Proc. nº 331/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21/07/2011
Descritores: Contrato de trabalho
SUMÁRIO:
I- Deve ser considerado “empregado” aquele trabalhador que determinada empresa tem inscrito na sua lista de empregados, a quem paga as respectivas contribuições à Segurança Social, remunerando-o mensalmente “à peça” ou ao “metro quadrado”, mas a quem assegura sempre e em qualquer caso o salário de $450 patacas diárias e que tinha que cumprir as orientações e exigências da empresa, sendo, portanto, de “contrato de trabalho” a relação estabelecida entre ambos.
Proc. Nº 331/2011
Acordam no TSI
I- Relatório
A, B, C, D, E, F, patrocinados pelo Ministério Público intentaram acção para efectivação de responsabilidade emergente de relação laboral, contra “Companhia de Seguros XXX, SARL”, em virtude do falecimento de G, marido da primeira autora e pai dos restantes impetrantes, na sequência de um acidente de trabalho.
Na contestação, a ré entendeu que o acidente não podia ter essa natureza, por não haver uma relação de emprego entre a vítima e a empresa de Engenharia H, que para si havia transferido a responsabilidade civil pelos danos decorrentes de acidentes de trabalho com os seus trabalhadores.
Na oportunidade foi proferida sentença no TJB, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à 1ª autora indemnização pelo falecimento do marido.
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É dessa sentença que vem interposto o presente recurso, em cujas alegações a ré Seguradora formula as seguintes conclusões:
I. Qualificação errada da relação jurídica entre o falecido e a Engenharia H (subempreiteiro)
1. A sentença recorrida entende que a relação entre o falecido e a Engenharia H foi a de contrato de trabalho. Mas a recorrente entende que apesar de a sentença recorrida ter reconhecido o ponto 18.º dos factos provados na sentença recorrida (quesito 16.º), não se pode negar que o falecido celebrou com a Engenharia H contrato de prestação de serviço ou contrato de subempreitada.
2. Nos contratos de prestação de serviço ou de empreitada, o empreiteiro (mandado) também precisa de prestar serviços em conformidade com as orientações e exigências do dono da obra (mandante), tais como concluir a obra com materiais e instrumentos exigidos pelo dono da obra (mandante).
3. Por isso, só se provou que o falecido G (XXX) trabalhava sob orientações e exigências da Engenharia H, e isso não corresponde à noção de “prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” no art.º 1079.º do CCM, e não se pode entender assim que existiu relação de subordinação entre eles.
4. De acordo com as ressalvas do art.º 1136.º do CCM, mesmo que verificasse que os materiais e utensílios foram fornecidos pela Engenharia H, não se pode excluir a possibilidade de o falecido ser (sub) empreiteiro.
5. Ademais, apesar de a Engenharia H ajudar o falecido G (XXX) para se inscrever no Fundo de Segurança Social e pagar as respectivas contribuições (quesitos 6.º e 7.º), este facto não indica necessariamente a existência de relação de contrato de trabalho entre o falecido e a Engenharia H. A Engenharia H poderia ajudar o falecido para se inscrever no Fundo de Segurança Social e pagar as respectivas contribuições por outras razões, tais como defraudar benefícios de segurança social e seguros laborais. O subcontrato no processo (constante das fls. 75 e 76 dos autos) prova a possibilidade desta situação e é obviamente um contrato de empreitada.
6. De facto, no ponto 17.º dos factos na fundamentação da sentença recorrida (quesito 14.º) é referido que depois de receber as remunerações (pagas pela Engenharia H), G (XXX) deduzia o salário de um servente, e distribuía o restante em partes iguais consoante o número dos operários do seu grupo.
7. Daí se pode ver que a Engenharia H não pagou directamente os salários aos respectivos operários, mas pagou “as verbas da obra” a G (XXX), que ficava incumbido de deduzir uma parte e distribuir o restante em partes iguais aos operários do mesmo grupo.
8. Segundo a noção de contrato de trabalho, o empregador tem dever de pagar remuneração aos empregados, e o pagamento é efectuado directamente pelo empregador. Os 4 operários do grupo de G (XXX) receberam os seus salários junto de G (XXX) (quesito 14.º).
