Proc. nº 624/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 29 de Setembro de 2011.
ASSUNTO:
- Despejo
SUMÁRIO:
- O direito à resolução do contrato de arrendamento só cessa se o locatário fizer cessar a mora do pagamento das rendas no prazo de 8 dias a contar do seu começo, conforme estipulado no nº 2 do artº 996º do CCM.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 624/2009
(Recurso civil e laboral)
Data: 29 de Setembro de 2011
Recorrente: A, Lda. (Ré)
Recorrida: B, Lda. (Autora)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença proferida nos presentes autos, decidiu-se julgar parcialmente procedente a acção intentada pela Autora e improcedente a reconvenção deduzida pela Ré, e, em consequência:
a) Declara resolvido o contrato de arrendamento de imóveis entre a Autora e a Ré, extinguindo-se a relação contratual de arrendamento entre ambas as partes;
b) Condena a Ré a despejar imediatamente a fracção autónoma arrendada e restituí-la à Autora devoluta de pessoas e bens;
c) Condena a Ré a pagar à Autora as rendas em dívida até ao mês de Dezembro de 2006 (incluindo o mês de Dezembro), no valor total de MOP$11.258,30;
d) Este montante é acrescido de juro de mora à taxa legal, contado a partir da data de citação até ao seu integral pagamento;
e) Rejeita o pedido da indemnização (indemnização por benfeitorias) invocado pela Ré. (v. tradução da sentença constante a fls. 373)
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede conclusiva:
I. O Tribunal a quo deu por provado, nomeadamente, que:
a) Em 20/06/06, A A. indicou à R. para esta fazer o depósito de rendas na conta número 052-171-XXXXXXXXX do banco XXX. em nome da companhia C;
b) A A. avisou por diversas vezes a R. para que esta procedesse ao pagamento das rendas;
c) Que a R. apesar de várias vezes avisada não procedeu ao pagamento das rendas;
d) A R. fez o depósito de dez mil patacas na conta acima identificada em 07/07/06;
e) Que a R. procedeu à feitura de obras.
II. A ora Recorrente sempre fez os pagamentos de renda à D Investments Limited e só a partir de determinada altura começou a fazer os pagamentos à ora Autora em razão de um deficit de comunicação existente entre a A. e a Ré.
III. A Recorrida procedeu ao envio postal de um aviso em 20/06/06 indicando que as rendas deviam ser depositadas no do banco XXX conta 052-171-XXXXXXXXX da companhia C.
IV. A ora Recorrente viu-se confundida por surgir uma companhia de nome C e, por vezes, uma outra companhia de nome B a pedir o pagamento de rendas.
V. Mas, a partir do momento em que foi confirmado que as rendas deviam ser deposttadas no banco XXX conta 052-171-XXXXXXXXX da companhia C a ora Recorrente passou, então, a fazer o depósito nessa conta (não o tendo feito a fim de não estar a proceder ao pagamento de renda em duplicado).
VI. Mais, a partir da tomada de conhecimento da real vontade da Autora, a ora Recorrente procedeu ao depósito de cerca de cinco meses de renda em adiantado, mais concretamente em 07/07/06.
VII. Contudo, quase seis meses depois a A. reagiu à falta de renda de dois dias e procedeu à propositura de uma acção de despejo com fundamento de falta de pagamento de rendas.
VIII. Salvo devido respeito por opinão contrária, parece que a Autora actua em manifesto abuso de direito e que, por outro lado, o direito à acção da Autora caducou por falta do seu exercício ...
IX. O Tribunal a quo deu como provado a realização de obras por parte da Ré, contudo, desconsiderou em absoluto a prova tetemunhal relativa ao quantitativo monetário despendido e desconsiderou a qualificação das obras ...
X. Ora, se em sede de audiência e julgamento a prova testemunhal (não rebatida) foi no sentido que a fracção fora arrendada completamente vazia de paredes, um verdadeiro espaço aberto, o Tribunal deveria ter aferido se as obras realizadas pela Ré ram exorbitantes por desnecessárias ou se, pelo contrário, foram necessárias para a exploração do seu comércio ...
