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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A e B intentaram acção declarativa com processo ordinário contra C, D, E, F e G, pedindo a anulação ou a declaração de nulidade de vários contratos de compra e venda de 38 fracções autónomas em propriedade perfeita ou em compropriedade, celebrados através de uma escritura pública celebrada em 11 de Novembro de 2002, uma escritura celebrada em 29 de Maio de 2003, duas escrituras celebradas em 22 de Outubro de 2003, uma escritura celebrada em 14 de Janeiro de 2004 e quatro escrituras celebradas em 30 de Março de 2004, o cancelamento dos respectivos registos efectuados a favor das 1.ª e 2.ª rés e a declaração de falsidade de uma procuração outorgada a 19 de Maio de 2003 por H.
Posteriormente a I, foi admitida a intervir como associada dos réus.
Na réplica, os autores ampliaram a causa de pedir e o pedido, pedindo a anulação por erro ou dolo do contrato celebrado entre a I e a J, bem como a declaração da falsidade da procuração de 24 de Outubro de 2002. Pediram, ainda, como a declaração da falsidade do documento de 16 de Fevereiro de 2004 (fls. 642), onde H dá indicações à I para proceder à venda das fracções aí mencionadas às 1.ª e 2.ª rés.
A acção foi julgada improcedente, tendo a sentença condenado o 1.º autor como litigante de má fé em multa no montante de 5 UC e, posteriormente, a indemnizar os 3.º a 5.º réus no pagamento dos honorários ao seu advogado, no montante de MOP$100.000,00.
Em recurso interposto pelos autores, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 9 de Fevereiro de 2012, ampliou a matéria de facto objecto da reclamação dos autores à base instrutória (artigos 40.º-A a 40.º-L), que fora desatendida e anulou oficiosamente o julgamento da matéria de facto em tudo o que esteja relacionado ou dependente dos factos aditados à base instrutória.
O mesmo Acórdão determinou que a sentença de 1.ª instância, a ser prolatada, voltasse a ponderar a questão da caducidade.
Em consequência, o Acórdão recorrido não conheceu do recurso quanto à caducidade do direito de acção e quanto à condenação dos autores como litigantes de má fé.
Inconformados, recorrem agora os réus C, E, F e G para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a revogação do Acórdão recorrido.
Para tal, formulou a ré C as seguintes conclusões úteis:
- Na perspectiva da ora recorrente, não se verifica o requisito da indispensabilidade da ampliação da matéria de facto previsto no art.º 629.°, n.º 4 do CPCM.
- Isto porque os factos a que se referem os quesitos 40A a 40L aditados à Base Instrutória pelo acórdão recorrido não são factos essenciais cuja falta determine a inviabilidade da acção, nem assumem especial relevância concreta para a prova dos factos principais.
- Concretamente, a matéria dos quesitos 40A a 40G não releva para a prova dos requisitos de invalidade dos negócios de compra e venda a que se referem as alíneas H), J), M), O), Q), S), U), X) e W) dos "Factos Assentes", nem para a prova da falsidade do instrumento público de fls. 320 a 322.
- O mesmo se diga em relação à matéria dos quesitos 40H, 40J, e 40L, dado que o que aí se pergunta nada tem a ver com a tese da falsificação do instrumento público de fls. 320 a 322 ou com a simulação dos contratos de compra e venda celebrados através das escrituras públicas de 11 de Novembro de 2002, de 29 de Maio de 2003, de 22 de Outubro de 2003, de 14 de Janeiro de 2004 e de 30 de Março de 2004.
- O que se pergunta nos novos quesitos 40H, 40J, e 40L também não releva para a prova dos requisitos do erro, por não demonstrar a sua essencialidade para o declarante e/ou o conhecimento dessa essencialidade pelo declaratário, nem a sua cognoscibilidade ou provocação pelo declaratário.
- Também não releva para a prova dos requisitos do dolo, por não demonstrar qualquer sugestão ou artificio que o tivesse provocado, nem o seu conhecimento ou o seu dever de conhecimento pelo destinatário.
- Acresce que não tendo ficado provado qualquer intuito ou plano de retirar bens do património do H em benefício dos RR. (resposta aos quesitos 35.º a 37.º da Base Instrutória), não se justifica ampliar a matéria de facto com um novo quesito (o quesito 40L) que pressupõe a existência desse mesmo plano, dado isso configurar uma repetição do que já foi apreciado e respondido a fls. 1305 e ss ..
- Nesta medida, os novos quesitos 40H, 40J, e 40L não são indispensáveis à decisão da causa, pelo que não justificam a ampliação da matéria de facto ordenada pelo Tribunal a quo.
- Quanto ao quesito 40I, não respeita a nenhum dos pedidos formulados pelos AA, sendo, por isso, irrelevante para a decisão da causa.
- Por outro lado, o Tribunal a quo decidiu que a questão da caducidade decretada em relação a um dos AA. fosse de novo reequacionada, tendo ficado prejudicado o conhecimento da litigância de má-fé do A. A, por cair necessariamente essa condenação.
- Ora, não tendo ficado provado a matéria dos quesitos 35.º a 37.º da Base Instrutória, é a partir da data em que o 1.º Autor A tomou conhecimento das vendas referidas em Q), S) e U), a 23 de Outubro de 2003, por estar presente nesses actos e a par de que estava a passar, que se conta o prazo da caducidade, por ser essa (e não outra) a factualidade que ficou provada.
- Subsidiariamente, nunca se justificaria o aditamento dos quesitos 40A a 40L, dado os AA., ora recorridos, não terem qualquer direito em relação às fracções cuja transmissão impugnaram para defenderem a legítima da herança do seu pai, ou seja, da quota de bens que houvesse de caber aos herdeiros legitimários, conforme o art. 1997.º do CCM.
- Isto, na medida em que os herdeiros legitimários não têm qualquer direito a nenhum dos bens que, em concreto, constituem o acervo da herança, mas, tão só, um direito correspondente ao valor das respectivas quotas legitimárias.
- Sucede que não foi alegado o valor da legítima da herança do H nem o da quota legitimária dos AA., nem que as fracções autónomas referidas nas alíneas H), J), M), O), Q), S), U), X) e W) dos "Factos Assentes" integram a sua quota legitimária ou que fazem parte da legítima da herança do seu pai a que eles teriam direito como herdeiros legitimários.
-Daqui resulta que os AA. não têm legitimidade substantiva para arguirem a invalidade das vendas especificadas nas alíneas H), J), M), O), Q), S), U), X) e W) dos "Factos Assentes" não se justificando, também por essa razão, o aditamento dos quesitos 40A a 40L à Base Instrutória.
