve ser remunerado com uma retribuição justa.
    
     
     3. Fundamentalmente, o que está em causa é saber se as gorjetas integram o salário do trabalhador. Anote-se que o que interessa é a consideração do que seja o salário para efeitos das compensações a contemplar, face ao que reclamado vem nos autos.
     
     
     O cerne da questão residirá em saber se, face à matéria de facto, melhor apreendida pelas Instâncias, filtrada e burilada através de tantos e tantos outros processos, se ela não predispõe num outro sentido compreensivo mais abrangente da realidade com que deparamos nos casos da STDM e neste em particular.
     
     A questão não pode ser desenquadrada do seu todo, do rendimento efectivo expectável, da prática adoptada e reiterada anos e anos a fio, da natureza específica da exploração e actividade de um casino, da realidade diversa da de outros ordenamentos em termos de Direito comparado.
    O carácter de liberalidade e eventualidade das gorjetas é contrariado pelo facto de as mesmas, no caso dos casinos da STDM, serem por esta reunidos, contabilizados e distribuídos e não se diga que o sistema de contabilização e distribuição pela empresa representa o sistema mais justo e que mais beneficia o trabalhador não é argumento decisivo, pois que sempre se pode entender que essa prática se insere no próprio processo contratual entre as partes e que por isso mesmo o trabalhador espera com uma forte probabilidade vir a auferir uma massa de rendimentos, só por via dela anuindo à celebração daquele contrato de trabalho.
    
    É verdade que quanto à perspectiva tributária incidente sobre as gorjetas esse argumento não se mostra decisivo.
    Na perspectiva tributária de direito público, o imposto profissional é um imposto parcelar, estruturado cedularmente, mediante o qual se submete a regime específico de incidência, determinação da matéria colectável e taxa os rendimentos decorrentes do trabalho, por conta de outrem ou por conta própria. Englobam-se nesse tipo de rendimento as gratificações ou gorjetas espontânea e livremente entregues, na sequência de uma reiterada prática social, pelos beneficiários de um determinado serviço ou trabalho, e por causa deste, aos que executaram esses serviço ou trabalho.7
  
    Não obstante o princípio da autonomia privada, há que ter em conta, principalmente no que respeita à liberdade de estipulação do conteúdo, determinadas normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, as quais limitam a liberdade contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo.
    
    As gorjetas dos trabalhadores da STDM, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, estando nós seguros de que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário de miséria.
    
    Não se deixam de encontrar no Direito Comparado situações em que a gorjeta integra o valor da remuneração, assim acontecendo no Brasil, compreendendo-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago directamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber e considerando-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.
    Salvaguardando a diferença de sistemas, assim acontece igualmente nos EUA.
    Assim acontece em Hong Kong, onde ainda recentemente o Court of Final Appeal decidiu ratificar o entendimento do Court of Appeal no sentido de que as gorjetas deviam integrar o salário com argumentos próximos dos acima expendidos.8
    
    Por outro lado, em Portugal, não minimizando a douta doutrina citada pelo TUI, não se deixa de assinalar, como acima se referiu, que a realidade fáctica diverge em ambos os ordenamentos e num ponto que se nos afigura essencial, qual seja o de em Portugal o rendimento mínimo estar garantido por lei.
    
    4. Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
    . prova dos factos
  . liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
  
    Provou-se que o trabalhador em questão trabalhou nos dias de descanso semanal, anual e também feriados obrigatórios e não recebeu qualquer acréscimo.
    Para que haja erro manifesto na apreciação da prova tem de resultar da alegação da parte recorrente e dos elementos dos autos a probabilidade de existência de erro de julgamento, o que decorre da indicação não só dos pontos considerados incorrectamente julgados, como da indicação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa (cfr. artigo 599º, n.º 1, a) e b) e 629º do CPC).
    
    No que ao ónus da prova respeita só importaria apreciar a questão em caso de falta de prova dos factos alegados pela parte a quem cabia o ónus de provar os factos integrantes do seu direito(cfr. o n.º 1 do art. 335° do CC), de forma a daí retirar as devidas consequências.
    
    5. Da liberdade contratual.
    Ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística em sede do processo de realização do Direito, temos que atender necessariamente ao “princípio do favor laboratoris”, princípio que para além de “orientar” o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
    
    Do que acima fica exposto decorre que se A. e Ré podiam acordar nos montantes da retribuição (e o problema que se põe nessa sede não é já o do primado da liberdade contratual mas sim o da determinação da vontade das partes quanto à integração dessa retribuição) já o mesmo não acontece quanto ao gozo dos dias de descanso, férias e feriados e sua remuneração.
    
    6. Da errada interpretação e aplicação do n.° 4, do art. 26° do RJRT - da violação do n.° 2 do art. 564º do CPC
     E ainda da configuração do salário como mensal.
    