XI. A Ré alegou e as testemunhas corroboram a realização das obras seguintes:
a) Colocação de paredes, dividindo-se o espaço em cinco compartimentos;
b) Colocação de vidros nas paredes;
c) Alcatifas;
d) Persianas;
e) Pintura;
f) Instalação de electricidade;
g) Porta de vidro (tudo no valor sessenta e oito mil patacas).
XII. O Tribunal a quo limitou-se a dar como provado que que "a R. procedeu à feitura de obras."
XIII. A lei impõe o dever de pronúncia sobre as questões colocadas e o dever de a entença ser coerente entre os fundamentos e a decisão. Mas, in casu, o Tribunal a quo não só não se pronunciou sobre a natureza das obras realizadas pela Ré como também não relevou o facto de a Ré ter pago as rendas adiantamente (depois de dois dias de falta do pagamento das mesmas) e não ter relevado o facto de a Ré só ter proposto a acção cerca de seis meses depois da pretensa ilicitude incorrida pela ora Recorrente.
XIV. Salvo o devido o respeito, a sentença recorrida violou o art. 571º do C.P.C. por excesso de pronúncia, o art. 571º do C.P.C. deveria ter sido interpretado pelo Tribunal a quo no sentido de se qualificar a natureza das obras realizadas pela Ré e no sentido de relevar fundamentadamente (ou não) a excepção peremptória de pagamento de rendas deduzida pela Ré.
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A recorrida não respondeu às alegações da recorrente.
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Por despacho do Mmº Juíz-Relator de 16/10/2009, proferido a fls. 335 dos autos, rejeitou-se liminarmente o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
1. A autora é uma sociedade limitada que foi constituída e iniciou a sua actividade em 21 de Janeiro de 2006, tendo por objecto social o exercício da actividade de investimentos imobiliários.
2. A ré é uma sociedade limitada constituída em 14 de Dezembro de 2001, tendo por objecto social o exercício das actividades comerciais de segurança contra incêndios e prestação de respectivos serviços, segurança de bens imóveis, nomeadamente prestação de serviços de consultadoria e transferência onerosa de equipamentos de segurança contra incêndios, exportação e importação, prestação de serviços de consultadoria e execução de obras de instalação na área de segurança contra incêndios e manutenção do sistema de segurança contra incêndios.
3. Em 27 de Fevereiro de 2004, a ré celebrou um contrato de arrendamento com a D Investiments Limited (D投資有限公司), pelo qual, a ré tomou de arrendamento a esta companhia uma fracção autónoma "A4", para escritório, sita na Avenida da Praia Grande, n.º XXX, Edifício XXX, X.° andar X, Macau.
4. O prazo do referido contrato de arrendamento é de 3 anos, com início em 1 de Março de 2004 e termo em 28 de Fevereiro de 2007.
5. O prédio urbano acima referido (Edifício XXX da Avenida da XXX) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX, a fls. 66 v do Livro B2, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º XXXXX, e na altura, a fracção autónoma acima referida (4.° andar A) encontrava-se inscrita a favor da D Investiments Limited sob o n.º XXXXXX.
6. Em 21 de Janeiro de 2006, a D Investiments Limited vendeu, por escritura pública, a referida fracção autónoma à autora.
7. Em 26 de Janeiro de 2006, a autora pediu a inscrição da referida aquisição na Conservatória do Registo Predial. A referida fracção autónoma encontra-se inscrita a favor da autora sob o n.º XXXXXXX.
8. O contrato de arrendamento acima referido estipula que a renda mensal é de MOP$2.551,00.
9. Conforme a cláusula 3.ª do referido contrato de arrendamento, a ré deve pagar a renda mensal até ao dia 5 de cada mês.
10. Após a aquisição da referida fracção autónoma, a autora comunicou imediatamente este facto à ré, exigindo-lhe que pagasse mensalmente a referida renda à autora.
11. Em 20 de Junho de 2006, a autora notificou a ré mais uma vez do montante das rendas em dívida até 30 de Junho de 2006, referindo que a ré devia pagar o referido montante e a renda de cada mês através do depósito na conta bancária aberta em nome da C Companhia Limitada no Banco XXX, n.º 052-171-XXXXXXXXX (actualmente com o n.º 71-300-XXXXX).