9. No presente processo não se prova que a Engenharia H tem relação de contrato de trabalho com os 4 operários do grupo de G (XXX) ou celebrou com estes qualquer contrato, e o responsável da Engenharia H nunca contactou directamente com estes 4 operários. Por isso, se estes 4 operários não recebessem remunerações devidas, deveriam perguntar ao seu empregador G (XXX) em vez de à Engenharia H (segundo os pontos 14.º e 16.º dos factos na fundamentação, G (XXX) foi o operário de ligação do seu grupo).
10. Os supracitados factos correspondem à noção de “subempreitada” prevista no art.º 1139.º do CCM. Ou pelo menos não há prova suficiente de que existiu entre G (XXX) e a Engenharia H a subordinação de empregado ao empregador.
11. Por isso, a sentença recorrida qualificou erradamente a relação entre G (XXX) e a Engenharia H de relação contratual laboral, violando obviamente os dispostos nos art.ºs 1079.º, 1080.º e 1139.º do CCM.
II. Violação do art.º 3.º al. d) do DL n.º 40/951M
12. A sentença recorrida qualificou erradamente a relação entre G (XXX) e Engenharia H de relação contratual laboral, mas de facto, na altura do acidente G (XXX) foi “empreiteiro”, e a relação dele com a Engenharia H deve ser a de contrato de prestação de serviço previsto pelo art.º 1080.º do CCM ou de contrato de subempreitada previsto pelo art.º 1139.º do CCM.
13. G (XXX) é a entidade referida no art.º 3.º al. d) (3) do DL n.º 40/95/M, pelo que não se encontra na cobertura do seguro laboral nem na cobertura da apólice n.º LHF/EWP/2005/000327.
14. Por isso, a sentença recorrida condenou a ré a pagar ao 1º autor a respectiva indemnização, violando o disposto no art.º 3.º al. d) (3) do DL n.º 40/95/M.
III. Violação do art.º 794.º n.º 4 e do art.º 795.º do CCM e da uniformização de jurisprudência n.º 69/2010 do TUI
15. Nos termos do art.º 794.º n.º 4 do CCM, “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar liquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.”
16. De acordo com a uniformização de jurisprudência n.º 69/2010 de 2 de Março de 2011 do TUI, “a indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n.os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.”
17. Apesar de o crédito neste processo provir de crédito civil extracontratual, ou seja acidente de trabalho, foi mais tarde transferido para a recorrente através do contrato de seguro, pelo que com base na mesma razão de direito, ou seja que o montante de indemnização não deve ser considerado líquido ou liquidável antes do trânsito em julgado da sentença, razão pela qual os respectivos juros de mora também devem ser calculados a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, seja sentença de 1ª Instância ou de tribunal de recurso.
18. Por isso, o artigo “d” (condenar a recorrente a pagar os juros de mora a partir da data de citação até ao pagamento efectivo) da decisão na sentença recorrida violou o art.º 794.º n.º 4 do CCM e a uniformização de jurisprudência n.º 69/2010 do TUI.
Pelos expostos, pede-se ao Juiz para:
Anular a sentença recorrida por violar os artigos 1079.º, 1080.º e 1139.º do CCM, o art.º 3.º al. d) do DL n.º 40/95/M de 14 de Agosto, o art.º 794.º n.º 4 do CCM e a uniformização de jurisprudência n.º 69/2010 do TUI; ou fixar os juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença até ao pagamento efectivo.
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Nas suas contra-alegações apresentadas, a autora defendeu o provimento parcial do recurso, limitado ao cálculo dos juros.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
Vem provada a seguinte factualidade:
1. No dia 16 de Janeiro de 2009, pelas 9.15 horas, G caiu de umas escadas e embateu com a cabeça contra uma parede de pedra, o que lhe provocou traumatismo crânio-encefálico grave e lhe veio a causar a morte no dia 26 de Janeiro de 2009. (A)
2. Na data aludida em A) G tinha 50 anos de idade.(B)
3. Através da apólice n.º LFH/EWP/2005/000XXX, a Companhia de Fomento Predial XXX Limitada e os seus subempreiteiros transferiram para a Companhia de Seguros Ré a responsabilidade civil pelos danos decorrentes de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores.(C)
4. Sobreviveram ao falecido G os seguintes familiares: (D)
a) cônjuge A, nascida em X de Janeiro de 19XX.
b) filho B, nascido em XX de Janeiro de 19XX.
c) filha C, nascida em XX de Dezembro de 19XX.
d) filho D, nascido em XX de Fevereiro de 19XX.
e) pai E, nascido em XX de Agosto de 19XX.
f) mãe F, nascida em X de Novembro de 19XX
5. Desde meados de 2007 até à data do acidente, o G sempre efectuou a montagem de tijolos nos blocos encarregues pela Engenharia H e, durante esse período não trabalhou para qualquer outra empresa ou indivíduo (resposta ao quesito 4.º)
6. Quando a empresa H pretendia iniciar as obras num estaleiro, avisava o falecido G para que este chamasse os restantes trabalhadores do grupo (resposta ao quesito 2.º).