    As características e natureza do trabalho, tal como vem provado, harmonizam-se mais com o considerar que se tratava de um salário mensal, estando a remuneração não já dependente do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
    
    Da redacção do n.º 4 do artigo 26º decorre uma consequência importantíssima na interpretação das normas que atribuem as compensações pelo trabalho prestado nesses dias. É que o n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, - os trabalhadores que auferem um salário mensal...não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos (períodos de descanso semanal e anual e feriados obrigatórios) - visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nesses períodos e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
    
    Essa posição, no respeitante ao tipo do salário, releva para aplicação do n.º 6 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na actual redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, já que na hipótese de pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, por força do n.º 6, é ao disposto na sua alínea a) que se atende e já não ao determinado na sua alínea b).

7. Da lei aplicável.
    Ainda aqui nos remetemos para o desenvolvimento feito nos acórdãos já citados.
     Posto isto, assim se entra na análise da correcção da sentença recorrida quanto ao apuramento das compensações devidas pela entidade patronal, por violação dos diferentes tipos de descanso do trabalhador e assim do invocado erro de direito em relação às pertinentes normas reguladoras daquelas compensações.
    
    Neste caso particular acompanhamos as fórmulas adoptadas na Jurisprudência quase unânime deste Tribunal, unanimidade que sofreu até ao momento apenas a excepção da compensação do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios e a inflexão a partir de 31/3/2011, com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI .9


    Donde as fórmulas passarem a ser as seguintes:

No âmbito do
Descansos semanais
Descansos anuais
Feriados Obrigatórios
DL101/84/M
X110
X1
X111
DL24/89/M
X2
X112
X3
    
    
    8. Os rendimentos deste processo constam da matéria acima dada como provada.
    Importará reter que nos cálculos a efectuar só relevarão os créditos não prescritos, a partir de 4 de Outubro de 1987, tal como acima decidido, levando-se em conta o termo da relação laboral, devendo levar-se ainda em linha de conta com o decidido na sentença e com o objecto do recurso.

9. Trabalho prestado em dia de descanso semanal

     Em sede do DESCANSO SEMANAL não se altera fórmula encontrada x1 para x2 por não vir recurso interposto quanto a essa questão e por não vir recurso interposto relativamente ao período anterior a 1989.
    
    10. Descanso anual
     Em sede de DESCANSO ANUAL, nada se altera em relação ao decidido, visto o objecto do recurso.
    
    11. Feriados obrigatórios
    
Ainda aqui nada alterar, visto o objecto do recurso.

12. Concluindo,
Os valores encontrados para a compensação dos descansos semanais , anuais e feriados obrigatórios não se alteram pelas indicadas razões, visto o objecto do recurso.
Tudo visto e ponderado, resta decidir,

IV - DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam os juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal, em conferência, em:
- julgar parcialmente procedente o recurso interlocutório interposto pela STDM, julgando prescritos os créditos anteriores a 4 de Outubro de 1987;
- improcedente o recurso da decisão final interposto pela STDM, mantendo a decisão recorrida, visto o objecto do recurso.

Custas do recurso interlocutório pelo A. e Ré, na proporção dos decaimentos e custas do recurso final pela Ré aí recorrente.
                 
             Macau, 29 de Setembro de 2011,


_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
(vencido apenas quanto às fórmulas na parte divergente da Jurisprudência dominante deste Tribunal até 31/3/11, de acordo, designadamente, com os Acs n.ºs 330/05, de 11/5/06; 76/06, de 22/6/06 e 295/06, de 5/10/06)


_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - CCA, Pires de Lima e A. varela, nota ao artigo 299º
2 - Int.Est. Dto, 1970, 309 e 355
3 - Galvão Telles, Int. Est. Dto, Reimp., 2001, 260
4 - Processos 241/2005, 297/05, 304/05, 234/05, 320/05, 255/05, 296/05, respectivamente de 23/5/06, 23/2/06, 23/2/06, 2/3/06, 2/3/06, 26/1/06, 23/2/06, 330/2005 , 3/2006, 76 /2006.
5 - Processos 28/2007, 29/2007, 58/2007, de 21/7/07, 22/11/07 e 27/2708, respectivamente
6 - Cfr. processos, deste TSI, de 19/2/09, 314/2007, 346/2007, 347/2007, 360/2007, 370/2007
7 - Parecer da PGR n.º P001221988, de 18/11/88
8 - Proc. 55/2008, de 19/1/09, betweeen XXX and HK XX Travel Service Limited, in http://www.hklii.org/hk
9 - Vd. douto voto vencido nos Acórdãos 234/2005 e 257/2007, de 2/3/06 e 9/3/06, respectivamente
10 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
11 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto

12 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 a fórmula era x2
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663/2010 1/12