Por sua vez, os réus E, F e G, sintetizaram da seguinte forma o seu recurso:
- Os novos quesitos que foram aditados à Base Instrutória não são indispensáveis nem úteis à boa decisão da causa face aos factos que já foram comprovados, porque mesmo que a sua resposta fosse positiva não relevaria para a verificação dos pressupostos de dolo, erro e simulação;
- Relativamente à questão de falsidade da procuração outorgada no dia 19 de Maio de 2009, o quesito 40.° já é suficiente e relevante para a boa decisão do Tribunal, enquanto os novos quesitos sobre esta matéria, nomeadamente os quesitos 40G, 40H e 40I são absolutamente desnecessários à decisão do Tribunal a quo, na medida em que não só existe contradição entre os novos quesitos 40G e 40H, como também a procuração mencionada em AA) não é a procuração alegadamente falsa;
- Ou seja, para o Tribunal não houve dúvidas que foi H e E que declaram constituir seu procurador K na procuração outorgada em 19 de Maio de 2003 no Consulado de Portugal em Hong Kong.
- O Tribunal da Primeira Instância, considerou que o quesito 40, não está provado por apreciadas e consideradas todas as provas documentais e testemunhas, ter chegado à conclusão de que H podia, sem qualquer dúvida, ter-se deslocado ao Consulado para aí referida em CC) dos Factos Assentes.
- E o tribunal recorrido, meramente com dúvidas que resultam da sua interpretação do documento do hospital (que não deve ter, porque o tribunal da primeira instância ficou convencido e esclarecido que no dia 19 de Maio de 2003, poderia eventualmente ter ocorrido uma saída precária de H para se deslocar ao Consulado Geral de Portugal em Hong Kong), determinou a ampliação da matéria de facto que não é essencial nem complementar.
- Relativamente à caducidade, como a decisão citada do Tribunal da Primeira Instância se refere : "sendo fundamento da acção de anulação o dolo, o início do prazo de caducidade ocorre quando os AA. se apercebem deste.
- Em conformidade com a resposta dada ao quesito 41.°, provado está que o primeiro Autor A tomou conhecimento das vendas referidas em Q), S) e U), a 23 de Outubro de 2003, assim, considerando que a presente acção foi proposta no dia 17 de Novembro de 2005, data em que já decorreu um ano sobre a data em que se aperceber da existência de eventual dolo.
- No entanto, a decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância é uma decisão sobre anulabilidade, designadamente de erro e de dolo, e não sobre nulidade.
- Como os AA., ora recorridos, pediram que fosse declarada a anulabilidade por erro ou dolo dos contratos de compra e venda em causa, e o objecto da decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância na parte relativa à caducidade, é claramente sobre a anulabilidade, nomeadamente sobre o dolo, o fundamento da decisão do Tribunal a quo tomado no ponto 8.3, por se reportar apenas ao vício de nulidade, não se aplica à decisão do Tribunal da Primeira Instância.
- O acórdão ora recorrido violou, por conseguinte, as seguintes normas jurídicas:, a) os art.ºs 437.° e 446.°, n.º 1, todos do CPC, e b) os arts. 240°, 246.° e 280.°, todos do CC, e, em especial, o disposto no art.º 629.°, n.º 4 do CPC, dado a ampliação da matéria de facto não ser indispensável à decisão do Tribunal a quo.
  
II – Os factos
a) Estão provados os seguintes factos:
“O pai dos Autores e dos 4° e 5° Réus, H1 aliás H, de nacionalidade portuguesa, faleceu, em 12 de Junho de 2004, em Hong Kong, no estado de casado com E aliás E1, casamento que foi contraído, em primeiras núpcias de ambos, no regime da comunhão de adquiridos e do qual resultaram quatro filhos: os Autores e os réus F e G. (A)
A 3 de Agosto de 2004, L, K e M declararam que no dia 12 de Junho de 2004 faleceu H1 aliás H, tendo deixado como únicos herdeiros, E, F, G, A e B, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a estes apensos, a fls. 39 a 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (B)
As fracções autónomas designadas por "A1", "B1", "C1", "D1", "E1", "F1", "G1", "H1", "I1", "J1" e "K1", para comércio, todas do prédio urbano, sito na Avenida da Amizade, n.º XXX-XXXX, Rua de Xangai, n° XXX - XXX, Rua de Cantão, n.º XXX-XXX e Rua de Pequim, n.º XXX-XXX, encontram-se descritas na CRP sob o n.° XXXXX, a fls. 103 do Livro XXXX, a favor da I e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o n.° XXXXXX. (C)
As fracções autónomas designadas por "AR/C", "CR/C", "DR/C" e "ER/C" para comércio, e "A4", "B4", "C4", "D4", "E4", "F4", "A7" e "C7", para escritório, todas do prédio urbano, sito na Rua de Xangai, n° XXX-XXX e Rua de Pequim, n° XXXX-XXX, encontram-se descritas na CRP sob o n° XXXXX, a fls. 15 do livro XXXX, a favor da I e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o artigo n° XXXXXX. (D)
As fracções autónomas designadas por "RR/C", "CR/C" e "DR/C", para comércio, todas do prédio urbano, sito na Praceta de 1 de Outubro, n.ºs XXX-XXXX e Rua de Cantão, XX-XXX, encontram-se descritas na CRP sob o n° XXXXX, a fls. 38v do livro XXXXX, a favor da I e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o artigo n° XXXXXX. (E)
As fracções autónomas designadas por "DR/R", para comércio, e 4/181 avos indivisos de "A2", para estacionamento, do prédio urbano, sito na Rua de Xangai, n° XX-X a XX-X e Rua de Pequim, n° XX-X a XXX-X, encontram-se descritas na CRP sob o n° XXXXX, a fls. 105 do livro XXXX, a favor da I e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o artigo n.º XXXXXX. (F)
As fracções autónomas designadas por "A-25", "B-25", "A-26", "D-26", para habitação, todas do prédio urbano, sito na Avenida da Amizade, XXX-X a XXX-X e Rua de Cantão, XX a XX-X, encontram-se descritas na CRP sob o n° XXXXX, a f1s. 39 do livro XXXXX, a favor da I e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o artigo n.º XXXXXX. (G)
A 30 de Março de 2004, a I declarou vender a C, 1ª Ré, que declarou comprar as fracções autónomas designadas por "A1", "B1", "C1", "D1", "E1", "F1", "G1", "H1", "I1", "J1" e "K1", para comércio, e 15/143 avos indivisos da fracção autónoma designada por "J2", todas do prédio urbano descrito na CRP sob o n.° XXXXX, a fls. 103 do Livro XXXX referidas, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 210 a 215, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (H)
Esta transmissão foi registada na Conservatória do Registo Predial a favor da C, por inscrição n.° XXXXXX. (I)
