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Processo nº 537/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Julho de 2011
Descritores: - Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Na vigência do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
IV- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante os dias de serviço prestado em dias de descanso anual, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).










Proc. Nº 537/2010


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$779.758,00 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início ao termo da relação laboral entre ambos.
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Na sua contestação, a ré STDM suscitou a excepção de prescrição e, além da matéria impugnativa, deduziu igualmente reconvenção, que, neste caso, manifestou através do pedido de devolução das gorjetas que entregou ao autor ao longo da relação laboral, no pressuposto de que elas não eram devidas nos termos do contrato entre ambos celebrado e no de que elas haviam sido oferecidas livre e espontaneamente pelos jogadores sem que fizessem, portanto, parte do salário. A ser assim, considera estar perante um enriquecimento indevido pelo trabalhador, circunstância que a leva a demandar a sua devolução.
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No despacho saneador, o tribunal “a quo” não admitiu o pedido reconvencional e, sobre a prescrição, julgou prescritos todos os créditos anteriores a 7/10/1989.
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Desse despacho saneador, foi interposto recurso jurisdicional pela STDM, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve proceder a Reconvenção deduzida pela Ré e Recorrente,
2. Conhecendo-se dos dois pedidos ínsitos na mesma Reconvenção, nos artigos 200º e seguintes da Contestação e Reconvenção.
3. Pelo que, salvo melhor entendimento, improcede o douto Despacho Saneador que, a fls. 124 e seguintes dos autos, considerou impeditivo o conhecimento da Reconvenção, “uma vez que não obedece aos requisitos substanciais previstos no artigo 17.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho”,
4. Com as custas a cargo da Ré, Reconvinda e ora Recorrente.
5. Não existe falta de interesse processual nem falta de interesse em agir por parte da Ré e aqui Recorrente,
6. Nem inexiste acessoriedade, ou complementaridade ou dependência entre o pedido principal ou inicial ínsito na douta P. I.,
7. E o pedido reconvencional apresentado nos artigos 200º e seguintes da Contestação e Reconvenção,
8. Pois ambos estão interligados, conexos ou relacionados, senão, vejamos:
9. O pedido deduzido na P. I. ascende a MOP$ 779.758,00 (setecentas e setenta e nove mil e setecentas e cinquenta e oito patacas),
10. Quando o salário diário da A., Reconvinda e Recorrida era apenas de, e respectivamente, MOP$ 4,10, depois, de HKD$ 10,00 e, finalmente, depois, ainda de HKD$ 15,00, em função do trabalho prestado, do labor efectivamente produzido nos casinos da Recorrente e em função, também, da sua comparência ao serviço nos mesmos casinos até 31 de Março de 2002.
11. Ora o pedido ascende a quantias altamente superiores ao que a A. poderia calcular com base na sua retribuição diária.
12. O pedido e a causa de pedir são os pretensos, hipotéticos e possíveis falta de períodos de descanso ou de repouso semanal, anual e feriados obrigatórios.
13. Com base nesse pedido, deduz um quantum indemnizatório em que engloba quantias alheias à Ré e ora Recorrente,
14. Prestações de terceiros, os clientes dos casinos que, como doações remuneratórias ou liberalidades de terceiros, prestavam gratificações ou gorjetas nos casinos que a Ré e Reconvinte, ora Recorrente, explorou até ao termo da sua concessão em exclusivo por caducidade, em 31 de Março de 2002 (e não em «meados de 2002» como erradamente está assente na P. I. da Recorrida).
15. A acessoriedade, a complementaridade e a dependência do pedido reconvencional (parágrafo § 3º) do número 1 do artigo 17º do CPT está encontrado:
16. Primeiro, a Ré, Reconvinte e Reconvinda procurou a validade do seu contrato e das suas cláusulas de trabalho contínuo, mesmo em dias de repouso, o que foi sempre aceite pela Recorrida (artigo 222º da Reconvenção e artigos 124º a 167º da Contestação);
17. Segundo, mesmo que, porventura, tal contrato não fosse nem seja legal, o que não se considera mas equaciona por mera hipótese académica,
18. Então, nesse caso, deve a Recorrida e Reconvinda devolver o montante altíssimo de gratificações, luvas ou gorjetas recebidas pela Ré e provenientes dos clientes dos casinos,
19. Quantias pecuniárias estas, que a Reconvinda e Recorrida só auferiu em troco do trabalho contínuo nos casinos da Ré e Recorrente,
20. Nos termos, designadamente, dos artigos 9º do RJRT de 1984 e 12º do RJRT de 1989 (hoje, diplomas laborais revogados).
21. Portanto, a conexão e acessoriedade entre o pedido da P. I. e o pedido da reconvenção existe: o valor das luvas, prémios irregulares, gorjetas ou gratificações, não sendo curial nem possível a Ré e Recorrente ser condenada a prestar ou a repetir uma prestação pela qual não pode ser responsabilizada: as tais gorjetas dos clientes.
22. Pelo que o pedido indemnizatório da presente acção laboral constitui um locupletamento sem causa da Recorrida à custa da Recorrente.
