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Processo n. 784/2009 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Julho de 2011
Descritores:
- Salário
- Gorjetas


SUMÁRIO:
- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.


Proc. N. 784/2009


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, representado pelo M.P., moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização correspondente aos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 01/07/2009, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 2.616,30.
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É dessa sentença que, inconformado, novamente agora o autor recorre, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário do A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas B), C) e D) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º e 6º da Base Instrutória..
B. A quase totalidade da remuneração do A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. alínea B) dos Factos Assentes, o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º l e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.0, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina portuguesa invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
J. No caso, dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (resposta ao quesito 2.º e 6.º da Base Instrutória).
K. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas alíneas B), C) e D) dos Factos Assentes e na resposta ao quesito 6. º da base Instrutória.
L. A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (alíneas C) dos Factos Assentes e respostas aos quesitos 1.º e 6º da Base Instrutória.
M. O pagamento da parte variável da retribuição do A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador.
N. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição do A deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
O. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pelo A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
P. Acaso se entenda que o salário do A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
Q. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pelo A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário do A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 27.º; 28.º; 29 n.º 2, 36.º todos do Decreto-lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
R. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios.
S. Termos em que a decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal no valor de MOP$2.616,30 deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.º, n.os4 e 6, a) do RJRL, fixando-se esse valor em MOP$115.105,06 por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
T. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também da alíneas F) e G) dos Factos Assentes.
U. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
V. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
W. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o do A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
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A STDM apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões, defendendo a manutenção do julgado em termos que, com o devido respeito, aqui damos por reproduzidos.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
a) O A. trabalhou para a R. entre 01.07.1989 e 17.09.1992 como empregado de casino.
b) Como contrapartida da actividade que exercia na R., o A. durante o período referido em A), recebeu, uma quantia fixa diária de MOP$10,00 e outra variável resultante das gorjetas entregues pelos clientes da R.
c) As gorjetas eram distribuídas por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
d) Entre os anos de 1989 e 1992, o A. recebeu ao serviço da R. os seguintes rendimentos anuais:
1989 – MOP$ 36.823,00
1990 – MOP$ 84.274,00
1991 – MOP$ 116.450,00
1992 – MOP$ 70.045,00
e) Sobre os valores referidos supra foi liquidado e pago imposto profissional, tudo conforme consta no documento de fls. 13 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
f) O A. prestou serviço em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
g) A ordem e o horário dos turnos são os seguintes.
- 1º e 6º turnos: das 7 às 11 horas e das 3 às 7 horas;
- 3º e 5º turnos: das 15 às 19 horas e das 23 às 3 horas;
- 2º e 4º turnos: das 11 às 15 horas e das 19 às 23 horas.
h) O A. podia pedir à R. o gozo de dias de descanso nos quais não auferia qualquer remuneração.
i) Os trabalhadores recebiam quantitativos diferentes consoante a categoria, tempo de serviço e departamento onde trabalhavam, fixados previamente pela entidade patronal.
j) As gorjetas sempre integraram o orçamento normal do A..
k) O A. sempre teve a expectativa do recebimento das gorjetas com continuidade periódica.
l) O A. nunca gozou de descansos semanais.
m) Sem que, por isso, a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial ou disponibilizado outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviço.
n) O A. trabalhou para a R. nos feridos obrigatórios de 1 de Outubro de 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos de 1990 a 1991 e 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio do ano de 1992.
o) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial.
p) O A. trabalhou nos feriados obrigatórios de 1 dia de Chong Yeong do ano de 1989, 1 dia de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de 10 de Junho de 1998 e 1 dia de Chong Chao de 1992.
q) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial.
r) O A. trabalhou 3 dias de descanso anual em 1989, 6 dias de descanso anual nos anos de 1990 e 1991 e 4 dias e meio de descanso anual de 1992.
s) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial.
t) No momento em que contratou o A. a R. disse-lhe que não poderia gozar descanso semanal, feriados obrigatórios nem descanso anual.
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III- O Direito
Discute-se em 1º lugar se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não, e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
Vejamos.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, entre os mais recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada nesta parte.
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2- Ultrapassada esta questão, resta extrair as devidas consequências indemnizatórias. Impõe-se, no entanto, antecipar que, em virtude da sentença recorrida ter fixado os factores multiplicadores numa fórmula que não foi impugnada em sede de recurso na parte da indemnização concernente aos dias de não gozo de descanso anual e feriados obrigatórios (nem pela recorrente, nem pela STDM em recurso subordinado), não os poderá censurar este TSI, por constituírem já um dado inalterável, devido à força do caso julgado e à delimitação objectiva do recurso (art. 589º do CPC). Quer dizer, embora a aplicação da fórmula seja questão de direito, o certo é que esse direito assim aplicado não está sob escrutínio. Assim, apenas apreciaremos, sob este ponto de vista, o critério que a sentença utilizou para a determinação da indemnização alusiva ao descanso semanal, porque esse sim, está impugnado nas alegações de recurso, já que, contra o factor 1 aplicado na sentença, o trabalhador ora recorrente defende ser o 2 (conclusão S).
Para o cálculo da indemnização, teremos que partir de diferente base salarial, que agora incluirá toda a massa remuneratória, incluindo as gorjetas, e não apenas o valor diário base percebido.
Considerar-se-á, assim, face ao rendimento apurado (facto d), dos factos assentes) que o valor do salário diário (incluindo as gorjetas) foi de Mop$ 200,13, 234,09, 323,47 e 268,37 nos anos de1989, 1990, 1991 e 1992, respectivamente.
Teremos em atenção, por outro lado, que não haverá que apelar ao DL 100/84/M, por toda a relação laboral se ter desenrolado sob o império do DL nº 24/89/M.
Dito isto, avancemos para a atribuição da indemnização.
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a) Descanso semanal

a) Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada se determinará face ao que ficou dito atrás.

b) Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença entendeu que o factor multiplicador era o 1 na fórmula AxBx1 (em que A é o número de dias vencidos e não gozados e B o valor do salário diário).
Assim sendo, considerando os dias não gozados e o valor de cada um entre o início e o fim da relação laboral, conforme mapa a fls. 178 dos autos e fls. 42 da sentença, a indemnização atinge o valor de Mop$115.105,06.
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b) Descanso anual

b)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada se determinará, face ao que acima deixamos exarado.

b) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
Considerou a sentença que o factor multiplicativo era o 3.
Posto isto, e tendo em atenção os considerandos expostos supra sobre o objecto do recurso, o valor indemnizatório apurado ascende a Mop$ 15.460,24

c) Feriados obrigatórios

c). 1 - Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada está em causa, pelas razões acima apontadas.

c). 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
No contexto deste diploma legal, o tribunal “a quo” ajuizou que o factor multiplicador da fórmula era o 2, conforme mapa de fls. 42 da sentença (AxBx2).
Porque assim é, ou seja, porque nada disto está a ser objecto de censura concreta, o valor a atribuir, com esse pressuposto, é de Mop$ 9.774,68.
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Em suma, o valor total monta a Mop$ 140.339,98, que é exactamente o valor apurado pelo autor na sua petição inicial em resultado da soma das parcelas referentes ao descanso semanal, feriados remunerados e descansos anuais.
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IV- Decidindo

Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença nos sobreditos termos e, em virtude disso, condenar a STDM a pagar ao recorrente a quantia de Mop$140.339,98, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.
Custas do recurso pela recorrida STDM.
TSI, 21 / 07 / 2011.
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong
(com declaração de voto)










Processo nº 784/2009
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 21JUL2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
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