7. G ficava incumbido pela empresa H de orientar o trabalho do seu grupo até estarem concluídas as obras (3.º)
8. Os instrumentos que o falecido G utilizava para trabalhar no estaleiro de obras da empresa eram fornecidos pela Engenharia H (5.º).
9. A Engenharia H registava sempre o nome do falecido G na listagem de trabalhadores, bem assim registava o tempo de entrada e saída ao serviço do mesmo (6.º).
10. A Engenharia H ajudou o falecido G para se inscrever no Fundo de Segurança Social, assim como pagou as respectivas contribuições (7.º).
11. A Engenharia H remunerou sempre o falecido G com base no volume de trabalho do mesmo. (8.º).
12. Os últimos salários do falecido foram calculados por peça, $31,00 patacas por m2, preço este que podia ser alterado mediante acordo. (9.º)
13. Se o salário diário dos operários fosse inferior a $450,00 patacas, a companhia pagar-lhes-ia o montante de $450,00 patacas como retribuição-base.(l 0.º)
14. Os operários desta companhia trabalhavam em grupos, cujos salários eram liquidados mensalmente em cheque.(11.º)
15. Os cheques eram entregues aos responsáveis de cada grupo, o qual recebia e assinava os cheques e fazia distribuição dos salários.(l2.º)
16. Antes do acidente, o falecido G era responsável do grupo de montagem de tijolos.(13.º)
17. Depois de receber o dinheiro G deduzia o salário de um servente, e depois distribuía o restante em partes iguais consoante o número dos dias de trabalho dos membros do seu grupo.(14.º)
18. O falecido G tinha que cumprir as orientações e exigências dadas pelo pessoal administrativo do estaleiro da empresa de Engenharia H.
19. No dia e hora aludidas em A) o falecido G encontrava-se no estaleiro de obras do Bloco 6, do Edifício XXX, sito em Macau, na Lote U da Avenida da Ponte da Amizade, que era da responsabilidade da empresa de Engenharia H.(17.º)
20. Para poder iniciar o trabalho, o falecido G foi buscar os instrumentos colocados no topo da conduta de ventilação com as escadas dobradiças. (18.º)
21. Na altura, o falecido G usava o chapéu de segurança, sendo liso o pavimento e encontrando-se seguras e devidamente abertas as escadas.(19.º)
22. O cadáver de G foi trasladado ao Interior da China para tratamento.
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III- O Direito
A questão que se discute no presente recurso, no fundo, é a mesma que já se discutia na 1ª instância e à qual a sentença deu resposta adequada.
Com a devida vénia, transcrevamos o seu conteúdo:
“As questões a resolver neste processo consistem em determinar:
- se o falecido G era trabalhador da sociedade H;
- se o acidente sofrido pelo falecido pode ser caracterizado como de trabalho;
- caso haja lugar a reparação, se os Autores têm direito às prestações que reclamam.
- e, por fim, quem é responsável por essa reparação;
(…)
Tendo em conta a matéria de facto que se encontra provada analisemos o direito que lhe é aplicável por forma a dar resposta às questões que foram enunciadas.
Nos termos previstos pelo artigo 2.º n.º 1.º do Decreto-Lei n.º40/95/M, de 14/08, têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho (...) os trabalhadores que prestam serviço em qualquer sector de actividade. Considerando o artigo 3.º alínea d) do citado diploma legal como trabalhador - aquele que, mediante retribuição, presta a sua actividade a outra pessoa, independentemente da natureza e da forma do acto pelo qual esses serviços ou actividade laboral são estabelecidos (…) ficando, em qualquer caso, excluídos da definição de trabalhador:
(1) Qualquer membro da família do empregador, desde que com este resida em comunhão de mesa e habitação;
(2) Os indivíduos a quem são entregues artigos ou materiais para serem trabalhados, limpos, lavados, alterados, ornamentados, acabados ou reparados, no seu próprio domicílio ou noutro local, fora do controlo ou direcção da entidade que fornece esses artigos ou materiais e a favor de quem o trabalho é realizado;
(3) Os indivíduos contratados para prestar um serviço concretamente definido, mediante um preço global, em condições de total disponibilidade e autonomia em relação à entidade a quem é prestado;
A alínea e) do supra citado preceito legal define como «Empregador» ou «Entidade patronal» - toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem o trabalhador presta, directa ou indirectamente, os seus serviços ou a sua actividade laboral, independentemente da natureza e da forma do acto pelo qual esses serviços ou actividade laboral são estabelecidos;
Por seu turno, a alínea a) do mencionado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º40/95/M, de 14/08, dá-nos a definição e conceito de acidente de trabalho, como sendo aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou incapacidade temporária ou permanente no trabalho ou de ganho.