23. Tendo em vista o peticionado nos artigos acima referidos e tendo em vista o valor da Reconvenção (MOP$ 2.624.982,00),
24. Existe também, dependência entre o pedido principal e o pedido reconvencional: a ser condenada a Ré pela falta de repouso ou de descanso, deverá tal indemnização desconsiderar ou subtrair as referidas gratificações ou gorjetas dos clientes e,
25. Sem conceder, deverá a contra-acção que é a Reconvenção proceder, condenando-se a A./Recorrida a devolver a quantia ilegitimamente obtida à custa das liberalidades prestadas pelos clientes e redistribuídas pela Ré a todos os seus ex-colaboradores, ex-prestadores de serviço, ex-empregados ou ex-trabalhadores, até 31 de Março de 2002.
26. Ou seja, dois milhões, seiscentas e vinte e quatro mil e novecentas e oitenta e duas patacas, que devem ser devolvidos à Ré, Reconvinda e ora Recorrente.
27. Bem como, fica provado esse nexo entre as duas acções, com o prejuízo objectivo e grave que sobre a Recorrente impende com a presente acção judicial laboral em que são exigidos pelo Autor e aqui Recorrido a quantia de MOP$ 779.758,00, acrescida de juros de mora legais vencidos e vincendos a contar da data do termo da relação contratual.
28. Tendo sido deduzida a presente Reconvenção no presente litígio justamente, em ordem à celeridade, oportunidade e rapidez processuais do processo laboral,
29. Escusando a Ré e Recorrente de instaurar novo pleito judicial para reaver o montante das gratificações ou gorjetas recebidas pelo Autor e Recorrido dos clientes dos casinos que a Ré explorou até final de Março de 2002,
30. Levando em linha de conta o expendido na Contestação / Reconvenção, para requerer a V. Exas do douto Tribunal ad quem que revoguem o douto Despacho recorrido, desde logo, na parte em que absolveu o Recorrido da instância por alegada falta de qualquer dos 3 (três) requisitos previstos nos 3 (três) §§ parágrafos do número I do artigo 17º do CPT, como ficou expresso no referido e mui Despacho que aqui se recorre interlocutoriamente.
31. Sobre o pedido Reconvencional, o locupletamento sem causa do Reconvindo à custa da Ré e Recorrente, em MOP$ 2.624.982,00, tal quantia monetária traduz o valor das luvas, gratificações, prémios irregulares ou gorjetas que aquela Recorrida recebeu e que,
32. De uma forma repetida e excessiva, procura agora no presente pleito, enriquecer-se novamente à custa da Ré e aqui Recorrente, ao peticionar uma quantia pecuniária por pretensa falta de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios,
33. Descurando-se o facto essencial de ter auferido um elevadíssimo rendimento ao longo dos anos em que prestou serviço e foi funcionária ou empregada da Ré e Recorrente,
34. Desde logo, por mor das luvas, gratificações ou gorjetas prestadas pelos clientes e Distribuídas pela Ré e aqui a Recorrente.
35. O Mmo. Juiz a quo considerou não estarem preenchidos os fundamentos do instituto enriquecimento sem causa.
36. Houve revelia operante da A. e ora Recorrida, pois, notificada para responder, contestar, impugnar a Reconvenção em sede de resposta à Contestação, manteve o silêncio.
37. Tal silêncio tem a cominação dada pelo número 1 do artigo 32º do CPT, i.e., consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
38. Em consequência todos os factos alegados nos artigos 200º e seguintes da Contestação e Reconvenção deveriam ter sido considerados reconhecidos e, em consequência, provados.
39. A Mma Juíza a quo não se pronunciou sobre tal revelia operante em relação à Reconvenção da ora Recorrente, a qual é uma contra-acção, que deve seguir os mesmos termos de uma petição inicial.
40. O Recorrido deveria ter sido condenado de preceito no pedido reconvencional.
41. A causa para o enriquecimento do Recorrido assentava na sua renúncia expressa à remuneração em dias de descanso (semanal, anual e feriados obrigatórios).
42. Apenas por ter aceitado não ser remunerado durante a relação laboral, a R., ora Recorrente, permitiu ao A., ora Recorrido, participar no esquema das gorjetas entregues pelos Clientes da Recorrente.
43. Isto é, a causa deixou de existir no momento em que a acção foi intentada, passando, no entendimento da Recorrente, o A. a estar obrigado a restituir o indevidamente recebido a título de gorjetas.
44. Ao receber parte das gorjetas, cuja causa para o seu recebimento era o não ser remunerada nos seus dias de descanso, parece forçoso concluir que o Recorrido enriqueceu à custa do empobrecimento da Ré, ora Recorrente, quando intentou a presente acção.
45. Não é só quando não há nenhuma causa para as deslocações pecuniárias que o instituto do enriquecimento sem causa poderá ser invocado, como parece inferir-se daquilo que doutamente refere o despacho recorrido, mas, ao invés, quando a causa para essa deslocação deixa de existir.
46. Em conclusão, requer-se a V. Exas o conhecimento da Reconvenção e dois dois (2) pedidos nela ínsitos, seguindo-se os demais termos do processo e, assim, fazendo sempre a costumada e habitual Justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foi, entretanto, proferida a sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e a STDM condenada a pagar à autora a quantia de 369.017,22, acrescida dos juros legais a contar do seu trânsito.
