ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo, de 25 de Novembro de 2011, que ordenou a desocupação de um terreno sito em Coloane, na encosta contígua ao edifício com os n.os XXX/XXX, da Rua Dois dos Jardins de Cheok Van e a desmontagem e remoção de todas as construções e objectos que ali se encontram.
O Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o requerido, por Acórdão de 26 de Julho de 2012.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
Termina a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- A Recorrente alegou e apresentou prova dos factos que alegou (documental e testemunhal) referentes à falta manifesta de segurança do espaço em causa nos presentes autos e da correspondente segurança resultante das construções edificadas pela Recorrente.
- A Recorrente não pretende a mesma pôr em causa a propriedade do terreno que se situa debaixo da via pública e que se encontra actualmente ocupado pela Recorrida, tal propriedade pertence efectivamente ao Governo da RAEM e a ora Recorrente sempre o reconheceu.
- A ora Recorrente efectuou o pedido de concessão do terreno ao Governo de Macau.
- A ser verdade que aquele pedaço de terreno não integra a área do prédio descrito sob o n.º XXXXX, o que mais uma vez não se concede, a ora Recorrente teria de cumprir o estipulado no despacho e demolir a parte direita da construção, conforme aparece identificada no processo administrativo que com este requerimento e o recurso de anulação subirá.
- A Recorrente alegou e apresentou prova de que a demolição dessa construção, implica inutilizar por completo todo o imóvel pertencente à ora Recorrente, uma vez que não será possível demolir aquela parte da construção, sem destruir totalmente, a função do imóvel que ali se encontra construído, que é a habitação.
- Consequência essa que se revela manifestamente exagerada, desproporcionada, excessivamente punitiva do interesse individual da ora Recorrente.
- A construção das duas vivendas custou cerca de HKD$7,191,262.50, pelo que o custo de construção da vivenda XX terá sido de metade, ou seja, HKD$3.595.631,25 .
- E o jardim construído na parte que fica exactamente por debaixo da rotunda existente no final da Rua Um dos Jardins de Cheoc Van custou cerca de HKD$803.466,95
- E a sua reconstrução, caso a RAEM, procedesse à demolição das mesmas, na actualidade, orçaria na mesma quantia ou seja, HKD$3.595.631,25 e HKD$803.466,95 respectivamente, significando isto um desmesurável prejuízo para a Recorrente.
- O Tribunal a quo não tomou em consideração todos os factos alusivos à falta de segurança do local e a segurança que a construção faculta, não só à Recorrente como aos demais habitantes daquele aldeamento com o simples fundamento ter a Recorrente anexado a construção à habitação.
- A decisão a quo incorre em nulidade de sentença por omissão de pronúncia violando, desta forma a al. d) do n.º 1 do artigo 571 do Código do Processo Civil.
- Apesar da sua aparente avaliação pecuniária, os danos são insusceptíveis de uma avaliação pecuniária rigorosa, de uma quantificação ou determinação, na medida em que podem pôr em risco, não só bens como pessoas, pelo que terão que ser considerados como "prejuízos de difícil reparação".
- O Tribunal "a quo" não ficava dispensado - aliás tinha o dever de o fazer - de especificar a matéria de facto que considerava pertinente para alicerçar a sua fundamentação de direito.
- Não havendo, por conseguinte, tal especificação tudo se passa como se a decisão estivesse totalmente desprovida de fundamentos fácticos, ficando os destinatários sem saber a razão pela qual o Tribunal perfilhou aquela decisão, o que, por outro lado, impede o Tribunal de Última Instância, em sede de recurso jurisdicional, de sindicar a decisão numa perspectiva de análise do raciocínio que presidiu à sentença.
A Exm.ª Procuradora-Adjunta emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.
II – O Direito
1. As questões a apreciar
O Acórdão recorrido entendeu que, para que a providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos pudesse ser decretada, seria necessária a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no art. 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC). E que, não tendo o requerente alegado factos donde decorresse que a execução do acto lhe causaria previsivelmente prejuízo de difícil reparação, a providência estava condenada ao insucesso e assim decidiu, indeferindo a mesma.
A requerente recorre, entendendo que alegou e provou factos que integram o mencionado requisito “que a execução do acto lhe causaria previsivelmente prejuízo de difícil reparação”.
É esta a questão a apreciar.
2. Verificação cumulativa dos requisitos
No sistema administrativo de Macau e nos semelhantes, designados de administração executiva, “Os actos administrativos são executórios logo que eficazes” (n.º 1 do artigo 136.º do Código de Procedimento Administrativo) (CPA).
Por isso, a Administração não precisa de recorrer aos tribunais para executar os actos administrativos. Dispõe o n.º 2 do artigo 136.º do CPA que “O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos admitidos por lei”.