Conjugados estes preceitos, facilmente se conclui que só pode qualificar-se como acidente de trabalho aquele em que ocorram, cumulativamente os seguintes pressupostos:
- A existência de uma determinada relação jurídico-económica entre o sinistrado e o dador de trabalho;
- A ocorrência de um facto ou evento em sentido naturalístico;
- Lesão, perturbação funcional ou doença;
- Morte ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho;
- Nexo de causalidade entre o evento naturalístico e as lesões, perturbação funcional ou doença; e
- Nexo de causalidade entre as lesões e a morte, redução da capacidade de trabalho ou ganho.
O acidente de trabalho é, pois, uma cadeia de factos em que cada um dos respectivos elos têm de estar entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento naturalístico tem que estar relacionado com a relação de trabalho; a lesão, perturbação ou doença, terão que resultar daquele evento; e, finalmente, a morte ou a incapacidade para o trabalho deverão resultar da lesão, perturbação funcional ou doença. De tal forma que, se esse elo causal se interromper em algum dos momentos do encadeado fáctico atrás descrito, não poderemos sequer falar - pelo menos em relação àquela morte ou àquela incapacidade - em acidente de trabalho (1).
Atento o alegado pelas partes importa aquilatar, antes de mais, o primeiro dos enunciados requisitos, sendo que, uma vez que a existência de uma relação laboral ou equiparada consubstancia um facto constitutivo do direito à reparação, cabe a quem se arroga este direito - in casu às AA. - provar a existência da referida relação.
Vejamos, então, se os AA lograram fazer prova de que entre o seu familiar e a companhia H existia um contrato de trabalho, sendo que, atento o alegado pela Ré seguradora, importa também atentar na figura da empreitada, que é uma das modalidades da prestação de serviços (artigo 1081.º do Código Civil).
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direcção desta” conforme estatui o artigo 1079.º, n. º 1 do Código Civil.
Por sua vez, contrato de empreitada é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço; sendo a subempreitada o contrato estabelecido entre o empreiteiro e um terceiro em que este último se obriga a realizar a obra do primeiro ou uma parte dela (artigos 1133.º e 1139.º ambos do Código Civil).
Comparando estes conceitos, conclui-se que são duas as notas distintivas entre estes tipos contratuais.
A primeira diz respeito ao objecto do contrato. No contrato de trabalho, uma das partes obriga-se a prestar à outra “a sua actividade”, enquanto que na empreitada obriga-se a prestar uma obra, ou seja, certo resultado do seu trabalho. Isto é, no primeiro estamos perante uma obrigação de meios, sendo a prestação devida uma actividade, intelectual ou manual, enquanto que na segunda estamos perante uma obrigação de resultado, ou seja, é devido o resultado da referida actividade.
A segunda diferença diz respeito ao modo como a actividade é exercida. No contrato de trabalho a actividade tem de ser prestada sob a autoridade e direcção do empregador, ou seja, mediante subordinação jurídica, o que não acontece na empreitada. Nesta, o empreiteiro exerce a sua actividade com autonomia.
Uma vez que, muitas das vezes, no contrato de trabalho igualmente está em causa a obtenção de um resultado e no contrato de prestação de serviço também se tem frequentemente em vista uma prestação de meios, a doutrina e a jurisprudência vêm identificando o critério da subordinação jurídica como sendo aquele decisivo para a distinção entre estas duas figuras.
A subordinação jurídica consiste numa situação de sujeição, em que se encontra o trabalhador, de ver concretizado, por iniciativa da entidade empregadora, o dever de prestar em que está incurso (2).