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Dessa sentença foi interposto recurso jurisdicional, tendo a STDM concluído as alegações do seguinte modo:
A. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso semanal, anual e nos feriados obrigatórios remunerados, por parte da Autora, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pela ora Recorrida, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização com base no regime do salário mensal e abrangendo realidades distintas que são o salário diário recebido da Recorrente e as gratificações ou gorjetas recebidas de terceiros, liberalidades dos clientes frequentadores dos casinos.
B. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito, culposo e punível.
C. E, de acordo com os artigos 17º, 21 º e 23 º do RJRT de 1984 e com os artigos 17º, 20º e 24º, todos do RJRT de 1989, qualquer dos diplomas, aqui, aplicáveis, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora ou do empregador, - e consequentemente um direito a indemnização ou a uma compensação - quando, o trabalhador ou o empregado seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e aquela entidade empregadora não o remunere nos termos da lei.
D. Pelo que, por omissão de pronúncia, a Sentença é desde logo nula, devendo ser revogada, sem prejuízo do que abaixo e adiante se irá ainda concluir e expor.
E. Não podendo, de todo, proceder os montantes e valores expostos nas tabelas apresentadas a fls. 233v a 234v da douta Sentença ora aqui posta em crise porque, deveria ter-se descontado os montantes recebidos pela aqui Recorrida em singelo, nas pretensas quantias a eventualmente apurar, o que igualmente o douto Tribunal Recorrido não fez, ao arrepio do mais alto entendimento do Mmo TUI.
F. Nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, ou sequer culposo, logo, não punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título relembre-se que ficou provado que a A. precisava de autorização da R. para ser dispensado ao serviço.
G. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da R. e ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A., ora Recorrida, i.e., a ilicitude e a culpa do comportamento da R., ora Recorrente.
H. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário - em função do trabalho efectivamente prestado (artigos 28º e 29º do RJRT de 1984 e artigos 26º e 27º do RJRT de 1989).
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
I. A Autora, ora Recorrida, não estava dispensada do ónus da prova, quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em Audiência de Discussão e Julgamento, por meio de testemunhas ou através de meio de prova documental, ter de facto, provado que dias, alegadamente, não gozou.
J. Assim sendo, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A., aqui Recorrida.
K. Nos termos do número 1 do artigo 342º do Código Civil de 1966 e do artigo 335º do Código Civil de 1999, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”;
L. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos da base instrutória, cabia à A., ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou, proibiu, impediu ou negou o gozo de dias de descanso (sejam semanais, anuais ou feriados).
M. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, culposa ou punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
N. Sendo, assim, a douta Sentença nula, devendo ser revogada e substituída por outra decisão da parte do Mmo Tribunal ad quem.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
O. O número 1 do artigo 5º do RJRT de 1984 e o mesmo normativo do RJRT de 1989, dispõem ambos que estes diplomas não serão aplicáveis perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo os artigos 6º dos mesmos que, os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
P. O facto de a A., ora Recorrida, ter beneficiado de um generoso e vantajoso esquema de distribuição de gratificações ou de gorjetas dos Clientes dos casinos que a Ré explorou entre 1962 e 2002, e que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe à entidade empregadora o dever de pagar um salário justo.
Q. É que, caso a ora Recorrida auferisse apenas um “salário justo” - da total responsabilidade da Recorrente, e pago na íntegra por esta - certamente que, esse salário seria inferior ao rendimento total que a ora Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado ou funcionário da ora Recorrente.
R. Não concluindo - e nem sequer se tendo debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da douta sentença ora em crise, devendo ser a mesma revogada ou alterada quanto a esta questão.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
S. A aceitação do ex-trabalhador, ora Autor e aqui Recorrida, de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
T. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica de Macau, consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 70º e seguintes do Código Civil de 1966 e dos artigos 67º e seguintes do Código Civil de 1999, consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e semanal e os feriados obrigatórios).
U. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
V. Destarte, deveria o douto Tribunal recorrido, ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