A 30 de Março de 2004 a I declarou vender à C que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por "FR/C" e 6/123 avos indivisos da fracção autónoma, para estacionamento, designada por "B2", do prédio urbano descrito na CRP sob o n° XXXXX, a fls.39 do Livro X-XXXX referidas, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 218 a 222, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (J)
A transmissão foi registada na CRP a favor da sociedade C, aqui 1ª R., só relativamente à fracção para comércio "FR/C", conforme inscrição n.º XXXXXX. (L)
A 30 de Março de 2004 a I declarou vender à C que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por "DR/C", 4/181 avos indivisos da fracção autónoma, para estacionamento, designada por "A2", do prédio urbano descrito na CRP sob o n° XXXXX, a fls. 105 do Livro X-XXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 225 a 229, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (M)
A referida transmissão foi registada na CRP a favor da sociedade C, 1ª R, só relativamente à fracção autónoma, para comércio, designada por "DR/C", conforme inscrição n° XXXXXX. (N)
A 30 de Março de 2004 a I declarou vender à C, que declarou comprar, as fracções autónomas, para escritório, designadas por "A4", "B4", "C4", "D4", "E4" , "F4" , do prédio urbano descri to na CRP sob o n.º XXXXX, a fls. 15 do Livro X-XXX, tudo nos termos constante do documento junto aos autos a fls. 232 a 236, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (O)
A referida transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade C, 1ª R., conforme inscrição n.º XXXXXX. (P)
A 22 de Outubro de 2003, a I declarou vender à C, que declarou comprar, as fracções autónomas, para comércio designadas por "AR/C", "CR/C" , "DR/C" e "ER/C", do prédio urbano descrito na CRP sob o n° XXXXX, a fls. 15 do livro XXXX, tudo nos termos do documento junto aos autos a fls. 239 a 243, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (Q)
Esta transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade C, aqui 1ª R, conforme inscrição n° XXXXXX. (R)
A 22 de Outubro de 2003, a I declarou vender à C que declarou comprar, as fracções autónomas, para comércio designadas por "CR/C" e "DR/C", do prédio urbano descrito na CRP sob o n.º XXXXX, a fls. 194 do livro X-XXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 246 a 250, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (S)
Esta transmissão foi registada na CRP a favor da sociedade C, 1ª R, conforme inscrição n.º XXXXXX. (T)
A 14 de Janeiro de 2004, a I declarou vender à C, que declarou comprar, as fracções autónomas, para escritório, designadas por "A7" e "C7", do prédio urbano descrito na CRP sob o n° XXXXX, a fls. 15 do livro X-XXX, tudo nos termos do documento junto aos autos a fls. 253 a 257, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (U)
Esta transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade C, 1ª R, conforme inscrição n.º XXXXXX. (V)
A 11 de Novembro de 2002, E e H declararam vender à C, que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por RR/C, do prédio urbano descrito na CRP sob o n° XXXXX a fls. 38v do Livro XXXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 307 a 309, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (X)
Esta transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade C, 1ª R, conforme inscrição n° XXXXXX. (Y) A 29 de Maio de 2003, E e H declararam vender à D, que declarou comprar:
- as fracções autónomas para indústria "C-5" e "D5", ambas do prédio urbano descrito na CRP sob o n° XXXX, a fls. 64 do Livro XXX;
- a fracção autónoma designada por "B1CC1R/C", para comércio, do prédio urbano descrito na CRP sob o n.º XXXX a fls. 136 do Livro XXX;
- as fracções autónomas, para habitação, designadas por "A-25" ,"B-25" "A-26" ,"D-26", todas do prédio urbano descri to na CRP sob o n° XXXXX a fls. 39 do Livro XXXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 316 a 319, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (W)
A referida transmissão foi registrada na CRP em favor da sociedade D, aqui 2ª R. , conforme inscrição n° XXXXXX. (Z)
A 24 de Outubro de 2002 H e E declararam constituir seu procurador K nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 311 a 312, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (AA)
A 28 de Agosto de 2002 foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas a D. (BB)
A 19 de Maio de 2003 H e E declararam constituir seu procurador K nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 320 a 322, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (CC)
H dedicou a sua vida à actividade de construção civil. (1º)
Levando a cabo através da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, denominada "Sociedade de Construção e Fomento Predial J, Limitada" . (2º)
Em data desconhecida a J e a I celebraram um acordo com vista à construção de vários de vários edifícios em terrenos concessionados à I pelo então Território de Macau. (3º)
Obrigando-se a J a proceder à construção de edifícios (de acordo com as finalidades constantes dos respectivos contratos de concessão) e ainda a desenvolver todos os actos integrantes da actividade de mediação imobiliária. (4º)
E a J, mal iniciava a construção dos edifícios, promovia, juntamente com a I, a sua venda junto dos interessados. (5º)
Competindo-lhe celebrar "contratos-promessa de compra e venda" de bens futuros, estabelecendo o pagamento de um sinal e posteriores pagamentos escalonados de acordos com a evolução projectada da construção dos prédios. (6º)
Acordaram as duas sociedades comerciais a abertura de uma conta conjunta numa das instituições bancárias da RAEM, na qual eram depositadas todas as quantias, assim obtidas juntos dos promitentes compradores. (8°)
A J depositou, como ficou acordado com a I, um montante inicial cerca de dez milhões de patacas, naquela conta. (9º)
Tal cooperação fazia com que ambas as sociedades comerciais, J e I, participassem nas perdas e nos lucros resultantes de tal actividade construtiva. (10°)
Adoptando para a repartição dos lucros a distribuição, acordada com a I, de fracções autónomas aos dois sócios da J, isto é, ao H e N. (11°)
Tendo sido adjudicadas ao H, as fracções autónomas melhor descritas nos documentos de fls. 541, 959 a 960, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente. (12º)