Mesmo naquelas situações em que o trabalhador goza de grande independência técnica, o que corresponde, em regra, a um elevado grau de qualificação, determinando que o núcleo da própria actividade escape à esfera das instruções do empregador, não goza de autonomia na programação e na organização da actividade: o tempo, o local e os meios de realização da prestação são definidos por este último, havendo, pois, subordinação.
A legitimidade última para considerar um certo contrato como de trabalho, aplicando-lhe o competente regime, reside na vontade das partes que, livremente, o tenham celebrado. Sendo escassos os elementos que permitem identificar a vontade comum das partes no momento da celebração do contrato - tanto mais que in casu se traduziu num acordo verbal - e dando ele início a uma relação em regra duradoura, esses elementos terão de ser colhidos através do modo como as mesmas desenvolveram, na prática, a relação. “No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução das prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal ou externo, como a observância dos regimes fiscal e da segurança social do trabalho por conta de outrem”(3).
Regressando ao caso dos autos, ficou demonstrado que o falecido G, desde meados de 2007 e até à data do acidente, de forma exclusiva, efectuava montagem de tijolos nos blocos a cargo da companhia construtora Engenharia H, integrando um grupo de quatro trabalhadores, cujo trabalho orientava, de acordo com as ordens, orientações e exigências dessa companhia, recebendo em contrapartida dessa actividade, $31,00 patacas por m2 de trabalho executado, ou se o salário diário apurado fosse inferior a $450,00 patacas, receberia pelo menos o montante de $450,00 patacas como retribuição-base diária.
Mais se provou que, os instrumentos que o falecido G utilizava para trabalhar no estaleiro de obras eram fornecidos pela própria Engenharia H, que a mesma registava sempre o nome do falecido G na listagem dos seus trabalhadores e registava o tempo de entrada e saída ao serviço do mesmo.
Para além desses factos, por si só já bastante reveladores da presença de uma relação jurídico-laboral, prova-se ainda que a Engenharia H inscreveu o falecido G no Fundo de Segurança Social e pagou as respectivas contribuições.
Segundo revela a matéria de facto apurada, o falecido obrigou-se a prestar a sua actividade manual sob a autoridade e direcção do empregador, com o tempo, o local e os meios de realização da prestação definidos por este último, havendo, pois, subordinação jurídica e, em consequência, um contrato de trabalho que o coloca no âmbito pessoal de aplicação do Decreto-Lei n.º 40/95/M de 14 de Agosto.
Quanto à segunda questão a decidir - apurar se estamos na presença de um acidente de trabalho - a matéria de facto também não nos deixa margem para dúvidas.
O acidente aconteceu no dia 16 de Janeiro de 2009, pelas 9.15 horas quando o falecido G se encontrava no estaleiro de obras da empresa de Engenharia H, sua entidade empregadora, tendo ficado provado também que, para dar início ao seu trabalho, foi buscar os instrumentos colocados no topo da conduta de ventilação com umas escadas dobradiças, das quais caiu - por circunstâncias não apuradas - e embateu com a cabeça contra uma parede de pedra, o que lhe provocou traumatismo crânio-encefálico grave e lhe veio a causar a mortem, no dia 26 de Janeiro de 2009.
Significa isto que o acidente que vitimou o G aconteceu no local e no tempo de trabalho e foi consequência directa da sua morte, ocorrida 10 dias mais tarde.
Mesmo que se suscitasse a questão de o trabalhador não estar ainda no tempo de trabalho propriamente dito, dado que, segundo resultou provado preparava-se para iniciar a sua actividade, recolhendo previamente os respectivos instrumentos de trabalho - tese que não sufragamos - resulta do artigo 3.º alínea q) do citado diploma legal que se considera “tempo de trabalho”, além do período normal de laboração, o que preceder o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais e forçosas de trabalho.
Ora, também com este elemento o legislador delimitou temporalmente a área de autoridade do empregador, dentro da qual, se presume que o acidente é de trabalho.
Julgamos, pois, que o acidente sofrido pela vítima mortal deve ser caracterizado como de trabalho, garantindo aos seus beneficiários o direito a serem reparados pelos danos dele emergentes, sendo certo que nenhum facto foi alegado ou provado pela seguradora conducente à sua descaracterização nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 40/95/M de 14 de Agosto.
Vejamos, então, quem tem direito à reparação deste acidente mortal e quais os valores a arbitrar.