W. Ao trabalhar voluntariamente - e realce-se, não ficou, em nenhuma sede, provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a ora Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
X. E, não tendo a ora Recorrida, sido impedida ou proibida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da Ré/Recorrente à A./Recorrida.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
Y. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo Juiz a quo quando considera que a A., ora Recorrida, era retribuída com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário em função do trabalho efectivamente prestado.
Z. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como a aqui Recorrida é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário de, no caso, de MOP 4,10, depois de HKD$ 10,00 por dia e, finalmente, de HKD$ 15,00 por dia, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado e a sua comparência ao serviço.
AA. Acresce que a fórmula do salário diário nunca foi contestada pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
BB. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com os anteriores RJRT de 1984 que vigorou até 2 de Abril de 1989 e com o RJRT de 1989 que vigorou até 31 de Dezembro de 2008, que previam, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da autonomia da vontade (e na vertente do princípio da liberdade contratual), prevista no artigo 1º do referido diploma de 1989.
CC. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que a A., ora Recorrida, era retribuída de acordo com um salário mensal, a douta Sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
DD. Salvo o devido respeito por mais douto entendimento diverso, a R. e ora Recorrente, entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é errada, ao tentar estabelecer como imperativo (ou seja, o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como sendo dispositivo (i. e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
EE. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pela A e ora Recorrida, como salário diário, o que expressamente se requer aqui.
Por outro lado,
FF. O trabalho prestado pela ora Recorrida em dias de descanso foi sempre retribuído em singelo.
GG. A retribuição já paga pela R./Recorrente à ora Autora/Recorrida por esses dias, deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que a A./Recorrida tinha direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto de 1984, (que aprovou o RJRT de 1984, igualmente aqui aplicável), e depois, nos termos do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que aprovou o RJRT de 1989, e, ainda finalmente, nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990 (que alterou este último RJRT pela primeira vez), aplicando-se aqui ambos os diplomas legais laborais.
HH. Tal como é entendido, hoje em dia, desde 2007, pela mais Alta Instância Jurisdicional em Macau, o Mmo TUI, em pelo menos três doutos arestos sobre esta precisão questão que envolveu - igualmente -, a ora Recorrente.
II. Assim, entre 1 de Abril de 1976 e 20 de Abril de 2000, valiam inteiramente os regimes convencionais, o princípio da autonomia privada, na vertente, em especial, da Liberdade contratual, e os Usos e Costumes do sector.
JJ. Que, hoje em dia, valem como lei e estão ressalvados pela Lei Laboral de Macau.
KK. O trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. as alíneas a) e b) do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989), tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão, ao que parece na opinião da Recorrente.
LL. Ora, nos termos do número 4 do artigo 26º do RJRT em vigor, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do número 6 do artigo 17º, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com a entidade empregadora.
MM. Indo bem mais além e incluindo todo o descanso “legal”, nos termos do artigo 28º do RJRT de 1984, o salário referido a um determinado período (como é o caso dos doutos autos), já inclui o salário correspondente aos períodos de descanso semanal, às férias anuais e aos feriados obrigatórios, remunerados e não remunerados.
NN. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
OO. A decisão aqui em recurso, enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação do anterior artigo 28º do RJRT de 1984, e igualmente, por errada aplicação da alínea b) do número 6 do artigo 17º e do artigo 26º, ambos do RJRT de 1989, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a ora Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda, concluindo, deverá também, ser considerado pelo douto Tribunal ad quem:
PP. Relativamente à questão de Direito e ao aspecto jurídico nuclear deste litígio,
QQ. As gratificações, luvas, prémios irregulares, prémios de produtividade, ou as gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gratificações ou as luvas ou os prémios, ou as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da ora Recorrente.
RR. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999, e agora na R. A. E. M., pelo Tribunal de Última Instância, em três decisões proferidas em 2007 (duas) e em 2008 (uma), até hoje, as únicas sobre esta questão de Direito juridicamente nuclear no presente litígio.
SS. Outras decisões do douto TUI se lhe seguiram, entretanto.
TT. Também neste sentido se tem pronunciado a Doutrina de uma forma pacifica e unanimemente, quer em Portugal, quer em Macau, quer na Europa.