Podendo o H escolher entre registar em seu nome a propriedade das respectivas fracções autónomas na CRP e vendê-las a terceiros, recebendo, assim, o correspondente valor. (13º)
Caso pretendesse que essas fracções fossem vendidas a terceiros, teria apenas que indicar à I o nome do interessado na compra e esta entidade assumia o encargo de intervir na escritura pública de compra e venda. (14º)
A 2 de Junho de 1999, H, foi vítima de um rapto, tendo ficado sequestrado durante sete dias e tendo sido vítima de um tiro na perna esquerda que lhe provocou uma ferida. (15°)
H sofria há vários anos de diabetes mellitus. (16°)
Depois desse rapto, H esteve internado no hospital em Macau para tentar recuperar a sua saúde. (17°)
Ficou abalada a sua saúde. (18º)
H tinha sido até ali um homem cheio de vitalidade e com uma intensa actividade profissional (dada a diversidade de negócios a que se dedicava). (19°)
Após o referido em 15°, o H transformou-se num homem doente fisicamente. (20°)
Entre Novembro de 2000 e Janeiro de 2002, H continuou a gerir todos os negócios que tinha na RAEM, a partir de Hong Kong. (22°)
Entre Novembro de 2000 e Maio de 2002, H esteve a fazer tratamento ambulatório. (23°)
Perante o agravamento do seu estado de saúde sujeitou-se a 15 períodos de internamento no período que antecedeu a sua morte, tendo o primeiro ocorrido em 7 de Maio de 2002, do qual só teve alta hospitalar em 9 de Junho de 2002. (24°)
Outras complicações surgiram, designadamente do foro coronário e do foro urológico. (25°)
Entre Maio e Dezembro de 2002, H foi submetido, por duas vezes, a uma angioplastia cutânea para aplicação de dois "stents" na aorta. (26°)
Entre 23 de Novembro de 2002 até 8 de Junho de 2004, H fez, duas ou três vezes por semana, hemodiálise, num total por volta de 244 sessões com a duração de 4 horas cada uma. (27º)
O estado de saúde de H vinha a agravar-se. (29°)
H passou a estar confinado a uma cadeira de rodas, tinha problemas motores ao nível dos membros superiores. (32º)
O 1° Autor A tomou conhecimento das vendas referidas em Q), S) e U), a 23 de Outubro de 2003. (41°)
Encerrada a Conta Corrente, o H devia pagar à I a quantia de HK$47,713,101,06. (41° sic)
Para pagamento de tal quantia o H acordou com a I a entrega das 42 fracções e 35 lugares de estacionamento, melhor descritos no documento a fls. 959 a 961 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente. (42º)
Acordando o preço total de HKD$47,689,500.00. (43º)”
  
III – O Direito
1. As questões a resolver
São duas as questões a resolver.
A primeira consiste em saber se o Acórdão recorrido violou a lei ao determinar a ampliação da matéria de facto objecto da reclamação dos autores à base instrutória (artigos 40.º-A a 40.º-L), que foi, então, desatendida, com a correlata anulação parcial do julgamento da matéria de facto.
A segunda questão consiste em apurar se o mesmo Acórdão recorrido, ao determinar que a sentença de 1.ª instância, a ser prolatada, voltasse a ponderar a questão da caducidade, violou ou não normas legais.

2. Caso julgado
Frequentemente, autores e réus fazem referências a factos provados noutros processos entre as mesmas partes, como se tais factos tivessem alguma relevância no presente processo.
Não têm. Tais factos não fazem caso julgado material no presente processo, pois se trata de meros fundamentos da decisão e não da decisão. Só esta faz caso julgado. É da teoria básica do processo civil, para a qual se remete, sem necessidade de maiores desenvolvimentos.

3. Ampliação da matéria de facto

Na petição inicial os autores pediram a anulação dos contratos de compra e venda de fracções autónomas, celebrados através de várias escrituras públicas, com fundamento em dolo e, subsidiariamente, em simulação, se se constatasse que H também era sócio das 1.ª e 2.ª rés e o consequente cancelamento dos respectivos registos de aquisição.
Pediram, igualmente a declaração de falsidade de uma procuração, de 19 de Maio de 2003; e na réplica pediram a declaração de falsidade da procuração de 24 de Outubro de 2002, mas estes pedidos são excrescentes, pois, desde que os autores fundam a declaração de nulidade dos negócios na falsidade das procurações, é inteiramente irrelevante que erijam tal falsidade em pedido autónomo, dado que o Tribunal sempre teria de conhecer de tal falsidade para apreciar os mencionados pedidos.
Com isto fica respondido um argumento dos 3.º, 4.º e 5.º réus relativamente à irrelevância do aditamento do facto 40.º-I, adiante mencionado.
No artigo 10.º da petição, alegaram os autores que são sócios das 1.ª e 2.ª rés os 3.º, 4.º e 5.º réus, tendo dito que não sabiam se H também era sócio.
Na réplica, disseram os autores pretender ampliar a causa de pedir e o pedido.
Disseram que o 1.º autor, nas escrituras em que representou a I nas transmissões para a C, 1.ª ré (duas em 22 de Outubro de 2003 e uma em 14 de Janeiro de 2004) agiu em erro provocado por dolo.
Alegaram, também, que um documento junto pelos 3.º a 5.º réus com a contestação, pelo qual H teria dado indicações à I para vender fracções às 1.ª e 2.ª rés, não foi assinada por ele e, assim, a I interveio nas escrituras de 30 de Março de 2004 (4) e de 22 de Outubro de 2003 (2) e 14 de Janeiro de 2004 (1) em erro provocado pelos mesmos réus, pensando que aquele documento era genuíno, quando era falso.
A não se provar a falsidade do documento, então o negócio é inválido por H ter sido dolosamente enganado por supor que as 1.ª e 2.ª rés, pertenciam a todos os seus herdeiros e que não teria assinado o documento se soubesse que os autores seriam prejudicados.
E que sendo a procuração de 19 de Maio de 2003 falsa, a venda (escritura de 29 de Maio de 2003) supostamente celebrada por K, em representação de H e da 3.ª ré, é nula, por ser venda de bens alheios.
A não se entender assim, haveria simulação porque nunca os alienantes quiseram vender e comprar, nem celebrar qualquer negócio.
Quanto à escritura de 11 de Novembro de 2002 é ela nula por ser venda de bens alheios, por ser falsa a procuração de 24 de Outubro de 2002, supostamente em representação de H e da 3.ª ré.
Os autores reclamaram, entretanto, da base instrutória pretendendo o aditamento dos seguintes quesitos:
  “40A - H, em toda a sua vida, sempre tratou por igual todos os seus quatro filhos, nenhum favorecendo ou prejudicando em relação aos outros?
  40B - H foi para Hong Kong acompanhado pela sua mulher, 3° R, e pelos dois filhos mais velhos, 4° e 5° RR?