A resolução a dar a esta questão assenta no artigo 50.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 40/95/M de 14 de Agosto com a seguinte redacção:
Se do acidente de trabalho ou da doença profissional resultar a morte, os familiares da vítima têm direito, em conjunto, à respectiva indemnização.
Com relevância para o presente caso, os familiares com direito à indemnização serão o cônjuge, os filhos de idade não superior a 25 anos, caso vivessem na dependência económica da vítima e os ascendentes, desde que o sinistrado contribuísse, com carácter de regularidade, para a sua alimentação.
De facto, neste ponto apurou-se que sobreviveram ao falecido G a cônjuge A, o filho B, nascido em XX de Dezembro de 19XX, a filha C, nascida em XX de Dezembro de 19XX, o filho D, nascido em XX de Fevereiro de 19XX e os pais E e F; todavia, não se provou que os filhos maiores do sinistrado vivessem na sua dependência económica, nem que o mesmo contribuísse, com carácter de regularidade, para a sua alimentação, e esta prova incumbia aos AA.
Nesta medida, a indemnização reverte totalmente a favor do cônjuge, nos termos do n.º 6 do artigo 50 do diploma legal em apreço.
Quanto ao cálculo da indemnização por morte, tendo em conta que o falecido, na data do acidente, tinha 50 anos de idade, a sua mulher tem direito a receber 84 vezes a sua retribuição-base mensal (ficando sujeita ao limites mínimo de 240000,00 patacas e máximo de 800 000,00 patacas).
A retribuição base mensal a considerar, para efeitos de fixação da indemnização, tal como resulta do artigo 54.º, n.º 2 corresponderá ao valor salarial de MOP 13.500,00.
Assim sendo, teria a 1.ª Autora direito a receber: (MOP450,00 x 30 dias) x 84 =MOP1.134.000,00 valor esse que, por exceder o montante máximo da indemnização fica reduzido a esse limite, ou seja, a MOP800.000,00.
Para além desta indemnização, a 1.ª Autora tem direito a receber, nos termos do artigo 51.º do citado diploma legal, as despesas de funeral no montante de MOP30.800,00, uma vez que houve trasladação do cadáver de G para o interior da China.
O sinistrado teria direito a receber o período de incapacidade temporária absoluta de 10 dias sofrido (entre 16.01.2009 e 26.01.2009) e que corresponde a uma prestação de MOP3.00,00 (MOP450x2/3x10), sendo certo que o dia do acidente não é contabilizado para efeitos de indemnização de ITA dado que, nos termos do artigo 47.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 40/95/M, o salário do dia em que ocorrer o acidente de trabalho está a cargo do empregador.
Como à data dos factos, através da apólice n.º LFH/EWP/2005/000XXX, a Companhia de Fomento Predial XXX Limitada e os seus subempreiteiros, onde se inclui a entidade patronal do sinistrado, transferiram para a Companhia de Seguros Ré a responsabilidade civil pelos danos decorrentes de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores, será a mesma a responsável pela sua reparação, nos termos dos artigos 62.º e 63.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M de 14 de Agosto, conjugados com as cláusulas da Apólice Uniforme do seguro de Acidentes de Trabalho, aprovada pela Portaria n.º 237/95/M de 14 de Agosto.
Por fim, a estas quantias acrescerão juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, nos termos previstos no artigo 794.º, n.º 1 e 795.º ambos do Código Civil, tal como vem peticionado”.
Como se vê, o tribunal “a quo” equacionou correctamente as questões decidendas e a cada uma deu a resposta jurisprudencial (é nesse domínio que nos encontramos) mais ajustada à justiça reclamada. Fez a exposição dos factos, expôs o direito aplicável, efectuou sem mácula o trabalho completo de subsunção dos factos ao direito e extraiu a conclusão que se impunha.
Nesta medida, e porque o recurso também não traz nenhum novo aporte que urja considerar ao ponto de nos fazer inflectir o sentido da decisão da 1ª instância, renovar a posição nela manifestada e traduzi-la por palavras diferentes afigura-se-nos tarefa desnecessária, inútil e atentatória do dever de celeridade que o tribunal deve imprimir ao exercício de julgar. Eis por que, nos termos do art. 631º, nº5 do CPC, nos limitamos a uma decisão de confirmação no que concerne ao eixo da matéria decisória (excluindo, portanto, a que concerne aos juros).