UU. Assim, também, o entendeu o Mmo Tribunal de Última Instância de Hong Kong, em douto Acórdão datado de 28 de Fevereiro de 2006:
VV. “I am to the view that, subject to the possibility that sections 41 (2) and 41C(2) are to be read to cover contractual commission accruing and calculated on a daily basis in amounts varying from day to day, no commission is to be included in the calculation of holiday pay and annual leave pay”. - Recurso final com o n.º 17/2005 (Direito e processo civil), em recurso do processo inicial com o n.º 204/2004.
WW. Repare-se que este excerto da decisão do Mmo T. U. I. de Hong Kong também se debruça sobre a compensação pelo trabalho prestado em dia de repouso, considerando que a haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso, aquela não inclui nem se calcularia tendo em conta elementos estranhos e alheios ao salário da então A. e ora peticionante.
XX. E, o mesmo se passa, neste caso concreto decidendo, salvo melhor entendimento, Juízo e opinião.
YY. E a legislação comparada de Portugal: o Despacho n.º 20/87 de 27 de Fevereiro, publicado na II - Série, n.º 59, de 12 de Março de 1987; o Despacho Normativo 24/89, de 17 de Fevereiro de 1989; o Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro de 1989; o Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro de 1995; a Portaria n.º 1159/90, de 27 de Novembro de 1990; a Portaria n.º 129/94, de 1 de Março de 1994 ; e a Portaria n. º 355/2004, de 5 de Abril de 2004.
ZZ. O punctum crucis essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo da entidade empregadora.
AAA. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade, no sinalagma entre a prestação do trabalho do trabalhador e a sua remuneração pela entidade empregadora.
BBB. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”.
CCC. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas/gratificações/luvas/prémios irregulares, de salário, vencimento, remuneração ou retribuição - vejam-se os artigos 2º e 3º da Lei n.º 2/78/M, de 25 de Fevereiro de 1978.
DDD. Neste sentido, qualifica o Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM, S.A., como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
EEE. Ainda, e na doutrina portuguesa, por exemplo, no mesmo sentido, a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho afirma que, “as gratificações ou prémios atribuídos ao trabalhador não integram, em princípio, o conceito de retribuição, porque não correspondem a um dever do empregador mas ao seu animus donandi, nem constituem contrapartida do seu trabalho prestado658-659. (...) Por fim, debate-se o problema da qualificação das gratificações e outras prestações patrimoniais em que o trabalhador recebe não do empregador mas de terceiros (por exemplo, as gorjetas dadas aos empregados de um restaurante ou de um hotel, ou aos croupiers do casino, pelos clientes). Crê-se que a qualificação como retribuição destas prestações é de afastar pelo facto de não serem atribuídas nem devidas pelo empregador, não podendo, assim, corresponder a qualquer contrapartida do trabalho prestado662.” - páginas 552 e 553, Volume II, “Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais”, Julho de 2006, itálico no original da obra.
FFF. E, agora na Jurisprudência portuguesa, por exemplo, decidiu-se igualmente que: “III - As gratificações dadas por terceiros ao trabalhador não se consideram como integrantes do direito à retribuição devida pela entidade patronal;” -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Almeida Devesa, de 23 de Janeiro de 1996, processo número 004309, número do documento SJ199601230043094, disponível em www.dgsi.pt.
GGG. Ou, ainda, por exemplo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Março de 1995, o mesmo acordou que: “II - As gratificações recebidas dos clientes pelos empregados dos Casinos e repartidas pelos trabalhadores, segundo o processo fixado na lei (DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, e Portaria n. 1159/90, de 27 de Novembro), não constituem retribuição dos trabalhadores, nos termos dos arts. 82 e 88 da LCT69.” - Douto aresto relatado pelo Senhor Desembargador Dinis Roldão, processo número 0098094, número do documento RL199503080098094, também disponível no mesmo sítio da internet, em www.dgsi.pt.
HHH. Na verdade, a reunião, guarda, recolha e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, S. A., mas com a colaboração e intervenção de uma Comissão Paritária composta por empregados de casino, funcionários da tesouraria e ainda de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a todo esse procedimento.
III. Apenas a distribuição das gratificações, gorjetas, ou das luvas cabia e coube sempre e apenas em exclusivo à Ré/Recorrente.
JJJ. Salvo o devido respeito pelo MIno. Tribunal a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto decidendo.
KKK. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gratificações ou luvas ou gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, S. A., aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e a DICJ.
LLL. Vide, por exemplo, o exposto nos artigos 60º e seguintes da Contestação da ora Recorrente.
MMM.E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