Por outro lado, a interposição de recurso contencioso de anulação do acto administrativo não tem, em regra, efeito suspensivo do acto (embora haja casos expressamente previstos na lei, em que o tem).
No caso dos autos, a interposição do recurso contencioso de anulação não suspende a execução do acto.
Não obstante, a lei prevê, como providência cautelar, a suspensão da eficácia dos actos administrativos, estatuindo o artigo 121.º do CPAC:
“Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto”.
É manifesto que os três requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 são de verificação cumulativa, pelo que basta a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas hipóteses previstas nos n.os 2, 3 e 4.1
Mais rigorosamente, o requisito da alínea a), que é o que está em causa (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso de anulação) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto tenha a natureza de sanção disciplinar, o que não é o caso.
3. Prejuízos de difícil reparação
O requerente da providência tem, pois, de alegar danos, patrimoniais ou não. Mas não basta. Não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação, o que se compreende perfeitamente.
Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto.
Importa examinar os factos invocados pelo interessado para se concluir se integram o conceito de prejuízo de difícil reparação.
4. Prejuízos de difícil reparação de natureza não patrimonial
Sintetizemos a questão de facto:
A recorrente é titular da concessão por arrendamento de dois prédios urbanos, que constituem duas vivendas contíguas nos Jardins de Cheok Van e onde residem, segundo alega, o administrador da recorrente e respectivo núcleo familiar alargado, constituindo por cônjuge, filhos e respectivas famílias, bem como empregados.
A recorrente, na pessoa do seu administrador, ocupou terreno público, imediatamente contíguo às duas vivendas, onde alega ter instalado um jardim, por questões de segurança.
O acto recorrido afirma que a recorrente, na pessoa do seu administrador, ocupou terreno público, imediatamente contíguo às duas vivendas, onde edificou uma construção de betão, tijolo e alumínio (janelas).
A recorrente não aceita que esta última parcela seja pública, alegando que lhe pertence.
O Acórdão recorrido entendeu que não se verificavam prejuízos de difícil reparação.
Por um lado, considerou não ser credível a tese da recorrente que não é possível demolir as obras feitas no terreno alegadamente público sem destruir toda a vivenda.
Nada a obstar a este entendimento.
Entendeu, igualmente, o mesmo Acórdão recorrido, que os prejuízos económicos alegados de carácter patrimonial sempre podem ser ressarcidos se a recorrente obtiver provimento no recurso contencioso de anulação do acto recorrido.
Também nesta parte não merece censura o decidido.
Alega a recorrente que o Acórdão recorrido não apreciou todas as questões suscitadas, designadamente, as alusivas à falta de segurança do local e a segurança que a construção faculta não só à recorrente, mas também aos demais habitantes daquele aldeamento.
Ora, percorre-se o requerimento inicial onde a recorrente requereu a providência e encontramos apenas no artigo 13.º uma vaga alusão a esta matéria, dizendo que “esta ocupação foi essencialmente motivada por razões de segurança, higiene e saúde pública, as quais se encontravam notoriamente afectadas até a ora Recorrente ter procedido às necessárias obras”.
Diga-se que esta alegação se encontra no acervo inicial da matéria de facto alegada e fora do capítulo dedicado aos requisitos e fundamentos do procedimento cautelar, que se iniciam no artigo 17.º do requerimento inicial.
Assim, é totalmente compreensível que o Acórdão recorrido não se tenha debruçado especificamente sobre esta matéria, visto não ter sido erigida em fundamento da providência cautelar.
Acresce que a recorrente não substanciou minimamente tal alegação com factos, ficando-se por meras conclusões, pelo que sempre estaria o Tribunal impossibilitado de apurar se a ocupação foi essencialmente motivada por razões de segurança, higiene e saúde pública. E quais?
Por último a questão relativa à omissão de pronúncia de menção dos factos provados.
É exacto e um tanto incompreensível que o Acórdão recorrido não tenha elencado os factos que considerava provados, tendo apenas mencionado os factos alegados pela recorrente no requerimento inicial.
Não obstante, considera-se que as considerações produzidas pelo Acórdão recorrido respeitantes à matéria de facto e constantes da parte relativa à fundamentação global (de facto e de direito) permitem a este TUI saber quais os factos essenciais considerados provados pelo Acórdão recorrido, não se verificando, assim, omissão de pronúncia.
Não demonstrou, por conseguinte, a requerente o requisito do prejuízo de difícil reparação, pelo que não merece censura o Acórdão recorrido.
Fica prejudicado o exame do requisito atinente à grave lesão do interesse público determinado pela suspensão de eficácia do acto administrativo.
III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Macau, 26 de Setembro de 2012.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
1 Neste sentido, para legislação semelhante, ao tempo, à de Macau, cfr. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2000, p. 176.
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Processo n.º 58/2012