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Duas palavras somente mais:
Insiste a recorrente (então ré) que a factualidade provada aponta para um contrato de prestação de serviços/de empreitada celebrado entre a Empresa H e o falecido G. Ora, embora a sentença também tenha cumprido o seu dever de afrontar esta problemática em termos contrários ao que a demandada defendia na sua contestação – circunstância que nos permitiria afastar a obrigação de nova pronúncia sobre o tema – ainda assim diremos:
Os dados de facto recolhidos, e outros não há de que possamos lançar mão, são indicadores de uma relação laboral.
Senão, veja-se:
- A vítima, na verdade, desde 2007 apenas trabalhou para a Empresa H (facto 5 da matéria assente);
- Ele, o falecido, orientava o grupo de homens que ficavam sob o seu comando até ao fim das obras (facto 7);
- Os instrumentos de trabalho pertenciam à empresa (facto 8);
- A empresa incluía o nome da vítima na sua lista de empregados (facto 9), inscrevendo-o na Segurança Social e pagando as respectivas contribuições (facto 10). Se este registo na lista dos trabalhadores da empresa e subsequente inscrição e descontos para a Segurança Social não traduzia a realidade e era, em vez disso, uma atitude de “mero favor” isso é questão que não está provada e por isso não pode ser considerada para o efeito;
- O pagamento era feito “à peça”, mas a empresa assegurava-lhe uma remuneração não inferior a 450 patacas diárias, como salário base (facto 12 e 13);
- O salário era pago ao mês (facto 14);
- O falecido tinha que cumprir as exigências e orientações dadas pelo pessoal administrativo da empresa H (facto 18).
Ora, nada disto reflecte o conceito de empreitada, nem os contornos alusivos à execução e fiscalização constante dos arts. 1133º a 1135º, do CC. Além disso, não foi estabelecido um preço pela obra ou pelo serviço (arts. 1080º e 1137º do CC). E se isto se diz de eventual empreitada, do mesmo modo se aduz em relação a qualquer eventualidade de subempreitada (art. 1139º do CC).
A circunstância de o trabalhador estar a trabalhar com os instrumentos da empresa (facto 8), por si só, não significa que a relação deva caber no âmbito da previsão do art. 1138º do CC, pois essa situação também se repete nos casos em que a relação é simplesmente de emprego.
Até mesmo a remuneração em função do trabalho “à peça” (31,00 por m2: facto 12), significando o pagamento em função do resultado efectivamente produzido, está dentro da previsão do art. 60º, nº2, da Lei das relações do Trabalho (Lei nº 7/2008, de 18/08/2008).
Por conseguinte, pensamos que o quadro factual se insere na previsão do contrato de trabalho, tal como definido no art. 1079º do CC, tal como o ajuizou a sentença sob escrutínio, nada havendo a censurar-lhe.
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E tal como o afirmou a mesma sentença, o acidente de trabalho é de trabalho. De modo que nem aí vislumbramos violação de qualquer norma jurídica do DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto que aponte para a revogação do julgado.
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Apenas se não subscreverá a sentença na parte referente aos juros. Ela considerou-os devidos a partir da citação até integral pagamento. A recorrente, porém, acomete esta parte decisória de invalidade, por ofensa ao disposto no art. 794º, nº4 e 795º do CCM, tese a que também os próprios recorridos/autores aderem.
Nesta parte, efectivamente, a decisão impugnada não pode manter-se. Não pelos motivos invocados no recurso e que o MP parece subscrever, mas sim em virtude do nº4 do art. 794º do CC não sujeitar o “dies a quo” à data da citação, mas à data em que o crédito não apurado se torna líquido, o que acontece com a sentença (neste sentido, ver Ac. do TUI, tirado em sede de uniformização de jurisprudência no Ac. nº 69/2010, de 2/03/2011, embora reportado a indemnização por responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito) ou com a decisão do recurso jurisdicional que não acolhe inteiramente a liquidação efectuada na 1ª instância, o que não é o caso.
Por conseguinte, os juros serão devidos a partir da data da sentença.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença na parte em que condenou a pagar à 1ª autora as quantias nela referidas, mas revogá-la no segmento referente aos juros, que agora se determina sejam devidos a partir da data da sentença, ou seja, de 16/03/2011.
Custas pela recorrente na proporção de vencida.
TSI, 21 de Julho de 2011.
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Vítor Ribeiro, in “Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas”, pág. 218.
2 Monteiro Fernandes, in “Manual de Direito do Trabalho”, 1991, pág. 535.
3 Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, 10ª ed., pág. 133.
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