NNN. A actual Lei das relações de trabalho - «LRT» - que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2009, exclui, nos seus artigos 57º a 65º - Capítulo V - da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto de 2008, as gratificações ou luvas ou gorjetas do conceito de remuneração base, não as incluindo em qualquer dos acréscimos à mesma retribuição base.
OOO. Veja-se, nesse sentido, o teor do número 1 do artigo 59º da LRT.
PPP. E, no seguimento, os números 2. a 6. do artigo 59º, e os artigos 60º e 61º da mesma LRT actualmente em vigor na R.A.E.M.
QQQ. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia, - acredita a Recorrente -, levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações, luvas ou gorjetas,
RRR. O valor dos rendimentos médios mensais no sector do jogo e aposta em casino em Macau, ascendeu, no ano de 2007, a cerca de mais de 11 (onze) mil patacas mensais (MOP$ 11.000,00), enquanto que nas outras áreas económicas e produtivas, os rendimentos apenas ultrapassaram as 7 (sete) mil patacas mensais (MOP$ 7.000,00) o que, desde logo, demonstra o atractivo por aquela actividade, que a ora Recorrente levou a cabo até 2002.
SSS. A ora Recorrente, ao que parece, não poderia, pois, ser condenada, à luz de um conceito de salário mensal ou de retribuição média diária ou de remuneração normal, quando estão em causa os descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios remunerados e os não remunerados.
TTT. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização a arbitrar, quanto às questões enunciadas e em litígio, só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
UUU. Finalmente, a R. e aqui Recorrente gostaria, ainda, de invocar os três doutos Acórdãos n.os 28/2007, 29/2007, e 58/2007, respectivamente datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, nos quais o Mmo TUI demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
VVV. A douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 17 de Março de 2010 ora posta em crise, deverá ser revista e reformulada, absolvendo-se a ora Recorrente e considerando as presentes alegações de Direito procedentes por provadas.
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Também a autora recorreu da sentença, concluindo as alegações da seguinte maneira:
A - De acordo com o disposto no art. 17º, nºs 1, 3 e 6 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula correcta de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
B - De acordo com o disposto nos arts. 20º, nº 1 e 19º, nºs 2 e 3 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivamente prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
C - De acordo com o disposto nos arts. 21º e 24º do D.L. n” 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso anual é 2 x valor da remuneração média diária x os dias de descanso anual vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
D - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571º, nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
E - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja à ora recorrente.
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Cumpre decidir.
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II- Os factos
1) A Ré tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, e a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros, comércio de importação e exportação.
2) A Ré foi, até meados de 2002, a única concessionária de jogos de fortuna ou azar em Macau, sendo operadora de todos os casinos aqui existentes.
3) Em 1 de Abril de 1976, a Autora, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição da Ré passou a exercer as funções de assistente a clientes e posteriormente as de croupier.
4) Como contrapartida da actividade que exercia na R., o(a) A. durante o período referido em 3) e 5), recebeu uma quantia fixa diária de MOP$4,10 até 30.06.1989, de HKD$10,00 de 01.07.1989 a 30.04.1995 e de HKD$15,00 desde o dia 01.05.1995 até ao termo do contrato e outra variável resultante das gorjetas entregues pelos clientes da R.
5) A Autora deixou de trabalhar para a Ré em 20 de Abril de 2000.
6) A Autora, entre os anos de 1988 e 2000, recebeu as seguintes quantias a título de rendimento anual:
a) 1988: 136.975
b) 1989: 164.911
c) 1990: 182.612
d) 1991: 179.664
e) 1992: 178.514
f) 1993: 185.348
g) 1994: 191.711
h) 1995: 205.584
i) 1996: 195.049
j) 1997: 184.128
k) 1998: 172.535
l) 1999: 139.367
m) 2000: 33.690
7) A Autora prestou sempre serviço em turnos diários, conforme horários fixados pela entidade patronal.
8) Os turnos eram os seguintes:
i) 1º e 6º turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
ii) 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
iii) 2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
9) O(A) A. podia pedir à R. o gozo de 40 dias seguidos de descanso e um sem número de dias de descanso interpolados, nos quais não auferia qualquer remuneração.
10) Enquanto esteve ao serviço da Ré, e até ao ano de 1997, esta nunca autorizou a Autora a gozar descansos semanais remunerados.
11) A Ré também não autorizou a Autora a gozar os feriados obrigatórios remunerados, no período aludido em 10).
12) A Ré também nunca a autorizou a gozar, no período aludido em 10) descansos anuais remunerados.
13) Apesar de ter trabalhado nos períodos referidos em 10), 11) e 12) nunca a Ré pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial.