  40C - A mãe dos AA, 3° R, durante o ano de 2002, começou a afastar-se dos AA, recusando conviver com eles, ao contrário do que fazia com os 3.ª e 4.º RR, e dificultando o acesso dos AA ao convívio com o seu pai, H ?
  40D - A mãe dos AA, 3.ª R, perante o estado de saúde debilitado do marido H, passou a controlar os negócios deste, com a ajuda apenas dos filhos mais velhos, que lhe prestavam contas e com os quais ela delineava planos para o prosseguimento da actividade comercial do marido?
  40E - E, 3.ª R, e os dois filhos mais velhos, F e G, 4.ª e 5º RR controlam as sociedades C e D, 1.ª e 2. ª RR ?
  40F - Foi a sociedade comercial de responsabilidade limitada denominada "O", de que são únicos sócios o 5.º R, G e a sua mulher P quem passou a receber as rendas das fracções mencionadas em C) e H) dos Factos Assentes, depois de as mesmas terem sido alienadas à sociedade C, 1.ª R?
  40G - A assinatura constante do documento junto pelos 3.ª 4.ª e 5.º RR, onde se dão indicações à I para proceder à venda das fracções aí mencionadas à 1.ª e 2.ª RR (junto à Réplica como Doc. n.º 1) não é do punho do H?
  40H - H nunca teria assinado o documento anteriormente referido se realmente soubesse que as sociedades comerciais nele indicadas, 1.ª e 2.ª RR, eram exclusivamente controladas pelos 3.ª, 4. ª e 5.º RR ?
  40I - A assinatura constante da procuração mencionada em AA) dos Factos Assentes não é do punho do H?
  40J - H quando conferiu poderes a K, nas vendas mencionadas em x) e w) dos Factos Assentes, estava convencido que as empresas BVI 1.ª e 2.ª RR, pertenciam a todos os seus herdeiros?
  40L - K tinha conhecimento do plano dos 3.ª 4.ª e 5.º RR com vista à retirada de bens do património do H em beneficio exclusivo desses?”.
  Alegaram que a maior parte dos factos, embora instrumentais, seriam relevantes.
  Não esclareceram qual ou quais os factos essenciais de que tais factos seriam instrumentais. Também não o fizeram no recurso para o TSI, embora do contexto e da numeração proposta (40-A a 40.º-L) se deduza que o facto essencial seria o constante do quesito 40.º: “A procuração constante da procuração referida em CC)1 não é do punho do H?”.
  O mesmo se diga do Acórdão recorrido: não se diz de que facto essencial é que tais factos seriam instrumentais, mas como no contexto apenas é referido o quesito 40.º, depreende-se que seria este o facto essencial para o TSI.
  
4. Factos essenciais e factos instrumentais. Base instrutória.
C. LOPES DO REGO2define factos essenciais como “os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes”.
Os factos instrumentais ou indiciários são, na formulação de A. ANSELMO DE CASTRO,3os que “não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes, e que apenas servem para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção (constitutivos)”. Ou, por outras palavras, são “os factos que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos factos”.4
Já os factos alegados pelo réu a título de impugnação [artigo 497.º, n.º 2, alínea a)] não são essenciais.
Discute-se se na base instrutória devem constar os factos essenciais, os fundamentais para a decisão, ou se também os instrumentais.
  Escreve J. LEBRE DE FREITAS5 que “Os factos que servem de base a essa dedução dizem-se factos probatórios e aqueles que jurídica ou naturalmente permitem ou vedam ao juiz tirar da realidade dos factos probatórios a conclusão acerca da realidade dos factos principais, ou aumentam ou diminuem a probabilidade dessa conclusão, dizem-se factos acessórios. Uns e outros constituem a categoria dos factos instrumentais.
  Estes factos não têm, em regra, de ser incluídos na base instrutória, onde só têm de constar os factos principais e, dos instrumentais, apenas aqueles que, visando contrariar a presunção estabelecida por um meio com força probatória plena (infra, 9.3), integram excepções probatórias”.
  Mais ou menos no mesmo sentido, discorre M. TEIXEIRA DE SOUSA6: “Relativamente aos factos instrumentais, o problema da preclusão equaciona-se de modo diverso. Estes factos não são nem constitutivos da situação jurídica alegada pela parte, nem indispensáveis à procedência da acção ou da excepção. A sua função é apenas a de servir de prova indiciária dos factos principais, pelo que o momento da sua relevância processual não é o da alegação da matéria de facto, mas o da apresentação ou requerimento dos meios de prova: é neste momento que devem ser invocados os factos instrumentais que se pretende demonstrar com esses meios de prova”.
  E ainda:
  “Dado que o tribunal pode considerar (e, como se viu, mesmo investigar) os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa e dado que esses factos não estão sujeitos ao ónus de alegação nos articulados, aqueles factos, considerados em si mesmos, não devem ser seleccionados nem como assentes (quando eventualmente tenham sido alegados pelo autor e não tenham sido impugnados pelo réu), nem como controvertidos (quando tenham sido alegados por uma parte e impugnados pela outra)”7.
  Finalmente:
  “Relativamente aos factos que, por corresponderem aos possíveis enquadramentos jurídicos da causa (cfr. Art.º 511.º, n.º 18), devem ser seleccionados, há que considerar que o tribunal só deve escolher os factos principais que foram alegados pelas partes, não devendo a sua selecção incidir sobre os factos instrumentais eventualmente alegados nos articulados. Se o facto principal for considerado não controvertido, ele não necessita de prova e, por isso, os respectivos factos instrumentais, se tiverem sido alegados, tornam-se irrelevantes; se o facto principal for julgado controvertido e, por isso, dever ser provado, a sua prova pode ser realizada através de qualquer facto instrumental, coincidente ou não com aquele que eventualmente tenha sido alegado pela parte, pelo que, também nesta hipótese, não se justifica a sua selecção.
  A esta regra há que fazer uma excepção quanto aos factos instrumentais em relação aos quais se verifique, excepcionalmente, um ónus de alegação nos articulados e que tenham sido impugnados pela contraparte. Esses factos instrumentais sujeitos à alegação nos articulados e, por isso, à impugnação pela contraparte são, no processo ordinário, aqueles cuja prova deve ser junta com o respectivo articulado (cfr., quando à prova documental, art.º 523.º, n.º 19)”10.
  Já em sentido diferente, podemos citar ABRANTES GERALDES11, que defende o seguinte: “Correspectivamente, a alteração de designação parece dispensar a excessiva minúcia selectiva que determine o preenchimento da base instrutória com factos funcionalmente instrumentais, indiciários ou probatórios, a não ser naquelas situações em que tal selecção se revele útil para a boa decisão da causa, na perspectiva da matéria de facto ou da matéria de direito.
  É o que acontece, por exemplo, nos casos em que se revele necessária a utilização de presunções judiciais que, através dos factos instrumentais dados como provados, permitam ao tribunal de 1ª instância ou da Relação a retirada de conclusões quando a factos cuja prova directa é difícil ou inacessível ao conhecimento humano.
  Inequivocamente devem ser inseridos na base instrutória os factos essenciais, isto é, aqueles que, de acordo com as normas aplicáveis ao caso, exerçam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou, pelo contrário, tenham natureza impeditiva, modificativa ou extintiva de tal direito, de acordo com alguma das soluções plausíveis da questão de direito.
  Quanto aos factos intrumentais, circunstânciais ou probatórios, é certo que da respectiva prova não deriva imediatamente a solução jurídica do caso, mas razões ligadas a um mais correcto apuramento da verdade material podem conjugar-se e aconselhar a sua inserção na base instrutória”.
  …
  “Quer-nos parecer, todavia, que a variedade de situações que são objecto de processos cíveis e a complexidade de que se reveste o cumprimento do ónus de alegação, conexionado com determinados pressupostos de aplicação das normas, pode justificar a colocação na base instrutória de factos que, apesar de excluídos directamente da norma aplicável, sirvam para apoiar o estabelecimento de presunções judiciais ou para preencher, de uma forma tão ampla quanto possível, determinados conceitos jurídicos ou juízos de valor relevantes para a procedência da acção ou da defesa”.
  No mesmo sentido, PAULA COSTA E SILVA12 explica: “Os factos instrumentais, cuja função é a de permitir a prova indirecta dos factos essenciais necessariamente alegados, não são elementos do tipo de que as partes fazem decorrer o efeito jurídico a declarar pelo tribunal. Eles têm função meramente probatória, permitindo, através da actuação de presunções judiciais, a inferência do facto essencial, de cuja prova depende a procedência da acção ou da excepção. Ora, se os factos instrumentais não são factos directamente relevantes para a decisão da causa, eles serão factos relevantes para a prova dos factos de cuja verificação depende a procedência da acção ou da excepção. Ou seja, a relevância do facto instrumental relativamente à procedência da acção ou da excepção é uma relevância indirecta.
  Da circunstância de o facto instrumental ter uma relevância meramente indirecta relativamente à procedência não pode extrair-se uma exclusão automática destes factos da matéria de facto relevante. Aliás, a respectiva inclusão na matéria que se considera relevante tem a grande virtualidade de disciplinar a actividade das partes numa fase ulterior do processo e de prevenir todas as surpresas possíveis. Conforme adiante se verá, a selecção efectuada na fase de condensação não é limitativa dos poderes do tribunal do julgamento. Pelo que a inclusão de factos instrumentais na matéria de facto que se considera relevante não afasta a investigação ou alegação de outros factos instrumentais na fase de julgamento. Mas, quando se chega a esta fase já se tem uma ideia clara daquilo que já se pode inferir de determinados factos instrumentais e daquilo que se pretende que se infira da prova de outros factos também instrumentais.
  Em suma, se a inclusão de factos instrumentais entre a matéria de facto relevante para a decisão da causa não é obrigatória, aquela inclusão tem a grande vantagem de, numa selecção única, se elencar toda a matéria de facto assente e a provar, disciplinando-se, consequentemente a actividade instrutória das partes”.
  …
  “Apesar da pertinência dos vários argumentos que se foram enunciando no sentido da não inclusão de factos instrumentais na base instrutória, entendemos que não sendo esta obrigatória, ela poderá ser útil. Bastará termos presente que a base instrutória tem a função de clarificar aquilo que as partes vão ter de provar. Se aquilo que elas têm de provar são efectivamente os factos essenciais, da inclusão dos factos probatórios na base instrutória resulta claro o processo que as partes vão percorrer para chegar à prova daqueles factos. Se dos articulados resulta inequivocamente que as partes, para fazerem prova dos factos essenciais, se socorrerão de determinados factos instrumentais, não se vê razão impeditiva da inclusão destes factos na base instrutória”.
  Identicamente, opina ISABEL ALEXANDRE13 que “A resposta prende-se, em primeiro lugar, com a circunstância de que da base instrutória apenas constam obrigatoriamente os factos essenciais (controvertidos), e não também os instrumentais, e todos estes factos devem poder ser objecto da instrução. Com efeito, atenta a regência do princípio inquisitório no tocante ao conhecimento dos factos instrumentais, nos termos do art. 264.º, n.º 214, e estando as partes apenas onerados com a alegação dos factos essenciais, de acordo com o disposto no art. 264.º, n.º 115 (aliás, de forma algo mitigada, por força do n.º3 deste mesmo preceito, relativo aos factos essenciais complementares ou concretizadores), da base instrutória não têm de constar os factos instrumentais, até porque podem perfeitamente não ser ainda conhecidos e virem a resultar precisamente da instrução.
  No entanto, esta conclusão não implica que a base instrutória não possa conter factos instrumentais, até ao momento alegados pelas partes, se se entender que ela continua a desempenhar, à semelhança do antigo questionário, uma função de disciplina da actividade probatória, e não apenas do julgamento de facto“.
  O Relator do presente Acórdão também se pronunciou sobre a questão no último sentido16:
“Sobre a questão colocada, também aqui não há uma resposta única e válida para todos os casos, devendo antes ser adoptado um critério pragmático.
Em regra, na base instrutória devem constar apenas os factos essenciais para a decisão da causa, isto é, os factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito ou da pretensão ou excepção invocadas.
Mas quem adopte este critério tem de conceder aos advogados uma ampla liberdade para averiguarem toda a matéria de facto que permita responder aos quesitos, ainda que não conste expressamente destes.
Quer dizer, a base instrutória não deve ser entendida como as perguntas que se podem fazer aos intervenientes processuais, designadamente testemunhas.
Deve, antes, ser encarada como o conjunto de questões de facto que o tribunal deve julgar provadas ou não provadas, pelo que toda a matéria de facto susceptível de contribuir para o julgamento do tribunal pode ser objecto de investigação.
Pode, por vezes, ser conveniente quesitar factos instrumentais, para facilitar a instrução do processo, embora tais factos por si sejam irrelevantes e apenas sirvam para demonstrar a existência dos factos relevantes, os factos essenciais”.
Tudo visto, afigura-se-nos que:
- Só os factos essenciais têm de ser provados por autor ou réu e só esses factos devem ser seleccionados nos termos do artigo 430.º do Código de Processo Civil, em regra;
- Não obstante, não há nenhum impedimento de princípio em que se leve à base instrutória os factos instrumentais;
- Pode ser relevante que os factos instrumentais constem da base instrutória quando haja conveniência em extrair dos factos em causa presunções judiciais, bem como quando, atenta a menor proximidade relacional entre factos essenciais e factos instrumentais, a inserção destes na base instrutória possa contribuir para uma mais eficaz disciplina na produção de prova;
- Também devem ser inseridos os factos instrumentais na base instrutória quando tais factos sejam em elevado número e haja sério receio de que possa estar em causa a ultrapassagem do limite legal do número de testemunhas a inquirir ao facto essencial (artigo 534.º do Código de Processo Civil) de que os factos são instrumentais, podendo estar em causa a violação do direito das partes a um processo justo e equitativo se não ocorresse tal inserção;
- A inserção dos factos instrumentais pode também justificar-se naqueles casos em que haja produção de prova por carta rogatória, designadamente testemunhal, por poder facilitar a indicação do objecto do depoimento (artigo 524.º, n. os 1 e 2 do Código de Processo Civil).
  
  5. Reclamação da base instrutória.
  Vejamos se os factos em causa deviam ter sido aditados à base instrutória, sendo instrumentais ou não.
  “40.º-A - H, em toda a sua vida, sempre tratou por igual todos os seus quatro filhos, nenhum favorecendo ou prejudicando em relação aos outros?
  40.º-B - H foi para Hong Kong acompanhado pela sua mulher, 3° R, e pelos dois filhos mais velhos, 4° e 5° RR?
  40.º-C - A mãe dos AA, 3° R, durante o ano de 2002, começou a afastar-se dos AA, recusando conviver com eles, ao contrário do que fazia com os 3.ª e 4.º RR, e dificultando o acesso dos AA ao convívio com o seu pai, H ?
  40.º-F - Foi a sociedade comercial de responsabilidade limitada denominada "O", de que são únicos sócios o 5.º R, G e a sua mulher P quem passou a receber as rendas das fracções mencionadas em C) e H) dos Factos Assentes, depois de as mesmas terem sido alienadas à sociedade C, 1.ª R?
  40.º-H - H nunca teria assinado o documento anteriormente referido se realmente soubesse que as sociedades comerciais nele indicadas, 1.ª e 2.ª RR, eram exclusivamente controladas pelos 3.ª 4. ª e 5.º RR ?
  Estes factos são instrumentais do facto do quesito 40.º. Mas não só, também dos factos dos quesitos 31.º, 32.º e 33.º, 34.º (estes dois mal redigidos por não corresponderem exactamente ao que foi alegado, como se dirá adiante), 35.º, 36.º, 37.º e 39.º.
  Como é evidente, a contradição entre alguns dos factos, v.g., os 40.º-G e 40.º-H, é irrelevante dado que estão na sua base causas de pedir subsidiárias.
  40.º-D - A mãe dos AA, 3.ª R, perante o estado de saúde debilitado do marido H, passou a controlar os negócios deste, com a ajuda apenas dos filhos mais velhos, que lhe prestavam contas e com os quais ela delineava planos para o prosseguimento da actividade comercial do marido?
  40.º-E - E, 3.ª R, e os dois filhos mais velhos, F e G, 4.ª e 5º RR, controlam as sociedades C e D, 1.ª e 2. ª RR ?
  40.º-J - H quando conferiu poderes a K, nas vendas mencionadas em x) e w) dos Factos Assentes, estava convencido que as empresas BVI 1.ª e 2.ª RR, pertenciam a todos os seus herdeiros?
  40.º-L - K tinha conhecimento do plano dos 3.ª 4.ª e 5.º RR com vista à retirada de bens do património do H em beneficio exclusivo desses?”.
  Estes factos são essenciais, porque atinentes à prova do erro provocado por dolo, que é uma das causas de pedir e também à falsidade da procuração alegadamente passada pelo autor da herança. Eventualmente, também à simulação.
  40.º-G - A assinatura constante do documento junto pelos 3.ª 4.ª e 5.º RR, onde se dão indicações à I para proceder à venda das fracções aí mencionadas à 1.ª e 2.ª RR (junto à Réplica como Doc. n.º 1) não é do punho do H?
  Este facto é essencial relativamente ao pedido feito na réplica, de declaração de falsidade desse mesmo documento.
  40.º-I - A assinatura constante da procuração mencionada em AA) dos Factos Assentes não é do punho do H?
  Este facto é essencial para a prova de que o autor da herança não foi validamente representado na escritura de 11 de Novembro de 2002, cujos negócios são arguidos de nulos, com fundamento em tal falsidade, e é essencial relativamente ao pedido feito na réplica, de declaração de falsidade desse mesmo documento.
  Em resumo, os factos dos quesitos 40.º- D, E, G, I, J e L são essenciais e relevantes, pelo que deviam ter sido aditados, atento o disposto no artigo 430.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
  Os factos dos quesitos 40.º-A, B, C, F, e H são instrumentais, mas no contexto dos autos, afigura-se-nos pertinente a sua quesitação, pelas razões atrás indicadas.
  Os quesitos 33.º, 34.º, 40.º-G e H estão deficientemente redigidos.
  Os quesitos 33.º e 34.º correspondem à alegação do artigo 93.º da petição, pelo que devem ser assim redigidos:
  33.º - Foi nas circunstâncias referidas nos quesitos 24.º e seguintes que os réus F e G e o trabalhador K solicitavam a assinatura de H para vários documentos?
  34.º - O qual assinava, desconhecendo o quê?
  Esta ampliação é feita ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 650.º do Código de Processo Civil, sem cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por manifesta desnecessidade.
  Quanto aos quesitos 40.º-G e H a sua redacção será:
  40.º-G - A assinatura constante do documento de 16 de Fevereiro de 2004 (fls. 642), onde se dão indicações à I para proceder à venda das fracções aí mencionadas à 1.ª e 2.ª RR não é do punho do H?
  40.º-H - H nunca teria assinado o documento referido no quesito 40.º-G se realmente soubesse que as sociedades comerciais nele indicadas, 1.ª e 2.ª RR, eram exclusivamente controladas pelos 3.ª, 4. ª e 5.º RR ?