12. Com excepção do pagamento atrás mencionado no ponto 7.°, a ré não pagou as aludidas rendas mensais desde 21 de Janeiro de 2006.
13. Quanto à falta de pagamento das rendas, a autora contactou, várias vezes por sua iniciativa, com a ré, no sentido de exigir-lhe o pagamento das rendas em dívida.
14. Cada vez que a autora foi à fracção autónoma arrendada pela ré para exigir-lhe o pagamento das rendas em dívida, a ré recusou o respectivo pagamento.
15. A ré efectuou obras de decoração na fracção arrendada.
16. Em 7 de Julho de 2006 e 25 de Agosto de 2006, a ré depositou, a título de renda, dois montantes, no valor de MOP$7.653,00 (equivalente a HKD$7,422,89) e no valor de MOP$10.000,00 (equivalente a HKD$9.694,62), respectivamente, na aludida conta bancária aberta no Banco XXX em nome da autora, n.º 052-171-XXXXXXXXX.
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III – Fundamentos
Tendo em conta o já decidido no despacho de fls. 335 dos autos, o objecto do presente recurso passa pela análise apenas de duas questões:
- A eventual falta de pronúncia quanto à natureza das obras realizadas pela Ré na fracção autónoma arrendada; e
- A eventual caducidade do direito de acção em razão de a Ré ter feito cessar a mora nos termos do artº 35º do Regime do Arrendamento Urbano.
Quanto à primeira questão, cumpre dizer desde que logo que o recorrente não tem razão, pois não existe qualquer falta de pronúncia, o tribunal a quo julgou o pedido reconvencional improcedente e fundamentou a sua decisão pelo facto de não ter sido provadas as obras concretamente realizadas pela Ré, ora recorrente, pelo que não foi possível proceder à respectiva qualificação jurídica.
Passamos agora para a segunda questão.
Dispõe o artº 996º do C.C.M. que:
“1. Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; se o atraso exceder 30 dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro.
2. Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de 8 dias a contar do seu começo.
3. Enquanto não forem cumpridas as obrigações a que o n.º 1 se refere, o locador tem direito a recusar o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, os quais são considerados em dívida para todos os efeitos.
4. A recepção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora.
5. À mora do locatário no pagamento das rendas ou alugueres não pode ser aplicada a sanção prevista no artigo 333.º ”
Ora, segundo os factos provados, após a aquisição da fracção autónoma em causa, ocorrida em finais de Janeiro de 2006, a Autora comunicou imediatamente o facto à Ré, para que lhe pagasse mensalmente a renda.
Contudo, a Ré não o fez.
Em 20 de Junho de 2006, a Autora notificou a Ré mais uma vez do montante das rendas em dívida até 30 de Junho do mesmo ano, exigindo-lhe o respectivo pagamento.
Em 7 de Julho de 2006, a Ré pagou à Autora, a título de renda, o valor de MOP$7.653,00.
Em 25 de Agosto de 2006, a Ré pagou mais MOP$10.000,00.
Como bem notou o tribunal a quo que “o montante das rendas correspondente a sete meses e 10 dias contados desde a aquisição da referida fracção por parte da autora em 21 de Janeiro de 2006 até ao mês de Agosto, deve ser de MOP$18.707,30, porém, a ré só depositou, em 7 de Julho e em 25 de Agosto, um montante total de MOP$17653,00, sem pagar todas as rendas em falta. Posteriormente, desde Setembro até à propositura da presente acção pela autora em 14 de Dezembro de 2006, a ré deve pagar 4 meses de renda, porém, nenhuma renda foi paga pela ré.”
Mais ainda, “Depois de ter recebido a citação e antes de ter apresentado a sua contestação, a ré não pagou ou depositou as rendas em dívida, nem depositou a indemnização prevista no artigo 996º, por isso, não caduca o direito à resolução do contrato” (tradução de fls. 367 e 368 dos autos).
Pelo exposto, não se percebe com que base, quer de direito, quer de facto, é que a recorrente afirma ter cessado a mora de pagamento das rendas e consequentemente se cessou o direito à resolução do arrendamento da Autora?
Nesta conformidade, é de improceder o recurso.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.
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Custas pela recorrente.
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RAEM, aos 29 de Setembro de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
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624/2009