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II- O Direito
1- Recurso do saneador
A STDM nas suas alegações insurge-se contra o saneador na parte em que decidiu não admitir a reconvenção nos termos do art. 17º do CPT.
Ora, este artigo estabelece os requisitos substantivos e adjectivos de admissibilidade da reconvenção no âmbito dos processos laborais. Vejamos os substantivos.
Será admissível quando:
1- O pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
2- O réu se propõe obter a compensação;
3- Entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção exista subsidiariedade, complementaridade ou dependência.
Todavia, e tal como o despacho sob censura asseverou, não estamos perante nenhum dos requisitos ali previstos. Em primeiro lugar, o pedido da ré reconvinte não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção. Efectivamente, a acção decorre alegadamente da omissão de obrigações legais aplicáveis a uma relação contratual, enquanto o pedido reconvencional assenta num alegado enriquecimento ilícito por parte da autora. Planos jurídicos distintos e diferentes bases fundamentativas, portanto.
Claramente também não podemos dizer que a ré pretende obter a compensação, uma vez que esta figura tem por pressuposto um cruzamento/reciprocidade de créditos ou uma oposição de direitos creditícios com um saldo favorável a uma das partes. Ora, o que a ré pede não é o reconhecimento e a consequente satisfação de nenhum crédito contra a autora-credora, mas sim a devolução de importâncias que a esta havia entregue. Mas os argumentos utilizados pela ré para a pretensão que formula, que se limitam a entrar em rota de colisão com a pretensão da autora, só acentuam a vertente exceptiva de que tais importâncias não devem fazer parte do salário; e nesse sentido é questão que pode ser, e é conhecida, enquanto parte integrante do núcleo do mérito substantivo da acção.
O que acaba de dizer-se conflui para a apreciação do último dos requisitos (nº3). Vistas as coisas pelo prisma acabado de referir, não se pode dizer que seja acessória, complementar ou dependente a relação material subjacente relativamente ao pedido da causa principal. Se tomarmos como referência a doutrina que emerge do Ac. do STJ de 22/11/2006, Proc. nº 06S1822, logo se torna patente que o caso não se assemelha à hipótese da norma. Na verdade, nenhuma daquelas características (acessoriedade, complementaridade e dependência) se verifica nas hipóteses em que a um pedido do autor é contraposto um pedido conflituante do réu assente numa questão autónoma. No caso, o que moveu a autora foi o não gozo de dias de descanso contemplados na lei com uma especial remuneração (portanto, violação da legislação laboral), em cujo cálculo a impetrante inclui as gorjetas; o que move a ré reconvinte é a devolução de somas de dinheiro de gorjetas que havia, admitamos por facilidade de raciocínio e exposição, “dado” (a título de liberalidade) ou “pago” (a título de remuneração). Mas a verdade é que, fosse a que título fosse, essa questão - se até poderia relevar em sede de abuso de direito, na medida em que a reconvinte age agora por causa de atitude que livremente tomou (o que pode configurar venire contra factum proprium: Ac. STJ de 17/04/2008, Proc. nº 07S4747) – é estudada na perspectiva do mérito da acção. E quando os fundamentos em que os pedidos da acção e da reconvenção são completamente diferentes, como é o caso, a jurisprudência é unânime em não admitir a segunda (a título de exemplo Ac. do STJ de 19/01/2011, 557/06.2TTPRT.P1.S1).
Razão para não se fazer qualquer censura ao saneador, e concluir pela improcedência do recurso.
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2- Recurso da sentença
Foram dois os recursos interpostos da sentença: um, pela STDM, outro pela autora. Estudemos, em primeiro lugar, o recurso da STDM.
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Defende a recorrente STDM que a sentença seria nula quanto aos factos dados como apurados, por não se ter demonstrado que o trabalhador esteve impedido (e só nessa circunstância haveria ilícito) de gozar os dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios ou sequer que nunca os tenha gozado.
A nosso ver, não tem razão. Com efeito, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Quanto ao impedimento invocado, algo mais adiante diremos.
-
Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
-
Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias.
Diferente se nos afigura já a questão do erro na apreciação da prova. A solução antevê-se, porém, fácil.
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º, n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa numa convicção do julgador que, sem outros adicionais dados que possamos conferir, é impossível controlar.
Portanto, à falta de melhores elementos, não se pode dar razão à recorrente sobre este ponto.