  Impõe-se, por conseguinte, a anulação do julgamento da matéria de facto aos quesitos 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 39.º e 40.º já que se poderá ainda produzir prova dos factos instrumentais destinados a provar estes factos. Não se cumpre o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por manifesta desnecessidade.
  Está fora de causa a investigação pretendida pela 1.ª ré sobre a legítima da herança, relacionada com a legitimidade substantiva dos autores, por estar fora do âmbito da presente acção.
  
  6. Factos alegados relevantes, que não foram inseridos na base instrutória e relativamente aos quais o autor não reclamou quanto a essa omissão.
  Há outros factos alegados nos articulados que relevam para a decisão, que não foram inseridos na base instrutória e relativamente aos quais o autor não reclamou quanto à omissão.
  É o caso do artigo 39.º da réplica, onde se alegava que a intervenção do 1.º autor, como representante da I nas escrituras de 23 de Outubro de 2003, se fez com desconhecimento de que estava a intervir na venda a empresas controladas pelos 3.º, 4.º e 5.º réus. Tal facto releva quanto à questão da caducidade do direito de acção do 1.º autor, no que respeita aos vícios a que cabe a sanção da anulabilidade, como é o caso do dolo.
  É o caso também dos factos dos artigos 43.º, 45.º, (estes a provar por documentos, que os autores devem juntar ao processo), 46.º, 47.º, 49.º, 56.º, 57.º, 58.º, 88.º a 90.º da réplica, integrantes do vício da simulação.
  O aditamento destes factos à base instrutória impõe-se face ao disposto no artigo 650.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por manifesta desnecessidade.
  As partes serão notificadas para requererem provas quanto aos factos agora aditados, sem anulação dos termos processuais, com excepção da mencionada anulação de parte do julgamento da matéria de facto.
  
  7. Caducidade. Litigância de má fé.
  Face ao aditamento do quesito 41.º-A (artigo 39.º da réplica), impõe-se a anulação da decisão do Juiz de 1.ª instância atinente à caducidade.
  A anulação da matéria de facto e o aditamento de novos quesitos à base instrutória conduz igualmente à anulação da condenação do 1.º autor como litigante de má fé.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso, determinando:
A) A anulação do julgamento da matéria de facto aos quesitos 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 39.º e 40.º e processado posterior;
  B) O aditamento dos seguintes quesitos à base instrutória:
  “40.º-A - H, em toda a sua vida, sempre tratou por igual todos os seus quatro filhos, nenhum favorecendo ou prejudicando em relação aos outros?
  40.º-B - H foi para Hong Kong acompanhado pela sua mulher, 3° R, e pelos dois filhos mais velhos, 4° e 5° RR?
  40.º-C - A mãe dos AA, 3° R, durante o ano de 2002, começou a afastar-se dos AA, recusando conviver com eles, ao contrário do que fazia com os 3.ª e 4.º RR, e dificultando o acesso dos AA ao convívio com o seu pai, H ?
  40.º-D - A mãe dos AA, 3.ª R, perante o estado de saúde debilitado do marido H, passou a controlar os negócios deste, com a ajuda apenas dos filhos mais velhos, que lhe prestavam contas e com os quais ela delineava planos para o prosseguimento da actividade comercial do marido?
  40.º-E - E, 3.ª R, e os dois filhos mais velhos, F e G, 4.ª e 5º RR controlam as sociedades C e D, 1.ª e 2. ª RR ?
  40.º-F - Foi a sociedade comercial de responsabilidade limitada denominada "O", de que são únicos sócios o 5.º R, G e a sua mulher P quem passou a receber as rendas das fracções mencionadas em C) e H) dos Factos Assentes, depois de as mesmas terem sido alienadas à sociedade C, 1.ª R?
  40.º-G - A assinatura constante do documento de 16 de Fevereiro de 2004 (fls. 642), onde se dão indicações à I para proceder à venda das fracções aí mencionadas à 1.ª e 2.ª RR não é do punho do H?
  40.º-H - H nunca teria assinado o documento referido no quesito 40.º-G se realmente soubesse que as sociedades comerciais nele indicadas, 1.ª e 2.ª RR, eram exclusivamente controladas pelos 3.ª 4. ª e 5.º RR ?
  40.º-I - A assinatura constante da procuração mencionada em AA) dos Factos Assentes não é do punho do H?
  40.º-J - H quando conferiu poderes a K, nas vendas mencionadas em x) e w) dos Factos Assentes, estava convencido que as empresas BVI 1.ª e 2.ª RR, pertenciam a todos os seus herdeiros?
  40.º-L - K tinha conhecimento do plano dos 3.ª 4.ª e 5.º RR com vista à retirada de bens do património do H em beneficio exclusivo desses?”.
  C) O aditamento à base instrutória do artigo 39.º da réplica, com a redacção atrás mencionada (a intervenção do 1.º autor, como representante da I nas escrituras de 23 de Outubro de 2003, fez-se com desconhecimento de que estava a intervir na venda a empresas controladas pelos 3.º, 4.º e 5.º réus), que terá o número 41.º-A da base instrutória;
  D) O aditamento à base instrutória dos artigos 43.º, 45.º, 46.º, 47.º, 49.º, 56.º, 57.º, 58.º, 88.º a 90.º da réplica;
  E) Determina-se a alteração aos quesitos 33.º e 34.º:
  33.º - Foi nas circunstâncias referidas nos quesitos 24.º e seguintes que os réus F e G e o trabalhador K solicitavam a assinatura de H para vários documentos?
  34.º - O qual assinava, desconhecendo o quê?
Custas pelos recorrentes.
Macau, 17 de Outubro de 2012.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


     1 A procuração já referida de 19 de Maio de 2003.
     2 C. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2004, p. 252.
     3 A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, 1982, Volume III, p. 275 e 276.
     4 M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 70.
     5 J. LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, p. 136 e 137.
     6 M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 79.
     7 M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos…, p. 80.
    8 Refere-se ao Código de Processo Civil português, de 1961.
    9 Refere-se ao Código de Processo Civil português, de 1961.
    10 M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos…, p. 311 e 312.
    11 A. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1997, volume II, p. 135 e 136.

    12 PAULA COSTA E SILVA, Saneamento e condensação no novo processo civil, em Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 243 e 246.
     13 ISABEL ALEXANDRE, A fase da instrução no processo declarativo comum, em Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 277.
     14 Refere-se ao Código de Processo Civil português, de 1961.
     15 Refere-se ao Código de Processo Civil português, de 1961.
16 VIRIATO LIMA, Manual de Direito Processual Civil, Macau, CFJJ, 2.ª edição, 2008, p. 401.
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Processo n.º 52/2012