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Da natureza do vínculo e da composição do salário

Nas conclusões seguintes, a recorrente insurge-se também contra a indemnização fixada, em especial contra a fórmula de cálculo fixada na sentença e também aflora a questão da natureza do contrato e o valor do salário em causa.
A autora começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um mero “depositário” ou simples “guardador” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
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E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
*
Como calcular a compensação?
Aqui já se entrecruzam ambos os recursos, pois além da impugnação das fórmulas de cálculo apresentada pela STDM, também a autora se manifestou contra elas no recurso que da sentença também interpôs. Daí que os conheçamos em conjunto.
Importa referir, no entanto, que apenas estão agora em apreço os créditos posteriores a 7/10/1989, face à decisão sobre a prescrição feita no despacho saneador, do qual, nessa parte, não houve recurso jurisdicional. Por conseguinte, apenas se discutirá a aplicação do DL nº 24/89/M.
Para o apuramento, tomaremos como base de cálculo os mapas contidos na sentença (fls. 14, 15 e 15 vº) e, bem assim, os valores diários neles constantes, pois que correspondem aos montantes salariais com inclusão das gorjetas.

a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como o defende a trabalhadora autora no seu recurso, e não 1, como o concluiu a sentença recorrida e o sustentou a STDM.
Nesta conformidade, o valor devido será de Mop$543.048,44.
*
b) Descanso anual
Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1 (tal como decidido na sentença) e não 2, como defendido pela recorrente trabalhadora.
A ser assim, a indemnização está bem fixada em Mop$34.763,16.
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c) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 24/89/M
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, tal como o defende a autora/recorrente, e não 2, como fora decidido na sentença recorrida.
A indemnização neste capítulo, sendo assim, ascende a Mop$ 94.094,76.
*
A indemnização global soma a quantia de Mop$671.906,36.

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IV- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em:

1- Negar provimento ao recurso do despacho saneador interposto pela STDM quanto à reconvenção por si deduzida.
Custas pela recorrente STDM.

2.1- Negar provimento ao recurso da sentença interposto pela STDM.
2.2- Conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pela recorrente A e, por isso, revogar a sentença na parte correspondente e, consequentemente, condenar a STDM a pagar-lhe a quantia de Mop$ 671.906,36, acrescida de juros de mora calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.

Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

TSI, 28 / 07 / 2011.

José Cândido de Pinho

Choi Mou Pan

Lai Kin Hong (com declaração de voto)






















Processo nº 537/2010
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 28JUL2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong